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Processo n.º 986/04
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 323 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 272, que julgou improcedente o recurso de apelação que interpôs da sentença do 3º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, de fls. 135, proferida na acção por ele proposta contra banco B..
Pretende o recorrente que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade das normas constantes das “cláusulas 136º a 144º do ACTV para o Sector Bancário”
(resposta de fls. 318).
2. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
E, na verdade, o Tribunal Constitucional não é competente para o conhecer, como se decidiu já no Acórdão n.º 172/93, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 451 e seguintes e, mais recentemente, nos Acórdãos n.º 637/98 e 284/99 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ainda que assim não fosse, nunca o Tribunal Constitucional poderia conhecer do objecto do presente recurso, por falta de definição do respectivo objecto. Com efeito, incumbe ao recorrente definir o objecto do recurso que interpôs, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro. Para o efeito, não chega indicar uma lista de preceitos e pretender que o Tribunal Constitucional se lhe substitua na definição das normas que há-de apreciar.
3. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Assim, nos termos e pelos fundamentos constantes do Acórdão n.º 172/93, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária e “que seja conhecido o objecto do (...) recurso para o Tribunal Constitucional”. Em síntese, o ora reclamante sustenta que as normas constantes das cláusulas
136º a 144º do ACT devem ser consideradas “normas” para o efeito de poderem ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional, já que têm um “carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de relações laborais cuja vigência, se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador” – o n.º 2 do artigo 63º da Constituição – e “normas de concretização de um direito subjectivo público”, o direito à segurança social. Para além disso, afirma que “o objecto do recurso foi plenamente demonstrado no requerimento de interposição do mesmo, tendo, apenas, por lapso, sido omitida a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretendia que fosse verificada”, mas que tal lapso foi corrigido na sequência de notificação para o efeito, “pelo que o objecto do recurso será a verificação das cláusulas 136º a
144º do ACTV, que dizem respeito à forma de cálculo da reforma”.
Notificada para se pronunciar, querendo, a reclamada B. não respondeu.
3. A reclamação não pode proceder, desde logo pelas razões constantes do Acórdão n.º 172/93, para o qual remeteu a decisão reclamada, e que a reclamação em nada abala.
Para além disso, indicar como objecto do recurso de constitucionalidade determinados preceitos – no caso, constantes de cláusulas de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho – acusando de serem inconstitucionais as normas neles contidas não é suficiente para se poder considerar definido o objecto do recurso de constitucionalidade, como se decidiu na decisão reclamada.
Na verdade, incumbe ao recorrente definir o objecto do recurso que interpôs, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. Para o efeito, não chega indicar uma lista de preceitos e pretender que o Tribunal Constitucional se lhe substitua na definição das normas que ele, recorrente, acusa de serem inconstitucionais. Não se põe em causa que, no requerimento de interposição de recurso, o ora reclamante coloque uma questão de constitucionalidade relativa, em bloco, ao ACTV do Sector Bancário; e que, na resposta de fls.318, venha acrescentar a indicação de vários preceitos. O que sucede é que o sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade apenas permite que o Tribunal Constitucional, em via de recurso, aprecie a constitucionalidade de normas aplicadas ou afastadas por inconstitucionalidade pela decisão recorrida, e não de uma inconstitucionalidade atribuída à própria decisão recorrida. Assim resulta de Constituição e da lei, e assim tem sido afirmado repetidamente pelo Tribunal Constitucional (cfr. a título de exemplo, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). Ora a verdade é que, ao indicar uma série de preceitos que afirma terem sido aplicados pela decisão recorrida para alcançar um resultado, o que o ora reclamante está é acusar de inconstitucionalidade a própria decisão recorrida; ou, então, a pretender que o Tribunal Constitucional, de cada um dos preceitos indicados, vá determinar com que sentido foram interpretados e aplicados, assim definindo, ele próprio, o objecto do recurso (cfr., por ex., o Acórdão nº 178/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º, 1118).
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes (Com declaração anexa) Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão pelo segundo fundamento, isto é, pelo incumprimento do ónus de identificação de uma concreta questão de constitucionalidade normativa por parte do recorrente.
Não acompanho o entendimento que não reconhece as normas contidas em convenções colectivas de trabalho como normas para efeito de poderem ser apreciadas em fiscalização de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, aderindo ao essencial das razões da corrente que, neste domínio, é minoritária na jurisprudência do Tribunal e de que, por mais recente, refiro o Acórdão n.º
580/2004.
Muito em resumo, são para mim decisivos os seguintes elementos positivos que caracterizam especificamente estas normas, no plano das fontes normativas, quanto aos atributos (cfr. J.C. Vieira de Andrade, “A fiscalização da constitucionalidade das “normas privadas” pelo Tribunal Constitucional”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 133º, n.º 3921, p.357 e ss.) de heteronomia (determinação, em cada espécie concreta, de um acto normativo dotado de vinculatividade não dependente da vontade dos destinatários, ou de subordinação à norma independentemente da vontade das partes) e reconhecimento estatal (reconhecimento jurídico-político da força vinculativa heterónoma dos actos normativos, capaz de os impor a terceiros ou a destinatários não participantes no seu processo formativo) e que claramente as distinguem de outras hipóteses de “normas privadas” que deles não comungam, permitindo qualificá-las de modo diferenciado para efeito do artigo 280.º da Constituição:
- são reconhecidas como “normas” pela própria Constituição que como tal se lhes refere expressamente, embora deferindo para a lei as condições da sua eficácia (artigo 56.º, n.º 4);
- vêm a sua força regulada no capítulo das fontes do direito laboral, não estando o seu âmbito pessoal de aplicação necessariamente dependente da existência de relação actual de representação dos destinatários pelas entidades celebrantes, ficando sujeitos ao seu regime trabalhadores e empregadores que, no momento em que se conclui o processo negocial e se tornam eficazes, não integram as associações signatárias (cfr. artigos 553.º e 554.º do Código de Trabalho);
- pertencem à questão de direito para todos os efeitos da competência dos restantes tribunais, incluindo quanto ao valor e publicação dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões interpretativas, nos termos do artigo186.º do Código de Processo de Trabalho.
Vítor Gomes