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Processo nº 331/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Criminal), em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, pelos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 179 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que não foi abalada pela resposta do recorrente - que acaba mesmo por 'desistir da arguida inconstitucionalidade', relativamente à norma do artigo 682º do Código de Processo Penal, e, quanto ao mais, invocando 'lapso', indica a alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, o que, in casu, não tem cabimento -, tendo merecido a
'inteira concordância' do Ministério Público, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena--se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta. Lisboa, 08 de Outubro de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Bravo Serra Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 331/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção - 1ª Subsecção), 'nos termos do artigo
682.º do Código de Processo Penal de 1929', de 19 de Dezembro de 1996, que negou provimento ao recurso de revisão da sentença condenatória e transitada que lhe foi imposta no 3º Juízo Criminal de Lisboa.
2. Relativamente a esse acórdão veio o recorrente apresentar um requerimento a sustentar que ele 'enferma de dois vícios' ('a) não é claro - ou não é tão claro como cumpria que fosse'; b) e suscita também duas questões de inconstitucionalidade').
Quanto à afirmação de que o 'acórdão sub judice violou ainda, e duplamente, a Constituição da República', entendeu o recorrente que são 'duas violações', que tratou em separado e condensou nas conclusões assim formuladas:
'd) independentemente dessa aclaração - de que o recorrente não prescinde -, imputa-se ainda este juízo de desvalor: o acórdão sub judice incorreu em dupla violação da Constituição;
e) a primeira violação consistiu em se ter interpretado e aplicado a 'vista' prevista no artº 682º do C. P. Penal de 1992 em manifesta desconformidade com a jurisprudência constitucional em relação ao artº 644º do mesmo Código;
f) com efeito, e pronunciando-se o Ministério Público pelo não provimento do recurso, o recorrente devia ter sido ouvido à matéria de tal procuração, porque assim o exigem os nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa;
g) por outro lado, o douto acórdão sub judice fez uma interpretação e aplicação restritivas dos pressupostos do nº 4 do artº 673º do C.P. Penal de 1929, em clara desarmonia com a interpretação extensiva reclamada pelas 'garantias de defesa' (nº 1 do artº 32º da C.R.P.);
h) por isto: confundiu 'grave presunção de inocência' com 'quase prova' dessa inocência, quando a orientação correcta seria - e é - a de se contentar com sérios indícios (e foi apenas o que pretendeu o recorrente); com todo o devido respeito, o Supremo Tribunal de Justiça emitiu um juízo rescisório - quando devia limitar-se a um simples juízo rescidente. Esta, a surpresa maior do recorrente'.
No final do requerimento, diz o recorrente que 'fica desde já interposto recurso para o Tribunal Constitucional (alíneas g) e h) do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro), com os fundamentos invocados'.
3. Por acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Abril de
1997, foi indeferido o pedido de aclaração e depois, por despacho do Relator, foi admitido aquele recurso 'nos termos das alíneas g) e h) da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro que vêm invocadas' (são as alíneas do nº 1 do artigo 70º da citada Lei).
4. A invocação daquelas alíneas tem a ver com a aplicação de normas já anteriormente julgadas inconstitucionais 'pelo próprio Tribunal Constitucional'
(g)) ou 'pela Comissão Constitucional nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional' (h)).
Tais requisitos específicos do recurso de constitucionalidade não se verificam in casu e o recorrente foi muito claro na indicação desse fundamento do recurso.
Desde logo, é fácil ver que, no que toca à norma do nº 4 do artigo 673º do Código de Processo Penal de 1929, que fixa um dos casos em que era admissível a revisão da sentença com transito em julgado, e que, segundo a recorrente, teria sido interpretada e aplicada pelo acórdão recorrido 'em clara desarmonia com a interpretação extensiva reclamada pelas 'garantias de defesa' (nº 1 do artº 32º da C.R.P.)', não há qualquer indicação de anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional contendo um juízo de inconstitucionalidade dessa norma (nem a mínima palavra do recorrente a tal respeito, limitando-se a demonstrar que os 'Senhores Conselheiros do Plenário Criminal fizeram uma interpretação restritiva do artº 673º do C.P. Penal de
1929', sendo que 'as exigências constitucionais (...) reclamam essa interpretação extensiva, por força do disposto no artº 32º nº 1 da C.R.P.').
Tanto basta para dar aqui como não verificado o requisito específico das alíneas g) e h) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
5. Fica, então, a outra norma, a do artigo 682º do mesmo Código, enquanto manda abrir 'vista ao Ministério Público', na tramitação em curso no Supremo Tribunal de Justiça.
Para o recorrente, o que 'o Tribunal Constitucional tem dito da 'vista' referida no artº 664º do C.P. Penal, aplica-se inteiramente, por igualdade de razão, à 'vista' prevista no artº 682º do mesmo Código', querendo assim reportar-se à jurisprudência do Tribunal, a propósito daquele artigo 664º
(prevendo igualmente que os recursos 'irão com vista ao Ministério Público, se a não tiver tido antes') e que o recorrente identifica ('Na verdade, o artº 664º do C.P. Penal de 1929 começou por ser declarado inconstitucional, pelo acórdão nº 150/ /87, do Tribunal Constitucional, justamente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição', e, posteriormente, 'sucessivos arestos do Tribunal Constitucional (cfr. acórdãos 398/90, 495/89, 496/89, 350/91 e
356/91), consagraram, com firmeza, a orientação jurídica de que o artº 664º do C.P.Penal (1929) só não é inconstitucional, quando interpretado e aplicado com o sentido de que o réu deve ser sempre ouvido quando o Ministério Público emitir parecer que possa agravar a posição do mesmo réu' - é o que o recorrente invoca).
Ora, a norma anteriormente julgada inconstitucional e quando o foi - a do artigo 664º - não é a norma aplicada no acórdão recorrido, que aplicou a norma do artigo 682º, ao referir-se ao parecer do Ministério Público nestes termos:
'Subidos os autos a este Tribunal nos termos do artº 682º o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer em que suscita em primeiro lugar a questão prévia de não dever ser admitido o recurso e, para o caso de assim não se entender, deve então ser negada autorização para a revisão pretendida'.
Ainda que se queira ver em tais normas, tout court, uma mesma regra de eventual obtenção de um parecer do Ministério Público, por via da vista que lhe
é proporcionada nos processos, a verdade é que, como se afirmou, a norma do artigo 664º e a do artigo 682º colocam-se em planos processuais distintos, em matéria de recursos e de revisão das sentenças e despachos, respectivamente, e visam objectivos distintos.
Na verdade, à luz do artigo 664º, o Ministério Público pode pronunciar-se com ampla margem de subjectivismo sobre o mérito da decisão de que foi interposto recurso, em matéria penal, com possíveis reflexos na posição do réu, sendo que só pode falar-se em inconstitucionalidade quando aquela norma é interpretada no sentido de que o parecer possa agravar a posição do réu, sem este ter possibilidade de responder, e daí que ela 'deve ser analisada em conjugação com a utilização que em cada um dos casos concretos, o Ministério Público fez da faculdade de visto prevista naquele preceito legal' (como se pode ler no citado acórdão nº 356/91).
Mas, na perspectiva do artigo 682º, a pronuncia do Ministério Público está adstrita vinculadamente à verificação da hipótese concreta da revisão prevista no artigo 673º, para controlo objectivo dos pressupostos aí enunciados, e para concluir pela autorização ou denegação da revisão pedida. Aí não se pode ver, utilizando a linguagem do citado acórdão nº 150/ /87, uma 'faculdade de trazer aos autos uma nova e eventualmente mais aprofundada argumentação contra o arguido'.
Assim sendo, tem de se concluir que não houve aplicação no acórdão recorrido de norma julgada anteriormente inconstitucional pelo Tribunal Constitucional ou pela Comissão Constitucional, pois não se descortina tal juízo nos acórdãos identificados pelo recorrente, relativamente à norma questionada do artigo 682º.
Por consequência, tem de dar-se também aqui como não verificado o requisito específico das alíneas g) e h) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Por tudo isto, não pode conhecer-se do presente recurso de constitucionalidade, em toda a sua extensão, por faltar o apontado requisito específico.
6. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.