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Processo n.º 1067/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 10 de Janeiro de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão, no que respeita ao reclamante, teve o seguinte teor:
«1. Por acórdão de 23 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou anterior decisão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Dezembro de 2003, que igualmente confirmara a decisão do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Chaves condenando A. e B. nas penas de prisão de 11 e 10 anos, respectivamente, pelos crimes de tráfico de estupefacientes e detenção ilícita de precursores. De tal decisão apresentaram os recorrentes pedido de aclaração. Após decisão de um incidente de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, em conferência, em 14 de Julho de 2004, sobre a reclamação, apresentada pelo primeiro recorrente, do despacho que fixou o termo do prazo máximo da prisão preventiva. Em 22 de Julho de 2004, em conferência, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando que o pedido de aclaração, que indeferiu, traduzia propósitos manifestamente dilatórios, porquanto “os recorrentes solicita[va]m esclarecimento sobre questão que pressupõem resolvida”, decidiu que tal incidente e os que se lhe sucedessem seriam processados em separado “baixando o processo ao tribunal da causa para os efeitos de cumprimento do julgado”. Considerando que, por os Juízes Conselheiros que subscreveram a decisão do pedido de aclaração não serem os mesmos que subscreveram a decisão reclamada,
“lhes mingua competência para se pronunciarem sobre a pretensão dos exponentes”, vieram os recorrentes, em 5 de Agosto de 2004, arguir a “incompetência material ou funcional” dos signatários da decisão proferida em 22 de Junho de 2004. Por outro lado, em 13 de Agosto de 2004 vieram os recorrentes invocar a nulidade, por omissão de pronúncia, do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2004, arguindo também, “por mera cautela, a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, al. c), do CPP efectuada na decisão recorrida, por violação [do artigo] 32.º da CRP, ao considerar que a arguição de uma nulidade de decisão de 2ª instância por ter omitido pronúncia sobre questão colocada em recurso interlocutório, não pode ocorrer em recurso desse acórdão”. Por acórdão de 19 de Agosto de 2004, a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a invocação de nulidade do acórdão do mesmo Tribunal proferido em 22 de Julho de 2004 com fundamento em ter sido “proferido durante as férias judiciais em processo com arguidos presos (...) daí decorrendo que o mesmo tivesse de ser proferido pelos Juízes Conselheiros escalados para o respectivo turno”. Em 20 de Agosto de 2004, vieram ambos os recorrentes pedir a sua imediata libertação por se dever considerar extinta a sua prisão preventiva. Por despacho do mesmo dia foi tal pedido indeferido pelo Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça, com base na decisão desse Tribunal de 22 de Julho de 2004, notificada aos recorrentes, que ordenou o processamento do incidente em separado e a devolução dos autos ao tribunal em causa “para efeitos de cumprimento do julgado”. Notificados deste despacho, interpuseram os recorrentes reclamação para a conferência em 31 de Agosto de 2004 e, em 2 de Setembro de 2004, o primeiro recorrente apresentou recurso de constitucionalidade do acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Agosto de 2004, para ver apreciada a conformidade com a Constituição “das normas constantes dos artigos
37.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, quando interpretadas no sentido com que foram aplicadas na decisão recorrida, isto é, que três Conselheiros de turno têm competência para aclarar acórdão prolatado, na sequência de audiência, necessariamente por quatro Conselheiros (artigo 35.º do CPP), estes diferentes daqueles, mantendo os da audiência a sua jurisdição sobre o processo”. O Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, recusou pronunciar-se, em 29 de Setembro de 2004, sobre a arguição de nulidade do acórdão do mesmo tribunal de
23 de Junho de 2004, bem como sobre a inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º
1, al. c), do Código de Processo Penal (questões suscitadas pelos recorrentes em
13 de Agosto de 2004), considerando extemporâneo o dito requerimento. Na mesma decisão foi confirmado o despacho de 20 de Agosto de 2004, que fora alvo de reclamação para a conferência em 31 de Agosto desse mesmo ano. O primeiro réu veio então arguir a nulidade de tal decisão por se ter pronunciado sobre a questão da extemporaneidade do requerimento sem audição prévia, pedir esclarecimento do fundamento normativo da decisão e arguir a irregularidade da decisão por falta de fundamentação, ao passo que o segundo invocou a nulidade da decisão por falta de fundamentação. Em conferência, de novo o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu as reclamações de ambos os recorrentes, por decisão de 17 de Novembro de 2004. O primeiro réu interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da conformidade constitucional “do artigo 670.º, n.º 3, do CPC, interpretada no sentido com que o foi na decisão recorrida, isto é, que tendo sido pedidos esclarecimentos sobre um acórdão, o prazo para arguir nulidades do mesmo não se conta a partir da notificação da decisão sobre o esclarecimento”, e
“do artigo 417º, n.º 2, do CPP, quando interpretada no sentido, com que o foi na decisão recorrida, isto é, que tendo o M.º P.º levantado como questão prévia a extemporaneidade do requerimento do recorrente aduzindo a nulidade do acórdão, pode o Colectivo decidir, no sentido da verificação desta, sem que o interessado tenha de ser ouvido sobre tal questão.” Por sua vez, também o segundo réu apresentou recurso dessa mesma decisão ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, mas para apreciação da “inconstitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 677.º e 720.º, n.º 2, ambos do CPC e 215.º, n.º 1, al. d), do CPP (…), isto é, de que em processo penal transita em julgado uma decisão relativa a um acórdão final quando o mesmo é ainda passível de arguição de nulidades, podendo, pois, a pena começar a ser cumprida”. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
2. Os três recursos de constitucionalidade – os dois do primeiro réu, interpostos em 2 de Setembro e 6 de Dezembro de 2004, e o do segundo réu, interposto em 7 de Dezembro de 2004 – foram admitidos (em decisão que, como se sabe, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, não vincula este Tribunal), mas, analisados os autos, verifica-se que é de proferir decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por este Tribunal não poder tomar conhecimento dos recursos.
3. Na verdade, e como se deixou referido, o primeiro recurso de constitucionalidade, interposto em 2 de Setembro de presente ano, visava a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 37.º, n.º 2, da Lei n.º
3/99, de 13 de Janeiro (“A intervenção dos juízes de cada secção no julgamento faz-se, nos termos da lei de processo, segundo a ordem de precedência”) e do artigo 32.º, n.º 1, da mesma lei (“No Supremo Tribunal de Justiça organizam-se turnos para o serviço urgente durante as férias judiciais ou quando o serviço o justifique”), não simplesmente na sua interpretação enunciativa, ou literal, que se deixou transcrita, mas no sentido de “três Conselheiros de turno [terem] competência para aclarar acórdão prolatado, na sequência de audiência, necessariamente por quatro Conselheiros (…), estes diferentes daqueles, mantendo os da audiência a sua jurisdição sobre o processo”. Esta precisão final pode servir ao caso dos autos, mas a verdade é que é indiferente à questão de constitucionalidade suscitada, que se poria de igual modo se, após o incidente de aclaração, outros não houvesse. É dizer que a manutenção da “jurisdição sobre o processo” por parte da secção, após intervenção dos juízes de turno, depende da contingência de vir a haver ou não outros incidentes a decidir após ter sido proferida a decisão (supostamente) final, alvo de pedido de aclaração, e só existe na medida em que o poder jurisdicional se não tenha esgotado, precisamente com o proferir desse decisão
(supostamente) final. Que os juízes que proferiram a decisão (supostamente) final se voltem a pronunciar sobre o caso é irrelevante, não só porque isso depende de os recorrentes continuarem, ou não, a suscitar incidentes pós-decisórios, mas também porque, mesmo no caso dos autos, em que isso ocorreu, tal circunstância é posterior e totalmente alheia à decisão que é impugnada. O que é relevante na dimensão normativa em causa é a alegada violação do princípio do juiz natural decorrente da intervenção dos juízes de turno. Ora, tal questão, referida à intervenção dos juízes escalados para o serviço urgente durante as férias judiciais, é manifestamente improcedente, por ser da própria natureza do funcionamento em turnos que a competência normal das secções se altere. Assim, não tendo sido impugnadas as normas que determinaram a formação do colectivo que se pronunciou, em férias, sobre o pedido de aclaração – e podendo até dizer-se que a oportunidade de a decisão a aclarar vir a ser apreciada, ainda que só para esse efeito, por quem nela não interveio, só pode constituir uma vantagem adicional em termos de objectividade -, nem tendo sido invocado (o que também não caberia a este Tribunal apreciar) que tais normas não foram respeitadas, não deve prosseguir-se na avaliação da conformidade constitucional de tal sistema, que é, aliás, o único compatível com a realização de uma justiça célere em processos, como o presente, que, por existirem arguidos presos, devam correr em férias judiciais.
4. O segundo recurso de constitucionalidade, interposto pelo mesmo recorrente em
6 de Dezembro de 2004, visava a apreciação da conformidade constitucional de duas normas: a do artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, alegadamente com o sentido, oposto à sua letra, de que “o prazo para arguir nulidades [de um acórdão] não se conta a partir da decisão sobre o esclarecimento”. Acontece, porém, que esta dimensão normativa – aquele preceito com a referida interpretação – não foi aplicada na decisão recorrida, nem em nenhuma outra, tendo-se entendido, antes, que a arguição de nulidades era extemporânea apenas por, no caso, ser inteiramente vão o pedido de aclaração (o artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil não contempla, no entender do Tribunal recorrido,
“um requerimento manifestamente dilatório…com o objectivo de retardar o trânsito da decisão”), desde logo por se admitir resolvido o dilema que era formulado no pedido de aclaração. Como quer que seja, e ainda que na decisão recorrida tivesse sido admitida, sequer implicitamente, uma interpretação de tal norma que pudesse reconduzir-se ao sentido impugnado, não pode agora conhecer-se de tal questão, por o recorrente não a ter suscitado perante o tribunal recorrido, em ordem a obrigá-lo a um juízo de conformidade constitucional dessa interpretação (se é que a professaria) e permitir a sua reapreciação, em recurso, por este Tribunal. E não vale dizer, como faz o recorrente, que não o podia ter feito antes, uma vez que a invocação expressa da norma impugnada constava já do parecer do Ministério Público transcrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2004 (fls. 134 dos autos), a que o recorrente reagiu por requerimento de 6 de Outubro de 2004 (fls. 142 e seg. dos autos), no qual, entre o mais, também mencionou a alegada interpretação adoptada para essa norma. Tais questões vieram a ser decididas pelo mesmo Tribunal, em 17 de Novembro de 2004, sem que nessa decisão, que é a ora recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre qualquer questão de constitucionalidade, por nenhuma lhe ter sido colocada. Ora, sem a suscitação da questão de constitucionalidade e sem tal pronúncia prévia não se pode pretender uma intervenção em recurso deste Tribunal. O mesmo se diga, mutatis mutandis, para a outra norma impugnada – a do artigo
471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal -, até porque na decisão recorrida o Ministério Público “nada requereu”. O facto de a decisão recorrida – a de 17 de Novembro de 2004 – ter vindo a transcrever a anterior pronúncia do Ministério Público – como já fizera a anterior decisão de 29 de Setembro de 2004 – não é bastante para não considerar a falta de reacção no requerimento de 6 de Outubro de 2004 (fls. 142-143 dos autos), que se destinou a impugnar essa primeira decisão. É certo que o recorrente pretende, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, impugnar “o acórdão de 29 de Setembro, com o seu complemento de 17 de Novembro último”. Mas evidentemente que o não pode fazer, sendo estas como são, na parte relevante para o recurso ora em apreço, decisões sucessivas sobre nulidades: o acórdão de 29 de Setembro sobre alegadas nulidades do acórdão de 23 de Junho de 2004; o acórdão de 17 de Novembro de 2004 sobre alegadas nulidades do acórdão de 29 de Setembro. Ora, uma vez que nada obstava à interposição do recurso de constitucionalidade logo da primeira decisão, a opção pela renovação da suscitação de nulidades, agora não mais referidas à decisão subjacente (de 23 de Junho de 2004), mas sim à de 29 de Setembro, abre naturalmente caminho à suscitação de questões de constitucionalidade inerentes a esta última decisão, mas preclude que, de imediato, se suscitem as referentes ao anterior acórdão sobre nulidades, porquanto o poder jurisdicional sobre tais questões se esgotou e este anterior acórdão deixa de ser a decisão recorrida. Ainda assim, e obtido ganho de causa sobre a nulidade da decisão de 17 de Novembro de 2004 – por via de decisão autónoma do Supremo Tribunal de Justiça, ou por obtenção de um juízo de inconstitucionalidade da norma, ou normas, em que se tivesse baseado aquele Tribunal para concluir pela improcedência da arguição de nulidade -, reabrir-se-ia a apreciação da nulidade da decisão de 29 de Setembro, podendo voltar a suscitar-se as questões de constitucionalidade pertinentes para tal decisão. Sem isso, porém, tais questões ficam fora de apreciação deste Tribunal, por respeitarem a uma decisão outra que não a recorrida. Pretende também o recorrente, presumivelmente para obstar à liminar improcedência do recurso, que “só com a decisão de 17 de Novembro (…) veio a saber que a extemporaneidade tinha sido questão prejudicial levantada pelo M.º P.º no parecer”. Tal não pode, porém, corresponder à verdade: o mesmo parecer transcrito na decisão de 17 de Novembro foi-o também, na íntegra, na decisão de
29 de Setembro, sem que na arguição de nulidade que apresentou em 6 de Outubro o recorrente tenha suscitado a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Conclui-se, pois, que, por não cumprimento pelo recorrente do ónus de condução de uma estratégia processual adequada (cfr. Acórdão n.º 479/89, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.14.º, pp.143-154), traduzida na suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, se não pode tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«A) QUANTO AO RECURSO INTERPOSTO EM 2 DE SETEMBRO
1 – Segundo a decisão reclamada: O que é relevante na dimensão normativa em causa é a alegada violação do princípio do juiz natural decorrente da intervenção dos juizes de turno. Ora, tal questão, referida à intervenção dos juizes escalados para o serviço urgente durante as férias judiciais, é manifestamente improcedente, por ser da própria natureza do funcionamento em turnos que a competência normal das secções se altere. Assim, não tendo sido impugnadas as normas que determinaram a formação do colectivo que se pronunciou, em férias, sobre o pedido de aclaração - e podendo até dizer-se que a oportunidade de a decisão a aclarar vir a ser apreciada, ainda que só para esse efeito, por quem nela não interveio, só pode constituir uma vantagem adicional em termos de objectividade -, nem tendo sido invocado (o que também não caberia a este tribunal apreciar) que tais normas não foram respeitadas, não deve prosseguir-se na avaliação da conformidade constitucional de tal sistema, que é, aliás, o único compatível com a realização de uma justiça célere em processos, como o presente, que, por inexistirem arguidos presos, devam correr em férias judiciais.
2 – O recurso foi interposto na sequência de requerimento em que se arguiu a incompetência material ou funcional dos signatários do acórdão proferido em 19 de Agosto.
3 – É que a aclaração de acórdão tem de ser proferida pelo mesmo número de juízes que prolataram o acórdão.
4 – Ora, os acórdãos prolatados na sequência da audiência, em processo crime, no STJ são, caso único na nossa lei, da responsabilidade de um número de juizes superior ao número normal. Para além do relator, intervêm três juizes adjuntos
(artigo 435° do CPP).
5 – Tal não ocorreu no presente caso.
6 – Tendo a decisão objecto de recurso sido proferida por número de juizes diferente do legalmente fixado, a decisão está viciada, sendo que o vício é violador do princípio do juiz natural, oportunamente invocado.
7 – O problema de tal nulidade foi oportunamente invocado.
8 – Assim, o recurso deve ser conhecido. B) QUANTO AO RECURSO INTERPOSTO EM 6 DE DEZEMBRO
1 – Segundo a decisão reclamada: O segundo recurso de constitucionalidade, interposto pelo mesmo recorrente em 6 de Dezembro de 2004, visava a apreciação da conformidade constitucional de duas normas: a do artigo 670º, n° 3, do Código de Processo Civil, alegadamente com o sentido, oposto à letra, de que “o prazo para arguir nulidades (de um acórdão) não se conta a partir da decisão sobre o esclarecimento”. Acontece, porém, que esta dimensão normativa - aquele preceito com a referida interpretação - não foi aplicada na decisão recorrida, nem em nenhuma outra, tendo-se entendido, antes, que a arguição de nulidades era extemporânea apenas por, no caso, ser inteiramente vão o pedido de aclaração (o artigo 670º, n° 3, do Código de Processo Civil não contempla, no entender do Tribunal recorrido,
“um requerimento manifestamente dilatório ... com o objectivo de retardar o trânsito da decisão”, desde logo por se admitir resolvido o dilema que era formulado no pedido de aclaração. Como quer que seja, e ainda que na decisão recorrida tivesse sido admitida, sequer implicitamente, uma interpretação de tal norma que pudesse reconduzir-se ao sentido impugnado, não pode agora conhecer-se de tal questão, por o recorrente não a ter suscitado perante o tribunal recorrido, em ordem a obrigá-lo a um juízo de conformidade constitucional dessa interpretação (se é que a professaria) e permitir a sua reapreciação, em recurso, por este Tribunal. E não vale dizer, como faz o recorrente, que não o podia ter feito antes, uma vez que a invocação expressa da norma impugnada constava já do parecer do Ministério Público transcrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2004 (fls. 134 dos autos), a que o recorrente reagiu por requerimento de 6 de Outubro de 2004 (fls. 142 e segs. Dos autos), no qual, entre o mais, também mencionou a alegada interpretação adoptada para essa norma. Tais questões vieram a ser decididas pelo mesmo Tribunal, em 17 de Novembro de
2004, sem que nessa decisão, que é a ora recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre qualquer questão de constitucionalidade, por nenhuma lhe ter sido colocada. Ora, sem a suscitação da questão de constitucionalidade e sem tal pronúncia prévia não se pode pretender uma intervenção em recurso deste Tribunal. O mesmo se diga, mutatis mutandis, para a outra norma impugnada - a do artigo
471º, n° 2, do Código de Processo Penal -, até porque na decisão recorrida o Ministério Público “nada requereu”. O facto de a decisão recorrida - a de 17 de Novembro de 2004 - ter vindo a transcrever a anterior pronúncia do Ministério Público- como já fizera a anterior decisão de 29 de Setembro de 2004 - não é bastante para não considerar a falta de reacção no requerimento de 6 de Outubro de 2004 (fls. 142-143 dos autos), que se destinou a impugnar essa primeira decisão. É certo que o recorrente pretende, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, impugnar “o acórdão de 29 de Setembro, com o seu complemento de 17 de Novembro último”. Mas evidentemente que o não pode fazer, sendo estas como são, na parte relevante para o recurso ora em apreço, decisões sucessivas sobre nulidades: o acórdão de 29 de Setembro sobre alegadas nulidades do acórdão de 23 de Junho de 2004, o acórdão de 17 de Novembro de 2004 sobre alegadas nulidades do acórdão de 29 de Setembro. Ora, uma vez que nada obstava à interposição do recurso de constitucionalidade logo na primeira decisão, a opção pela renovação da suscitação de nulidades, agora não mais referidas à decisão subjacente (de 23 de Junho de 2004), mas sim à de 29 de Setembro, abre naturalmente caminho à suscitação de questões de constitucionalidade inerentes a esta última decisão, mas preclude que, de imediato, se suscitem as referentes ao anterior acórdão sobre nulidades, porquanto o poder jurisdicional sobre tais questões se esgotou e este anterior acórdão deixa de ser a decisão recorrida. Ainda assim, e obtido ganho de causa sobre a nulidade da decisão de 17 de Novembro de 2004 - por via de decisão autónoma do Supremo Tribunal de Justiça, ou por obtenção de um juízo de inconstitucionalidade da norma, ou normas, em que se tivesse baseado aquele Tribunal para concluir pela improcedência da arguição de nulidade -, reabrir-se-ia a apreciação da nulidade da decisão de 29 de Setembro, podendo voltar a suscitar-se as questões de constitucionalidade pertinentes para tal decisão. Sem isso, porém, tais questões ficam fora de apreciação deste Tribunal, por respeitarem a uma decisão outra que não a recorrida. Pretende também o recorrente, presumivelmente para obstar à liminar improcedência do recurso, que “só com a decisão de 17 de Novembro (...) veio a saber que a extemporaneidade tinha sido questão prejudicial levantada pelo M.º P.º no parecer”. Tal não pode, porém, corresponder à verdade: o mesmo parecer transcrito na decisão de 17 de Novembro foi-o também, na íntegra, na decisão de
29 de Setembro, sem que na arguição de nulidade que apresentou em 6 de Outubro o recorrente tenha suscitado a questão da constitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Conclui-se, pois, que, por não cumprimento pelo recorrente do ónus de condução de uma estratégia processual adequada (cfr. Acórdão n.° 479/89, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 14º, pp 143-154), traduzida na suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, se não pode tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
2 – A decisão de 29 de Setembro, sem invocação de qualquer normativo legal, que era mister indicar-se (artigo 97.°, n.° 4 do CPP), decidiu considerar extemporâneo o requerimento em que foi arguida a nulidade do acórdão de 23 de Junho.
3 – Face a tal anormalidade, porquanto entendia que a lei, expressamente, protegia a sua posição, arguiu a nulidade de tal decisão com duplo argumento, a saber:
- que nunca fora ouvido sobre tal questão, e que
- a extemporaneidade não tinha sido justificada, pelo que necessário se tomava indicar a norma que a sustentasse.
4 – Como resposta a tal pedido, veio o acórdão de 17 de Novembro a nada dizer sobre a norma subjacente a tal decisão, norma que o recorrente teve de adivinhar pela remessa para o parecer da Sr.a Procuradora-Geral Adjunta, que, mesmo assim, não foi expressamente invocada, sendo que da mesma forma veio a saber que tinha sido na esteira e na sequência deste parecer que a extemporaneidade fora considerada.
5 – Temos, pois, que não era humanamente possível ao recorrente conhecer quer da norma legal sustentáculo, quer que a iniciativa fora do M.º P.º.
6 – É que, só com o teor da decisão de 29 de Setembro, apesar da narração do parecer do M.º P.º , na sequência do colocar do problema pelos arguidos, não tinha sido possível atingir que este fora a origem daquele.
7 – Temos, pois, que não era humanamente possível ao recorrente atingir quer a norma sustentáculo da decisão recorrida, quer que a mesma tinha tido por origem o parecer do M.º P.º.
8 – Ainda hoje, apesar da insistência do recorrente (cfr. requerimento de 6 de Outubro), o STJ não conseguiu indicar expressamente a norma em que se sustentou para julgar extemporâneo o pedido do recorrente.
9 – Assim, o recurso deve ser conhecido.»
3.O Ministério Público respondeu à apresentação da reclamação, nos seguintes termos:
«1 – A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério.
2 – Assim - e como é evidente - não viola o princípio do juiz natural a circunstância de os incidentes pós-decisórios, suscitados em férias pelos arguidos presos, serem decididos pelos juízes de turno - e não por aqueles que, antes do início das férias, proferiram o acórdão cuja aclaração se pretende.
3 - Por outro lado - e como é manifesto - a questão de intempestividade do requerimento de arguição de pretensas nulidades não coloca qualquer questão normativa, em torno da precedência entre os pedidos de aclaração e de arguição de nulidades, fixada no Código de Processo Civil, tendo a ver exclusivamente com a especificidade do caso concreto dos autos, traduzida num uso manifestamente abusivo dos meios processuais, desviando-os o requerente da sua funcionalidade típica, para alcançar fins puramente dilatórios.
4 – Na verdade, o que se entendeu foi que o requerimento qualificado como de esclarecimento de “obscuridades” não tinha, afinal, tal finalidade, já que nele se não colocava, de forma inteligível, qualquer “dúvida” relevante a esclarecer.
5 – E sendo, deste modo, enquanto incidente pós-decisório “atípico” e dilatório, insusceptível de obstar ao trânsito em julgado da precedente decisão.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.Adianta-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento. Mantém-se, desde logo, o juízo de improcedência manifesta da questão de constitucionalidade relativa à violação do princípio do juiz natural, pela circunstância de, alegadamente, ter “a decisão objecto de recurso sido proferida por número de juízes diferente do legalmente fixado”. Na verdade, o que estava em causa era a possibilidade de decisão de um incidente pós-decisório, relativo a uma decisão tirada ainda antes das férias judiciais, pelos juízes escalados para o serviço urgente durante as férias – decisão, essa, neste período, imposta pela natureza urgente do processo, resultante de existirem arguidos presos (o caso do recorrente). Ora, é manifesto que a possibilidade de os incidentes pós-decisórios, suscitados em férias pelos arguidos presos, serem decididos logo pelos juízes de turno - e não pelos que, antes do início das férias, proferiram o acórdão cuja aclaração se pretende – não viola o princípio do juiz natural, desde logo, porque tal solução não implica qualquer alteração da formação decisória, prevista na lei (turnos para o serviço urgente durante as férias judiciais, a organizar no Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 32.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) para decisão, em férias, de processos relativos a arguidos presos (sobre o sentido do princípio do juiz natural como remetendo para as regras legais de determinação dos intervenientes na decisão, cfr. o acórdão n.º
614/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Como se diz na decisão reclamada, o recorrente não impugnou, aliás, as normas que determinaram a formação do colectivo que se pronunciou, em férias, sobre o pedido de aclaração, nem invocou que tais normas não foram respeitadas (apenas referindo a apreciação do incidente pós-decisório por um número de juízes diverso do previsto no artigo 435.º do Código de Processo Penal). A decisão reclamada é, pois, de confirmar neste ponto.
5.Quanto ao recurso que tinha por objecto a apreciação dos artigos artigo 670.º, n.º 3, e 417.º, n.º 2, respectivamente do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, e interpretados no sentido de “que tendo sido pedidos esclarecimentos sobre um acórdão, o prazo para arguir nulidades do mesmo não se conta a partir da notificação da decisão sobre o esclarecimento”, e “de que tendo o M.º P.º levantado como questão prévia a extemporaneidade do requerimento do recorrente aduzindo a nulidade do acórdão, pode o Colectivo decidir, no sentido da verificação desta, sem que o interessado tenha de ser ouvido sobre tal questão”, conclui-se, também, que se não verificam os pressupostos necessários para se tomar conhecimento do recurso. Na verdade, é claro, por um lado, que não esteve em causa na decisão recorrida qualquer questão de precedência entre os pedidos de aclaração e de arguição de nulidades, e contagem dos respectivos prazos, tendo antes essa decisão assentado no entendimento de que o requerimento que vinha qualificado como de esclarecimento de “obscuridades” não revestia tal finalidade, pois não punha, de forma inteligível, qualquer “dúvida” relevante a esclarecer, não podendo, pois, obstar ao trânsito em julgado da decisão precedente. A enunciada dimensão normativa do citado artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil não foi, pois, aplicada pela decisão recorrida. Quanto à outra norma impugnada, importa repetir que a decisão recorrida - a de
17 de Novembro de 2004 - transcreveu a anterior pronúncia do Ministério Público, tal como já o fizera a anterior decisão de 29 de Setembro de 2004. Ora, independentemente da questão da relevância da falta de suscitação, por parte do recorrente, de qualquer questão de constitucionalidade na reacção contra esta
última decisão – optando antes, no requerimento de 6 de Outubro de 2004 (fls.
142-143 dos autos), por suscitar nulidade dessa primeira decisão, sem suscitar qualquer questão de constitucionalidade –, o que é certo é que no presente recurso só pode estar já em causa, não o acórdão de 29 de Setembro, mas o de 17 de Novembro de 2004. Apesar de, eventualmente, nada obstar à interposição do recurso de constitucionalidade logo depois da decisão de 29 de Setembro, o recorrente optou pela renovação da suscitação de nulidades, agora não mais referidas à decisão subjacente (de 23 de Junho de 2004), mas sim à de 29 de Setembro. Ora, por um lado, quando o recorrente arguiu a nulidade que deu origem
à decisão agora recorrida, já tinha conhecimento da pronúncia do Ministério Público, transcrita no citado acórdão de 29 de Setembro de 2004. Por outro lado, a decisão recorrida, de 17 de Novembro de 2004, não se pronunciou sobre a extemporaneidade da arguição de nulidade, baseando-se, apenas, num “uso dos meios processuais aos seu dispor de forma imprópria e abusiva”. Também não foi, pois, aplicada a dimensão normativa do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que o recorrente impugna. A presente reclamação tem, assim, de ser desatendida também nesta parte, por falta de preenchimento dos requisitos indispensáveis para se tomar conhecimento do recurso, confirmando-se a decisão sumária reclamada também neste aspecto. III Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 2 de Fevereiro de 2005 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050057.html ]