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Procº nº 73/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional.
I- Relatório.
Por despacho de 11 de Novembro de 1995 do Director de Finanças do Distrito de Braga, foi aplicada a A. a coima no montante de 12.200$00, com o fundamento da prática por este da infracção prevista nos artigos 7º, 8º e 26º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Inconformado, interpôs o arguido recurso desta decisão para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, tendo o Mmº Juiz, por Sentença de
29 de Outubro de 1996, concedido provimento ao recurso, por considerar prescrito o procedimento contra-ordenacional. Para chegar a uma tal conclusão, recusou, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante do artigo 35º, nº 1, do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, imputando-lhe a violação do princípio da igualdade, condensado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.
2. Daquela sentença interpôs o Ministério Público o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 e nº 3 do artigo 280º da Constituição e dos artigos 70º, nº 1, alínea a), 72º, nº 1, alínea a), e nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), o qual tem por objecto a questão da constitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 35º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril.
3. Nas alegações produzidas neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto concluiu do seguinte modo:
1º- A relevância das funções cometidas pela Lei Constitucional ao 'sistema fiscal' constitui suporte material bastante para o estabelecimento pelo nº 1 do artigo 35º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº
154/91, no exercício da autorização legislativa concedida pela Lei nº 37/90, de um regime de prescrição do procedimento em sede de contra-ordenações fiscais mais desfavorável, no que toca à sua duração, para os infractores.
2º- O estabelecimento de um prazo prescricional de 5 anos para as contra-ordenações fiscais não constitui, deste modo, solução legislativa arbitrária ou discricionária, violadora do princípio constitucional da igualdade.
Por seu turno, o recorrido não alegou.
4. Dispensados os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
5. Dispõe a norma do nº 1 do artigo 35º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril:
'O procedimento por contra-ordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar do momento da prática da infracção'.
Esta norma foi editada na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei nº 37/90, de 10 de Agosto, cujo artigo 2º, nº 4, alínea a), estatuía o seguinte:
'O processo de contra-ordenação fiscal será regulamentado tendo em conta os seguintes pontos:
a) Fixação em cinco anos do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional e das coimas [...]'.
Era também de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal nas transgressões fiscais, por força do estatuído no §1º do artigo 115º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Após a entrada em vigor do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, constante do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, e por força do preceituado no artigo 4º, nº 2, deste diploma legal, conjugado com o disposto no artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, tal prazo passou a ser de dois anos para o procedimento por contra-ordenações fiscais puníveis com coima superior a 100.000$00, e de um ano, nos restantes casos (cfr. Alfredo José de Sousa/José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, p. 101). Actualmente, por força das disposições conjugadas dos artigos 27º e 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, o prazo de prescrição do procedimento das contra-ordenações em geral é de dois anos, quando se tratar de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima superior a 750.000$00, e de um ano, nos restantes casos.
O artigo acima transcrito do Código de Processo Tributário voltou a estabelecer o prazo prescricional de cinco anos para as contra-ordenações fiscais.
6. A decisão de não aplicação da norma constante do artigo 35º, nº
1, do Código de Processo Tributário foi fundamentada pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga nos seguintes termos:
'O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é, nos termos do artigo 35º, nº 1 do CPT, de 5 anos.
Esse prazo é, para a generalidade das contra-ordenações, de 1 ou 2 anos conforme a coima aplicável seja inferior ou igual (1 ano) ou superior (2 anos) a 750 contos - artigos 27º e 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
O prazo mínimo de prescrição do procedimento criminal é de 2 anos - artigo 118º, nº 1, alínea d), do Código Penal, na Revisão de 1995.
Compreende-se mal, do nosso ponto de vista, que haja prazos - de prescrição de procedimento por contra-ordenações -superiores aos de crimes, e, mais insólito ainda, ao nível dos existentes para crimes que podem ser punidos com penas de prisão de 4 anos e 364 dias - vide alínea c) do citado artigo 118º.
Ocorre, por outro lado, que os crimes fiscais são punidos com penas mais leves que as aplicáveis aos crimes correspondentes previstos no Código Penal, donde não pode dizer-se que a matéria fiscal é particularmente sensível, a justificar medidas de excepção.
Pensamos, pois, que o dito nº 1 do artigo 35º contém uma disposição inconstitucional - cuja aplicação recusamos - por violação dos princípios do Estado de Direito democrático e da igualdade, contidos nos artigos 9º, alínea b) e 13º, nº 1 da Lei Fundamental.
Aplicando o dito artigo 27º, verifica-se estar prescrito o procedimento contra-ordenacional, visto que entre o levantamento do auto de notícia e a 1ª notificação do arguido decorreu mais do que 1 ano, sendo o máximo das coimas aplicáveis ao arguido inferior a 100 contos - vide artigos
27º, alínea b) do citado Decreto-Lei nº 433/82 e 29º, nº 2 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras.
Declara-se, pois, a dita prescrição, com o que se dá provimento ao recurso'.
7. Violará a referida norma o princípio constitucional da igualdade, tal como entendeu a sentença recorrida? O Tribunal entende que não, pelas razões que, sucintamente, se indicam.
7.1. É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe--lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias - desde logo, diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas,
exemplificativamente, no nº 2 do artigo 13º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social)
-,ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio
(Willkürverbot). Cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs.
186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990.
7.2. Ora, a esta luz, não vê o Tribunal como possa considerar-se que a norma do artigo 35º, nº 1, do Código de Processo Tributário, ao estabelecer um prazo prescricional para as contra-ordenações fiscais mais longo do que o estatuído para as contra-ordenações em geral, encerra uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou material bastante dos arguidos em processos de contra-ordenação fiscal em comparação com os arguidos em outros processos de contra-ordenação. É que, por um lado, toda a nossa tradição jurídica vai no sentido de se fixar um prazo de prescrição das transgressões que actualmente são contra-ordenações fiscais superior ao que era estabelecido para as transgressões em geral. Por outro lado, como sublinha o Exmº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, 'a relevância das funções cometidas pela Lei Fundamental ao 'sistema fiscal' (artigos 106º e 107º da Constituição da República Portuguesa) constituirá suporte material bastante para legitimar o estabelecimento de um regime especial de prescrição do procedimento contra-ordenacional fiscal menos favorável aos infractores, dificultando e desincentivando a fuga ao cumprimento dos deveres fiscais - essenciais à satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e
à realização de relevantes objectivos de justiça social'. Por último, como salientam A. Barros Lima Guerreiro/M. Silvério Elias Mateus (cfr. Código de Processo Tributário Comentado, Lisboa, Edifisco, 1991, p. 68), a norma impugnada no presente recurso visou harmonizar o prazo de prescrição do processo de contra-ordenação fiscal com o prazo de caducidade do direito de liquidação dos impostos, pelo que 'um prazo mais curto de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais dificultaria a liquidação das obrigações tributárias no prazo legal, retirando qualquer incentivo à regularização tributária do contribuinte no período que faltasse para a caducidade da liquidação, (e) criaria situações de desigualdade entre os infractores'.
Eis, pois, em termos muito breves, as razões pelas quais a norma constante do artigo 35º, nº 1, do Código de Processo Tributário não é arbitrária, irrazoável ou materialmente infundada, pelo que não infringe o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.
Não vê, por fim, o Tribunal, na falta da invocação de quaisquer argumentos nesse sentido por parte da sentença recorrida, como a referida norma possa violar o princípio do Estado de direito democrático, a que aludem os artigos 2º e 9º, alínea b), da Lei Fundamental.
III - Decisão.
8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser reformada em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Abril de 1997 Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa