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Proc. nº 339/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A., foi condenado em processo contra-ordenacional, por decisão da Direcção-Geral de Viação (v.fls12/14), na coima de 80.000$00, por infracção ao disposto no artigo 16º nº 1 alínea b) do DL nº 254/92, de 20 de Novembro.
Tendo recorrido para o Tribunal Judicial da Comarca de Mondim de Basto, foi, na audiência documentada na acta de fls. 32/34, proferido pelo Mmº Juiz o seguinte despacho de recusa do citado artigo 16º nº 1 alínea b), ora recorrido pelo Ministério Público (alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro) para este Tribunal :
Vem imputada ao arguido a prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo Artº16º, nº 1, al. b) do Dec-Lei nº 254/92 de 10/11. Trata-se de um diploma legislativo produzido pelo Governo nos termos do disposto na al. a), nº 1 do Artº 201º da Constituição da República Portuguesa, conforme consta do seu próprio preâmbulo. A definição dos actos ilícitos de mera ordenação social (como é o caso dos ilícitos contra-ordenacionais), constitui matéria de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto no Artº 168º, nº 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa. Como tal, o Governo só poderia fazer Decreto-Lei sob esta matéria mediante autorização da Assembleia da República, nos termos do disposto no Artº 201º, al. b) da Constituição da República. Como o diploma que prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido não foi precedido de competente autorização legislativa por parte da Assembleia da República, está viciado por inconstitucionalidade orgânica - Artº 277º da Constituição da República Portuguesa. Deste modo, recuso a aplicação do disposto no Artº 16º, nº1, al. b) do Dec-Lei
254/92, de 22/11, por ser inconstitucional (organicamente). Não podendo aplicar a norma que prevê e pune como contra-ordenação o facto imputado ao arguido, não pode este ser condenado. Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do mérito do objecto do presente recurso e, em consequência, absolvo o arguido A.'.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício, nas suas alegações de fls. 38/42, pugna pelo provimento do recurso.
Com dispensa de vistos, dada a natureza simples da questão a decidir, cumpre apreciar a invocada inconstitucionalidade orgânica do artigo
16.º nº 1 alínea b) do DL nº 254/92.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Considera a decisão recorrida que a norma que define como contra-ordenação a não sujeição à pertinente inspecção periódica de um veículo
(o artigo 16º nº 1 alínea b) do DL nº 254/92, por referência ao artigo 1º nº 2 do mesmo diploma) é organicamente inconstitucional, por alegado desrespeito da reserva relativa de competência da Assembleia da República, contida na alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição ('Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo').
Significa isto - e estamos a interpretar a decisão recorrida - que se entende que no que respeita às contra-ordenações, tal como sucede com os crimes, a reserva do Parlamento abrange a definição ou tipificação dos comportamentos contra-ordenacionais. Assenta, porém, este entendimento num manifesto equívoco, consistente em interpretar a alínea d) do nº 1 do artigo
168º da Constituição, como se ela, em substância, dissesse o mesmo que a alínea c).
Tem este Tribunal, a este propósito, definidos critérios que, utilizando a formulação do Acórdão nº 56/84 (Diário da República, I Série, de 9 de Agosto de 1984), posteriormente retomada em muitas outras decisões, podemos resumir da seguinte forma :
'É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção):
a) Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contra-ordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito punitivo;
b) Legislar sobre o regime geral de punição das contra-ordenações e contravenções e dos respectivos processos;
c) Definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta.
É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo (e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo contravencional):
a) Definir, dentro dos limites do regime geral, contravenções não puníveis com pena não restritiva de liberdade e contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição;
b) Desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo DL nº 433/82.'
3. Não colhendo, como não colhe, o argumento da violação da reserva parlamentar na definição da contra-ordenação aqui em causa e situando-se os limites da sanção abstracta em causa dentro dos limites estabelecidos na lei-quadro em vigor ao tempo do cometimento da infracção (cf. Acórdão nº 175/97, Diário da República, I Série-A, de 24 de Abril de 1997), improcede a argumentação em que assenta a decisão recorrida.
III DECISÃO
4. Nestes termos, concedendo-se provimento ao recurso, determina-se a reforma da decisão recorrida em consonância com o exposto.
Lisboa, 8 de Outubro de 1997 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa