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Processo nº 108/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 19 de Março de 1996, (fls. 459 e 460), na sequência de solicitação formulada pelo Estado Finlandês, ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, concedeu a extradição de A. para aquele País, a fim de lhe ser instaurado procedimento criminal pela prática de diversos crimes de burla agravada, falsificação e insolvência dolosa, perpetrados no território do Estado requerente entre os anos de 1986 e 1993.
Não conformado com o assim decidido levou o extraditando recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua extensa motivação (fls.
475 a 636) com as conclusões seguintes:
'1 - O presente processo de extradição iniciou-se com uma detenção ilegal, efectivada por quem não tinha competência. O artº 45º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, se interpretado no sentido de conferir a competência para a detenção efectuada é inconstitucional.
2 - Continuou com a validação e manutenção dessa detenção por que também não tinha competência legal. O Governo não tem competência para legislar sobre competências dos Magistrados Judiciais, pelo que o nº 1 do artº 66º do DL
43//91 é inconstitucional, por violação dos artºs 168º, nº 1 al. q), e 114º da Constituição.
3 - E o despacho de validação e manutenção é nulo, não só pela incompetência (funcional) de quem o proferiu, mas por falta de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 27º e 28º da Constituição, e 374º do CPP.
4 - Os mais elementares direitos de defesa do extraditando foram violados ao longo do processo, para lá dos seus direitos fundamentais:
- O direito à liberdade;
- O direito à livre circulação e escolha de residência
- O direito a não ser arbitrariamente preso, detido, expulso ou exilado
- O direito de entrar no seu país, e de deixar Portugal
- O direito à igualdade, para com os portugueses e restantes cidadãos comunitários
- O direito à informação dos factos e do direito que justificaram a sua detenção
- O direito a essa informação em língua que dominasse
- O direito a recorrer das decisões que o privaram da liberdade
- O direito a que lhe fosse facultado o processo para organizar a sua defesa
5 - Não se verificam os pressupostos da extradição, uma vez que os factos imputados ao recorrente não são crimes face à lei portuguesa.
6 - O acórdão recorrido é nulo porque culmina um processo todo ele eivado de nulidades, e da aplicação de normas inconstitucionais.
7 - O acórdão recorrido é nulo porque dá por provada a imputação de crimes não mencionados pelo Estado requerente da extradição.
8 - O acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. deverão suprir nos termos do disposto nos artigos 205º, 206º e 207º da Constituição, deverá ser declarado nulo o acórdão recorrido, e devolvido à liberdade o recorrente.'
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2 - O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 4 de Junho de
1996, (fls. 728 a 738), negou provimento ao recurso e confirmou a decisão autorizadora da extradição do recorrente.
Este aresto, ao delimitar o objecto do recurso, começou por afastar do seu âmbito de cognição as matérias elencadas sob os nºs 1, 2 e 3 das conclusões da respectiva motivação, aduzindo-se para tanto a seguinte fundamentação:
'Verifica-se, no entanto, que, como o próprio recorrente reconhece e refere ao longo da motivação do presente recurso, a fls. 477 e seguintes, todas estas matérias, no seu conjunto, foram objecto de impugnação, da sua parte, nos diversos recursos interlocutórios e nos pedidos de 'habeas-corpus' que ele interpôs para este Supremo, dos quais alguns não chegaram sequer a ser apreciados e os outros não obtiveram provimento.
Com efeito, o primeiro dos recursos interpostos não foi conhecido, com o fundamento de ter havido uma renúncia implícita do seu objecto, o segundo foi rejeitado por manifesta improcedência, a arguição de nulidade deste último foi indeferida, o terceiro recurso foi rejeitado por manifesta improcedência, o quarto recurso não foi admitido, a reclamação do despacho que não admitiu este recurso não foi atendida, do que houve recurso para o Tribunal Constitucional, o quinto recurso não foi admitido por se ter entendido que só havia recurso da decisão final, a reclamação de tal indeferimento não foi atendida, o sexto recurso não foi admitido igualmente por se ter entendido que só havia recurso da decisão final, o primeiro pedido de 'habeas-corpus' não foi deferido, e o segundo pedido de 'habeas-corpus' também não, por manifesta improcedência, em virtude de se ter verificado caso julgado formal sobre as matérias nele indicadas, que deveriam constar do pedido anterior.
O recorrente, repete-se, pretende que este Supremo volte a apreciar as matérias que foram objecto dos diferentes recursos e pedidos de
'habeas-corpus' que acabam de ser indicados, com decisões já transitadas em julgado, em clara e manifesta violação dos comandos genéricos dos artigos 672º e
675º do Código do Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal.
Quanto a tais pontos, por esse motivo, não há que proceder à apreciação da sua argumentação, por a mesma se encontrar expressamente vedada pela lei, o que, desde já se consigna para todos os efeitos.
Por outro lado, a circunstância de todas essas invocadas inconstitucionalidades terem sido novamente invocadas no recurso ainda pendente e interposto nestes autos para o Tribunal Constitucional, impede que este Supremo possa apreciar as correspondentes questões, em virtude de o seu conhecimento, neste momento, se encontrar já afecto ao Tribunal estrutural e funcionalmente detentor da jurisdição plena sobre os problemas da constitucionalidade.
Por isso, quanto aos pontos que já foram objecto de tais recursos e pedidos de 'habeas--corpus', e que são indicados nas alíneas a) a d) da sua fundamentação, não pode o Supremo, neste recurso, proceder à sua análise e discussão, quer por, para este Supremo Tribunal, se ter formado caso julgado nas situações em que chegou a haver apreciação do respectivo objecto, quer por se encontrar já ultrapassado o prazo de interposição de recurso nalguns dos casos em que a decisão foi de rejeição liminar ou de preclusão do conhecimento por força da existência de decisão anterior sobre o mesmo objecto, quer, ainda, por, num dos casos, a apreciação da correspondente matéria se encontrar já cometida ao Tribunal Constitucional.
Daí que haja apenas que apreciar os fundamentos invocados sob as alíneas e) e seguintes da motivação, isto é, as invocadas violações dos seus direitos fundamentais, a pretensa falta de criminalidade (ou licitude) dos seus actos à luz da lei portuguesa, e a alegada nulidade do acórdão recorrido, quer por força de tais violações, quer por falta de fundamentação da decisão em causa.'
E, de seguida, passando a apreciar o mérito, não concedeu atendimento a qualquer das questões de constitucionalidade suscitadas.
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3 - Contra este acórdão formulou o extraditando um pedido de aclaração em 17 de Junho de 1996, (fls. 818 a 824), havendo no dia imediato, apresentado requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 828), em ordem à apreciação da constitucionalidade dos 'artigos 38º, 51º, nº 3, 65º e
66º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, e 45º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro)'.
Por acórdão de 11 de Julho de 1996, (fls. 841 a 845), foi indeferida a aclaração.
O extraditando veio então, pelo requerimento de 18 de Julho do mesmo ano, (fls. 854 a 863), sob invocação do disposto nos artigos 380º do Código de Processo Penal e 670º do Código de Processo Civil, arguir a nulidade dos acórdãos de 4 de Julho e do que, a seguir, recusou o pedido de aclaração.
E, em 22 de Julho imediato, (fls. 865) apresentou um novo requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, no qual, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, se peticionou a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas: 'Lei nº
17/90, de 20 de Julho, formalmente inconstitucional; Todo o Decreto-Lei nº
43/91, de 22 de Janeiro, aprovado ao abrigo da autorização legislativa contida na lei anterior; Artigos 38º, 51º, nº 3, 65º e 55º do DL nº 43/91; Artigo 45º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro)'.
Por acórdão de 5 de Dezembro de 1996, (fls. 922 a 939), foi julgada improcedente a arguição de nulidades.
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4 - Admitido o recurso de constitucionalidade interposto a fls.
865 veio o extraditando a produzir as alegações de fls. 967 a 1005, nas quais formulou o seguinte quadro conclusivo:
'I - A Lei nº 17/90, de 20 de Julho, é omissa quanto ao sentido da autorização legislativa concedida, é inconstitucional, por violação do nº 2 do artº 168º da Constituição, e esta inconstitucionalidade afecta todo o DL
43//91, de 22 de Janeiro.
II - A finalidade constante do nº 2 do seu artigo 1º, embora constitua parte do sentido da autorização, não preenche os requisitos do conceito.
III - Não é legítimo procurar, em quaisquer trabalhos preparatórios, um sentido que não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal referido no nº 2 do artº 9º do Código Civil.
IV - Um tal sentido não é lei, não consta de diploma de acordo com os requisitos do artº 122º da Constituição.
V - E um tal sentido, sem base na letra da lei, nunca poderia conflituar claramente com as finalidades expressas nessa mesma letra. Mas é o que acontece com a Lei nº 17/90.
VI - Os artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, que regulam a
'detenção não solicitada', são materialmente inconstitucionais porque contrariam:
- o artigo 27º da Constituição;
- os artigos 13º, 15º e 18º, nºs 2 e 3 da Constituição;
- o princípio da separação de poderes (arts 113º e 114º da CRP);
- o disposto no artº 8º da CRP, por violação de:
- Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. 3º, 7º, 9º e
13º)
- Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (arts. 9º,
12º e 13º)
- Convenção para a Protecção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artº 5º)
- Convenção Europeia de Extradição
- Direito Comunitário (arts. B e F do Tratado da U.E. e 6º, 8º e
8º-A do Tratado C.E.)
- o disposto no artº 9º da CRP.
VII - O recorrente é cidadão finlandês e comunitário, sendo-lhe aplicáveis as disposições de direito comunitário que consagram a cidadania da União Europeia e os direitos dos cidadãos comunitários.
VIII - A detenção efectuada nos termos previstos no artº 38º do DL
43/91 não é a de alguém contra quem esteja em curso um processo de extradição.
IX - Um processo de extradição pressupõe a existência de um pedido feito por um Estado a outro Estado, nos termos previstos na Convenção Europeia de Extradição.
X - Defender que a detenção nos termos do artº 38º do DL 43/91 é legal porque se insere num processo de extradição em curso, de que é simultaneamente o primeiro processo, é criar a versão jurídico-constitucional da velha história do ovo e da galinha: o que é que apareceu primeiro, o processo, que por estar em curso, torna legal a detenção, ou a detenção, que constitui o primeiro acto do processo.
XI - A aceitação da constitucionalidade do artº 38º do DL 43/91 implica o reconhecimento de competência e iniciativa próprias das autoridades de polícia criminal para decidir e efectuar a detenção.
XII - Essas competência e iniciativa próprias das autoridades de polícia criminal constituem uma inovação face ao DL 437/75, cujo artigo 12º referia o conceito mais restrito e delimitado de autoridades de polícia judiciária.
XIII - Para lá da polícia judiciária, 'autoridades de polícia criminal' é um conceito aberto, engloba a PSP, GNR, Inspecção-Geral das Actividades Económicas, Inspecção-Geral de Jogos, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, etc., e ainda, nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do artº 1º do Código de Processo Penal, os directores, oficiais, inspectores e sub-inspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas (quais?, presentes e futuras?) reconhecerem aquela qualificação.
XIV - Não é enquadrável no sentido da Lei 17/90, sejam quais forem os elementos interpretativos utilizados, a concessão de tais competência e iniciativa próprias às autoridades de polícia criminal.
XV - O nº 3 do artº 51º do Decreto-Lei nº 43/91 é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 27º, 13º e 15º, e 32º, nº 1, da Constituição.
XVI - O artº 65º do Decreto-Lei nº 43//91 é materialmente inconstitucional por violação do nº 2 do artº 8º da Constituição, e por contradição com o artº 16º da Convenção Europeia de Extradição.
XVII - O artº 45º do DL 295-A/95, interpretado como dando competência à Polícia Judiciária para decidir e efectuar, por sua iniciativa, a detenção de cidadãos estrangeiros com vista à sua extradição, é orgânica e materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 168º, nº 1, alíneas c) e q), e artº 18º, nºs 1 e 2, e 272º da Constituição.
XVIII - A Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e do Cidadão, e a Convenção Europeia de Extradição que a complementa delimitando o campo de aplicação do seu artigo 5º, são direito comunitário, nos termos do disposto no Artigo F do Tratado da União Europeia.
XIX - A aplicação destas convenções, no espaço da União Europeia, deve respeitar os princípios do direito comunitário, entre os quais o da aplicação uniforme, e o do respeito pela igualdade e não discriminação dos cidadãos comunitários - artº 6º do Tratado CE.
XX - O regime da detenção não solicitada previsto nos artigos 38º e
66º do DL 43/91 viola a Convenção Europeia de Extradição e a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e do Cidadão (artº 5º), e não tem paralelo nas legislações dos restantes Estados membros da União Europeia. Nos países da Europa Ocidental, apenas a lei de extradição da Suíça, país que não faz parte da União Europeia, prevê no seu artº 44º um regime semelhante.
XXI - O Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, que prevê um regime de detenção não solicitada que, ao violar a Convenção Europeia de extradição e a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e do Cidadão, viola simultaneamente os princípios do direito comunitário, nomeadamente os referidos artigos F do Tratado da União Europeia e 6º do Tratado CE.
XXII - A violação do direito comunitário, por esta via, constitui violação do disposto no artº 8º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa'.
Por seu turno, em contralegação, (fls. 1046 a 1059), veio o senhor Procurador-Geral Adjunto argumentar em sentido contrário ao entendimento sustentado pelo recorrente, deixando em síntese final, as seguintes conclusões:
'1 - A Lei de Autorização Legislativa nº 17//90, de 20 de Julho, não está afectada de inconstitucionalidade por violação dos artigos 168º, nº 1, alíneas b) e q), e do nº 2 da Constituição.
2 - A norma do nº 3 do artigo 65º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade orgânica.
3 - Os artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91 não violam a alínea b) do artigo 27º da Constituição, nem os artigos 13º, 15º, 18º, nºs 2 e
3, também da Constituição.
4 - O artigo 65º, nº 3 do Decreto-Lei nº 43/91 não é materialmente inconstitucional.'
Os autos correram os vistos de lei, cabendo agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - No requerimento de interposição do recurso indicaram--se assim as normas cuja inconstitucionalidade se pretendia ver sindicada por este Tribunal:
'- Lei nº 17/90, de 20 de Julho, formalmente inconstitucional;
- Todo o Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, aprovado ao abrigo da autorização legislativa contida na lei anterior;
- Artigos 38º, 51º, nº 3, 65º e 55º do DL nº 43/91;
- Artigo 45º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº
295-A/90, de 21 de Setembro)'.
E, aquando do oferecimento das alegações, o recorrente veio reiterar a individualização daquelas normas, sem embargo de haver eliminado a referência ao artigo 55º, acrescentando, em contrapartida, a indicação do artigo
66º, ambos do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro.
Em conformidade com o disposto no artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável no processo constitucional como direito subsidiário, nada impede que nas conclusões da alegação possa o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso. O mesmo não vale já para a ampliação do seu âmbito, tal como foi delimitado no respectivo requerimento de interposição.
Deste modo, tem-se por excluída da apreciação subsequente, a norma do artigo 55º, considerando-se porém, não obstante a regra que não consente o alargamento do objecto do recurso, como nele incluída, a norma do artigo 66º relativa à 'detenção não solicitada', dada a forte conexão entre esta norma e a do artigo 38º, que também rege sobre 'detenção não solicitada', a qual, aliás, é por aquela expressamente convocada como elemento essencial da sua estatuição.
O objecto do recurso compreenderá assim a sindicância constitucional da Lei nº 17/90, e das normas dos artigos 38º e 66º, 65º, nº 3
(os nºs 1, 2, 4 e 5 deste preceito são irrelevantes e não aplicáveis no quadro jurídico-material em apreço) e 51º, nº 3, todos do Decreto-Lei nº 43/91.
Vejamos cada uma destas questões de per si.
Antes porém, cabe assinalar que nos desenvolvimentos subsequentes não se considerarão como instrumentos de avaliação da legitimidade constitucional daquelas normas os diversos textos de direito internacional invocados na alegação do recorrente - Declaração Universal dos Direitos do Homem, Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Convenção para a Protecção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, Convenção Europeia de Extradição e Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e do Cidadão - desde logo porque, quando se coloca a questão de contrariedade de normas de direito interno com normas de direito internacional, o poder de cognição deste Tribunal só poderá incidir sobre normas cuja aplicação tenha sido recusada na decisão recorrida, ou as haja aplicado em desconformidade com o sentido de anterior julgamento do próprio Tribunal, como resulta do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea i) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
Ora, na situação sub juditio, para além de o recurso ter sido interposto não ao abrigo da alínea i) mas da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, acresce que a aplicação das normas questionadas não ocorreu em desconformidade com qualquer anterior decisão do Tribunal Constitucional.
Por força desta primeira e decisiva razão não serão tidas em conta as alegadas violações daqueles textos internacionais.
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2 - Segundo o recorrente a Lei nº 17/90 - ao abrigo da qual foi aprovado pelo Governo o Decreto-Lei nº 43/91 - 'é omissa quanto ao sentido da autorização legislativa concedida', sendo por isso inconstitucional por violação do artigo 168º, nº 2 da Constituição.
Este Tribunal, em recurso interposto pelo extraditando contra um acórdão tirado pelo Supremo Tribunal de Justiça na providência de habeas corpus por ele ali requerida (Acórdão nº 228/97, Diário da República, II Série, de 28 de Junho de 1997) teve ensejo de tratar desta específica matéria, como aliás da que se reporta à legitimidade constitucional das normas dos artigos 38º e 66º e 65º, nº 3, do Decreto-Lei nº 43/91.
Assim sendo, e porque se tem por inteiramente procedente a fundamentação desenvolvida naquele aresto não infirmada, aliás, na alegação do recorrente, tem-se por desnecessário o desenvolvimento de outras linhas argumentativas, para além das que ali constam e aqui se dão por acolhidas.
A propósito do tema agora em análise - o eventual vício de constitucionalidade da autorização legislativa contida na Lei nº 17/90 - escreveu-se assim no acórdão nº 228/97:
'Resulta, assim, claramente da exposição de motivos da proposta de lei que a mesma tinha como objectivo o tratamento num texto único das formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, estabelecendo as disposições gerais aplicáveis a todas as formas de cooperação e na parte específica da extradição, constata-se que ela obedece também aos mesmos princípios comuns às outras formas de cooperação e que se visou unicamente tornar a lei já existente conforme à Constituição respeitando ainda a nova legislação processual penal e a própria jurisprudência constitucional, mantendo, no essencial, a regulamentação então vigente.
Embora a Lei nº 17/90 se mostre de extrema singeleza, concebendo a extradição como mais um instrumento de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o certo é que autoriza a sua inclusão num único diploma com as outras forma de cooperação e assina a tal diploma a finalidade de possibilitar a ratificação de várias convenções internacionais e de regulamentar os vários processos de cooperação, devendo estabelecer o regime da extradição.
Todavia, o completo sentido da autorização é facilmente definido com recurso aos elementos interpretativos já referidos e atrás transcritos. Deles resulta claramente que se pretendeu apenas compatibilizar o regime legal da extradição constante do Decreto-Lei nº 437/75, com as inovações que a aprovação e vigência da própria Constituição trouxe a tal matéria, introduzindo também as modificações mais relevantes sofridas pela lei penal e processual penal e as derivadas da jurisprudência do Tribunal Constitucional, mantendo, em tudo o mais inalterado aquele regime.
Assim interpretada a Lei nº 17/90, de 20 de Julho, que não teve em vista conceder ao Governo poderes para introduzir ex novo todo um corpo normativo, mas apenas o de actualizar o regime da extradição de acordo com as imposições constitucionais, não viola a norma do artigo 168º, nº 2, da Constituição: não pode deixar de se entender que, descoberto o programa de legislação estabelecido pelo Parlamento, a finalidade de contrastação que decorre da exigência constitucional pode cumprir-se relativamente ao diploma autorizado.'
Assim é efectivamente.
Ao contrário do que foi alegado pelo recorrente, não só não existe qualquer impedimento legal ou constitucional no recurso a elementos dos trabalhos preparatórios desenvolvidos ao longo do processo de formação do acto legislativo em ordem a melhor se poder definir o sentido e alcance das leis - nomeadamente das leis de autorização legislativa - como também, no caso concreto, se divisa com suficiente rigor qual o sentido e extensão da delegação concedida ao Governo pela Assembleia da República.
Há-de assim concluir-se pela não verificação da inconstitucionalidade assacada pelo recorrente à Lei nº 17/90.
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3 - Numa outra vertente da alegação sustenta o extraditando que as normas dos artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 27º, 13º, 15º, 18º, nº 2 e 3, 113º e
114º da Constituição.
Estas normas dispõem assim:
Artigo 38º Detenção não solicitada
É lícito às autoridades de polícia criminal efectuar a detenção de indivíduos que, segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procurados por autoridades competentes estrangeiras para efeito de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição.
Artigo 66º Detenção não solicitada
1 - A autoridade que efectua uma detenção nos termos do artigo 38º apresenta o detido, no prazo de 24 horas, ao procurador-geral-adjunto no tribunal da relação em cuja área a detenção foi efectuada, para o efeito de promover imediatamente a audição daquele e decisão sobre a legalidade do acto e a sua manutenção pelo presidente do tribunal.
2 - No caso de ser confirmada, a detenção é comunicada imediatamente ao Ministro da Justiça e, pela via mais rápida à autoridade estrangeira a quem ela interessar para que informe, urgentemente e pela mesma via, se irá ser formulado o pedido de extradição.
3 - O detido será posto em liberdade 18 dias após a data da sua detenção se, entretanto, não chegar a informação referida no número anterior, ou
40 dias após essa data se, tendo havido informação positiva, o pedido de extradição não for recebido nesse prazo.
4 - É aplicável, no caso previsto neste artigo, o disposto no artigo anterior.
Recusando o bem fundado do entendimento perfilhado pelo recorrente, no acórdão nº 228/97, desenvolveu-se, além de outra, a seguinte argumentação:
'O primeiro dos argumentos aduzidos pelo recorrente para sustentar a inconstitucionalidade da norma do artigo 38º do Decreto-Lei nº 43/91 assenta em que a detenção ali referida não é a de pessoa contra a qual esteja em curso processo de extradição, pelo que a mesma viola o artigo 27º, nº 3, alínea b), in fine, da Constituição.
O próprio recorrente refere nas suas alegações que o Tribunal teve já que decidir questão idêntica à que agora suscita, mas referida à norma que no Decreto-Lei nº 437/75 regulava a detenção não solicitada (artigo 12º). Fê-lo no Acórdão nº 325/86 (in Diário da República, II Série, de 19 de Março de 1987), tendo concluído pela não inconstitucionalidade da referida norma, com fundamento nos seguintes argumentos sinteticamente expostos:
- partindo da noção de processo de um ponto de vista formal como procedimento tendente a obter um certo resultado, o acórdão chega à conclusão de que 'o processo penal, ao cabo e ao resto, abarca 'toda a actividade pública consequente à noticia criminis';
- esta 'concepção integrada' do processo penal permite estender a todo ele as 'garantias constitucionais' que visam salvaguardar os direitos e liberdades das pessoas, preocupação esta que está também na base do entendimento que considera os actos de polícia judiciária, 'directa ou indirectamente, como actos de um processo penal';
- tendo o Tribunal reiteradamente acentuado que o processo de extradição não deve conceber-se senão como uma modalidade específica do processo penal, 'não se vê porque não possa (e não deva) afirmar-se que , nos casos de
'detenção antecipada', é logo com o acto (um acto de polícia judiciária, afinal) que ordena a detenção do extraditando que se inicia ou desencadeia o
'procedimento' da extradição;
- ora, 'consentindo a Constituição uma excepção ou restrição do direito à liberdade em nome dos interesses e valores que estão na base da admissibilidade da extradição e conferindo, do mesmo passo, a esses interesses e valores (os quais se podem reconduzir à ideia geral do reconhecimento da justificação e da necessidade da cooperação internacional em matéria de perseguição e combate ao crime) dignidade constitucional, não faria sentido que excluísse a possibilidade de detenção 'antecipada' do extraditando em caso de pedido urgente (é a hipótese do artigo 11º da Lei) ou mesmo só de um presumível extraditando relativamente ao qual as autoridades portuguesas competentes já disponham de 'informações oficiais' seguras de que é perseguido criminalmente noutro ou noutros países 'por factos que notoriamente justifiquem a extradição'
(é a hipótese do artigo 12º, que ora nos ocupa)', assim se concluindo que a detenção antecipada, solicitada ou não, sendo um acto preliminar do pedido, é já processo de extradição para o efeito previsto do artigo 27º, nº 3, alínea b), da Constituição, inexistindo aqui qualquer violação deste normativo.
Este entendimento, embora reportado exclusivamente a um diploma pré-constitucional (mas editado ao abrigo da Lei nº 3/74, da Junta de Salvação Nacional) continua a ter inteira validade se aplicado às normas com idêntico teor do Decreto-Lei nº 43/91. Com efeito, a única diferença entre a detenção provisória subsequente a um pedido de detenção prévia e a detenção não solicitada é a de que, neste último caso, o Estado de origem do cidadão em causa desconhece a sua presença no país: a base da detenção são as informações existentes nas autoridades de polícia criminal de que certo cidadão estrangeiro
é procurado ou para o cumprimento de alguma pena ou pela prática de actos criminosos, informações que podem ser ou não acompanhadas da existência de mandados de captura internacionais. Parece, pois, seguro argumentar que, se o país de origem difundiu tais informações, teria certamente diligenciado pela formulação de um pedido a extradição do referido cidadão, se conhecesse o local onde ele porventura se encontra.
Não pode esquecer-se, neste domínio, que existe hoje em dia uma extrema facilidade de movimentação das pessoas entre os diversos Estados, especialmente entre os que integram a Comunidade Económica Europeia, estando praticamente abolidos todos os obstáculos à livre circulação de pessoas entre esses Estados, não podendo todas estas facilidades ser utilizadas pelos cidadãos para se furtarem à efectiva responsabilização pelos seus actos criminosos que praticarem ou pelos quais forem condenados no respectivo país de origem ou noutro qualquer.
As condições de vida que actualmente existem num espaço aberto como
é o que existe na Comunidade Europeia postulam reforçadas exigências em matéria de cooperação internacional em matéria penal, tendo os Estados de fazer face a uma delinquência de carácter internacional que ameaça ou viola bens jurídicos comuns a todas as sociedades, não podendo permitir que criminosos se aproveitem das facilidades concedidas na mobilidade pessoal para alcançarem a impunidade.'
Deste modo, a norma do artigo 38º, ao prever a detenção não solicitada previamente pelas autoridades de polícia criminal, com base em informações oficiais, de indivíduos procurados pelas autoridades competentes estrangeiras, para efeitos de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição, não viola o artigo 27º da Constituição, nomeadamente a alínea b) do seu nº 3.
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4 - Apreciando depois a eventual violação por aquelas normas dos artigos 13º, 15º e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição, o acórdão nº 228/97, rejeitou tal inconstitucionalidade com base, além de outras, nas razões seguintes:
'No caso em apreço, não existe qualquer discriminação não só porque as situações não são verdadeiramente comparáveis como também porque a detenção provisória ou não solicitada para efeitos de extradição não é susceptível de ser comparada no que aos respectivos prazos respeita com a prisão preventiva para efeitos penais.
É um facto inegável existir em ambos os casos uma privação da liberdade: porém, as finalidades que tal privação visa realizar em cada um dos casos são substancialmente diversas. Assim, na extradição - englobando aqui, quer os casos em que há um pedido prévio de detenção provisória quer os casos de detenção antecipada não solicitada - esta detenção destina-se unicamente a permitir tomar uma decisão sobre a extradição por forma a que esta seja garantidamente efectivada. Pelo seu lado, a prisão preventiva em processo penal visa diferentes fins: garantir a presença do arguido durante o procedimento penal, quando haja fundado receio de fuga, evitar o perigo de perturbação da instrução do processo caso o arguido se mantivesse em liberdade, receio fundado de perturbação da ordem ou da tranquilidade pública ou da continuação da actividade criminosa, em razão da natureza do crime ou da personalidade do delinquente.
Acresce que na detenção provisória ou não solicitada com vista à extradição os prazos são muito mais exíguos do que no processo comum de extradição. Neste, formulado o pedido de extradição e após a audiência do extraditando, a oposição ao pedido só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. A detenção deve cessar se a decisão da Relação não for proferida dentro de 65 dias após a data em que foi efectivada, podendo este prazo ser prorrogado por mais 25 dias se não for admissível medida de coacção não detentiva e prevendo-se, em caso de recurso da decisão da Relação, que a prisão subsista por mais 80 dias a contar da data de interposição, cessando se até lá não houver decisão do recurso, nos termos do artigo 54º do Decreto-Lei nº 43/91.
Diferentemente, nos casos em que é possível verificar-se a prisão preventiva, os prazos são de 6, 10, 18 meses até dois anos, podendo ser elevados para maiores períodos relativamente a certos crimes e agravados até 12, 16 meses, 3 e 4 anos em casos de procedimentos de excepcional complexidade.
Tratando-se, pois, de situações de recorte processual diverso e visando diferentes finalidades, bem se compreende que o legislador tenha fixado relativamente a cada um dos casos diferentes limites, sem que isso constitua qualquer discriminação e muito menos uma discriminação arbitrária.
Acresce que para o caso de extradição a lei faz ainda uma exigência suplementar que justifica também o limite diverso estabelecido para esses casos.
É que, a entrega da pessoa reclamada, quer para ser submetida a procedimento penal quer para cumprimento de pena privativa de liberdade, só pode verificar-se se o crime, mesmo que só tentado, for punível quer pela lei portuguesa quer pela lei do Estado requerente, exigência esta que justifica a utilização de um patamar com referência negativa: uma duração máxima não inferior a um ano. Só assim é possível, dadas as normalmente existentes diferenças de ordenamentos e de punições, cumprir a dupla exigência de incriminação pela legislação portuguesa e pela legislação do Estado requerente.
De qualquer modo, não existe qualquer violação do princípio da igualdade, não só porque o tratamento legal é igual para todos os estrangeiros como também porque qualquer discriminação não pode deixar de se considerar justificada face às diferentes situações descritas.'
E passando a apreciar a questão tendo por referência o artigo
18º da Constituição, argumentou-se assim:
'Não tem, também aqui, o recorrente qualquer razão.
Com efeito, é a própria Constituição que reconhece a restrição do direito à liberdade do estrangeiro relativamente ao qual o seu Estado de origem pretende proceder criminalmente ou exige o cumprimento de pena criminal, ao admitir no artigo 27º, nº 3, alínea b) a detenção do extraditando.
Este reconhecimento não pode ser desligado dos interesses e valores que estão na base da admissibilidade da extradição, que é uma situação também ela constitucionalmente reconhecida (artigo 33º. nº 4), o que leva a conferir a tais interesses e valores ( os quais, como se referiu antes, não podem deixar de ser os que levam à justificação e imposição da necessidade de cooperação judiciária internacional em matéria penal) uma plena dignidade constitucional.
A protecção destes interesses e valores implica a aceitabilidade da restrição ou limitação do referido direito à liberdade. Importa, todavia, averiguar se esta restrição não está desproporcionadamente regulamentada na lei e se ali são respeitados os direitos e garantias que devem revestir as restrições de direitos fundamentais, como é o caso do direito à liberdade.
Nesta perspectiva, a análise do texto em questão mostra que o legislador regulamentou os pressupostos, as condições, a duração e as respectivas garantias da detenção por forma a realizar a finalidade que a mesma pretende alcançar com o mínimo de constrangimentos e procurando realizar o máximo de garantias do visado pela detenção. Designadamente, estabeleceu prazos de detenção sensivelmente mais reduzidos do que aqueles que se aplicam à prisão preventiva. E a medida desses prazos não se afigura desproporcionada se se tiver em conta que o processo de extradição requer contactos entre entidades de vários países, envolve a coordenação de autoridades judiciais e administrativas e policiais bem como a formalização dos contactos havidos, o que se traduz em garantia de autenticidade do processo e redunda em protecção do próprio extraditando. O equilíbrio entre as finalidades da cooperação internacional e a restrição dos direitos do indivíduo a extraditar não se mostra a título algum rompido, quer em favor daquelas finalidades, quer em termos de compressão de direitos individuais.
Assim - e limitamos esta análise ao caso da detenção não solicitada, que é o caso dos autos - efectuada uma detenção por iniciativa das autoridades de polícia criminal (estas são as que o Código de Processo Penal identifica no seu artigo 1º, alínea d)), esta mesma autoridade apresenta o detido, no prazo de
24 horas, ao procurador-geral adjunto no tribunal da relação em cuja área a detenção foi efectuada.
O procurador-geral em questão deve promover de imediato a audição do detido, por forma a obter uma decisão do presidente da Relação sobre a legalidade do acto de detenção e sobre a sua manutenção (nº 1 do artigo 66º).
Se a detenção for confirmada, deve ser imediatamente comunicada ao Ministro da Justiça e pela via mais rápida à entidade estrangeira a que ela interessar para que, com urgência e pela mesma via, informe se irá ser formulado o pedido de extradição (nº 2 do mesmo preceito).
O nº 3 do preceito estabelece os prazos de duração da detenção, respeitando neste aspecto, inteiramente, o que se prevê na Convenção Europeia de Extradição para a detenção provisória: 18 dias se não chegar a informação sobre se vai ser pedida a extradição e 40 dias para o caso de tal informação ter sido prestada e o processo de extradição não tiver sido recebido.
Se os prazos não forem respeitados, nesta fase, o detido tem de ser libertado.
Uma vez recebido o pedido de extradição, o processo administrativo tem de ser ultimado em 15 dias (que é metade do prazo para ultimar o processo administrativo 'comum') e se a decisão do Governo for favorável ao prosseguimento, o processo é remetido pelo Procurador Geral da República ao procurador-geral ajunto que promoverá o seu cumprimento e apresenta o detido em tribunal.
Se a apresentação do processo em juízo não ocorrer dentro do prazo de 60 dias após a efectivação da detenção, esta deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual.
Na Relação, o processo é imediatamente distribuído e os prazos de despacho liminar (oito dias) e de visto (cinco dias) são reduzidos a dois dias, contando-se o prazo para decisão final (65 dias) a partir da data da apresentação do pedido em juízo (nº 4 do artigo 65).
Verifica-se, assim, que o acto de detenção não solicitada é sujeito a decisão de um juiz dentro de 24 horas, que apreciará a sua legalidade e se a sua manutenção se justifica; se não forem respeitados os prazos nesta fase, o detido será posto em liberdade: está portanto garantido o direito ao juiz, só podendo manter-se a detenção se uma decisão do presidente da relação assim o resolver.
Os pressupostos da detenção atrás referenciados (informações oficiais de Estado estrangeiro ou da Interpol de que certo indivíduo é perseguido ou procurado pela prática de factos criminosos e que os factos praticados são de tal relevo que notoriamente justificam a extradição) são adequados a justificarem tal acto, estando garantida a exigência de celeridade dos actos processuais caso o pedido de extradição venha a ser formulado, não sendo os prazos estabelecidos excessivos ou arbitrários, procurando o processo dar satisfação às finalidades constitucionais que procura realizar com o mínimo de prejuízo para o extraditando.'
Decorre com evidência da fundamentação assim transcrita não existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade contido no artigo
18º, nº 2 da Constituição, uma vez que o regime instituído nas normas dos artigos 38º e 66º não ultrapassa o necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
E, do mesmo modo, os preceitos constitucionais dos artigos 113º e 114º e o princípio da separação de poderes, também invocados pelo recorrente, não são minimamente afrontados por aquelas normas.
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5 - O extraditando sustenta ainda que o artigo 65º, nº 3 - os restantes números do preceito são irrelevantes na economia da situação em apreço
- é materialmente inconstitucional 'por violação do nº 2 do artigo 8º da Constituição, e por contradição com o artigo 16º da Convenção Europeia de Extradição'.
Esta norma contém a seguinte formulação:
Artigo 65º Prazos
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3 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual se a apresentação do pedido em juízo não ocorrer dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efectivada.
.................................................
Já se observou em passo anterior (cfr. supra, II, 1) que o vício imputado a esta norma não pode ser apreciado em função de uma eventual colisão do direito interno com o direito convencional.
Simplesmente, seguindo de novo o acórdão nº 228/97, sempre se tecerão, a respeito do posicionamento do recorrente, algumas considerações:
'A Convenção Europeia, no seu artigo 16º, nº 4, regula a duração da detenção provisória. E resulta desse mesmo artigo que se trata aí de uma situação desencadeada por um pedido de detenção (nº 2), cuja instrução é bastante menos exigente do que aquela que envolve a formalização de um pedido de extradição (cfr. o nº 2 cit. com o artigo 12º da Convenção).
O sentido do nº 4 do artigo 16º da Convenção é o de estabelecer um prazo regra de 18 dias para que o Estado requerente formalize o pedido de extradição, nos casos em que tiver sido previamente solicitada a detenção provisória de algum extraditando. Se esse prazo for ultrapassado, ao Estado requerido abrem-se duas vias: ou poderá determinar a libertação do detido ou poderá mantê-la, sendo que, nesta hipótese, tal situação não poderá subsistir por mais de 40 dias contados da data da detenção.
A lei portuguesa respeita integralmente este regime e optou por uma solução favorável ao indivíduo provisoriamente detido. Segundo o nº 5 do artigo
37º, a libertação deste só não ocorrerá findos os 18 dias se o Estado requerente invocar razões que venham a ser julgadas atendíveis e, em qualquer caso, a detenção não poderá prolongar-se para além de quarenta dias.
Entende o recorrente que o prazo de 60 dias previsto no nº 3 do artigo 65º do Decreto-Lei nº 43/91 'ultrapassa inadmissivelmente o nº 4 do artigo 16º da Convenção'. Mas tal entendimento não é correcto e não há contradição entre o artigo 65º, nº 3, e o artigo 37º, nº 5, do Decreto-Lei.
Na economia da Convenção, há duas situações possíveis neste domínio: a situação normal, em que a detenção é determinada por um pedido formal de extradição, e a situação especial em que esse pedido é precedido de um pedido de detenção, dita 'detenção provisória'. Só para esta se determinam prazos limite de duração.
A nossa lei criou um terceiro tipo de casos, regulados pelo artigo
65º. Trata-se dos casos em que, enquanto se mantém uma situação de detenção provisória ou antecipada, é entretanto recebido um pedido de extradição.
A lei portuguesa, complementando o regime da Convenção, sem com ela conflituar, veio dar relevância à detenção em curso, anterior ao pedido de extradição. E não distinguiu - conforme resulta do nº 6 do artigo 66º, que manda aplicar o disposto no artigo 65º - entre detenção provisória e detenção não solicitada (regulada no artigo 66º).
De qualquer forma, e face ao argumento apresentado pelo recorrente nas alegações, embora não levado às conclusões, de que se estabelece uma discriminação favorável aos extraditandos detidos antes da formulado o pedido de extradição no confronto dos extraditandos detidos na sequência do pedido de extradição, há que dizer que se justifica a diferença de regimes porque diferentes são as situações. De um lado temos uma detenção não solicitada ou fundada em mero pedido de detenção, do outro temos uma detenção fundada em pedido de extradição. E há que sublinhar que se trata de um desfavor relativo, visto que, ao contrário do que é sugerido nas alegações, não se somam sem mais o prazo de 60 dias, do nº 3 do artigo 65º, com o prazo de 65 dias, do artigo 54º, nº 1, que rege para a detenção do extraditando no processo normal.
Assim, nos casos de detenção não solicitada, nos termos do nº 4 do artigo 66º (como também na detenção provisória), se passados 40 dias de detenção não tiver sido recebido pedido de extradição, a detenção terá de cessar. Mas nada obsta - antes está expressamente previsto no nº 7 do artigo 37º, que aqui se limita a retomar o nº 5 do artigo 16º da Convenção - a que, se o pedido de extradição vier a ser ulteriormente recebido, se inicie novo processo, com nova detenção, que nunca será então uma detenção provisória.
Todavia, se o pedido de extradição tiver sido recebido antes do termo dos 40 dias de detenção provisória, o que a lei refere não é que os 60 dias do nº 3 do artigo 65º se se somarão aos 65 dias do artigo 54º, nº 1. Os 60 dias daquela norma não são mais do que uma exigência de celeridade, prevista em favor do extraditando, imposta aos responsáveis pelo processo administrativo. Com efeito, recebido o pedido de extradição, o Governo terá de apresentar o processo em juízo até ao sexagésimo dia contado do início da detenção antecipada, pois, se não for assim, o extraditando terá de ser restituído à liberdade. A introdução desta norma vem assim impedir que, nestas situações, se conte um novo prazo de detenção - só então poderia dizer-se que os prazos seriam susceptíveis de ser somados - a partir do momento do recebimento pelo Governo de um pedido de extradição, o qual, para os efeitos da manutenção da detenção, poderia entender-se que valeria como um pedido de detenção provisória.
Aliás, o prazo de sessenta dias corre antes da apresentação do pedido de extradição em juízo, enquanto no processo normal ou comum a detenção só pode ocorrer depois dessa apresentação, inclusivamente depois do despacho liminar.'
Não é assim legítimo falar na existência de qualquer discriminação arbitrária na medida em que, perante situações processuais tão diversas, as práticas a seguir terão também de ser diferentes, sendo certo que tal diversidade dispõe de fundamento material bastante e não acarreta qualquer inconstitucionalidade.
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6 - Alega por fim o recorrente que a norma do artigo 51º, nº 3 do Decreto-Lei nº 43/91, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 27º, 13º e 15º e 32º, nº 1 da Constituição.
O artigo 51º em que aquela norma se insere dispõe da seguinte redacção:
Artigo 51º Processo judicial; competência; recurso
1 - É competente para o processo judicial de extradição o tribunal da relação em cujo distrito judicial residir ou se encontrar a pessoa reclamada ao tempo do pedido.
2 - O julgamento é da competência da secção criminal.
3 - Só cabe recurso da decisão final, competindo o seu julgamento à secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
4 - Tem efeito suspensivo o recurso da decisão que conceder extradição.'
É irrecusável que a norma em causa assegura aos extraditandos garantias de defesa constitucionalmente adequadas em sede de recurso, pois que, depois de atribuir a competência para o processo judicial da extradição aos tribunais da relação, prevê recurso da decisão final para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
Mostra-se assim observado um duplo grau de jurisdição exercido no âmbito de um tribunal superior e do mais alto tribunal da hierarquia dos tribunais judiciais, respeitando-se por isso as garantias de defesa consagradas no artigo 32º da Constituição.
Os demais artigos da Constituição invocados pelo recorrente como padrão de aferimento desta norma - artigos 27º, 13º e 15º - são aqui manifestamente inaplicáveis, havendo assim de concluir-se também no sentido da sua não inconstitucionalidade.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, no que às questões de constitucionalidade respeita, o acórdão recorrido.
Lisboa, 10 de Julho de 1997
Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida