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Processo n.º 448/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por sentença de 25 de Março de
2003, julgou inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei nº 43/98, de 3 de Março. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional. Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público produziu alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - O facto tributário gerador ou constitutivo da “contribuição de melhoria” criada pelo Decreto-Lei n° 43/98, de 3 de Março, é o aumento de valor dos prédios ou terrenos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção ou reconstrução urbana, nas freguesias cujas acessibilidades foram excepcional e substancialmente melhoradas com as obras públicas cuja realização está na base da edição daquele diploma legal.
2 - Como critério orientador da avaliação pericial que irá determinar tal
“aumento de valor”, causalmente ligado à realização dessas obras públicas, o artigo 2° do Regulamento aprovado pelo citado diploma legal manda atender ao valor hipotético que teriam os prédios em data anterior ao lançamento de tais obras públicas (que se estabelece com referência ao dia 1 de Janeiro de 1994), corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual de tais bens, à data em que se iniciou o processo de licenciamento que irá consumar e concretizar tal “aumento de valor”.
3 - A ponderação da referida data - 1 de Janeiro de 1994 - surge, deste modo, como simples critério orientador do juízo pericial de avaliação, não tendo, deste modo, relação directa com o facto tributário, nem implicando sequer que se esteja perante um facto tributário de formação sucessiva, como ocorreria se a lei mandasse tributar os acréscimos de valor entretanto ocorridos em cada ano fiscal.
4 - O apelo à referida data, como meio de possibilitar aos peritos avaliadores um critério e ponto seguro de referência, para determinar o “valor hipotético” dos bens antes de iniciadas as obras públicas que os valorizaram, em nada afronta o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal.
5 - Termos em que deverá proceder o presente recurso, já que as normas que integram o objecto do presente recurso não colidem com o princípio da não retroactividade da lei fiscal, nem ofendem qualquer outra norma ou princípio constitucional.
A recorrida A., contra-alegou, concluindo o seguinte:
1.ª Constitui fundamento do recurso a inexistência de inconstitucionalidade das normas sub judice em virtude de, por um lado, o facto tributário consubstanciado na emissão da licença de construção já ter ocorrido na vigência do RCE aprovado pelo Decreto-Lei nº 43/98 e, por outro lado, porque a data e períodos indicados no art. 2º daquele Regulamento se tratarem de um mero indicador para efeitos de avaliação o qual comporta aplicação retroactiva;
2.ª Integrando-se naqueles fundamentos questão cuja sindicância não pode, quer por força da natureza do recurso interposto, quer pela competência do Tribunal Constitucional, constituir objecto do mesmo, qual seja a da aferição do momento em que se deu por verificado o facto tributário em sede de Contribuição Especial;
3.ª E constituindo esta a trave mestra de toda a argumentação expendida nas alegações do recorrente, deve esse Venerando Tribunal Constitucional abster-se de conhecer do objecto do recurso por força do disposto, designadamente, nos arts. do art. 280º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, dos arts. 70º, nº 1, alínea a) e 71º, nº 1, ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as redacções introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
4.ª Tal, conclusão não surge prejudicada por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos processuais, uma vez que os restantes fundamentos daquele recurso somente permitiriam, em abstracto, suportar uma alegada constitucionalidade do art. 2º, nº 1, do RCE e não da aplicação conjugada do mesmo com o art. 1º, nº 2, do mesmo Regulamento;
5.ª O princípio enformador da proibição retroactiva das normas fiscais prevista no art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa é o da protecção das legítimas expectativas dos cidadãos contribuintes;
6.ª Atenta a factualidade dada como provada nos autos de impugnação, aquela legítima expectativa, digna de protecção legal, firmou-se na data da apresentação do requerimento para a emissão da licença de construção, anterior à entrada em vigor do RCE;
7.ª Logo, a tributação em sede de Contribuição Especial do “aumento de valor” dos prédios em apreço, por força da aplicação conjugada dos arts. 1º, nº 2 e 2º do RCE, só ocorre mediante a aplicação retroactiva dos mesmos, pelo que violadora do citado normativo constitucional;
8.ª Acresce que, mesmo apreciados em concreto os argumentos expendidos nas doutas alegações do ilustre Procurador-Geral da República Adjunto, os mesmos se afiguram ser insusceptíveis de suportar entendimento em sentido diverso;
9.ª Com efeito, e em primeiro lugar, a emissão do alvará de licença de utilização não constitui elemento da incidência objectiva, mas da incidência subjectiva;
10.ª Pelo que a sua verificação em momento posterior à entrada em vigor do RCE não afasta a retroactividade da aplicação do mesmo ao caso vertente;
11.ª Em segundo lugar porque, quer a data de 1 de Janeiro de 1994, quer o período compreendido entre a mesma e a data da apresentação do requerimento tendente à emissão da licença de construção, não são um mero critério orientador para efeitos de avaliação, sem qualquer relação com o facto tributário.
12.ª Efectivamente, tais data e períodos são elementos integrantes do próprio facto tributário;
13.ª Assim, qualquer aplicação do art. 2º do RCE, a período integralmente decorrido em momento anterior à sua entrada em vigor é inconstitucional por violação do disposto no art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
14.ª Logo, é manifesta a inconstitucionalidade do preceituado no arts. 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial previsto no Decreto-Lei nº 43/98, quando aplicados ao caso sub judice,
15.ª Pelo que bem andou o Meretíssimo Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto ao decidir no sentido da não aplicação dos citados preceitos por violação do disposto no art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa. Termos em que, com o douto suprimento desse Venerando Tribunal Constitucional, deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida na parte em que em recusa a aplicação ao caso sub judice das normas conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 43/98, de 3 Março, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, como é da mais elementar JUSTIÇA!
Cumpre apreciar.
2. Tendo o pedido de licenciamento sido formulado antes da entrada em vigor das normas em crise, a questão que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade é idêntica à decidida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 81/2005 (www.tribunalconstitucional.pt). Nesse aresto, o Tribunal Constitucional decidiu desatender a questão prévia suscitada pela recorrida (semelhante à suscitada nos presentes autos) e decidiu julgar inconstitucionais as normas desaplicadas. Nos presentes autos seguir-se-á tal entendimento. Não tendo sido suscitada qualquer questão nova que deva ser apreciada, remete-se agora para a fundamentação do Acórdão nº 81/2005, concluindo-se pela improcedência da questão prévia suscitada pela recorrida e pela inconstitucionalidade das normas desaplicadas, por violação do artigo 103º, nº
3, da Constituição.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Desatender a questão prévia suscitada pela recorrida; b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Lisboa, 29 de Março de 2005
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos