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Processo n.º 614/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 - A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de
2003 (fls. 1177 a 1182), que decidiu rejeitar pela sua irrecorribilidade nos
termos do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, o recurso
do Acórdão proferido nos autos pela Relação de Lisboa que havia confirmado o
Acórdão prolatado pela 1ª instância, de condenação do arguido, ora recorrente,
como autor material de um crime de sequestro agravado p. e p. pelo art.º 160º,
n.ºs 1 e 2, alíneas b), d) e g), e n.º 3 do Código penal de 1982, na pena de
três anos de prisão cuja execução foi suspensa sob determinada condição que ora
não importa considerar, pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade da
norma constante dos art.ºs 417.º, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), 418.º, 419.º, n.º 4,
al. a), e 420.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, e do art. 666.º do
Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP, quando
interpretados no sentido de que a conferência do Supremo Tribunal de Justiça
pode[r] apreciar as circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso
do arguido, rejeitando-o, quando já anteriormente decidira, por duas vezes,
também em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo com fundamento em normas cuja
interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por Acórdão[s]
transitados em julgado).
2 – O acórdão recorrido é do seguinte teor:
«Por decisão sumária de 23-5-2003, o Tribunal Constitucional, face ao recurso
do arguido A., decidiu o seguinte:
a) julgar inconstitucional, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.
20º, e do n.º 1 do art. 32º da Constituição da República, a norma constante do
n.º 1 do art. 411º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual
o prazo para interpor recurso do acórdão proferido em conferência, deve ser
contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva
notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor foi dado prévio
conhecimento desse acto judicial;
b) consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão
recorrido de modo a ser substituído por outro, conformemente ao juízo de
inconstitucionalidade enunciado.
Assim, segundo este juízo de inconstitucionalidade, há que interpretar a norma
constante do n.º 1 do art. 411º do C.P.P. no sentido de que o prazo para
interpor recurso do acórdão proferido em conferência deve ser contado da
respectiva notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor tiver sido
dado prévio conhecimento desse acto judicial, sendo este o caso dos autos.
Porém, como entendeu o relator no seu despacho de fls. 1176, sem prejuízo de ter
de reformular-se o acórdão de fls. 1085 a 1086 v.º, que rejeitou o recurso por
ser intempestivo, o certo é que existem outras razões – para além da
intempestividade do recurso, que ora somos forçados a considerar que não existe
por o prazo de interposição daquele ter de contar-se a partir da notificação do
acórdão recorrido e não desde o respectivo depósito na secretaria da Relação de
Lisboa – que levam ainda à rejeição do recurso.
Assim, estamos perante um acórdão daquela Relação que confirmou a decisão da 1ª
instância, que havia condenado o recorrente, pela prática, como co-autor
material, de um crime de sequestro agravado p. e p. pelo art. 160º, n.ºs 1 e 2,
als. b), d), e g) e 3, do Cód. Penal de 1982, na pena de três anos de prisão,
cuja execução foi suspensa sob determinada condição, que ora não interessa
concretizar.
Trata-se, pois, de uma decisão proferida pela referida Relação, em recurso, da
qual só se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se a mesma não for
irrecorrível. É o que dispõe a al. b) do art. 432º do C.P.P., remetendo para o
disposto no art. 400º do mesmo diploma.
No presente caso, apenas o arguido em causa interpôs recurso para este Supremo
Tribunal.
Assim, há que ter em conta o disposto no art. 409º do C.P.P. no que concerne à
proibição da “reformatio in pejus“, segundo a qual, interposto recurso da
decisão final somente pelo arguido – que é o caso que ora releva – o tribunal
superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da
decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não
recorrentes –v. o n.º 1 do referido art. 409º.
Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso – mormente a
decisão (v. o n.º 2 daquele art. 409º) – a cada um dos crimes, por cuja prática
o arguido foi condenado, não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal
recorrido a cada um dos mesmos crimes – v. os acórdãos deste Supremo Tribunal,
de 11-4-2002 (proc. n.º 150/02 – 3ª Secção), de 27-3-2003 (proc. n.º 859/03 - 5ª
Secção), de 27-3-2003 (proc. n.º 870/03 – 5ª Secção), in “Sumários de Acórdãos
do STJ”, 69-72, e de 29-4-2003 (proc. n.º 4012/01 – 5ª Secção).
Ora, “in casu” a Relação, ao confirmar a decisão da 1ª instância, aplicou ao
arguido, aqui recorrente, pela prática de um crime de sequestro agravado p. e p.
pelo art. 160º, n.ºs 1 e 2, als b), d), e g) e 3, do Cód. Penal de 1982, a pena
de três anos de prisão.
Assim, por um lado, dado que a pena aplicável, pela via de novo recurso – agora
para o S.T.J. – não pode exceder a que foi aplicada pela Relação, sendo a mesma
inferior a cinco anos de prisão, não é admissível o presente recurso face ao
disposto no art. 400º, n.º 1, al. e), do CPP, pelo que o mesmo tem de ser
rejeitado nos termos dos art. 409º, 414º, n.º 2, e 420º, n.º 1, do CPP, sendo
certo que este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que admitiu o
recurso – n.º 3 daquele art. 414º.
Por outro lado, estamos perante um acórdão condenatório da Relação que confirmou
a decisão da 1ª instância, em processo por crime ao qual, pela via de novo
recurso, não é aplicável pena de prisão superior à já aplicada pela Relação,
pelo que, face ao disposto no art. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, sendo a mesma
inferior a oito anos de prisão, também não é admissível o presente recurso, que,
assim, ainda tem de ser rejeitado por este motivo nos termos dos arts 409º,
414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, do CPP.
Pelo exposto, reformulando o acórdão de fls. 1085 a 1086 v.º, acorda-se em
julgar tempestivo o recurso do arguido A. e ainda em rejeitá-lo pela razões
acima expostas.».
3 – Alegando no Tribunal Constitucional sobre o objecto do recurso,
o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
«1 - Por acórdão datado de 18 de Junho de 2002, este Tribunal Constitucional,
apreciando o recurso interposto do acórdão proferido pela conferência do STJ em
22 de Março de 2001, que rejeitou aquele outro recurso interposto pelo arguido
do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Novembro de 2000, julgou
inconstitucional a norma do art. 411° do CPP, quando interpretada como o fora no
citado acórdão do STJ, no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a
motivação não acompanhe o requerimento de interposição de recurso, ainda que a
sua falta decorra de lapso objectivamente desculpável, e seja sanada antes de
decorrido o prazo abstractamente fixado para recorrer e antes da subida ao
tribunal de recurso, por violação dos artigos 2° e 32°, n.° 1, da Constituição;
2 - Baixaram os autos ao STJ, que, por Acórdão datado de 03/10/02, proferido em
conferência, rejeitou uma vez mais o recurso, desta vez com o fundamento de que
fora apresentado fora de prazo, por se entender que tal prazo se contava a
partir da data de prolacção do Acórdão e não da data de notificação deste ao
advogado signatário, entendimento que veio a ser rechaçado, no quadro do recurso
entretanto apresentado pelo arguido, pelo acórdão do Tribunal Constitucional de
23 de Maio de 2003, que decidiu julgar inconstitucional, 'por violação do
disposto nos n.°s 1 e 4 do artigo 20° e do n.° 1 do artigo 32° da Constituição
da República, a norma constante do n.° 1 do art. 411 ° do CPP, na interpretação
segundo a qual o prazo para interpor recurso do acórdão proferido em
conferência, deve ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria
e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor foi
dado prévio conhecimento desse acto judicial;
3 - De novo baixaram os autos ao STJ que, por acórdão datado de 02/10/03,
proferido em conferência, com um voto de vencido, veio julgar, no quadro da
decisão do TC, tempestivo o recurso para o STJ, mas rejeitá-lo por inadmissível,
com o fundamento de que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa era
irrecorrível à face do disposto no art. 400°, n.° 1, al. e), 409º, 414°, n.° 2 e
420°, n.° 1, todos do CPP, por ter sido o arguido condenado em pena de prisão
inferior a 5 anos;
4 - Arguiu o recorrente a nulidade deste acórdão, pugnando pela sua nulidade nos
termos do disposto no art. 379°, n.° 1, al. c), do CPP;
5 - Em resposta, a conferência do STJ veio julgar improcedente a arguida
nulidade, com o fundamento, entre o mais, de que 'basta que uma qualquer
circunstância obste ao conhecimento do recurso para que a decisão se possa, sem
mais, ancorar nela, e assim não se conhecer de fundo ou rejeitar-se o recurso,
sem necessidade de invocar outras possíveis causas, que poderiam levar ao mesmo
resultado';
6 - De tudo resulta que a conferência do STJ rejeitou, por três vezes, o recurso
que o arguido interpôs do acórdão proferido em 30/11/2000 pela 9ª Secção do
Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n° 7.528/99, primeiro com o
fundamento de que a motivação não acompanhara o requerimento de interposição de
recurso, depois com o fundamento de que o recurso fora apresentado fora de
prazo, e, finalmente, com o fundamento de que o recurso não era admissível em
face das disposições combinadas dos arts 400°, n.° 1, al. e), 409°, 414°, n.° 2
e 420°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal.
7- Assim é que esse recurso foi sempre rejeitado pela conferência do STJ, no
quadro do art. 420° do Código de Processo Penal.
8 - Sucede que os venerandos Juízes Conselheiros do STJ apreciaram e julgaram,
necessariamente, todas as circunstâncias que obstavam ao conhecimento do
recurso, quer por força do exame preliminar efectuado pelo Exmo senhor Juiz
Conselheiro-Relator, nos termos do art. 417º do CPP, quer por força da
apreciação do recurso em conferência, nos termos do art. 420° do mesmo diploma
legal, tanto para a primeira como para a segunda das decisões de rejeição;
9- Donde que, proferida a primeira decisão de rejeição, logo se esgotou o poder
jurisdicional do STJ, no quadro do disposto no art. 666°, n.° 1, do Código de
Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4° do CPP, sendo, pois, nulas as
seguintes decisões de rejeição;
10 - Ademais, o disposto no art. 666°, n.° 1, do CPC é aplicável às sentenças e
aos despachos;
11 - O entendimento consignado no acórdão recorrido viola flagrantemente o
direito do arguido a uma decisão 'em prazo razoável e mediante processo
equitativo' e viola, ainda, o seu direito a um 'procedimento judicial
caracterizado pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em
tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos' (art. 20°, n.ºs 4 e 5 do
Diploma Básico).
12 - Constitui, pois, o entendimento do STJ uma manifesta violação das garantias
de defesa do arguido, incluindo as de recurso (art. 32° da mesma Lei
Fundamental).
13- Assim, interpretando as normas dos 417°, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), 418°,
419°, n.° 4, al. a), e 420°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, e do art.
666°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4° do CPP, no
sentido de que a conferência do Supremo Tribunal de Justiça pode reapreciar as
circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso do arguido,
rejeitando-o, quando já anteriormente decidira (in casu por duas vezes), também
em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo, com fundamento em normas cuja
interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por acórdãos
transitados em julgado, violou aquele venerando tribunal o disposto nos arts 2°,
20°, n.ºs 4 e 5 e 32°, n.° 1 da Lei Fundamental, pelo que tal interpretação se
encontra ferida de inconstitucionalidade material.
Nestes termos, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais, quando
interpretadas e aplicadas em termos de poder a conferência do STJ reapreciar as
circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso do arguido,
rejeitando-o, quando já anteriormente decidira (in casu por duas vezes), também
em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo, com fundamento em normas cuja
interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por acórdãos
transitados em julgado.».
4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional,
contra-alegando, concluiu pelo seguinte modo:
«1° - Não implica qualquer esgotamento ou preclusão dos poderes cognitivos de
um Tribunal Superior a apreciação de razões que - de um ponto de vista
lógico-jurídico - obstam, em primeira linha, ao conhecimento do mérito de um
recurso, retomando naturalmente tal Tribunal os seus poderes cognitivos plenos
no momento em que - por força da procedência de um recurso - tais razões ou
motivos prioritários deixarem de poder ser invocados.
2° - Termos em que deverá improceder o presente recurso.».
B – Fundamentação
5 – Como se vê do relatado, o recorrente entende, em síntese, que o
tribunal que conhece do recurso – no caso o Supremo Tribunal de Justiça – apenas
desfruta de um momento para se pronunciar e decidir sobre os diversos
pressupostos ou as questões que, porventura, possam obstar ao seu conhecimento:
rejeitado que seja o recurso por qualquer fundamento conquanto este possa vir a
ser arredado como consequência do julgamento de inconstitucionalidade da norma
aplicada ficará precludida a possibilidade de o Tribunal vir a rejeitá-lo
posteriormente com base em fundamentos diferentes ainda não apreciados.
A não preclusão do conhecimento destes outros fundamentos por
ocasião da primeira pronúncia feita pelo tribunal sobre os motivos que o
conduzam à rejeição do recurso viola – na tese do recorrente – «o direito do
arguido a uma decisão “em prazo razoável e mediante um processo equitativo”», «o
direito a um “procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade,
de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos (art.º 20º, n.ºs 4 e 5, do Diploma Básico”, bem como «as
garantias de defesa do arguido, incluindo as de recurso (art.º 32º, da mesma Lei
Fundamental)».
6 - O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional,
previsto no artigo 20º da Constituição, significa fundamentalmente o direito a
ver decidido o conflito relativo aos seus direitos e interesses legítimos de
acordo com o direito através dos Tribunais (cfr., J.J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., pp. 488 e ss.; J. González
Pérez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, Barcelona, Civitas, 1984, pp. 40 e
segs.; A Cano Mata, «Declaraciones de inadmision de recursos
contencioso-administrativos y derecho de tutela judicial efectiva sin
indefension», in Revista de Derecho Publico, ano XIII, vol. II, pp. 293 e ss.).
Ele desenvolve-se, por isso, em três dimensões distintas: segundo a primeira, no
direito de acesso a “tribunais” para defesa de um direito ou de um interesse
legítimo, isto é, um direito de acesso à “Justiça” ou a órgãos independentes e
imparciais e cujos titulares gozam das prerrogativas de inamovibilidade e de
irresponsabilidade pelas suas decisões (artigos 202º e 216º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição); de acordo com a segunda, no direito de, na concretização desse
acesso, obter uma solução jurídica do caso num prazo razoável e com observância
de garantias de imparcialidade, independência e de processo equitativo,
possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do
contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões
(de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do
adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras» (cfr. Manuel
de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, p. 364 e,
entre outros, os Acórdãos n.º 86/88, n.º 346/92, 249/97, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 22 de Agosto de 1988, Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 23 vol., pp. 451 e ss. e Diário da República II Série,
de 15 de Maio de 1997); segundo a terceira, no direito, uma vez ditada a
sentença, à execução das decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das
sentenças.
A exigência constitucional de concessão da protecção jurídica
através dos tribunais, que se concretiza na possibilidade de obtenção de uma
sentença executória com força de caso julgado, implica forçosamente que essa
garantia seja plena, eficaz e “temporalmente adequada”, ou seja, a garantia de
que através dos tribunais o demandante tenha a possibilidade de obter, em
extensão, efectividade de concretização e momento da sua operatividade, todo o
grau de protecção jurídica que corresponde ao direito subjectivo ou interesse
legalmente protegido que invoca como carecido de protecção.
Mas sendo essa protecção judicial concedida através do exercício do
direito de acção perante os tribunais e mediante processo próprio e adequado
cuja conformação não pode deixar de respeitar as regras de um processo
equitativo e justo, de um due process of law, com inteiro respeito pelos
princípios da igualdade substancial das partes e do contraditório, seja em
matéria de facto ou de direito, seja em matéria de apresentação e contradita de
provas, não pode, também, deixar de admitir-se como sendo temporalmente adequado
um certo hiato de tempo entre o momento do pedido de tutela e o da sua
concessão.
Nesta óptica “a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma
protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça
acelerada” (J. J. Gomes Canotilho, op. cit., pp. 495).
Ora, nenhuma destas dimensões do direito de acesso aos tribunais sai
ofendida pela norma constitucionalmente sindicada.
Solicitado a dirimir, através de recurso para ele interposto, uma
determinada controvérsia, o que se exige do tribunal é que este a decida em
função do direito aplicável numa óptica de efectividade da tutela que entende
corresponder-lhe, donde decorre que conheça dos vários obstáculos ao
conhecimento do mérito do recurso que se lhe deparem, seguindo, designadamente,
segundo as boas regras de processo, uma linha de precedência lógico-jurídica.
Assim sendo, não tem o tribunal de apreciar questões cuja resolução apenas
valeria para o caso de a solução dada a outras poder ser afastada por via de
decisão posterior do mesmo tribunal ou de outro, este por via de recurso.
Tais questões, na perspectiva da efectividade da decisão fundada no direito tal
qual o tribunal o define e aplica, surgem, em tal momento da decisão, como
questões potencialmente académicas ou resolvidas a título hipotético, dado
apenas poderem operar em caso de cair, por via de reapreciação, a resposta dada
à outra questão.
Só a consideração de uma hipótese abstracta de os fundamentos conhecidos a
título subsidiário poderem converter-se em fundamentos efectivos de decisão –
hipótese que o legislador apenas poderia valorar como excepção à normalidade,
mas enquanto tal carecida de fundamento material bastante - e de, em uma tal
eventualidade, se poderem obter, em concreto, alguns ganhos de celeridade
poderia justificar a adopção pelo legislador de uma norma no sentido da
obrigatoriedade de o tribunal ter de conhecer de todos os pressupostos, questões
prévias e demais questões racionalmente prejudicadas pela solução dada a estas.
De qualquer modo, o efeito de preclusão do conhecimento pelo tribunal dessas
outras questões não conhecidas nunca poderá constituir um efeito jurídico que se
tenha por necessariamente postulado por um entendimento, que seguramente não
decorre das dimensões analisadas do direito constitucional de acesso aos
tribunais, de o tribunal estar obrigado a conhecer de todas as questões
plausíveis no caso, pois seria sempre um quid mais ou um aliud dessa hipotisada
obrigação, sendo que também ele não decorre minimamente de qualquer das
dimensões daquele direito constitucional.
Assim, ao contrário, pois, do que o recorrente defende, não há qualquer
princípio constitucional – ou até regra de direito infraconstitucional – que
obrigue, sob pena de preclusão irremediável, um tribunal superior a
pronunciar-se por uma única vez e num único despacho, sobre todas as causas
possíveis de rejeição do recurso.
7 - Por outro lado, também do princípio constitucional do asseguramento ao
arguido, no processo criminal, de todas as garantias de defesa, incluindo o
direito ao recurso, consagrado no art.º 32º, n.º 1, da Constituição, não decorre
a defendida preclusão processual do conhecimento dos pressupostos do recurso
antes não apreciados pelo tribunal superior na primeira decisão sobre essa
matéria.
Ponderando sobre o sentido deste preceito constitucional, escreveu-se no Acórdão
deste Tribunal n.º 61/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pp. 611
e ss.), em termos que se acompanham:
“Esta cláusula constitucional apresenta-se com um cunho «reassuntivo» e
«residual» - relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes
do mesmo artigo - e, na sua abertura, acaba por revestir-se, também ela, de um
carácter acentuadamente «programático». Mas, na medida em que se proclama aí o
próprio princípio da defesa, e portanto indubitavelmente se apela para um núcleo
essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter «um
eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em
casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária» (cfr.
Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p.
51; e acórdão n.º 164 da Comissão Constitucional, apêndice ao Diário da
República, I série, de 31 de Dezembro de 1979).
A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por
onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio
da defesa, para além das consignadas nos n.ºs 2 e seguintes do artigo 32º - será
a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law,
devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas
processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento
inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (assim, basicamente, cfr.
Acórdão n.º 337/86, deste Tribunal, Diário da República, I Série, de 30 de
Dezembro de 1986)”.
Trata-se de entendimento que tem sido repetidamente proclamado em inúmeros casos
que seria ocioso referir, pela jurisprudência posterior do Tribunal
Constitucional, sendo certo até que a “autonomização do direito ao recurso no
âmbito das garantias de defesa” (artigo 32º da Constituição), operada pela
revisão constitucional de 1997, significou a atribuição de autonomia de tal
garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor
garantístico próprio e não «dissolúvel» em outras garantias de defesa ( cf.
Acórdão n.º 686/2004, publicado no Diário da República II Série, de 18 de
Janeiro de 2004).
Entre aqueles diversos locais conta-se o Acórdão n.º 275/99, publicado nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43º vol., pp. 433, onde se pode ler:
«Ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos (art. 20º) e, especificamente, ao prever que “o
processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”
(art. 32º, n.º 1), a Constituição não só assegura que ao arguido sejam
facultados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua
posição em juízo, como impede a existência de normas processuais - ou de
interpretações normativas - que se traduzam numa limitação inadmissível ou
injustificada das suas possibilidades de defesa.».
Pode aceitar-se que a repetição de sucessivas decisões de não conhecimento do
mérito do recurso com base em fundamentos diversos, e designadamente pela ordem
por que foram considerados, seja susceptível de causar alguma estranheza.
Todavia, no estrito plano jurídico-constitucional a que este Tribunal está
limitado, não é pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhecer de
pressupostos ou questões que obstam ao conhecimento do mérito do recurso depois
de deixarem de valer decisões anteriores por si proferidas – fundadas, como no
caso aconteceu, primeiro, na aplicação de normas relativas ao modo e à forma de
interpor e motivar o recurso e, depois, na aplicação de norma relativa à
tempestividade da sua interposição (todas identificadas nas conclusões das
alegações do recurso de constitucionalidade), por força de julgamentos feitos
pelo Tribunal Constitucional sobre a sua a inconstitucionalidade - , que o
arguido vê diminuídas as possibilidades de defesa.
É que, em tal caso, as possibilidades da sua defesa são exactamente as mesmas,
em nada saindo afectadas, tudo se passando, nessa perspectiva, como se uma tal
decisão houvesse sido prolatada logo no primeiro momento em que o Tribunal
conheceu das demais causas de rejeição do recurso entretanto consideradas
improcedentes por via da decisão do recurso de constitucionalidade.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 417.º, n.ºs 1 e 3,
alíneas a), e c), 418.º, 419.º, n.º 4, alínea a), e 420.º, n.ºs 1 e 2, do Código
de Processo Penal, e do artigo 666.º do Código de Processo Civil, aplicável ex
vi do artigo 4.º do CPP, quando interpretados no sentido de que a conferência do
Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar as circunstâncias de admissibilidade e
conhecimento do recurso do arguido, rejeitando-o, quando já anteriormente
decidira, por duas vezes, também em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo com
fundamento em normas diversas daquelas cuja interpretação o Tribunal
Constitucional julgou inconstitucional por decisões transitadas em julgado;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar o recorrente nas custas com taxa de justiça que se fixa em 20
UC.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos