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ACRL de 05-07-2005
Crime de burla. Incumprimento de obrigações civis.
I – Numa relação contratual pode verificar-se uma situação de incumprimento contratual, não significando, porém, que exista ilícito criminal, prevendo a legislação cível mecanismos próprios para a sua resolução, nomeadamente através do cumprimento coercivo, ou de indemnização ao contraente cumpridor.
II – Contudo, por vezes, um normal contrato é usado como instrumento para induzir em erro o outro contraente, determinando este à prática de actos que lhe causem prejuízo e permitam ao agente um enriquecimento ilegítimo, nestes casos, o agente ao concluir o contrato com outrem tem já a intenção de não cumprir, sendo o contrato um elemento da mise-en-scéne que conduz ao erro ou engano do ofendido.
III – Deste modo, para que numa relação contratual se verifiquem os requisitos do crime de burla é essencial que o propósito de enganar preceda a celebração do contrato ou concorra no momento de celebração do contrato, determinando a vontade da outra parte.
IV – Ao contrário, o dolo no incumprimento das obrigações tem carácter subsequente e surge posteriormente à conclusão de um negócio lícito contraído de boa fé, revelando-se na fase de cumprimento ou execução do acordado.
V – Assim, a linha divisória entre a burla e o incumprimento contratual está no momento da aparição da vontade de incumprimento: se o ânimo de não cumprir existe “ab initio” haverá burla, se surge posteriormente, só pode haver incumprimento contratual.
Proc. 4942/05 5ª Secção
Desembargadores: Vieira Lamim - Ricardo Cardoso - Filipa Macedo -
Sumário elaborado por Gilberto Seabra
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