I – São os critérios de prevenção especial de socialização que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, a um determinado caso concreto. Não são, portanto, os juízos sobre a gravidade da ilicitude ou sobre o grau de culpa que, para o efeito, relevam.
II – A atenuação especial da pena também se aplica, em abstracto, aos casos de maior danosidade social que são, por isso mesmo, puníveis com as penas mais severas. Tudo depende do juízo que se formular quanto às vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção social do jovem.
Proc. 9722/08 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – Os arguidos A. e B. foram julgados na 5.ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenados, por acórdão de 12 de Junho de 2008:
A) O arguido A., pela prática, em co-autoria, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão por cada um deles.
B) Em cúmulo dessas duas penas com aquela em que foi condenado Processo n.º 239/07.8TCLSB da 8ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido A. foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, que actualmente cumpre;
C) O arguido B., pela prática, em co-autoria, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, por cada um deles;
D) Em cúmulo, o arguido B. foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
No mesmo acórdão o tribunal absolveu o arguido C. da prática do crime de roubo que lhe era imputado pelo Ministério Público.
Nessa peça processual, e com relevância para a apreciação do recurso interposto, o tribunal considerou provado que:
1. «No dia 9 de Dezembro de 2003, cerca das 20.40 horas, no interior de um salão de jogos sito na Rua Gil Vicente, n.º 26, Amadora, os arguidos A. e B. e mais outro indivíduo não identificado, constataram que N.R. aí se encontrava a jogar numa máquina e decidiram atacá-lo, tendo em vista apoderarem-se de bens e valores que ele trouxesse consigo.
2. Para tanto, decidiram que o abordariam, o rodeariam e, agredindo-o, lhe tirariam os bens que lhes interessassem.
3. Em execução de tal desígnio, abordaram-no e, após o cercarem, começaram a agredi-lo em diversas partes do corpo, sendo que enquanto tal acontecia retiraram ao N.R.:
Uma bolsa da marca “Lacoste”, com o valor de 30,00 euros;
Um telemóvel da marca “Nokia” 3310, com o valor de 65,00 euros;
Um blusão tipo Kispo de marca “Good Year”, com o valor de 80,00 euros.
4. Com tais bens em seu poder, os arguidos referidos e seu companheiro colocaram-se em fuga, abandonando o local, e dividiram posteriormente os mesmos entre si.
5. Os artigos referidos foram recuperados por intervenção das autoridades policiais, sendo que a bolsa e o blusão ainda se encontravam em poder do B. e o telemóvel na posse de um terceiro a quem os arguidos o venderam.
6. No dia 11 de Dezembro de 2003, cerca das 17.00 horas, no Parque Zeca Afonso, sito na Av. General Humberto Delgado, na Amadora, os arguidos A. e B., bem como outros dois indivíduos de identidade não apurada, constataram que A.P.C. por ali caminhava, tendo então decidido atacá-lo, com vista a apoderarem-se de bens ou valores que ele trouxesse consigo.
7. Para tanto, decidiram que após o abordarem, o rodeariam, o agarrariam e se necessário fosse o agrediriam, para assim conseguirem o que pretendiam.
8. Em execução de tal desígnio, abordaram o A.P.C., rodearam-no, agarraram-no e, após o derrubarem, retiraram-lhe:
Um par de sapatos de ténis da marca “Nike”, no valor de 85,00 euros;
Um casaco, de valor não apurado;
Um chapéu, com o valor de 20,00 euros;
Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo 3310, com o valor de 90.00 euros;
Sendo que com tais artigos em seu poder abandonaram o local, não tendo os mesmos sido recuperados.
9. Com as condutas descritas quiseram os arguidos A. e B. e seus acompanhantes fazer seus os bens que o N.R. e o A.P.C. traziam consigo, sabendo que agiam contra a vontade destes, tendo decidido actuar com uso da força e agressão, de modo a dominar as vítimas e evitar que estas pudessem reagir aos seus intentos, limitando, assim, a sua capacidade de reacção.
10. Agiram sempre de forma livre e consciente, no desenvolvimento dos planos urdidos e cientes da proibição das suas condutas.
11. …
12. …
13. O arguido B. foi condenado no Processo n.º 266/01.9SPLSB, do 3º Juízo Criminal de Lisboa, 1ª Secção, por sentença de 12/06/03, transitada em julgado aos 28/10/03, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos pela prática, aos 16/02/01, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.
Foi ainda condenado no Processo n.º 19/04.6PSLSB, do 3º Juízo Criminal de Lisboa, 2ª Secção, por sentença de 30/03/06, transitada em julgado aos 12/05/06, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos pela prática, aos 10/02/04, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.
Tal pena foi declarada extinta por despacho de 16/04/08.
14. …
15. …
16. O arguido B. confessou integralmente os factos referentes à ocorrência de 9 de Dezembro de 2003, em que foi vítima o N.R..
17. O arguido B. vive com uma companheira há cerca de um ano, residindo ainda com a progenitora, dois irmãos mais novos, uma irmã casada, respectivo cônjuge e os filhos do casal.
18. O B., dos 14 aos 17 anos, esteve sujeito a medida de internamento em colégio de reeducação, embora sem aproveitar as oportunidades de formação escolar e profissional que lhe foram proporcionadas, por se ausentar constantemente do colégio sem autorização. Como habilitações literárias possui cinco anos de escolaridade.
Quando regressou à morada de família iniciou um curso de formação profissional em jardinagem, que não terminou, optando por trabalhar na construção civil. Teve vários empregos no sector sem grande continuidade, evidenciando alguma dificuldade em se fixar nos empregos.
Mostra desconhecer as implicações e os deveres inerentes às suspensões das execuções das penas em que foi anteriormente condenado, abordando estas questões com alguma indiferença.
Na garagem da casa, montou uma oficina de mecânica, onde faz reparações de motorizadas para pessoas conhecidas, obtendo um rendimento variável que não ultrapassa os 300 euros mensais. Pretende regularizar a oficina, tendo projectos para expandir a mesma, através do apoio do IEFP, que já solicitou. A companheira estuda e faz umas horas de limpeza em casas particulares.
Revela dificuldade para assumir uma perspectiva autocrítica relativamente ao seu modo de vida e tende a ter uma atitude desculpabilizante face às suas condenações anteriores.
O arguido preocupa-se em contribuir para as despesas do agregado sempre que ganha dinheiro».
2 – O arguido B. interpôs recurso desse acórdão (fls. 650 a 657).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. «Foi o arguido, ora recorrente, condenado pelo Tribunal de primeira instância na pena única e efectiva de 2 anos e 4 meses de prisão, por ter praticado, em co-autoria, dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, sendo que não foi devidamente ponderado que foi recuperado o produto do roubo o que significa que, ao menos do ponto de vista patrimonial, o mal do crime está reparado.
2. No entanto, entende o arguido que a pena que lhe foi aplicada foi inadequada e excessiva, por não tomar em linha de conta questões essenciais, como o seu recente bom comportamento, o seu afastamento do 'mundo do crime', a sua nova estrutura familiar e profissional e, finalmente, o facto de ter confessado o delito em audiência de julgamento e se mostrar arrependido pela sua prática.
3. A pena aplicada foi manifestamente excessiva, bem como foi inadequada a não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que deveria ter sido melhor ponderado e efectivamente aplicado ao caso concreto, designadamente o seu artigo 4.º que foi violado, ao não se ter atenuado especialmente a pena.
4. O arguido, ora recorrente, tem hoje em dia (passados praticamente 5 anos sobre a data dos factos que lhe são imputados), uma vida completamente diferente da que tinha na altura; ou seja, tem hoje uma companheira, com quem pretende constituir família; tem igualmente perspectivas profissionais concretas: na garagem da sua casa montou uma oficina de mecânica, onde faz reparações de motorizadas para pessoas conhecidas, pretendendo regularizar a oficina, e tendo projectos de expansão da mesma, através do apoio do IEFP, que já solicitou e para o qual aguarda resposta. Estes factos, só por si, deveriam ter sido ponderados aquando da determinação da medida da pena, e não o foram ou, pelo menos, não o foram devidamente.
5. Além do mais, o arguido confessou em audiência de julgamento a prática dos factos de que foi acusado e verbalizou o seu arrependimento. Tal facto não foi tido em conta na determinação da pena a aplicar, designadamente, não se atendeu ao disposto no artigo 72.º, n.º 2, al. c) do CP, que prevê que o Tribunal atenua especialmente a pena 'se tiver havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente...', o que aconteceu.
6. O Tribunal no acórdão condenatório não considerou igualmente o constante na al. d), do n.º 2, do artigo 72.º do CP, onde se prescreve que o Tribunal atenua especialmente a pena se já tiver decorrido muito tempo sobre a prática do crime e o agente tiver, durante esse tempo, mantido boa conduta, o que aqui aconteceu. Passaram já, praticamente, 5 anos desde a prática dos factos e, de há vários anos a esta parte, tem o arguido mantido bom comportamento, não tendo reincidido na prática do crime de roubo.
7. Deveria, ainda, ter sido aplicado o Regime Penal Especial para Jovens, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, na medida em que os seus pressupostos se encontram preenchidos (cfr. artigo 1.º do referido diploma), e assim o determina o artigo 9.º do CP, que dispõe que 'aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial'.
8. Dispõe o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que 'se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado'.
9. São do conhecimento geral os nefastos e estigmatizantes efeitos que uma passagem pela prisão, ainda mais uma passagem tão longa como aquela a que o arguido, ora recorrente, foi condenado, pode causar. De facto, a melhor forma de reeducar, ou até mesmo educar (visto que há jovens que, infelizmente, não tiveram a sorte de poder ter, sequer, uma educação, como é o caso do arguido, conforme consta do Relatório Social de fls. 528 a 532), não é a privação da liberdade, ainda mais tratando-se de um jovem, e de um jovem que está agora a dar os primeiros passos da sua vida adulta, concretizando projectos a nível familiar e profissional.
10. Tendo em conta tudo quanto fica supra dito, deveria o Tribunal ter dado preferência a uma pena não privativa da liberdade porquanto esta realiza, in casu, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sob pena de se ter que entender que, na prolação do acórdão que entende aplicar pena efectiva, foi violado o disposto nos artigos 70.º a 73.º, todos do CP.
Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, aplicando o Regime Penal Especial para Jovens e tendo em atenção as diversas atenuantes referidas, e sobretudo o juízo de prognose favorável que se pode fazer “in casu”, diminua a pena a aplicar ao arguido, situando-a próximo do mínimo legal e proceda à suspensão da sua execução, ainda que com recurso ao regime de prova».
3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 663 e 664).
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 665.
5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6 – O arguido limitou o recurso interposto à parte do acórdão que decidiu não atenuar especialmente a pena de prisão nos termos previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que fixou a duração das penas parcelares e da pena única e que optou por não suspender a execução da prisão.
7 – Comecemos então pela questão da aplicação do regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e 21 anos, contido ainda hoje no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Este diploma, como se diz no seu preâmbulo, partindo da ideia de que «o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado(1)» e da crença na capacidade de ressocialização do homem, «sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade», dá clara preferência à aplicação de medidas correctivas(2) , mais reeducadoras do que sancionadoras, sem que com isso exclua a imposição da pena de prisão(3) , que deve, no entanto, poder ser sempre especialmente atenuada «se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção».
Acrescenta ainda o legislador no mencionado preâmbulo que «a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos» deve ter lugar «quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos(4)».
Tal não obsta, contudo, à aplicação, nestes casos, de penas de substituição uma vez que, de acordo com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, «a lei geral aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo presente diploma».
Do que se transcreveu resulta, a nosso ver, em primeiro lugar, que são os critérios de prevenção especial de socialização que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no artigo 4.º do indicado diploma a um determinado caso concreto. Não são, portanto, os juízos sobre a gravidade da ilicitude ou sobre o grau de culpa que, para o efeito, relevam.
E, no seguimento desta conclusão, resulta também que a atenuação especial da pena também se aplica, em abstracto, aos casos de maior danosidade social que são, por isso mesmo, puníveis com as penas mais severas. Tudo depende do juízo que se formular quanto às vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção social do jovem.
8 – Tendo este entendimento como pano de fundo, analisemos então a primeira questão que o recorrente coloca à consideração deste tribunal.
Deve dizer-se, ante de mais, que para o efeito o tribunal apenas pode atender aos factos que se encontram provados e àquilo que, com segurança, deles se pode inferir, não podendo valorar os restantes factos a que o recorrente alude, que não se encontram assentes.
O arguido, como resulta do acórdão, nasceu no dia 4 de Setembro de 1984. Tinha, portanto, na data da prática dos factos (9 e 11 de Dezembro de 2003), 19 anos de idade.
Já tinha sido então condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de um crime de roubo simples na pena de 3 anos de prisão suspensa pelo período de 2 anos, tendo vindo posteriormente a cometer um crime de tráfico de droga de menor gravidade pelo qual foi condenado numa pena de 18 meses de prisão, também suspensa.
Esta última pena foi declarada extinta, supondo-se que a primeira também o terá sido.
O arguido confessou integralmente um dos crimes, assumindo ter estado presente, mas negando ter participado, na prática do outro.
Teve, desde muito jovem, um percurso problemático, tendo-lhe sido aplicada uma medida de internamento entre os 14 e os 17 anos, cujo termo deve ter ocorrido ainda no ano de 2001.
Os factos a que se reportam estes autos foram praticados em Dezembro de 2003, há cerca de 5 anos.
Nos últimos tempos, ocorreram algumas alterações do seu modo de vida que o tribunal não pode descurar.
Na verdade, o arguido vive com uma companheira há cerca de um ano, residindo na casa da progenitora com outros familiares, e iniciou uma actividade profissional, da qual aufere alguns rendimentos, preocupando-se em ampliá-la e em contribuir para as despesas do agregado familiar.
Parece decorrer do exposto que o arguido começou a trilhar nos últimos anos um caminho diferente do que percorreu até 2004, não havendo notícia de que, desde esse ano, tenha cometido qualquer outro crime.
Revela, porém, como nota o tribunal de 1ª instância, ainda alguma imaturidade, manifestando dificuldade em «assumir uma perspectiva autocrítica relativamente ao seu modo de vida e tende a ter uma atitude desculpabilizante face às suas condenações anteriores».
Daí que nos pareça que da atenuação especial das penas não resultariam reais vantagens para a reinserção social do recorrente porquanto tal contribuiria para exacerbar o sentimento de desresponsabilização.
Por essa razão este tribunal considera que não deve atenuar especialmente tais penas.
Isso não significa que não deva atender à idade do arguido como um factor, e relevante, para a determinação da medida da pena dentro da moldura penal estabelecida na disposição incriminadora.
9 – Resolvida esta primeira questão, determinemos agora a pena concreta que deve ser imposta ao arguido por cada um dos dois crimes de roubo.
Para este efeito, relativamente ao crime cometido no dia 9 de Dezembro de 2003, são relevantes os seguintes factores:
- O facto de o arguido ter actuado de noite (20H40) e com a colaboração de duas outras pessoas;
- O facto de a vítima ter sido agredida em diversas partes do corpo, se bem que não se conheça a extensão dessas agressões, nem as lesões que, eventualmente, provocaram;
- O valor dos objectos subtraídos, num total de 175 €;
- A sua recuperação e entrega ao ofendido;
- A idade do arguido;
- As restantes circunstâncias de natureza pessoal a que atrás se fez referência;
Os três primeiros factores acentuam, em alguma medida, a ilicitude da conduta, o que se reflecte na culpa, não sendo despiciendas, tendo em conta o percurso do arguido e os seus antecedentes criminais, as necessidades de prevenção especial.
A idade do arguido e as alterações verificadas, nos últimos tempos, no seu modo de vida aconselham e impõem, no entanto, alguma contenção.
Daí que nenhuma censura mereça a pena concreta aplicada quanto a este crime, de 1 ano e 8 meses de prisão, pouco superior ao limite mínimo estabelecido.
10 – Determinemos agora os factores relevantes para a graduação da pena a aplicar ao arguido pelo segundo crime de roubo.
Para tal deve o tribunal atender:
- Ao facto de o arguido ter actuado com a colaboração de três outras pessoas;
- Ao facto de a vítima ter sido derrubada;
- Ao valor dos objectos subtraídos, num total de, pelo menos, 195 €;
- À idade do arguido;
- Às restantes circunstâncias de natureza pessoal a que atrás se fez referência;
Embora, neste caso, o grau da ilicitude seja ligeiramente inferior e, por essa via, também o seja a culpa, a ausência da recuperação dos bens incrementa a medida da pena por via da prevenção geral, o que aconselha a aplicação de uma pena de igual magnitude, ou seja, uma pena de 1 ano e 8 meses de prisão.
Improcede, também quanto a esta questão, o recurso interposto.
11 – Graduadas as penas concretas, importa agora fixar a pena única.
Ela tem como limite mínimo 1 ano e 8 meses de prisão e como limite máximo 3 anos e 4 meses de prisão.
Tendo em conta a proximidade temporal das duas condutas, a sua similitude, a idade, os antecedentes criminais, o tempo decorrido e os restantes factores de natureza pessoal indicados, entende este tribunal dever manter em 2 anos e 4 meses de prisão a pena única.
12 – Resta apreciar a questão da suspensão da pena.
O arguido, quando cometeu este crime, já tinha sido condenado numa pena suspensa, tendo sido condenado posteriormente numa outra pena de idêntica natureza.
Tal apontaria para que, tal como fez o tribunal de 1ª instância, esta pena não devesse ser suspensa.
Porém, tendo em consideração o tempo decorrido desde a data da prática dos factos (cerca de 5 anos), a idade do arguido e a recente alteração do seu modo de vida, algo ainda incipiente, julgamos poder ainda concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, em face desta nova situação, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), razão pela qual este tribunal decide suspender a execução da pena pelo período de 2 anos e 4 meses (n.º 5 do mesmo preceito legal).
Tendo, no entanto, em conta os antecedentes criminais do arguido e a fragilidade dos elementos que permitiram detectar uma alteração do seu percurso de vida, torna-se adequado e conveniente que essa suspensão seja acompanhada de regime de prova de acordo com o plano de reinserção social que vier a ser elaborado e que for aprovado pelo tribunal de 1.ª instância (artigos 53.º e 54.º do Código Penal).
13 – Uma vez que o arguido decaiu, embora apenas parcialmente, no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 87.º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 1 e 15 UC.
Tendo em conta a situação económica do arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B., decidindo:
a) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, acompanhada de regime de prova de acordo com o plano de reinserção social que vier a ser elaborado e que for aprovado pelo tribunal de 1.ª instância, pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses.
b) Manter, em tudo o mais, a decisão recorrida.
c) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.
NOTAS:
(1)- Afirmava-se na Proposta de Lei n.º 45/VIII, que entretanto caducou, que «o direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida.
Corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.
Observa se, com efeito, nas sociedades modernas, que o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento, que representavam um “virar de página” na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria.
O acesso à idade adulta tende, desta forma, a realizar se por patamares sucessivos.
Este período de latência social – em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações pessoais e profissionais – potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes».
(2)-E, acrescentava-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 401/82, que com a sua diversidade pretendia-se «consagrar um tratamento diferenciado que permit[isse] uma adequada individualização das reacções da sociedade».
(3)-Dizia-se na mencionada Proposta de Lei que a segunda ideia fundamental do diploma que se propunha era «a de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos.
Comprovada a natureza criminógena da prisão sabe se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores».
(4)-Para os casos em que seja aplicável pena de prisão até 2 anos o legislador previu, nos artigos 5º e 6º desse diploma, a possibilidade de aplicação da legislação relativa aos menores aos jovens com menos de 18 anos e a possibilidade de imposição das medidas de correcção reguladas nos artigos 7.º e ss. aos maiores de 18 e menores de 21 anos.
Lisboa, 19 de Novembro de 2008
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(Carlos Rodrigues de Almeida)
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(Horácio Telo Lucas)