Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 22-01-2009   Competência. Recurso. Tribunal do Comércio.
O Tribunal competente para conhecer do recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal do Comércio é o da Relação em que tiverem ocorrido os factos - art.º 21.º da LOFTA.
NOTA: Ver, em sentido contrário, o Acórdão de 6-01-09, proferido no Processo n.º 9745/08, da 5.ª Secção (relator: Luís Gominho).
Proc. 7363/08 9ª Secção
Desembargadores:  João Abrunhosa - Cid Geraldo - -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
_______
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Proferida a decisão sumária de fls. 97 a 100, veio o Ex.m.º Senhor Procurador-Geral Adjunto reclamar para a conferência, nos termos do requerimento de fls. 102 e 103, requerendo que seja revogada a decisão sumária e que seja proferida outra que conheça as questões suscitadas no recurso interposto.
Consequentemente, nos termos do disposto nos art.ºs 417º/6/8 e 419º/3-a) do CPP(1) de 2007(2), importa analisar as questões ora levantadas.
*
A “AdC”(3), em PCR(4)com o n.º 49/05, em 17/09/2007, condenou a Arg.(5) “Recheio - (...)”, pessoa colectiva nº (...), com sede na Rua (...), em Lisboa, no pagamento de uma coima única de €16.210,92 pela prática de duas contra-ordenações previstas pelo artigo 3º/1 do DL 370/93, de 29/10, e punidas pelo artigo 5º/2-a) do mesmo diploma, porque a Arg., em 14/02/2005, expunha no seu estabelecimento «Recheio», situado no (...) para venda ao público, dois produtos a preço inferior ao preço de compra efectivo acrescido do IVA legal.
Não se conformando com esta condenação, a Arg. interpôs recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa, invocando como fundamentos da sua discordância a nulidade do processado a partir da nota de ilicitude (inclusive), por violação do art.º 32/10(6) da CRP e do art.º 50º do RGCO(7) (violação do direito de defesa), e a nulidade da decisão da “AdC”, nos termos do disposto nos art.ºs 41º/1 do RGCO, 374º/2, 379º/1-a) e 118º/1 do CPP(8).
Após audiência de discussão e julgamento, realizada em 29/01/2008, proferiu a Ex.m.ª Senhora Juíza do 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa a sentença de fls. 60 a 65, que julgou totalmente procedente o recurso e absolveu a Arg..
O Ministério Público, não se conformando, interpôs recurso desta decisão, para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo, em suma, da seguinte forma:
“…
4 - A sentença não se pronuncia sobre as nulidades invocadas, as quais constituem questões prévias, cuja procedência (que não se admite) impediria o conhecimento de mérito.
5 - É nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, conforme dispõe o art. 379 nº 1c) do CPP, aplicável por força do disposto no art. 41 do RGCO.
6 — Por conseguinte a referida omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença.
7 — De qualquer forma sempre se dirá que não se verificam as nulidades invocadas.
8 - Ou seja, nem existe nulidade do processado a partir da nota de ilicitude (inclusive) pois desta consta o dolo — elemento subjectivo da infracção - não havendo qualquer dúvida de que é a esse título que a AdC imputa à arguida a comissão da infracção: quis praticá-la, bem sabendo que era proibida, de modo voluntário, livre e consciente,
9 - Nem existe qualquer nulidade da decisão final da AdC, uma vez que esta contém todos os elementos legalmente exigidos: a identificação da arguida, os factos imputados, a indicação das provas (que no caso se limitam a documentos que não foram postos em causa), a indicação das normas violadas e a fundamentação da decisão (subsunção dos factos às normas), e ainda a imputação à arguida da infracção a título de dolo e o conhecimento das normas legais aplicáveis pela mesma.
10 – Por outro lado a arguida fez ainda uma breve referência aos elementos objectivos da infracção, mas uma afirmação genérica e infundada não equivale a impugnação, pois no art. 59º n.º 3 é dito que o recurso deve constar de alegações e conclusões,
11 - Não correspondendo ao conceito de alegações, a negação pura e simples da existência de elementos objectivos da infracção pela qual foi condenado, pois tal impossibilita o tribunal (e a outra parte) de conhecer as razões da sua discordância e contra elas argumentar.
12- Assim, deverá considerar-se que os factos relativos aos elementos objectivos da infracção constantes da decisão da AdC estão assentes e não se incluem na matéria impugnada pelo recorrente.
13 – Mas se não se questiona a factualidade que a arguida aceita (pois estamos em sede de recurso) avalia-se sempre a sua relevância em sede de cometimento da infracção.
14 - E – ao contrário do decidido pela Mtss Juiz – os descontos invocados como de quantidade e comercial não devem ser aceites para a formação do preço de venda ao público, porque ilegais.
15 - Com efeito não basta incluir um desconto qualquer nas facturas ou no Acordo Geral de Fornecimento (ou outro contrato geral ou tabela), apor-lhe uma denominação e pretender que o mesmo cumpre as exigências legais.
16 - Conforme resulta do já citado art. 3, só são considerados como dedutíveis no preço de compra constante da factura, para efeitos de determinação do preço de compra efectivo, os descontos que reúnam os seguintes requisitos cumulativos: que estejam relacionados de forma directa com a transacção em causa; . que se mostrem identificados na factura respectiva ou, por remissão desta, em contrato de fornecimento ou tabela de preços; que sejam descontos de quantidade, de natureza financeira ou promocionais que sejam susceptíveis de determinação ou de cálculo no momento de emissão da factura pelo fornecedor.
17 — Ora os descontos de 31,6% no produto Lava Tudo e 35,5 + 25% no produto Vinho Tinto não se qualificam nem como descontos promocionais (inexiste e não foi alegado qualquer período promocional, nem como descontos financeiros (não estão relacionados com condições de pagamento), nem como descontos de quantidade,
18 — Pois não variam em função das quantidades adquiridas.
19 — Um desconto de quantidade - para o ser - e como o próprio nome indica, funciona na razão inversa das quantidades adquiridas, ou seja,
20 — Quanto mais unidades se compram, mais barata é cada unidade.
21 — Neste caso, não é possível descortinar qual o critério de aplicação deste desconto,
22 — O qual não variando em função de nada é um mero desconto comercial aposto aquela transacção negociai e como tal, ilegal.
23 — O DL 370/93 visou exactamente impedir o desequilíbrio da concorrência, entre operadores económicos de diferente peso negociai e expressão no mercado, afastando os descontos que apenas os grandes operadores podem 'forçar' os fornecedores a conceder, sob pena destes não conseguirem escoar os seus produtos.
24 — Pelo exposto, os descontos mencionados na conclusão 17 não preenchem os requisitos legais e como tal não devem ser aceites para a formação dos preços dos produtos em causa.
25 — A sentença violou, assim, o disposto no art. 3 do DL 370/93 de 29 de Outubro e o disposto no o art.º 379 nº 1c) do CPP, aplicável por força do disposto no art. 41 do RGCO, devendo ser declarada a sua nulidade, com o que se fará Justiça.”.
Este recurso foi admitido pelo despacho de fls. 90 que, além disso, consigna o seguinte:
“Tendo na sentença proferida o juiz concluído que 'torna-se desnecessária a análise das demais questões suscitadas no recurso que se mostram prejudicadas', considera-se que o tribunal conheceu de todas as questões suscitadas pela arguida, que entendeu conhecer, considerando as demais prejudicadas, não se verificando assim a nulidade arguida.”.
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O Ex.m.º Senhor Procurador-Geral Adjunto, inicialmente, apôs o seu visto (fls. 94).
*
No exame preliminar, considerou o relator haver razões que obstavam ao conhecimento do recurso, pelo que foi proferida, nos termos do disposto nos art.ºs 417º/6-a) 32º/1/2 do CPP(9) de 2007(10), a decisão sumária de fls. 97 a 100.
Não se conformando com tal decisão, veio o Ex.m.º Sr. Procurador-Geral Adjunto dela reclamar para a conferência, nos termos do requerimento de fls. 102 e 103, pedindo que tal despacho seja revogado e substituído por outro que conheça das questões suscitadas no recurso.
Alegou, em suma, que este é o Tribunal Relação competente para conhecer do recurso, nos termos do disposto no art.º 88º do CPC(11) .
Em abono desta posição, cita o Acórdão do STJ de 11/07/2007, proferido nos autos de resolução do conflito negativo de competência n.º 1.782/07-3.
*
Cumpre decidir.
Na decisão posta em crise pelo presente recurso, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. “No dia 14 de Fevereiro de 2005, no estabelecimento «Recheio» da arguida situado em Vila do Conde, encontravam-se em exposição para venda ao público «Lava Tudo Fabuloso Lavanda» ao preço de €0,99 por unidade (s-IVA incluído) e «Vinho Tinto Real Lavrador, 0,75 Lt.» ao preço de € 1,25 por unidade (s-IVA incluído) .
2. O lava tudo foi adquirido ao preço unitário de € 1,35, sem IVA, conforme factura de fls. 54 (autos de recurso) que se considera totalmente reproduzida.
3. A factura menciona descontos de quantidade e o desconto financeiro de 1,5 %.
4. É acompanhada da guia de remessa, documento «valorização de facturas» e guia de entrega, juntos a fls. 55, 56 e 57 dos autos de recurso, que se dão por reproduzidas na íntegra.
5. No documento «valorização de facturas» está indicado o desconto de 31,6%, e o desconto de 2% pelo pagamento a 30 dias.
6. O vinho tinto foi adquirido ao preço base unitário de € 2.65 sem IVA, conforme factura de fls. 51 (dos autos de recurso) cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. A factura menciona um desconto de 36 + 25 assinalado como comercial.
8. É acompanhada de documento «valorização de facturas» e guia de entrega juntos a fls. 52 e 53 que se consideram reproduzidas na totalidade.
9. No documento «valorização de facturas» está discriminado o desconto de 35,5 + 25% e o desconto de 2% pelo pagamento a 30 dias.
10. A arguida conhece a disposição legal que define o modo de cálculo do preço efectivo de compra e proíbe a venda ao público por preço inferior.
11. Quis colocar à venda os produtos em causa nas condições em que o fez.
12. O volume de negócios da arguida em 2006 foi de € 601 milhões de euros.”.
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Antes do mais, verificamos que, da matéria de facto dada como provada(12) , resulta, desde logo, que os factos integradores da contra-ordenação em apreciação ocorreram na Comarca de Vila do Conde.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/2004, lavrado no Proc. n.º 10.200/2004-3.ª Secção(13): “Em sede contra-ordenacional, nada se prevê a respeito da competência dos Tribunais da Relação para o julgamento dos recursos dos tribunais de 1.ª instância. Importa, assim, em vista do disposto no art. 41.º/1, do RGCO, considerar o subsídio do Código de Processo Penal.
Ora, de acordo com o disposto no art.º 10º do CPP, a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária. Já nos termos prevenidos no art. 19.º/1 e 2, do mesmo Código, é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação; e para conhecer de rime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados, ou por um só acto susceptível de prolongar no tempo, é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação.
A competência territorial dos Tribunais da Relação define-se, pois, reflexamente, pela competência dos tribunais integrantes da respectiva circunscrição - art. 21.º da LOFTJ (14) ,
Assim, há-de conceder-se que, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação territorialmente competente é aquele que tiver jurisdição sobre a comarca em cuja área a infracção se houver consumado.
Ora, de acordo com o art. 2.º/2, do referido Regulamento da LOFTJ, os tribunais da Relação têm sede, área de competência e composição constantes do mapa V anexo.
(...)
Acresce sublinhar que, …, o facto de o Tribunal do Comércio ter sede em Lisboa não tem relevo na definição da competência territorial do tribunal de recurso.
Com efeito, a competência do Tribunal do Comércio, para apreciação da impugnação das decisões da Autoridade da Concorrência em matéria contra-ordenacional, resulta do disposto no art. 89.º/2-c), da referida LOFTJ - apesar de não ter jurisdição sobre a totalidade do Continente, de acordo com o constante do Mapa VI anexo ao Regulamento da LOFTJ. Compete ao Tribunal do Comércio, além do mais, julgar os recursos das decisões do Conselho da Concorrência e da Direcção-Geral do Comércio e Concorrência em processo de contra-ordenação(16). É o caso dos autos.
Ora, nenhuma destas normas faz definição da competência do tribunal da Relação de Lisboa para conhecer dos recursos levados de tais decisões.
(...)
Não vemos razões para discordar das doutas considerações supra transcritas, que, tais como as expendidas nos arestos supra mencionados na nota 1, merecem inteiro acolhimento. …”.
Estas considerações têm total aplicação ao presente caso.
Como se deixou dito, os factos ocorreram na Comarca de Vila do Conde, que, como consta do Mapa V anexo ao DL n.º 186-A/99, de 31/05, que regulamentou a Lei 3/99, de 13/01, pertence à área de jurisdição do Tribunal da Relação do Porto, que é, portanto, o competente para conhecer do recurso.
A incompetência territorial é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.º 32º/1 do CPP.
*
É certo que, para além do acórdão citado pelo Ex.m.º Senhor Procurador-Geral Adjunto, em sentido contrário a esta posição se pronunciou o Ac. do STJ de 04/05/2006, in CJSTJ (17), II (Ref. 7929/2006), no seguinte sentido:
“Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça, resolvendo o conflito negativo de competência ocorrido entre os tribunais da Relação de Lisboa e de Coimbra, a respeito do recurso interposto da decisão do Tribunal Marítimo de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial de um acto do comandante do Porto da Figueira da Foz tomada em processo de contra-ordenação, em atribuir competência para o recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa por o tribunal recorrido ter sede em comarca do Distrito Judicial de Lisboa.”
Com a seguinte fundamentação(18):
“…
“5. Estabelece o Dec. -Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o regime geral das contra-ordenações, no art. 61° n° 1, que 'é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área se tiver consumado a infracção'. Tal norma, inserida no início do Capítulo IV da Parte II do referido Regime Geral, refere-se ao recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, o qual se processa em tribunal de 1ª instância, seja o tribunal da comarca (de competência genérica), seja, em certos casos, um tribunal de competência especializada.
No art. 73° deste mesmo diploma afirma-se a possibilidade de, em situações elencadas no preceito, ser admissível recurso para a Relação da decisão (sentença ou do despacho judicial) que apreciou o recurso de impugnação. Não indicando expressamente a lei os critérios para definir a competência da Relação, haverá que fazer apelo às normas do processo penal, conforme determina o art. 41°, n° 1, do mencionado Dec. -Lei n° 433/82.
6. O Código de Processo Penal, dedica a Secção II do Capítulo II do Livro I à competência territorial. Começa, por estabelecer, no art. 19°, as regras gerais, na primeira das quais afirma ser 'competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação', logo acrescentando, nos números seguintes, normas para o caso de crimes cometidos por actos sucessivos ou reiterados e para o caso de crime que não tenha chegado a consumar-se. Os dispositivos seguintes têm por objecto a competência em situações especiais, tais como, crimes praticados a bordo de navio ou aeronave, crimes de localização duvidosa ou desconhecida, ou crimes cometidos no estrangeiro.
Todos estes preceitos dirigem-se especialmente à 1ª instância, não contendo o Código de Processo Penal norma atinente à competência territorial em matéria de recursos.
Estabelece, contudo, o Código de Processo Civil, no art. 88°, que 'os recursos devem ser interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado aquele de que se recorre'. Tal norma, na falta de preceito próprio do Código de Processo Penal, é aplicável ao processo penal, nos termos do disposto no art. 4° deste último Código.
7. Ao tratar da organização judiciária, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro, afirma que o território divide-se em distritos judiciais, círculos judiciais e comarcas (art. 15°, n° 1), estabelecendo no artigo seguinte as categorias de tribunais:
1 - Há tribunais judiciais de 1ª e de 2ª instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça.
2 - Os tribunais judiciais de 2ª instância denominam-se tribunais da Relação e designam-se pelo nome da sede do município em que se encontrem instalados.
3 - Os tribunais judiciais de 1ª instância são, em regra, os tribunais de comarca, aplicando-se à sua designação o disposto no número anterior.
No art. 19°, sob a epígrafe 'competência hierárquica', estabelece a LOFTJ:
1 - Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões.
2 - Em regra, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância.
3 - Em matéria criminal, a competência é definida na respectiva lei de processo.
Por sua vez, o art. 21°, epigrafado de 'competência territorial', estabelece:
1 - O Supremo Tribunal de Justiça tem competência em todo o território, os tribunais da Relação, no respectivo distrito judicial, e os tribunais judiciais de 1ª instância, na área das respectivas circunscrições.
2 - Havendo no distrito judicial mais de um Tribunal da Relação, é aplicável o disposto no nº 3 do art. 15º.
3 - A lei de processo indica os factores que determinam, em cada caso, o tribunal territorialmente competente.
No capítulo da LOFTJ respeitante aos tribunais de 1ª instância, afirma-se, nos arts. 62°, n° 1, e 63°, n° 1, que aqueles tribunais são, em regra, tribunais de comarca, sendo a sua área de competência a comarca. Todavia, no n° 2 do art. 62°, prevê-se que podem existir tribunais com competência sobre uma ou mais circunscrições referidas no nº 1 do art. 15° ou sobre áreas especialmente definidas na lei.
Acrescenta o art. 64° que pode haver tribunais de 1ª instância de competência especializada e de competência específica (n° 1), explicitando no n° 2 que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável;
O Tribunal Marítimo, donde promana a decisão recorrida, é desta espécie, conforme dispõe o art. 78° da LOTJ, tendo a respectiva competência enunciada no art. 90°.
Sendo embora tribunais de 1ª instância, os tribunais de competência especializada têm, todavia, uma área de competência que não é coincidente com a da comarca, conforme, para cada um deles, se estabelece no mapa VI anexo ao Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (RLOFTJ), aprovado pelo Dec. -Lei n° 186-A/99, de 30 de Julho. Há, porém, casos em que a competência se alarga a comarcas pertencentes a mais do que um distrito judicial, ou, dentro do mesmo distrito, que fazem parte de tribunais da Relação diferentes. É o caso, na primeira situação, do Tribunal do Comércio de Lisboa, cuja área de competência atinge as comarcas de Palmela, de Sesimbra e de Setúbal, pertencentes ao Distrito Judicial de Évora e do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, cuja área de competência compreende as comarcas de Aveiro e Anadia, do Distrito Judicial de Coimbra e as comarcas de Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira, do Distrito Judicial do Porto; ou ainda do Tribunal Central de Investigação Criminal com competência alargada a todo o território nacional. No segundo caso, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto, cuja competência de âmbito distrital quanto aos crimes a que se refere o n° 2 do art. 80° da LOFTJ envolve os tribunais da Relação do Porto e de Guimarães.
E sucede, também, com os tribunais marítimos, mesmo que estejam todos instalados, na medida em que, coincidindo cada um deles com a correspondente zona da autoridade marítima, se limitam, no continente, a Norte, Centro e Sul, encontrando-se os respectivos tribunais sedeados em Matosinhos, em Lisboa e em Faro, respectivamente.
Relativamente à competência dos tribunais em matéria penal militar ficou estabelecido no art. 110° Código de Justiça Militar, quanto à competência territorial, que têm competência para conhecer de crimes cometidos:
a) Nos distritos judiciais de Évora e Lisboa, o Tribunal da Relação de Lisboa e as 1ª e 2ª Varas Criminais da comarca de Lisboa;
b) Nos distritos judiciais de Coimbra e do Porto, o Tribunal da Relação do Porto e a 1ª Vara Criminal da comarca do Porto.
Esta norma é perfeitamente clara ao estabelecer que, no caso de crime estritamente militar cometido na área do distrito judicial de Évora, o julgamento em 1ª instância é feito nas 1ª e 2ª Varas Criminais de Lisboa, sendo o recurso, se o houver, da competência do Tribunal da Relação de Lisboa. Situação similar ocorre quanto a crimes estritamente militares cometidos no distrito judicial de Coimbra, situação em que a lei atribui competência para o julgamento à 1ª Vara Criminal do Porto e, para recurso, ao Tribunal da Relação do Porto, tribunais que são também competentes se os crimes forem cometidos dentro da área do Tribunal da Relação de Guimarães.
Verifica-se, pois, que, no que aos crimes militares respeita, o legislador foi especialmente cuidadoso, explicitando que os recursos são interpostos para a Relação hierarquicamente superior ao tribunal de 1ª instância a que a lei atribuiu competência, independentemente do lugar onde foi praticado o crime.
Trata-se, aqui, dum afloramento do princípio geral contido no art. 88° do Cód. Proc. Civil, que serve para consolidar a afirmação acima feita de que a norma do processo civil se harmoniza com o processo penal.
8. Acerca do preceito do actual art. 88° Cód. Proc. Civil [anterior art. 87°], dizia o Prof. Alberto dos Reis ('Comentário ao Código de Processo Civil', I, pág. 263 e segs.) que, no que respeita aos recursos dos tribunais de comarca para a Relação, não há qualquer dificuldade, visto 'o tribunal de comarca só pode estar hierarquicamente subordinado à Relação a cujo distrito judicial pertence'.
Todavia, o comentário que tece a respeito dos tribunais municipais e, também, a notícia que dá dos trabalhos preparatórios lançam uma clara luz acerca da resolução do presente conflito, dada a perfeita analogia entre este e a situação objecto da anotação.
Escrevia aquele insigne processualista: 'No art. 105° do Projecto primitivo dizia-se: os recursos devem ser interpostos para o tribunal a cuja circunscrição pertence o julgado ou a comarca em que exerce funções o juiz recorrido. Na Comissão Revisora observou-se que num julgado pode haver freguesias que pertençam a determinada comarca e outras a comarca diferente; em tal caso a qual dos juízes de direito há-de subir o recurso? Para resolver esta dúvida o Sr. Dr. Góis propôs que se dissesse: 'a cuja circunscrição pertencer a sede do julgado'. A proposta foi aprovada (Acta n° 7 da sessão de 19/04/3 7, pág. 43). É exactamente a ideia que se quis exprimir no art. 87° [actual art. 88°], não obstante a diversidade de forma que o artigo apresenta, confrontado com o art. 105° do Projecto'.
O critério utilizado no processo civil, no sentido defendido pelo Prof. Alberto dos Reis, é objectivo e seguro. Constando do mapas IV anexo ao RLOTJ a comarca em que cada um dos tribunais de competência especializada se encontra sedeado e no mapa I anexo ao mesmo diploma, as comarcas que integram cada distrito judicial, utiliza-se um critério isento de dúvidas, se, como defende o Tribunal da Relação de Coimbra, o recurso for interposto para a Relação em cuja área territorial se encontrar sedeado o tribunal recorrido.
Assim, por apelo à norma do art. 88° do Cód. Proc. Civil, integra-se a lacuna existente no processo penal, considerando que os recursos dos tribunais de 1ª instância que sejam interpostos para o Tribunal da Relação são sempre dirigidos à Relação cuja área integra a sede do tribunal recorrido, independentemente de qualquer outro critério, como seja o lugar da prática do facto.”.
*
No entanto, apesar de reconhecermos a valia e o peso desta fundamentação, continuamos a acompanhar a jurisprudência maioritária do Tribunal da Relação de Lisboa, por aderirmos às razões nela invocadas e supra citadas.

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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos confirmar a decisão sumária proferida pelo relator, pelo que julgamos territorialmente incompetente este Tribunal da Relação de Lisboa.
Sem custas.
*
Notifique.
Após trânsito, remeta os autos ao Tribunal da Relação do Porto.
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).
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Lisboa, 22/01/2009

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(Abrunhosa de Carvalho)

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(Dr. Cid Geraldo)

(Notas)------------------------------------------------
(1) Código de Processo Penal.
(2) Resultante das alterações que lhe foram feitas pela Lei 48/2007, de 29/08, que entrou em vigor em 15/09/2007.
(3) Autoridade da Concorrência.
(4) Processo de contra-ordenação.
(5)Arguido/a/s.
(6) Constituição da República Portuguesa.
(7) Regime Geral das Contra-Ordenações.
(8) Código de Processo Penal.
(9) Código de Processo Penal.
(10)Resultante das alterações que lhe foram feitas pela Lei 48/2007, de 29/08, que entrou em vigor em 15/09/2007.
(11)Código de Processo Civil.
(12)E, nos termos do disposto no art.º 75º/1 do RGCO, o Tribunal da Relação só conhece da matéria de direito.
(13) Subscrito pelos Exmos. Desembargadores António Clemente Lima (relator), Maria Isabel Duarte e António Oliveira Simões, e acompanhando de perto, como nele se refere, em nota de rodapé, o Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2004, tirado sobre situação coincidente, no Processo n.º 7067/04-9 Secção, relatado pelo Exmo. Desembargador João Carrola, e sobre situação paralela, atinente a contra-ordenação apreciada pelo Tribunal Marítimo, o Acórdão, também desta Relação, de 25 de Junho de 2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVIII, Tomo III, 143/144, subscrito pelos Exmos. Desembargadores Rodrigues Simão, Santos de Sousa e Miranda Jones.
(14)Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e sucessivamente alterada pela lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelo DL n.º 223/2001, de 17 de Dezembro, pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março e pelo DL n.º 105/2001, de 10 de Dezembro.
(15)Entidades que antecederam, em matéria contra-ordenacional, a Autoridade da Concorrência, criada com o Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de Janeiro.
(16)Cfr. alínea c) do art. 89.º da LOFTJ.
(17)Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
(18) Esta fundamentação é praticamente a mesma da constante do Ac. do STJ de 11/07/2007, proferido nos autos de resolução do conflito negativo de competência n.º 1.782/07-3 e invocado pelo Ex.m.º Sr. Procurador-Geral Adjunto Reclamante (que teve a gentileza de nos facultar uma cópia, uma vez que o mesmo se não encontra publicado).