Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 04-02-2009   Processo abreviado. Nulidade do processado até à acusação. Aproveitamento de actos processuais. Desnecessidade de nova acusação.
I – O juiz, ao declarar a nulidade do processado por, em sua opinião, ter sido utilizada uma forma especial de processo fora dos casos previstos na lei, deve aproveitar todos os actos que ainda puderem ser salvos.
II – Por isso, se a acusação deduzida cumprir os requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, o despacho que declarar nulo o processado «salvaguardando os seus termos até à acusação» deve ser interpretado no sentido de que não foi declarada inválida a própria acusação, mas apenas a primeira parte do despacho em que ela se inclui, aquela em que o Ministério Público determina a forma de processo a seguir.
III – Sendo essa a parte anulada, o Ministério Público deve repetir o acto apenas na parte afectada (n.º 2 do artigo 122.º do Código de Processo Penal), não tendo que deduzir uma nova acusação.
Proc. 281/05.3PGLSB 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por João Vieira
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa



I – RELATÓRIO
1 – No dia 19 de Julho de 2005, o Ministério Público, adoptando a forma abreviada, deduziu acusação contra o arguido Ch.a quem imputou a prática, no dia 2 de Julho de 2005, de dois crimes agravados de injúria e um crime de resistência e coacção sobre funcionário (fls. 22 a 24).
O processo foi remetido aos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa no dia 2 de Fevereiro de 2006, tendo sido distribuído à 1.ª secção do 1.º Juízo no dia 21 de Fevereiro desse mesmo ano.
No dia 23 de Fevereiro de 2006, o Sr. juiz proferiu despacho a designar dia para a audiência (fls. 43).
No dia 26 de Março de 2008, o mesmo Sr. juiz, por o julgamento não ter sido realizado no prazo de 90 dias contado sobre a data de dedução da acusação, considerou que o processo não podia continuar a ser tramitado sob a forma abreviada, tendo declarado nulo o processado, «salvaguardando os seus termos até à acusação» (fls. 89 a 92).
Esse despacho transitou em julgado.
O Ministério Público, depois de ordenar que a acusação e o despacho judicial proferido fossem notificados ao arguido, entendeu que o processo deveria seguir a forma comum, razão pela qual o remeteu para distribuição pelos Juízos Criminais de Lisboa (fls. 97).
O Sr. juiz colocado no 6.º Juízo Criminal de Lisboa, a quem o processo veio a ser distribuído, proferiu no dia 3 de Outubro de 2008 o despacho de fls. 105 e 106 no qual ordenou que os autos fossem devolvidos ao Ministério Público porquanto, em seu entender, a acusação deduzida tinha sido declarada nula e não tinha sido proferida nova acusação.

2 – O Ministério Público interpôs recurso deste despacho (fls. 109 a 115) pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que designe data para a realização de julgamento em processo comum.

3 – Não foi apresentada qualquer resposta a essa motivação.

4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 109.

5 – Neste tribunal, a Sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 126 no qual sustentou que o recurso merecia provimento.

II – FUNDAMENTAÇÃO
6 – O Sr. juiz colocado no 6.º Juízo Criminal de Lisboa, como decorre implicitamente do despacho recorrido , aceitou a competência para o julgamento dos presentes autos.
Entendeu, porém, que o despacho anteriormente proferido no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa tinha declarado nula a própria acusação e, por não ter sido deduzida nova acusação, ordenou a devolução dos autos ao Ministério Público .
Analisemos então a questão colocada.

7 – Como se pode ver de fls. 92, o despacho proferido nestes autos no dia 26 de Março de 2008 declarou nulo o processado «salvaguardando os seus termos até à acusação».
Uma tal redacção permite, de facto, a interpretação feita no despacho recorrido, no sentido de que a nulidade abrangia também esta peça processual. É esse um dos sentidos possíveis das palavras utilizadas pelo Sr. juiz.
Porém, se lermos a fundamentação desse despacho percebemos perfeitamente que a nulidade declarada não tem a ver com o cumprimento dos requisitos da acusação exigidos pelo n.º 1 do artigo 391.º-B do Código de Processo Penal.
A nulidade cinge-se à forma de processo adoptada.
Por isso, porque a acusação deduzida cumpre os requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 283.º do Código e ainda porque, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º desse mesmo diploma, o juiz, ao declarar a nulidade, deve aproveitar todos os actos que ainda puderem ser salvos, não se pode deixar de considerar que aquela declaração não afectou a própria acusação, cingindo-se à primeira parte do despacho em que ela se inclui, àquela em que se dizia que os autos deviam seguir a forma abreviada.
Sendo essa a parte anulada, o Ministério Público devia repetir o acto apenas na parte afectada (n.º 2 do artigo 122.º do Código de Processo Penal).
Foi isso precisamente que fez ao proferir o despacho de fls. 97.
Disse que o processo passaria a seguir a forma comum, tendo ordenado que esse despacho, a acusação e o despacho do Sr. juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal fossem notificados ao arguido.
Não existe, por isso, manifestamente, a nulidade insanável apontada, razão pela qual o despacho recorrido não pode deixar de ser revogado, devendo ser substituído por outro que determine o prosseguimento do processo .

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público revogando o despacho recorrido e determinando que ele seja substituído por outro que determine o prosseguimento do processo.
Sem custas.



Lisboa, 4 de Fevereiro de 2009

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)