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ACRL de 04-03-2009
Crime de tráfico de estupefacientes. Elementos constitutivos. Bens jurídicos protegidos.
I.A previsão legal do artº 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 23 de Janeiro, contém a descrição da respectiva factualidade típica, de maneira alargada, contendo o tipo fundamental, matricial. Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, passando pelas de produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias, até à do lançamento no mercado consumidor, percorrendo outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum: a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
II.Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou fins a que se propõe – esse conhecimento apenas pode interessar para a determinação da ilicitude do facto.
III.O tráfico de estupefaciente tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo. A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente.
IV.O crime em apreço enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos.
V.Trata-se de um crime pluriofensivo: o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores – visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem estar desta, e a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam conduzir a um bem geral – a saúde pública -, pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo.
Proc. 41/07.7JLRS 3ª Secção
Desembargadores: Rui Gonçalves - Conceição Gonçalves - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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