I. Formalmente, a Lei 59/2007 de 04SET não terá compatibilizado o art.º 55.º n.º 5 com a nova redacção do art.º 50.º n.º 5, ambos do CP.
Na versão anterior, o período da suspensão da pena poderia ir até 5 anos, independentemente da duração da pena determinada. Porém, agora é igual ao daquela pena de prisão, pelo que a redacção do actual art.º 50.º n.º 5 do CP/revisto não fixa directamente um “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado.
II. Contudo, esse máximo resulta da conjugação do n.º 5 e n.º1 da mesma disposição de lei: se as penas não superiores a 5 anos podem ser suspensas (por igual período) então 5 anos é o “prazo máximo” da suspensão (nesse sentido, M. Simas Santo e L. Henriques, Noções Elementares de Dº Penal, pag 203 e 204)
Com efeito, não nos diz directamente o art.º 50.º, n.º5, do Código Penal qual o “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado, mas ele resulta também da consideração do n.º1: 5 anos de duração máxima.
III. Assim, a prorrogação do período da suspensão não pode agora ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de 5 anos.
IV. Todavia, cabe não olvidar que se o período inicial da suspensão for superior a 4 anos, o período da suspensão não pode agora face à redacção operada pela aludida Lei n.º 59/2007 ser prorrogado (nesse sentido, P. Pinto Albuquerque, CP à luz da CRP e da CEDH, pag. 201 e Vítor S. Pereira e A. Lafayette, CP anotado e comentado, pag. 197)
Proc. 797/09.2YRLSB 3ª Secção
Desembargadores: Rui Gonçalves - Conceição Gonçalves - -
Sumário elaborado por Natália Lima
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1. RELATÓRIO
1.1. No Processo Sumário n.º 116/06.0GBVFX, por despacho de 11NOV2008 de 17OUT2008 foi decidido, no que ao caso releva:
Revogar a suspensão da pena de prisão e determinar o cumprimento pelo arguido A da pena de 20 (vinte) meses de prisão, que lhe foi fixada na sentença de 07MAR2006 fls. 26 a 33, certificada a fls. 2 a 9 dos presentes autos.
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1.2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido A, com demais sinais nos autos, concluindo a respectiva motivação do seguinte modo (transcrição):
“1. O arguido foi condenado por sentença proferida e transitada em 31.03.2006 no processo em referência na pena de 20 meses, suspensa pelo período de 4 anos, sob a condição de frequentar 4 acções de formação de segurança rodoviária no PRP (curso de condução segura) sob orientação do IRS de Vila franca de Xira.
2. Compareceu à primeira acção, mas porque chegou com um atraso de cerca 30 minutos, não pôde assistir, tendo sido então informado de que as seguintes dependiam da comunicação que iria ser feita pelo IRS ao tribunal a quo e a resposta deste no sentido de considerar ou não justifica a falta
3. A condenação sofrida pelo arguido no âmbito do processo 3l3/06.8GGLSb, no qual foi condenado na pena de multa no valor de 150 euros, não deva relevar para a revogação da suspensão da pena de prisão a que fora condenado nestes autos, uma vez que o está na origem da decisão recorrido, é o eventual incumprimento da condição imposto nestes autos e não aquela punição.
4. O recorrente é uma pessoa de bem, trabalhadora, que tem uma família (mulher e um filho menor) a cargo para cuidar e encontra-se agora perfeitamente integrada na sociedade quanto a condução de veículo automóvel sem carta, que não mais voltou a praticar factos idênticos.
5. Sendo certo que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena de prisão ao arguido, não foram postas em causa, não tendo sido os pressupostos subjacentes alterados, pelo que o aludido incumprimento, assim como a punição sofrida pelo arguido no âmbito do processo n° 313706.gglsb, são insuficientes para, por si só, revelarem frustradas as finalidades que serviram de base à suspensão.
6. Pelo que o cumprimento efectivo e imediato da pena de prisão aplicada se revelaria, no caso concreto, desajustado e desproporcional.
Nestes termos e nos demais de direito, sem esquecer o douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido, proferindo-se em sua substituição outro, que mantenha os termos da sentença que havia sido proferida pelo tribunal recorrido.
Decidindo dessa forma, V Exas. farão, como confiadamente se espera Justiça.”
1.3. Na 1.ª instância “respondeu” o Ministério Público em 16DEZ2008, afirmando “[…] que concorda integralmente com os fundamentos aduzidos na referida decisão, propugnamos pela sua manutenção”, pugnando no sentido da manutenção da decisão impugnada, sem todavia apresentar qualquer conclusão.
1.4. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta (PGA) emitiu douto parecer, apontado para a prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão, e concluindo no sentido do provimento do recurso.
1.5. Foram colhidos os vistos legais.
1.6. Procedeu-se à conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DA QUESTÃO DE FACTO
2.1. Comecemos por nos deter sobre as ocorrências relevantes que se traduzem no seguinte:
2.1.1. No âmbito do Processo Sumário n.º 116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, o arguido, ora recorrente, por factos ocorridos em 12FEV2006, foi condenado, por sentença de 07MAR2006, transitada em julgado em 31MAR2006, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, da previsão do art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03JAN, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos, com a condição de frequentar acção de formação relacionada com a circulação rodoviária, a ministrar pelo IRS (cf. fls. 26 a 33, certificadas a fls. 2 a 9 dos presentes autos).
2.1.2. O arguido, ora recorrente, averba as condenações criminais decorrentes do seu certificado do Registo Criminal (CRC) de fls. 21 a 25 dos presentes autos, destacando-se que pelo mesmo tipo legal de crime de condução sem habilitação legal foi proferida sentença no mesmo dia 07MAR2006, no 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, por factos de 25DEZ2003, condenando o arguido na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00 (Processo Comum Singular n.º 120/04.2GBVFX).
2.1.3. Já anteriormente a 25DEZ 2003 o arguido, ora recorrente, havia praticado crimes de natureza diversa (cf. fls. 21 a 25).
2.1.4. Quando o arguido foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, por sentença de 07MAR2006, pese embora o arguido, ora recorrente, averbasse já condenações criminais, não averbava ainda condenação pelo tipo legal de crime de condução sem habilitação legal.
2.1.5. No decurso do período de suspensão da execução da pena aplicada nos autos de Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira o arguido vem a praticar novo crime de condução sem habilitação legal, em 30AGO2006, sendo condenado por sentença de 12SET2006, no âmbito do Processo Sumário n.º313/06.8GGLSB, do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal do TPIC de Loures, na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituídos por 150 (cento e cin-quenta dias de multa à taxa diária de €3,00.
2.1.6. Com fundamento nesta condenação e no incumprimento das condições fixadas, subordinantes da suspensão da execução pena de prisão, o 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira por despacho 19NOV2008, proferido no âmbito dos autos de Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos, os quais na sua essência espelham a conclusão […] “as finalidades da punição do ponto de vistas das exigências de prevenção geral e especial não foram almejadas com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido” decidiu revogar tal suspensão determinando o cumprimento da pena de 20 (vinte) meses de prisão aplicada nestes autos de Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX (cf. certidão junta a fls. 51 a 55).
2.1.7. O arguido/ recorrente ao nível do curso da Condução Segura pagou metade do respectivo montante (€110,00 de um total de €220,00) Cf. fls. 39
2.1.8. Em 08JAN2008 a Direcção –Geral de Reinserção Social, equipa da Lezíria do Tejo, dá notícia de que “A situação actual de A apresenta factores de vulnerabilidade significativos, como a situação económica e a ocupação laboral desenvolvida. A ausência ao curso da PRP parece-nos decorrer essencialmente precariedade económica, dado o montante que aquele curso implica.
Salientamos, por outro lado, o ter retomado as entrevistas de acompanhamento, após sensibilização em audiência nesse tribunal.” (cf. fls. 28-20)
2.1.9. O arguido/recorrente trabalha na venda de sucata, tem mulher, dois filhos e um enteado de si dependentes. (cf. fls. 19).
2.1.10. O agregado reside numa habitação camarária, tendo uma renda em atraso acumulada de €1150,00 (cf. fls. 19)
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2.2. DA QUESTÃO De DIREITO
O objecto do presente recurso delimitado pelas respectivas conclusões prende-se essencialmente com a seguinte questão:
Impunha-se na situação dos presentes autos como recurso in extremis a revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão?
Não será caso de prorrogação da suspensão da pena de prisão?
Como é sabido o nosso Código Penal vigente espelha o pensamento de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, escopo esse que a própria prisão parece comprometer.
Daí a presença neste Corpo de Leis de um conjunto de medidas não institucionais que funcionam como medidas de substituição.
Como se pondera no Preâmbulo do Código Penal de 1982 a suspensão da execução da pena sem ou com regime de prova é um substituto adequado das penas privativas da liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a ma medida do possível dos limites formais, por forma a com ela cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com penas de prisão.
Assim, de harmonia com o disposto no art.º 51.º, n.º1 do Código Penal, o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Cumulativamente pode impor-se ao agente o cumprimento de deveres ou regras de conduta ou sujeitá-lo ao regime de prova (cf. art.º 52.º, n.º 3, do Código Penal).
Porém, cabe ter presente que a suspensão não é nem deve ser mera substituição automática da prisão.
Na verdade, traduzindo uma reacção de conteúdo pedagógico e reeducativo que é ( ) só dever ser decretada quando o tribunal julgar conveniente e concluir, em face da personalidade do agente, das suas condições da sua vida e de outras circunstâncias enunciadas no art.º 52.º, n.º2, do Código Penal, ser essa a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
A possibilidade de impor certas obrigações (cf. art.º 51.º do Código Penal) destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida.
Ora, a nosso ver a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena.
A suspensão da execução da pena de prisão é um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídico-criminal, configurada como pena de substituição que tem o seu “núcleo duro” situado em juízo de prognose favorável ao condenado, desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição.
Com efeito:
(i) Condena-se o agente em pena privativa da liberdade e dá origem a antecedentes criminais;
(ii) É meio de correcção sempre que seja acompanhada de determinadas obrigações que sirvam para reparar o ilícito perpetrado (v.g. pagar a indemnização)
(iii) É medida de ajuda social quando se impunham obrigações que vão afectar o comportamento futuro do arguido
(iv) É um meio pedagógico activo porquanto estimula o arguido para que seja ele mesmo com as suas próprias forças a reintegrar-se na sociedade ( )
Na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão deverá estar uma prognose social favorável ao arguido.
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Cabe ter presente nesta sede que, de harmonia como o disposto no o art.º 51.º, n.º 2 do Código Penal o dever imposto não pode representar obrigação cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir.
Na verdade, a imposição de deveres condicionadores da suspensão da pena deve ter na devida conta as “forças” do destinatário, por forma a não importunar à partida o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, e por outro lado, deve apurar-se se o arguido tem possibilidades de desenvolver diligências que lhe permitam obter os meios indispensáveis à satisfação da condição.
Como é sabido, o regime de prova não tem autonomia integrando-se no instituto da suspensão da execução da pena.
É também de todos sabido que o Tribunal pode impor ao condenado deveres ou regras de conduta que ele terá que cumprir durante o período da suspensão.
Ocorrendo uma situação de incumprimento por parte do condenado este terá que ser responsabilizado por ele.
Daí que o art.º 55.º do Código Penal que regula a falta de cumprimento das condições da suspensão com especial incidência no poder conferido ao Tribunal de impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano da readaptação e, no caso de prorrogação do período de suspensão, na consagração do princípio de que aquela não poderá exceder o prazo máximo dessa mesma suspensão ( ).
Contudo, tem que se ter presente que o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional.
Com efeito, se se almeja lutar contra a pena de prisão, porquanto de todos são conhecidos os feitos criminógenos das penas curtas de prisão, o que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão inelutavelmente a envolve, isto impõe que a revogação só deve ter lugar quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que esta disposição de lei contém.
Deve ser factor de ponderação o cometimento de um facto punível durante o período da suspensão, uma vez que a prognose se refere a que o condenado não cometerá crimes no futuro.
De igual modo a violação grave e reiterada das obrigações é susceptível de originar a revogação, já que é um dos mais importantes deveres que acompanham a suspensão da execução da pena.
Contudo, na nossa humilde opinião as causas da revogação não podem, nem devem, ser entendidas tendo por alicerce um singelo juízo formalista.
Afigura-se-nos que o arguido condenado deve demonstrar que com o seu comportamento não cumpriu as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da execução da pena.
Na verdade, com a nova redacção do art.º 56º, n.º 1, alínea b) do Código Penal ( ) deixou de ser automática a revogação da suspensão de execução de pena antes decretada, passando a depender de um juízo de probabilidade de que o condenado, apesar de tudo, será ainda capaz de respeitar futuramente o ordenamento jurídico-criminal ( ).
Ora, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo em situações em que demonstrado esteja a existência de mau comportamento durante o período da suspensão.
Com efeito, em lugar de revogar a suspensão da execução da pena de prisão o Tribunal pode impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação. Pode v.g. fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento dos deveres que o condicionam a suspensão, impor outras obrigações ou regras de comportamento, ou agravar as exigências no plano da reinserção; ou prorrogar o período da suspensão.
Quanto a esta última opção ao art.º 55.º, n.º 5 do Código Penal, relevante para o caso vertente importa ponderar resumidamente o seguinte:
PRORROGAÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
A Lei n.º 59/2007, de 04SET parece-nos que, formalmente, não terá compatibilizado o art.º55.º, n.º 5 com a nova redacção do art.º 50.º, n.º 5, ambos do Código Penal.
Na versão anterior o período da suspensão da pena poderia ir até 5 anos, independentemente da duração da pena determinada. Porém, agora é igual ao daquela pena de prisão, pelo que na redacção operada pela referida Lei n.º 59/2007 o art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal não fixa directamente um “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado.
Contudo, esse máximo resulta da conjugação do n.º 5 e n.º1 da mesma disposição de lei: se as penas não superiores a 5 anos podem ser suspensas (por igual período) então 5 anos é o “prazo máximo” da suspensão ( ).
Com efeito, não nos diz directamente o art.º 50.º, n.º5, do Código Penal qual o “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado, mas ele resulta também da consideração do n.º1: 5 anos de duração máxima.
Assim, a prorrogação do período da suspensão não pode agora ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de 5 anos.
Todavia, cabe não olvidar que se o período inicial da suspensão for superior a 4 anos, o período da suspensão não pode agora face à redacção operada pela aludida Lei n.º 59/2007 ser prorrogado ( ).
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Ora, não só o incumprimento dos deveres impostos pode acarretar a aplicação das medidas previstas no art.º 55.º do Código Penal. Pois, igual efeito tem o facto de o delinquente não corresponder ao plano de readaptação social previsto. E não corresponde a esse plano aquele que não se esforça por se adaptar ao plano de recuperação traçado. Isto é, a não correspondência tem de ir buscar a sua origem a facto(s) imputáveis ao arguido.
Na verdade se bem vemos, se a não correspondência parte de desajustamento do plano à realidade ou da ocorrência de factos supervenientes, alheios ao arguido, o que se impõe é alterar o plano de readaptação.
Já acima deixámos expresso que nem toda a violação dos deveres impostos deve conduzir à revogação da suspensão da pena de prisão. Com efeito, assim não se entendendo encontrado estava o meio de frustrar a intenção do legislador na sua batalha contra a pena de prisão.
A nosso ver a revogação da suspensão de pena de prisão tem de ser vista como um recurso in extremis e sempre condicionada pelas apertadas limitações contidas no art.º 56.º do Código Penal
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À luz do que dito fica, vejamos mais de perto o caso sub judice.
Pese embora a condenação proferida no Processo Comum Singular n.º 120/04.2GBVFX do mesmo Tribunal se reporte a factos de 25DEZ2003, salta ao olhos a manifesta desproporcionalidade da moldura penal aplicada no âmbito deste Processo Sumário 116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira.
Com efeito, no âmbito dos autos de Processo Sumário 116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, o arguido, ora recorrente é condenado na pena de 20 meses de prisão suspensa por 4 anos ( ); por sua vez, no âmbito do Processo Comum singular n.º 120/04.2GBVFX é condenado na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00.
Não obstante a decisão proferida no âmbito dos autos de Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, ter transitado em julgado em 31MAR2006, e como tal plasme objectivado acto de soberania, tal decisão, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é imune a críticas.
Na verdade, numa óptica de Direito Penal do facto, afigura-se-nos que a opção de condenação em pena de prisão de 20 (vinte) meses, ainda que suspensa na sua execução, tomada no âmbito do Processo Sumário 116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, desvendando os autos ser a primeira condenação operada pela prática de crime de condução sem carta, parece-nos visivelmente, inidónea, exagerada e desproporcional.
Com efeito, o princípio da proporcionalidade deve estar sempre presente no momento de individualizar a pena. A proporcionalidade exige que a intromissão e restrição de bens ou direitos originados pela pena, pelas medidas cautelares e pela investigação processual do crime, estejam justificadas e tenham certa correspondência e paralelismo com a gravidade dos bens jurídicos lesionados ou ameaçados pela acção delitiva determinante do processo penal.
In casu como acima apontámos no decurso do período de suspensão da execução da pena aplicada nestes autos (Processo Sumário n.º116/06. 0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira) o arguido, ora recorrente, vem a praticar novo crime de condução sem carta, em 30AGO2006, vindo a ser condenado por sentença de 12SET2006, no âmbito do Processo Sumário n.º313/06.8GGLSB, do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituída por 150 (cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de €3,00.
Com fundamento nesta condenação e no incumprimento das condições fixadas, subordinantes da suspensão da pena, o Tribunal a quo decidiu em despacho de 10NOV2008 revogar tal suspensão da execução da pena de prisão, determinando o cumprimento da pena de 20 meses de prisão aplicada, configurando este despacho a decisão ora posta em crise pelo recorrente.
Indo direito ao assunto:
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que a decisão impugnada se revela desproporcional ao incumprimento ocorrido e igualmente face à condenação que o ora recorrente sofreu pela prática do aludido tipo legal de crime, de condução sem habilitação legal, da previsão do art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03JAN.
Com efeito, não pode olvidar-se que mesmo nesta condenação (Processo Sumário n.º313/06.8GGLSB, do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures), este Tribunal optou pela aplicação de uma pena de prisão substituída por multa.
Verificamos, assim que, depois da condenação sofrida nestes autos de Processo Sumário n.º 116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, o arguido não voltou, pelo menos por ora, a sofrer reclusão, e, por tal facto, podemos considerar não ter havido interrupção do seu processo de socialização.
Por sua vez, flui dos autos maxime de fls.29 a 32 que o arguido/recorrente está inserido familiarmente, com mulher, dois filhos e um enteado de si dependentes, e está inserido laboralmente.
Ora, de harmonia com o art. 55.º alínea d) do Código Penal, o Tribunal a quo dispunha ainda da possibilidade de prorrogar o período de suspensão até metade do prazo fixado de 20 meses, opção que não utilizou sem que se avistem motivos relevantes para não o ter feito.
Com efeito, não pode olvidar-se que a revogação da suspensão tem de ser vista como um recurso in extremis.
Por sua vez, face ao disposto no art.º 56.º do Código Penal a culpa do arguido, recorrente no incumprimento dos deveres impostos para poder continuar a beneficiar da suspensão de execução da pena de prisão tem de estar devidamente confirmada nos autos.
In casu, afigura-se-nos, que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de todos os elementos para estes autos carreados maxime fls.2 a 9, 20, onde expressamente o IRS afirma: […] Joãozito Tavares apresenta factores de vulnerabilidade significativos, como situação económica e ocupação laboral desenvolvida. A ausência ao curso da PRP parece-nos decorrer essencialmente da precariedade económica dado o montante que aquele curso implica” e fls. 27 a 32, não resulta a nosso ver demonstrada uma indesculpável actuação e que não mereça, de todo em todo, ser tolerada nem desculpada.
Com efeito, a decisão de suspensão da execução da pena de prisão quando, como é o caso em que é sujeita a condição, nos termos do art.º 50.º, n.º 2 do Código Penal tem de pressupor e conter uma razoável equilíbrio entre a natureza da condição imposta à pessoa condenada e à eficácia e integridade da medida de substituição.
Ora, a imposição de uma medida dificilmente praticável do dever imposto, como parece ser o caso, acarreta pela sua própria natureza rejeição, por impossibilidade ou desinteresse, o que plasma claramente posição contraditória com as finalidade almejada pelo legislador com a pena de substituição em causa.
No caso em apreço, e como é reconhecido no próprio despacho ora posto em crise pelo recorrente, este pelo menos, e dentro das suas próprias forças em ordem a cumprir a bondade do que lhe foi imposto na sentença Processo Sumário n.º116/06.0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, procedeu “[…] entrou em contacto com a Equipa do IRS, tendo ficado acordada nova entrevista, para o dia 29 de Maio, à qual compareceu, tendo referido que não recebeu a convocatória para o curso da PRP, que decorreu nos dias 05 e 12MAI2007, justificando, assim, a sua não comparência no Curso.[…]” “Ao nível do Curso da Condução Segura, pela PRP, […] Joãozito Tavares pagou metade do respectivo montante.”.
Por sua vez, no auto de audição de arguido de 25SET2008 de fls. 43-45 é dado notícia pelo arguido, ora recorrente de que “As faltas que deu ao curso de Prevenção Rodoviária assentaram sobretudo, em motivos relacionados com dificuldades económicas e que lhe foi referido que se não tivesse dinheiro para entregar as quantias inerentes à frequência do curso, escusava de aparecer.” E de fls. 17 e 19 resultam elementos colhidos pelo IRS que apontam para que o ora recorrente em 09JAN2008 “residia numa habitação camarária, tendo uma rendas em atraso acumulada de €1.150,00, renda […]”,
A tudo isto acresce que, consta de fls. 44 que perguntado ao arguido/recorrente quanto à motivação do crime de condução sem habilitação legal pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 313/06.8GGLSB do 2° Juízo Tribunal de Loures, o mesmo referiu “que o cometeu porque o carro era do irmão e encontrava-se mal estacionado, ao que decidiu arrumá-lo melhor, tendo em conta que não conseguiu, nessa altura, contactar com o seu irmão. […] (cf. fls. 46).
Ora, na sentença proferida no âmbito do Processo Sumário n.º116/06. 0GBVFX do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, nem sequer é referido qualquer facto que se reporte à situação económica e condição social do arguido, condenado e que é ora recorrente (cf. fls. 2 a 9).
Por sua vez, flui de fls.27 a 50 dos presentes autos que o Tribunal a quo não cuidou de averiguar a real situação económico-financeira do arguido condenado, ora recorrente, por forma a averiguar se, efectivamente existe culpa do arguido no incumprimento dos deveres impostos para poder ou não continuar a beneficiar da suspensão de execução da pena de prisão.
Assim, salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que a conduta do arguido ora recorrente tendente ao cumprimento da condição imposta, não encerra em si uma indesculpável actuação, nem espelha situação de rebeldia de que falava o Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963.
Com efeito, afigura-se-nos que a conduta, que levou à condenação no âmbito dos autos de Processo Sumário n.º313/06.8GGLSB, do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, e levou este Tribunal a optar pela aplicação de uma pena de prisão substituída por multa, não opera, por si só automaticamente a revogação da pena de prisão anteriormente imposta.
Daí que, salvo o devido respeito, por opinião em contrário, não possa aceitar-se o critério formalista adoptado pelo Tribunal a quo, na medida em que se revela, por ora, que a intromissão e restrição do direito à liberdade originado pela efectivação da pena de prisão, não se mostra justificada e não guarda correspondência e paralelismo com o bem jurídico lesionado e ameaçado pela acção delitiva determinante do processo penal.
Afigura-se-nos que in casu de harmonia com o art. 55.º alínea d) do Código Penal, o tribunal dispunha ainda, da possibilidade de prorrogar o período de suspensão nos termos já acima abordados, não menos que 1 ano, opção que não utilizou sem que alcancem motivos relevantes para não o ter feito.
Com efeito, de todos os elementos documentais para estes autos carreados, nomeadamente fls.2 a 9, 17 a 20, 27 a 32, flui de forma clara que o ora recorrente se encontra em precária situação económica, e que a ausência ao curso da PRP ao que tudo indica tem a sua causa próxima na precariedade económica do arguido, ora recorrente que aquele curso implica.
A tudo isto acresce, que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, demonstrado não está no despacho ora posto em crise, nem os presentes autos o espelham que as finalidades que estavam na base da suspensão não possam ainda ser alcançadas por meio dela. “Pois tal obriga a uma grande certeza relativamente às circunstâncias envolventes do crime” ( ) e tal aponta no caso dos autos para conceder ao arguido/recorrente a oportunidade da previsão alínea d) do art.º 55.º do Código Penal.
Pelo exposto, o presente recurso vai a bom porto
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3. DISPOSITIVO
Perante tudo o que exposto fica, acordam os Juízes que compõem a 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
Em julgar os recurso interposto pelo arguido A, procedente, e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido datado de 10NOV2008 que deve ser substituído por outro que determine a prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão, por mais 1 (um) ano, nos termos do disposto no art. 55.º, alínea d) do Código Penal.
Em declarar que não há lugar a custas.
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Lisboa, 25FEV2009 (processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas)
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(Rui Gonçalves)
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(Conceição Gonçalves)