Proc. 32/08.OPAAMD-A.L1 3ª Secção
Desembargadores: Cotrim Mendes - - -
Sumário elaborado por João Ramos
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Presidente da 3ª secção criminal
Proc. no 32/08.OPAAMD (3:ª Secção)
A
O Juízo de Grande Instância Criminal – lª Secção, Juiz 3 - Comarca da Grande Lisboa-Noroeste (GIC-GLN) suscitou a resolução do conflito negativo de competência ocorrido com a l.ª Vara Criminal de Lisboa (1V) visto os dois Tribunais se negarem competência para conhecer do processo acima identificado, em que é arguido … … …, por despachos que transitaram em julgado.
Com efeito:
Por factos cometidos em 9-2-2008, o M.° P.° requereu o julgamento do arguido em processo comum/colectivo, acusando-o da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em concurso com um crime de detenção de arma proibida.
Distribuído o processo à IV, o M° Juiz respectivo declarou a incompetência do Tribunal para realizar o julgamento, invocando que, quando os autos foram remetidos para o Tribunal, já estava instalado o Tribunal da Grande Lisboa-Noroeste, em cuja área a infracção alegadamente se consumara.
Recebidos os autos no GIC-GLN, foi proferido despacho judicial que, por sua vez, rejeitou a competência para efectuar o julgamento do arguido, com fundamento em que aquela se fixou no momento em que do facto é dada notícia à autoridade judiciária, funcionando esta circunstância como propositura da acção; e, em consequência, suscitou a resolução do conflito.
Expostas, deste modo, as vicissitudes que estão na origem deste conflito, cumpre agora decidi-lo, uma vez que foi já observado o preceituado no artigo 36°-1. CPP:
O M° Público junto desta Relação pronunciou-se, em douto parecer, pela atribuição da competência à 1a Vara Criminal de Lisboa.
B
I -
Para efeito de todos nos situarmos correctamente perante a questão a decidir, começarei por uma breve incursão num passado já não tão recente, em que, a propósito de problema semelhante (alteração da área das comarcas de Loures e de Lisboa) se levantaram igualmente conflitos negativos de competência, de cuja resolução se fazem eco, quer o despacho do GIC, quer o parecer do M.° P.° junto deste Tribunal.
Reportar-me-ei, assim, e em benefício da [minha] exposição, ao recurso no 7367/01, desta 3a Secção, decidido por acórdão de 5-12-2001, no qual, em voto de vencido, sustentei a opinião de que a competência para o julgamento se fixa com a acusação em
juízo, nos termos que assim resumo:
- a) - A competência não se fixa na 'data da infracção' (o que, diga-se de passagem, não vem invocado por nenhum dos ora intervenientes, mas era o que então era alegado com alguma insistência).
- b) - A 'propositura da acção':
Estando em causa a competência para julgamento deve entender-se fixada no momento da entrada em juízo da acusação, pois é a partir dessa ocorrência que pode falar-se em 'processo comum' e se coloca a questão da competência para o julgamento.
Por outro lado, a tentativa levada a cabo pelo DL 178/00 (art.° 120-3.) de consagrar legislativamente a tese da 'data da infracção' achou-se, a meu ver, votada ao fracasso, além do mais por manifesta inconstitucionalidade do preceito, aliás claramente deslocado da sua sede própria.
II -
Como decorrerá do exposto, teve larga aceitação a tese segundo a qual todos os processos, ainda que na fase do inquérito, pendentes na data da instalação do(s) novo(s) tribunal(ais), permaneceriam na «mesma» comarca, arrastando desse modo a ulterior competência para o julgamento que viesse a ter lugar, ignorando ostensivamente que a direcção do inquérito cabe ao M° P° e que essa fase processual decorre fora do(s) tribunal(ais), sendo certo que é a competência
dos tribunais que se encontra em causa.
É evidente que falamos de considerandos passíveis de larga discussão, até pela importante razão de que se relacionam intimamente com a política legislativa.
Pelo que nem será necessário entrar naquela para que nos permitamos exigir um maior rigor legislativo, sobretudo na vertente pragmática, arredando por essa via o nascimento de divergências profundas, mas evitáveis, olhada a experiência passada.
E nem será excessivo lembrar que, na estrutura do nosso processo penal, um inquérito pode nascer e morrer sem entrar num tribunal pelo que, ao tratar da competência
dos tribunais, será mister que o legislador exprima claramente a que fase da pendência se reporta – desde logo porque é inegavelmente forçado afirmar que um processo de inquérito pendente numa vara criminal.
III -
Curiosamente, o diploma legal de actual aplicação — n.° 25/09, de 26-1. – trouxe a) alguma inovação, todavia b) persistindo teimosamente no não reconhecimento de que tribunais e M° P° constituem duas realidades distintas, tal como consagrado constitucionalmente.
Vejamos:
a) - Pela primeira vez, a norma transitória vem formulada, ao menos parcialmente, de uma forma positiva, estipulando quais os processos que transitam para (um) recém-criado tribunal – o de GIC de Sintra (art.° 32°).
Contudo,
b) - Essa mesma norma refere-se expressamente aos processos pendentes '
nas Varas com competência mista cível e criminal do tribunal ....'.
c) - Já o artigo 52° dispõe que,
salvo nos casos expressamente previstos no presente decreto-lei, não transitam para os novos juízos quaisquer processos pendentes.
Nestas circunstâncias, se por um lado parece dever retirar-se que a intenção foi a de esclarecer quais os processos que mudariam de comarca (com exclusão de quaisquer outros) de outra banda, perante a confusão cometida – que já parece deliberada, por tão persistente – entre processos pendentes em tribunal e em inquérito, é lícito perguntar se o legislador quis excluir da deslocação os processos de inquérito (todos eles, independentemente da área de origem). Com efeito, a lei tem por destinatários todos os cidadãos, e não apenas aquela parte da jurisprudência que perfilha determinada interpretação. Pelo que, se pretende consagrar uma delas, deverá fazê-lo de forma clara e líquida, ou seja, convincente.
IV -
Em bom rigor, e dado que a letra do preceito até nem consente dúvidas, inclinar-me-ia para a solução, de acordo com a qual os processos pendentes no M° P° não se acham abrangidos na sua previsão, o que seria favorável à tese propugnada pela 1V.
Por outras palavras, só após a entrada (que, porém, é realidade diferente da remessa) em juízo (leia-se, tribunal) de um processo é que ele se acha pendente naquele.
Sem embargo, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (assim reza o artigo 9°-1 CC).
Ora, por muito que seja desejável, justificado (ou até louvável) que o legislador esclareça (distinguindo, ou não distinguindo) entre processos pendentes em tribunal e pendentes no M.° P.°, a verdade é que nunca o fez nem já será de esperar que o faça (e quando o fez foi para consagrar uma tese inexequível e sem seguidores – cf. supra) pelo que persistir nessa expectativa é tarefa vã, parente chegado da teimosia.
Pelo que creio dever acompanhar as opiniões que, sendo maioritárias ou mais numerosas e incluem as do nosso mais alto Tribunal, traduzirão mais correctamente o pensamento e a intenção do legislador, que aludiu a «processos pendentes» no sentido de que se compreenderiam na expressão também os processos (ainda) sob a direcção do M.º P.ª
V -
Concluirei, portanto, por que a competência deve ser deferida à 1V.
C
Destarte, determino que é competente para conhecer do processo a 1.ª Vara Criminal de Lisboa.
Cumpra-se o disposto no artigo 36°-3. CPP.
25.09.2009
(Processado e revisto pelo signatário)
João Cotrim Mendes
Desembargador Presidente da 3°Secção