1. Como decorre do disposto no art.º 281° do CPP, nos casos em que se verifiquem os pressupostos legais e nomeadamente depois de obtido o acordo do arguido e do assistente sobre as injunções e regras de conduta, compete ao Ministério Público determinar com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo.
2. Decisão em que o Juiz de Instrução condicione a concordância com a suspensão provisória do processo à alteração dos montantes das injunções pecuniárias representa uma clara e evidente interferência numa esfera de competência e atribuição que não lhe compete mas sim ao titular do inquérito, o Ministério Público.
Proc. 2303/08.7TAOER.L1 3ª Secção
Desembargadores: Maria Elisa Marques - Sérgio Corvacho - Cotrim Mendes -
Sumário elaborado por João Ramos
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Proc. n.° 2303/08.7TAOER.L1 Y secção Criminal
Acordam os juízes, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:
1. Nos autos de inquérito supra mencionados, a correr termos no tribunal judicial de Oeiras, o Magistrado do Ministério Público, considerando integrarem os factos indiciariamente a prática, pelos arguidos, pessoas singulares … … …, … … … e … … …, na qualidade de gerentes da sociedade arguida ' … … …, Lda.', e no interesse desta, o crime de reprodução ilícita de programa protegido, previsto e punível pelos artigos. 3°, no 1 e 9°, no 1, da Lei no 109/91, de 17.08, decidiu-se pela suspensão provisória do processo por um período de 4 meses, com a condição de nesse período os arguidos, pessoas singulares, procederem à entrega da quantia de €450,00 a uma instituição de solidariedade social à sua escolha e nesse período, a sociedade arguida proceder à entrega da quantia de € 500,00 também a um instituição de solidariedade social à sua escolha, tendo determinado a apresentação do processo ao Mmº., Juiz para os efeitos do no 1 do art. 281° do Código de Processo Penal(1) , dar ou não a sua concordância à referida suspensão provisória do processo.
2. O Mm°. Juiz de Instrução em despacho manuscrito consignou nos autos o seguinte:
Concordo na íntegra com a suspensão do processo desde que a doação de € 450,00 seja relativamente a cada um dos arguidos, pessoas singulares, e os € 500,00 à pessoa colectiva'.
3. Deste despacho interpôs o MP recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1) Mostrando-se verificados pressupostos legais para a suspensão provisória do processo previstos no artigo 281 ° do Código de Processo Penal, designadamente a concordância do arguido sobre as injunções e regras de conduta, o Ministério Público deverá submeter a solução de consenso obtida ao Juiz de Instrução;
2) Ao Juiz de Instrução incumbe verificar se estão reunidos os pressupostos formais e materiais de que depende a decisão de suspensão provisória do processo;
3) A decisão do Juiz de Instrução quanto à sua concordância sobre a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo não pode ser condicional nem proceder a modificações das opções tomadas pelo Ministério Público;
4) A decisão de discordância quanto ao montante da injunção pecuniária imposta deve ser fundamentada;
5) As injunções e regras de conduta não correspondem a 'penas criminais' destinando-se antes a mais eficazmente viabilizar a solução de consenso encontrada;
6) A Meritíssima Juíza de Instrução ao manifestar a sua concordância com a suspensão provisória do processo condicionada à alteração do montante da injunção pecuniária imposta aos arguidos pessoas singulares, a violou o disposto no artigo 281 °, n°. 1 do Código de Processo Penal;
7) O montante da injunção pecuniária imposto aos arguidos pessoas singulares é adequado às necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir, não havendo motivos que levem a crer que o seu cumprimento não responde suficientemente às concretas exigências de prevenção;
8) Nestes termos, deverá o douto despacho proferido ser revogado e substituído por outro de concordância com a suspensão provisória do processo nos termos definidos pelo Ministério Público.
4. Os arguidos não responderam.
5. O Mmo juiz admitiu o recurso e sustentou o despacho nos termos constantes de fls. 127-131.
6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, não emitiu parecer.
7. Foram colhidos os vistos legais.
8. Procedeu-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
9. A questão que o recorrente submete à apreciação deste Tribunal ad quem consiste em saber se ' Meritíssima Juíza de Instrução ao manifestar a sua concordância com a suspensão provisória do processo condicionada à alteração do montante da injunção pecuniária imposta aos arguidos pessoas singulares, violou o disposto no artigo 281°., nº. 1 do Código de Processo Penal'.
Vejamos:
10. Como decorre do disposto no art.º 281° do CPP, nos casos em que se verifiquem os pressupostos legais e nomeadamente depois de obtido o acordo do arguido e do assistente sobre as injunções e regras de conduta, compete ao Ministério Público determinar com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo.
A decisão do juiz do instrução de concordância ou não com a iniciativa protagonizada pelo Ministério Público é que está condicionada e não o contrário. Com efeito, a decisão prévia de suspensão do processo em inquérito, o período da suspensão e a selecção ou escolha das injunções e regras de conduta é que condicionam necessária e inevitavelmente a actividade decisória do juiz.
A este propósito escreve Souto Moura: '(...) a iniciativa de suspensão e correlativas injunções e regras de conduta cabe ao M° P°. Qualquer intervenção do juiz à revelia do M° P° para se pronunciar sobre a justiça do caso (...) seria inadmissível' (2) .
Por conseguinte, no caso em apreço, o Mmo. Juiz a quo, ao concordar com a suspensão provisória do processo 'desde que a doação de €450,00 seja relativamente a cada um dos arguidos, pessoas singulares e os €500,00 à pessoa colectiva', - para além da ausência de fundamentação quanto à razão pela qual só concordava com a injunção de doação por parte de cada arguido de € 450,00 e não com a proposta de que os três arguidos, pessoas singulares, doassem conjuntamente aquele montante -, representa uma clara e evidente interferência numa esfera de competência e atribuição que não lhe compete mas sim ao titular do inquérito.
Visto o que precede, e sem necessidade de outras considerações, é óbvio que o recurso procede.
III – DECISÃO:
Nos termos apontados, dá-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em conformidade com o disposto no art. 281° do CPP.
Sem tributação.
(Processado em computador e revisto pela Relatora, a primeiro signatária).
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Elisa Sales (Relatora)
Sérgio Corvacho (Adjunto)
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Notas
(1) – Diploma a que se reportam as demais disposições legais citadas sem menção de origem.
(2) – “Inquérito e instrução”, Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, 1988, pág. 115