Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 29-09-2009   DEFICIÊNCIAS NO REGISTO DA PROVA. NULIDADE RELATIVA. ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA. CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO.
I. A inaudibilidade de certas passagens dos depoimentos prestados em audiência e a lacuna parcial do respectivo registo (cfr. arts.363º. e 364ª., nº.1 do C.P.P.) integra nulidade do respectivo procedimento, sujeita ao regime geral das nulidades, previsto no art.118º. e sgts. do C.P.P., ou seja, é sanável e depende de arguição no prazo de 10 dias.
II. A ausência de convicção do Tribunal recorrido assentou fundamentalmente em duas ordens de razões, constantes da fundamentação da decisão – a negativa por parte do arguido e a “forma seca e automática” como o menor respondeu às perguntas, sendo considerado o seu depoimento nem “espontâneo nem fluido”.
III. Ainda que incompreensivelmente ao menor não hajam sido tomadas declarações para memória futura, ao abrigo do disposto no art.271º. do C.P.P., a uniformidade da versão relatada, ao longo do processo, designadamente quanto ao local onde os factos decorreram e demais circunstancialismo, incluindo as zonas do corpo envolvidas, impõe a conclusão de que tal falta de espontaneidade e de fluidez não beliscam a credibilidade do seu depoimento.
IV. Com efeito, não é espectável de uma criança de 9 anos (idade à data da realização da audiência) que apresente discurso desenvolto e fluido sobre a matéria dos autos, relatando até ao mais ínfimo pormenor actos de natureza sexual praticados por seu pai sobre a sua pessoa.
V. Acresce que o menor tinha, à data dos factos, apenas 4 anos de idade e, de acordo com o relatório pericial, evidenciava um comportamento altamente sugestivo de ter sido vítima de práticas de cariz sexual, tendo tal perícia psicológica sido realizada, ao abrigo do art.131º., nº.3 do C.P.P., visando determinar o estado de desenvolvimento daquele, especialmente no campo psíquico e o seu grau de maturidade, o que constituem elementos coadjuvantes do Tribunal para efeito de avaliação da credibilidade do respectivo testemunho.
VI. Por outro lado, ouvida a gravação do respectivo depoimento, verifica-se que, embora o mesmo, de início, tivesse referido não querer falar, por ter vergonha, acabou por confirmar ter visto o pai “esfregar a pilinha” e dizer que o pai na pilinha “tinha coisa de plástico”, que o pai “tocou com a pilinha no rabinho” e que o pai lhe “pôs a pilinha na boca”, não se recordando quantas vezes, o que acontecia sempre na casa de banho.
VII. Ora, como decidiu o ACRC de 09.03.05 (CJ, Ano XXX, Tomo 2, p.36), “Nos crimes sexuais, o depoimento da vítima, quando credível e corroborado em aspectos periféricos por outros meios de prova, pode fundamentar uma condenação”.
VIII. Tendo o arguido tido coito oral com o menor seu filho, em número de vezes não apurado, praticou o crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma continuada, p. e p. pelo art.172º., nºs.1 e 2, 177º., nº.1 al.a) e 30º., nº.2 do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (2003), pelo que, tendo sido absolvido em 1ª.Instância, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, deve a audiência ser ali reaberta, nos termos do art.371º. do C.P.P., para determinação da sanção.

Nota: - no sentido apontado em I., cfr. ACRL de 19.05.09 (P.257/06.3GABNV.L1-5, Rel.:-José Adriano, disponível em www.pgdlisboa.pt);
- no sentido de as deficiências do registo da prova integrarem mera irregularidade, sujeita ao regime previsto no art.123º. do C.P.P., cfr. ACSTJ de 26.03.08 (P.105/08-3, Rel.:-Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt).
Proc. 45/04.1JASTB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Vieira Lamim - Ricardo Cardoso - -
Sumário elaborado por Lucília Gago