Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 28-10-2009   Julgamento na ausência do arguido. Vício a que se reporta a al.a) do nº2 do artº 410º do CPP. Reenvio para reapreciação da possibilidade de suspensão da pena.
I. Julgamento na ausência do arguido – artº 333º, nº2 do CPP.
II.A ausência de prova da condição social, pessoal e económica do arguido, em caso de decisão condenatória, tem vindo a ser reconduzida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ao vício a que se reporta a al.a) do nº2 do artº 410º do CPP – que o Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 considera de conhecimento oficioso do Tribunal ad quem, mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito.
III. No acórdão recorrido não é feita qualquer referência às “condições pessoais” do arguido, nem às diligências que o Tribunal tenha empreendido no sentido de as averiguar. Tratando-se de matéria não alegada, poderia pensar-se que o Tribunal não estava obrigado a tomar posição sobre ela.
IV. No entanto, das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 do artº 369º e do nº1 do artº 371º do CPP resulta que o Tribunal terá de ajuizar se é necessária a produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção (nas quais se incluem as “condições pessoais”), devendo proceder à reabertura da audiência, quando ajuíze em sentido afirmativo.
V. Nessa conformidade, importa que a 1ª instância reaprecie a prova já produzida, em termos de concluir se da mesma resultam demonstrados factos relativos às condições pessoais do arguido de forma a possibilitar uma decisão justa sobre a suspensão ou não da execução da pena em que o mesmo foi condenado, e determine, se for esse o caso, a produção dos meios necessários e adequados para o efeito e, por fim, profira decisão sobre a questão da suspensão, com base no conjunto dos factos que vierem a provar-se e aqueles já dados como assentes.
Proc. 2184/05.2PCSNT.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Sérgio Corvacho - Maria José Machado - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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Proc.nº2184/05.2PCSNT.Ll

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 3a SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. Relatório
Por acórdão do Tribunal Colectivo proferido no Processo Comum n° 2184/05.2PCSNT, que correu termos na P Secção do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra (Comarca da Grande Lisboa Noroeste), antiga 2a Vara Mista de Sintra, o arguido foi condenado, pela prática em autoria material de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210 n° 1 do CP, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão por cada crime, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. No dia 22 de Dezembro de 2005, cerca das 17h30, A e F e T seguiam a pé na Rua
Professor António Joaquim das Neves, na direcção do n° .., rés-do-chão direito
no Cacém, área desta comarca, que se trata da residência da avó do ofendido
F.
2. O arguido dirigiu-se aos ofendidos e perguntou-lhes se sabiam onde ficava a Rua Maria Dias.
3. F respondeu-lhe que não sabia, ao mesmo tempo que o arguido se aproximava dos mesmos, tendo o ofendido reparado que junto de um veículo automóvel se encontrava um indivíduo que conhece como tendo a alcunha de 'C' (tratando-se do arguido B).
4. O arguido aproximou-se do ofendido F e do A Palma, dizendo-lhes para entrarem no carro, o que aqueles resistiram e não fizeram.
5. O arguido quando se apercebeu da resistência de A desferiu-lhe uma bofetada.
6. Na sequência dos acontecimentos o arguido B aproximou-se dos ofendidos dizendo-lhes para tirarem tudo dos bolsos, o que aqueles fizeram.
7. O arguido retirou ao ofendido F o telemóvel de marca Siemens, modelo C55, de cor azul, no valor de 50 euros (cinquenta Euros).
8.O arguido B aproximou-se de A, ao mesmo tempo que colocava a mão no seu bolso dando a entender que tinha na sua posse uma arma, ao mesmo tempo que lhe exigia que lhe entregasse o telemóvel, pelo que o A lhe entregou o telemóvel de marca Alcatel, no valor de 60 Euros.
9. Após verificarem a falta de qualidade do telemóvel em causa os arguidos entregaram o mesmo a T.
10. De seguida os arguidos A e B disseram a F, A e a T para se irem embora tendo o arguido A proferido a seguinte expressão: 'Vá, ponham-se a andar rápido, porque senão vai haver tiro'.
11.Os ofendidos e a testemunha dirigiram-se à morada da avó do F e viram os arguidos abandonar o local no interior da viatura de matrícula ….
12. Os arguidos sabiam que o telemóvel de que se apropriaram não lhes pertencia e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legitimo proprietário, ameaçando e coagindo os ofendidos, à data com 16 anos de idade, para melhor levarem a cabo os seus intentos.
13. Os arguidos agiram sempre de forma voluntária, livre e conscientemente bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
14. Actualmente e desde o ano de 2006, o arguido A trabalha como servente de pedreiro em Loures, para a empresa …, pertencente ao pai, auferindo 30 € por dia.
15. Vive juntamente com o pai, que o acompanhou à audiência de julgamento, e com um irmão com 31 anos de idade.
16. Frequentou o 6° ano de escolaridade. Á data dos factos consumia cocaína diariamente.
17. Há dois meses que está a ser acompanhado pelo CAT num tratamento para a toxicodependência.
18. O arguido B, anteriormente, por factos praticados em 23/05/2002 e decisão de 17/02/2005, foi condenado nesta 2a Vara de Competência Mista de Sintra, no proc° 1077/02.OPCSNT, por crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelo art° 210°, n°s 1 e 2, al. b) e 204°, n° 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
19. O arguido A, anteriormente foi condenado por factos de 19/01/2002 e decisão de 29/10/2004, no 2° Juízo Criminal de Sintra, proc° 259/02.9PASNT, por crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, n°s 1 e 2, al. b) e 204°, n° 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
20. Este mesmo arguido foi ainda condenado por factos de 27/01/2003 e decisão de 15/06/2007, no 1 ° Juízo Criminal de Vila Franca de )(ira, proc° 88/03.2GBVFX, por crime de furto, p. e p. pelo art° 203°, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 3 €, substituída por 160 horas de trabalho a favor da comunidade.
Do referido acórdão o arguido A veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões (omite-se as duas últimas conclusões, relativas ao pedido de apoio judiciário apresentado pelo recorrente e sem interesse para a decisão a proferir):
1° Discorda o arguido do acórdão recorrido, porquanto entende que deveria ter-se suspendido a execução da pena de prisão, tal como se decidiu em relação ao arguido B.
2° O arguido libertou-se por completo do consumo de estupefacientes.
3° Encontra-se completamente recuperado e liberto de mentalidade criminosa.
4° Tem hábitos de trabalho.
5° Vive com os seus pais, em casa destes, pessoas de elevada idoneidade moral.
6° Encontra-se reintegrado na sociedade.
7° Pelo que deve suspender-se a execução da pena de prisão em que foi condenado.
8° Tal como foi decidido em relação ao arguido B.
9° Por que não se julgou assim, violou-se o disposto no art. 50° n° 1 do CP.
O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado assim as suas conclusões:
1 — A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena supõe que seja possível fazer um juízo de prognose positivo alicerçado na demonstrada capacidade de socialização do delinquente para desse modo ser evitado o cometimento de novos crimes.
2 - No caso em apreço outra solução adequada não tinha o Tribunal, pois que o recorrente cometeu anteriormente dois outros crimes contra o património, sendo que o crime destes autos foi cometido ainda durante o período da suspensão da pena resultante de um desses crimes (no caso, de roubo), mas sobretudo porque «manteve-se alheado do processo», não tendo ficado demonstrado qualquer facto que pudesse contribuir para que no espírito do julgador se firmasse alguma esperança de que não voltaria a delinquir.
3 — Não é comparável o caso do seu co-arguido, que embora tendo sido também cometido este crime durante o período de suspensão da execução da pena, «apresentou-se voluntariamente a julgamento e confessou os factos que lhe eram imputados, vem trabalhando com o pai na construção civil, para além de ter iniciado um tratamento à toxicodependência».
4 - Ao contrário do que foi sustentado não foi pois violada a norma de art. 50° do CP.
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, em que declarou subscrever na íntegra, nada tendo a acrescentar, a resposta à motivação do recorrente formulada pelo MP junto do Tribunal «a quo».
Tal parecer foi notificado ao recorrente, a fim de sobre o mesmo se pronunciar, querendo, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
H. Fundamentação
Nos recursos, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância do acórdão recorrido, expressa pelo arguido A nas suas conclusões de recorrente, dirige-se, exclusivamente, contra a bondade da decisão nele formulada no sentido de não suspender a execução da pena em que o recorrente foi condenado.
Não tendo o recorrente posto em causa, em qualquer ponto que fosse, o juízo probatório constante do acórdão impugnado, o presente recurso deveria, em princípio, versar apenas sobre matéria de direito.
Contudo, na motivação do recurso, o arguido A vem invocar todo um conjunto de factos, relativos às suas condições pessoais, que resume nos pontos 2° a 6° das conclusões por si formuladas e que não foram considerados na decisão questionada.
Aliás, o acórdão sob censura é totalmente omisso sobre as condições pessoais do arguido, pois não as incluiu nos factos julgados provados, que acima deixámos enumerados, e dele não constam factos considerados não provados.
É com base nesses factos «novos» que o recorrente pretende ver revertido juízo de não suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Em tese geral, os recursos ordinários (não assim os recursos extraordinários de revisão) consistem na reapreciação por uma entidade hierarquicamente superior de uma questão decidida por uma entidade hierarquicamente inferior, com base nos mesmos pressupostos que enquadraram a decisão questionada, não sendo, portanto, o momento processual próprio para alegar factos que não tenham sido levados ao conhecimento da entidade «a quo».
O acórdão recorrido fundamentou, nos seguintes termos, a não suspensão da execução da pena em que foi condenado o arguido A:
«Pondere-se ainda o disposto no art° 50°, do Código Penal:
Se acordo com este preceito legal o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
E certo que os arguido cometeram o crime durante a suspensão da execução de penas por crimes idênticos o que, desde logo, torna frágil uma prognose positiva quanto à não necessidade, para atingir os fins da punição, de execução da pena.
Quanto ao arguido A, tal prognose positiva apresenta-se desde logo arredada.
Este arguido conta já duas condenações por crimes contra pessoas e património.
Manteve alheado do processo, não se vislumbrando qualquer facto que em seu favor pudesse sustentar tal prognose positiva, pelo que quanto a ele, é manifesto que não pode ser suspensa a execução da pena em que foi condenado».
A este propósito, importa ter presentes os seguintes elementos fácticos, que resultam do processado dos autos:
a) Em 23/12/05, o arguido A prestou TIR, com as menções prescritas pelo n° 3 do art. 196° do CPP (fls. 42);
b) Em 2/6/08, o Exm° Juiz da 2a Vara Mista de Sintra proferiu despacho recebendo a acusação deduzida contra os arguidos e designando para a realização da audiência de julgamento o dia 7/10/08 e para o eventual adiamento ou continuação desse acto processual o dia 15/10/08, sempre pelas 10 horas, naquele Tribunal (fls. 132 e 133);
c) Para notificação pessoal ao arguido A do agendamento da audiência de julgamento e do início do prazo para apresentação da contestação e do rol de testemunhas, foi expedida carta simples com prova de depósito, que foi depositada em 16/6/08, na morada por ele indicada ao prestar TIR (fls. 136, 137 e 148);
d) Tal notificação foi também remetida á ilustre defensora do arguido A então em funções, Dra. P., por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 13/6/08 (fls. 140);
e) O arguido A não apresentou contestação nem rol de testemunhas;
f) Em 7/10/08, verificando-se a falta de comparência de ambos os arguidos, pelo Exm° Juiz Presidente do Tribunal Colectivo da 2a Vara Mista de Sintra foi proferido despacho determinando o adiamento da audiência de julgamento para a data e hora já designadas, 15/10/08 pelas 10 horas, e a emissão de mandados de detenção dos arguidos para assegurar a sua comparência nessa ocasião (fls. 157 a 159);
g) O mandado de detenção do arguido A foi emitido com referência à morada por ele indicada no TIR (fls. 162);
h) Em 15/10/08 pelas 10h25m, foi dado início à audiência de julgamento sem a presença do arguido A, tendo sido comunicado ao Tribunal que, segundo informação prestada telefonicamente, nesse dia, pela Esquadra de Investigação de Sintra, o mesmo arguido é toxicodependente e não tem paradeiro certo, pelo que não foi possível dar cumprimento ao mandado de detenção contra o mesmo emitido (fls. 163 a 166);
i) Na mesma ocasião, também não compareceu a ilustre defensora do arguido A, Dra. P., tendo sido nomeada em sua substituição a ilustre advogada Dra. M., presente no Tribunal e que declarou aceitar o encargo (idem);
j) Em 15/10/08, pelas 13h01m, foi expedida ao Tribunal uma comunicação via «fax» proveniente da PSP, em que se referia não ter sido possível proceder à detenção e condução do arguido A, em virtude de a residência indicada no respectivo mandado se encontrar devoluta, desconhecendo-se qualquer outro dado que leve ao seu actual paradeiro, informação que foi reiterada na certidão negativa lavrada no verso do mandado (folha não numerada, entre fls. 162 e 163, e fls. 168 verso);
k) A totalidade da audiência de julgamento, incluindo a leitura do acórdão, efectuada em 23/10/08, decorreu na ausência do arguido A, mas na presença da sua ilustre defensora, nomeada em substituição (fls. 163 a 166 e 171).
O n° 3 do art. 196° do estipula que do termo de identidade e residência deve constar que ao arguido que o presta foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n° 2, excepto se o arguido comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor nem todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333 ° do CPP.
A morada referida no n° 2 do artigo em referência é a residência, o local de trabalho ou outro domicílio que o arguido tenha declarado para o efeito de lhe serem feitas notificações por via postal simples.
O n° 2 do art. 333° do CPP permite que a audiência de julgamento tenha lugar sem a presença do arguido, desde que o Tribunal não a considere indispensável, pressuposto que tenha prestado TIR com as menções referidas no n° 3 do art. 196° do mesmo Código e tenha sido regularmente notificado para comparência.
Ora, no presente processo, encontravam-se reunidos os pressupostos legais da efectivação da audiência de julgamento sem a presença do arguido A.
A realização do julgamento fora da presença do arguido, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 196° e 333° do CPP em vigor, não configura um verdadeiro «processo de ausentes», como aquele que o CPP de 1929 instituiu.
Tal forma de processo especial pressupunha uma ruptura do contacto entre o arguido e o Tribunal, semelhante àquela que, no normativo da actual lei de processo penal, está na base do instituto da contumácia
Pelo contrário, a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, no domínio da vigente redacção do CPP, pressupõe a manutenção do contacto entre o arguido e o processo ou, pelo menos, a plena produção do efeito cominatório do TIR prestado, em caso de incumprimento pelo arguido do dever a que se refere a al. b) do n° 3 do art. 196° do CPP.
Nesta ordem de ideias, o arguido, que tenha sido julgado na sua ausência, ao abrigo da lei processual em vigor, não tem o direito, uma vez notificado pessoalmente da sentença, de requerer novo julgamento, ao contrário do que sucedia com o réu julgado «à revelia» no domínio do CPP de 1929, mas pode tão somente interpor dela recurso nos termos gerais.
Assim, a circunstância de o arguido, por não ter comparecido na audiência de julgamento, nem ter apresentado contestação ou oferecido prova testemunhal, não ter levado ao conhecimento do Tribunal certos factos susceptíveis de o favorecerem, não o legitima, em sede de recurso ordinário, a valer-se de tal factualidade para o efeito de pôr em crise uma decisão que lhe seja contrária, sem prejuízo, naturalmente, do pleno exercício pelo Tribunal de julgamento dos poderes que lhe incumbem de averiguação oficiosa da matéria de facto susceptível de relevar para justa decisão da causa.
Por conseguinte, nos precisos termos em que se encontra interposto, o presente recurso, caso o Tribunal estivesse em posição de apreciar o respectivo mérito, sempre estaria votado ao insucesso, porquanto, através dele, o recorrente pretende ver declarado determinado efeito jurídico (a reversão do juízo de não suspensão da execução da pena em que foi condenado), com base, exclusivamente, em factos de que o Tribunal «ad quem» não pode conhecer, em virtude de não terem sido objecto da cognição do Tribunal «a quo» na prolação da decisão agora sob impugnação.
Com efeito, a ausência de prova da condição social, pessoal e económica do arguido, em caso de decisão condenatória, tem vindo a ser reconduzida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a al. a) do n° 2 do art. 410° do CPP, podendo indicar-se a título meramente exemplificativo, como defensor de tal tese, o Acórdão da RP de 1/10/08, documento RP200810010814048 da base de dados do ITIJ.
O n° 2 do art. 410° do CPP, na parte que interessa à questão agora mencionada, dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no normativo legal agora enunciado serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito.
Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do n° do art. 410° do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira e não à segunda que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada.
Estando em causa, no presente recurso, uma decisão que denegou a suspensão da execução da pena em que o arguido recorrente foi condenado, importa recordar os pressupostos legais dessa medida suspensiva, tal como se mostram definidos no n° 1 do art. 50° do CP:
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada um medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No processo de formação ou não formação pelo Tribunal do juízo de prognose, que, nos termos da antecedente disposição legal, tem de estar na base da suspensão da execução da pena privativa de liberdade, sempre terá um papel relevante, ainda que não necessariamente determinante, a consideração daquilo a que vulgarmente se chama as «condições pessoais» do condenado, as quais podem englobar, entre outros aspectos, o seu enquadramento familiar, a sua inserção laborai, a sua situação económico-financeira, o seu nível de escolaridade e de formação profissional, eventuais problemas de saúde física e psíquica, existência de hábitos de consumo de estupefacientes, álcool ou substâncias semelhantes e, se for esse o caso, os esforços que o arguido tenha empreendido no sentido de superar essas adições.
Nesta perspectiva, a ausência total de factos provados relativos às «condições pessoais» do arguido A é de molde a integrar uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de suspender ou não a execução da pena aplicada a esse arguido.
A formulação desta conclusão não pressupõe - saliente-se - que o Tribunal tivesse tido de decidir necessariamente no sentido pretendido pelo arguido A no presente recurso, caso tivesse tido conhecimento dos factos em falta, mas tão somente que a formação de uma decisão justa sobre a questão controvertida teria requerido a consideração, na medida do possível, dessa factualidade.
Neste contexto, a verificação do vício, a que se refere a al. a) do n° 2 do art. 410° do CPP, depende da medida em que o texto do acórdão impugnado, por si mesmo ou conjugado com os dados da experiência comum, deixe transparecer que o Tribunal «a quo» exerceu da forma que lhe incumbia os seus poderes de averiguação oficiosa, acerca da matéria cuja carência de demonstração se constatou.
A esse respeito dispõe o n° 1 do art. 340° do CPP:
O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Afigura-se-nos ser hoje pacífico, em sede jurisprudencial, que o poder conferido pela disposição legal agora transcrita é um verdadeiro poder-dever e não uma mera faculdade, devendo o Tribunal exercê-lo de forma exaustiva.
Assim, a eventual inércia dos sujeitos processuais ao nível probatório não exime o Tribunal do dever de, por sua iniciativa, determinar a produção dos meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e investigar todos os factos relevantes para uma decisão justa da causa, segundo as várias soluções em direito plausíveis, respeitando-se, no que se refere aos factos integradores do crime imputado e das circunstâncias agravantes deste, o quadro definido pela acusação, sem prejuízo das possibilidades de alteração dessa factualidade, de acordo com os procedimentos prescritos pelos arts. 358° e 359° do CPP.
Na fundamentação do juízo probatório, o acórdão recorrido expende:
«Para considerar provados os factos acima descritos o tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelo arguido B, que confessou os factos a ele respeitantes do modo que acima ficaram descritos, referindo ainda que se encontrava juntamente com o arguido A e que os factos ocorreram como acima estão descritos.
Tais declarações, confessórias, juntamente com aquelas que se referiam ao arguido A, foram conjugadas com os depoimentos das testemunhas F e T, os quais, tendo sido vítima dos factos acima enunciados os descreveram em audiência de julgamento, de modo coerente isento, nos exactos termos em que ficaram acima elencados.
Mais se consideraram os certificados de registo criminal juntos aos
autos».
Como pode ver-se, na parte do acórdão agora transcrita, não é feita qualquer referência às «condições pessoais» do arguido A, nem às diligências que o Tribunal tenha empreendido no sentido de as averiguar, nem ainda ao eventual fracasso destas.
A primeira vista, tratando-se de matéria não alegada (o A não apresentou contestação), poderia pensar-se que o Tribunal não estava obrigado, no acórdão, a tomar posição sobre ela, quanto mais não seja fazendo menção das diligências feitas no sentido de a apurar e das razões por que as mesmas resultaram infrutíferas.
No entanto, existe na tramitação do processo penal um momento em que se impõe ao Tribunal o dever de decidir da produção de prova sobre os factos relativos às «condições pessoais» do arguido, independentemente de alegação.
Das disposições conjugadas dos n°s 1 e 2 do art. 369° e do n° 1 do art. 371° do CPP resulta que, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação a determinado arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Tribunal terá de ajuizar se é necessária a produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção (nos quais se incluem as «condições pessoais» a que vimos aludindo), devendo proceder à reabertura da audiência, quando ajuíze em sentido afirmativo, ou passar de imediato a deliberar sobre a escolha e a medida da sanção, na hipótese contrária.
No processo de deliberação que esteve na origem do acórdão sob censura, o Tribunal Colectivo necessariamente se apercebeu de que estavam reunidos os pressupostos da aplicação de uma pena ao arguido A, como efectivamente veio a suceder.
Uma vez feita tal verificação, impunha-se ao Tribunal decidir de imediato da escolha e da medida da pena (matéria em que se inclui, se ao caso couber pena de prisão não superior a 5 anos, a opção por suspender ou não a execução desta), se entender que dispõe já de todos os elementos necessários para o efeito, ou, se assim não for, determinar a produção de prova suplementar destinada a averiguar factos relevantes para a decisão a tomar.
Dado que o presente recurso não tem por objecto a impugnação do juízo probatório sobre a matéria de facto, não é permitido a este Tribunal valer-se dos registos dos elementos de prova pessoal produzidos em audiência de julgamento, que se resumiram, na circunstância, às declarações do arguido B e aos depoimentos de duas testemunhas de acusação, em termos de poder assegurar-se se os mesmos revestiram alguma relevância probatória, relativamente aos factos atinentes às condições pessoais do arguido A.
No entanto, tendo em conta o concreto conteúdo do acórdão proferido, a existência ou não desse relevo probatório conduzir-nos-á a uma mesma conclusão, do ponto de vista da verificação do vício da sentença a que nos vimos reportando.
Na verdade, caso os elementos de prova pessoal se tenham revelado idóneos a fazer prova daqueles factos cuja carência de demonstração se constatou, terá de concluir-se que o Tribunal não exerceu devidamente o seu poder-dever de averiguação oficiosa dessa factualidade e encontrar-nos-emos, por isso, perante uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na hipótese inversa, impõe-se a conclusão de que o Tribunal não determinou, como lhe era exigido, a produção de prova suplementar tendente ao apuramento daqueles mesmos factos.
Da acima transcrita fundamentação do juízo probatório ou de qualquer outra passagem do texto do acórdão recorrido não consta qualquer referência a diligências que o Tribunal tenha mandado efectuar, no sentido de averiguar os factos relativos às «condições pessoais» do arguido A, ao seu resultado improdutivo ou ainda às razões por que tais diligências não terão sido ordenadas ou se tenham mostrado inviabilizadas.
Assim, também no contexto desta segunda eventualidade, o acórdão em apreço apresenta-se inquinado pelo vício a que se refere a al. a) do n° 2 do art. 410° do CPP.
O vício detectado obsta a que este Tribunal conheça do mérito do recurso em presença.
0 n° 1 do art. 426° do CPP estatui:
Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n° 2 do artigo 410°, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
O reenvio a determinar não afectará de modo algum a totalidade do objecto processual e terá um alcance estritamente limitado.
Dado que o presente recurso tem como única finalidade a reversão da decisão de não suspender a execução da suspensão da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, a relevância decisória do vício, que inquina o acórdão recorrido, cinge-se a essa questão.
Não estão em causa, pois, os factos já dados como provados pelo acórdão impugnado, o seu enquadramento jurídico para efeitos de incriminação e a medida das penas parcelares aplicadas ao arguido A e a da pena única emergente do cúmulo jurídico.
Nesta conformidade, importa que a primeira instância reaprecie a prova já produzida, em termos de concluir se da mesma resultam demonstrados factos relativos às condições pessoais do A de forma a possibilitar uma decisão justa sobre a suspensão ou não da execução da pena em que o mesmo foi condenado,determine, se não for esse o caso, a produção dos meios de prova necessários e adequados para o efeito e, por fim, profira decisão sobre a questão da suspensão, com base no conjunto dos factos que vierem a provar-se e aqueles já dados como assentes pelo acórdão recorrido.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juizes da 3a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar verificado no acórdão recorrido o vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e em determinar o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às seguintes finalidades
a) Reapreciar a prova já produzida, para o efeito de julgar provados ou não factos relativos às condições pessoais, sociais e económicas do arguido A, em termos de propiciar uma decisão justa sobre a suspensão da execução da pena única de prisão em que o mesmo foi condenado;
b) Na hipótese negativa, determinar a produção dos meios de prova considerados necessários e adequados ao apuramento desses mesmos factos;
c) Proferir nova decisão sobre a suspensão da execução da referida pena, com base na consideração conjunta dos factos dados como provados pelo acórdão recorrido e daqueles que venham a resultar demonstrados da reapreciação a efectuar ou dos novos meios de prova, que venham a ser produzidos.
Sem custas.
Notifique.
(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(Maria José Costa Machado)