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ACRL de 29-10-2009
Princípio da continuidade da audiência. Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Suspensão da pena.
I. A jurisprudência relativa ao princípio da continuidade da audiência, decorrente do Acórdão de fixação nº11/2008 (DR, I Série, de 11/12/2008), não é aplicável quando o prazo de 30 dias é excedido entre a sessão de alegações e a de leitura do acórdão, constituindo o excesso deste prazo mera irregularidade.
II. O princípio in dúbio pro reo pressupõe a dúvida do tribunal quanto à ocorrência de determinado facto, devendo, nesse caso, retirar-se a consequência jurídica que mais beneficie o arguido. Todavia, para que a dúvida seja relevante, para este efeito, há-de ser razoável, fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida. No caso, porque não ocorre qualquer dúvida, o tribunal não deveria/poderia fazer uso de tal princípio.
III. Para que exista o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto, é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancionalismo fáctico suporte bastante dessa decisão. Não ocorre esse vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar.
IV. O erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº2, al.c), CPP) tem de resultar do próprio texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
V. O arguido era primário à data em que praticou os factos e não há notícia que depois dessa data tenha praticado qualquer outro crime, está inserido familiar, profissional e socialmente, é bastante jovem, agiu com dolo eventual e em reacção a uma tentativa de roubo qualificado. Tendo em conta estes elementos, apesar de se tratar de um crime de homicídio e da falta de arrependimento, é possível fazer o necessário juízo de prognose positiva quanto à sua reinserção social, sendo de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição. Nessa medida, é de suspender a execução da pena.
Nota: em concordância com a conclusão I, são citados: - Ac. da RC de 28/01/2009, proc. 29/07.8GCLRA.C1, relatado por Orlando Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt. e a resenha jurisprudencial feita por Vinício Ribeiro, in “CPP Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2008, pág. 681.
Em sentido concordante com a conclusão II é citado Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 205.
Em concordância com a conclusão III, que traduz jurisprudência pacífica, é citado Ac. do STJ de 20/10/99, proc. nº 1452/98, 3ª Secção.
Em idêntico sentido ao da conclusão IV é citado Ac. STJ de 19/12/90, proc. nº 413271, 3ª Secção.
Proc. 11066/08-9 9ª Secção
Desembargadores: João Abrunhosa - Maria do Carmo Ferreira - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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