Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 25-11-2009   O trânsito em julgado da pronúncia impossibilita a respectiva alteração no âmbito do artº 311º, do CPP.
I.Tendo sido proferido despacho de pronúncia, está vedado ao juiz de julgamento, em sede de despacho proferido no âmbito do artº 311º, nºs 1 ou 2, do CPP, apreciar as putativas nulidades de que enferme a pronúncia, por dessa forma se estar a sindicar uma decisão judicial (a de pronúncia) relativamente à qual já ocorreu trânsito em julgado formal.
II.O despacho de pronúncia, constituindo uma verdadeira acusação em sentido material, está sujeito às exigências formais desta última, como resulta do disposto no artº 287º, nº2, do CPP. O facto de ter sido feita remissão para os requerimentos de instrução não coloca em causa a validade do despacho de pronúncia (cfr. Ac. T.C. de 30/7/2003, DR II Série, de 4/2/2004).
Proc. 15203/03.8TDLSB.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Fernando Correia Estrela - Domingos Duarte - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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Proc.º 15203/03.8TDLSB.L1
3ª Secção

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – No Proc.º n.° 15203/03.8TDLSB da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, por despacho judicial de 2 de Abril de 2009, foi decidido “existirem deficiências e nulidades que obstam à apreciação e decisão do mérito da causa, que não pode prosseguir para julgamento” pelo que “ao abrigo do disposto no art. 311°, n° 1 do CPP, não se designou “datas para a audiência tendo sido determinado o arquivamento dos autos”.

II - Inconformada, A, Assistente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O Despacho recorrido determinou o arquivamento dos autos nos termos do disposto no n° 1 do art. 311° do C.P.P.
2. Sucede que os fundamentos invocados traduzem vícios que conduzem à manifesta improcedência da acusação, previstos nas als. b) e c) do n.° 3 do art. 311.° do C.P.P.
3. Nos presentes autos é inaplicável o disposto no n° 1 e na alínea a) do n° 2 do art. 311° do C.P.P., porquanto ocorreu a competente fase instrutória, tendo sido proferido Despacho de Pronúncia.
4. Por esta razão, não pode o tribunal de julgamento rejeitar a pronúncia, como fez, com fundamentos nos vícios previstos nas als. b) e c) do n.° 3 do art. 311.° do C.P.P.
5. Compreende-se que assim seja, uma vez que o despacho de pronúncia dos autos adquiriu força de caso julgado formal, não podendo ser revogado pelo tribunal de julgamento.
6. Motivos pelos quais o Despacho recorrido, por não ter qualquer fundamento legal, violou o art. 311.°, n.° 2 do C.P.P.
7. O Despacho recorrido determinou o arquivamento dos autos, por se ter entendido que o requerimento de abertura de instrução e o Despacho de Pronúncia não cumpriam as exigência legais do art. 293.°, n.° 3 do C.P.P., aplicável por força do disposto no art. 287.°, n.° 2.
8. A Recorrente não se pode conformar com este entendimento, na medida em que os factos por si descritos, no requerimento de abertura da instrução, bem como os factos descritos no Despacho de Pronúncia, são subsumíveis ao crime de burla informática e nas telecomunicações, p. e p. no art. 221° do C.P., como decidido pelo Ac. da Relação de Lisboa, no Ac. de 24.01.2007 e pela Decisão Instrutória proferida em 06.07.2007 no processo que corre termos pelo 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal com o n° 8766/ 05.5TDLSB, juntos aos autos.
9. O Despacho recorrido entendeu que o Arguido não poderia defender-se em sede de julgamento sem conhecer qual a moldura penal susceptível de lhe ser aplicada, adentro do disposto no art. 221° do C.P.
10. Sucede que, nos termos do disposto nos n°s 1 e 3 do art. 358° do C.P.P., o Douto Tribunal, no decurso da audiência de discussão e julgamento, tem a faculdade, caso assim o entenda necessário, de proceder à qualificação jurídica dos factos descritos no Despacho de Pronuncia, assegurando-se o respeito pelos direitos de defesa do Arguido.
11. Quanto ao elemento subjectivo do crime, a Recorrente invocou expressamente que a actuação dos arguidos «tinha como objectivo perpetrar a actividade delituosa ora participada, com vista à obtenção de lucros avultados e donde resultaram elevados prejuízos para a Queixosa», pelo que este elemento está suficientemente caracterizado e imputados aos mesmos.
12. Do mesmo modo, o Despacho de Pronúncia proferido nos presentes autos imputou ao Arguido uma actuação dolosa porquanto o mesmo utilizava abusivamente a rede da Recorrente, sem o consentimento e conhecimento desta, recebendo «tráfego que não lhe era destinado pelo chamador, na medida em que o chamados pretendia que a sua comunicação terminasse na rede das operadoras queixosas, e processou comunicações sem para tal estar legal e regulamentarmente habilitado», pronunciando o mesmo razões de facto e de direito enunciadas no requerimento de abertura de instrução da Recorrente.
13. A prova (!) do elemento subjectivo só tem lugar em sede de audiência de julgamento, e nunca em sede de requerimento de abertura da instrução.
14. Ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, o requerimento de abertura da instrução da Recorrente e o Despacho de Pronúncia cumprem todos os requisitos exigidos pelo art. 283.°, n.° 3, do C.P.P., nos termos da remissão operada pelo art. 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
15. Deste modo, o despacho recorrido, ao ter decidido diversamente, violou estes preceitos legais, e ainda os artigos 12.° e 26.° do Código Penal.
16. Em consequência, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que receba a pronúncia e designe data para a audiência de julgamento.
17. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Despacho recorrido, nos termos e com os fundamentos expostos.

III – Nesta Relação a Exma Procuradora-Geral Adjunta, emitiu “parecer no sentido da procedência do recurso, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que designe data para a audiência de julgamento”.

IV – Transcreve-se a decisão recorrida.
A. como processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo.
O Tribunal é competente.
Lidos os autos afigura-se que não podem prosseguir para julgamento.
Vejamos sinteticamente porquê.
Na sequência da extracção de certidão de outro processo veio o MP a proferir despacho de arquivamento (fls. 1457 a 1463).
De seguida foi requerida a abertura de instrução pelas assistentes 'A. ' e 'B' (fls. 1479 a 1493 e 1559 a 1592).
Tais requerimentos, enfermos de nulidades, foram aceites, aberta a instrução e, durante ela, arquivado os autos quanto aos arguidos C, D, E (fls. 1869) e F (fls. 1918/19) e foi o arguido G pronunciado a fim de ser submetido a Julgamento em processo comum e por Tribunal singular, pelas razões de facto e de direito enunciadas nos requerimentos de abertura de instrução daquelas assistentes (fls. 1913 a 1935).
Remetidos os autos para julgamento aos Juízos Criminais aí (com leitura do que não está efectivamente escrito nos requerimentos de abertura da instrução nem no despacho de pronúncia), considerou-se competente o Tribunal Colectivo e ordenou-se a remessa a estas Varas (fls. 1955).
Pois bem.
Efectivamente não vislumbro escrita nem nos requerimentos de abertura da instrução nem no despacho de pronúncia a imputação ao arguido G de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo art. 221°, n.°1, n°2 e n°5, alínea b), do Código Penal, por referência ao art. 202.°, alínea b), do mesmo Código.
O que vejo naquelas peças é a imputação de um crime p. e. p. pelo citado art. 221° (sem mais) ou pelo mesmo art. 221°, n° 2 e nada mais. Compreende-se a leitura que foi feita, mas isso não significa que ela vincule este Tribunal, nem que tenha a virtualidade de suprir as nulidades que infra serão conhecidas e declaradas, tendo em conta o disposto no art. 311/1, do CPP.
E conhecendo se dirá desde já que a falta de indicação das concretas disposições legais aplicáveis, adentro do citado art. 221°, pela assistente A, toma desde logo nulo o seu requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, o despacho de pronúncia (arts. 287/2 e 283/3/c, do CPP).
Como se poderia o arguido defender em julgamento sem saber se estava pronunciado por um crime punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (n°s 1 e 2 do art. 221°, do CP) ou com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias ou ainda com pena de prisão de dois a oito anos (n° 5 do mesmo preceito) ? É indiferente? Não é.
Não ficam, porém, por aqui as nulidades daquele requerimento e despacho.
De facto nele não se vislumbra qualquer descrição factual susceptível de integrar o elemento subjectivo (dolo), o mesmo sucedendo com o requerimento de abertura de instrução da assistente B, que embora contenha vagas e esparsas referências àquele elemento (arts. 108 e 109) não as liga nem relaciona com factos concretos imputados ao mesmo arguido, o mesmo se verificando ainda na decisão de pronúncia que secundou tais requerimento e para eles remeteu genericamente, o que também gera a nulidade prevista nos arts. 287/2 e 283/3/b, do CPP.
Em rigor o requerimento da assistente B nem sequer identifica o ou os arguidos contra quem é requerida a instrução, só a muito custo se deduzindo, sem absoluta certeza, que é o mínimo exigível, que o faz contra a B e G, dada a alusão que aos mesmos é feita no art. 13.°, sendo certo, por outro lado, que fica sem se saber se o G a que a assistente A refere no seu requerimento (fls. 1479) é o arguido G, o que também gera a nulidade prevista nos arts. 287/2 e 283/3/a, do CPP.
Acresce, e isto é nuclear, que lidos e relidos os arrazoados constantes dos requerimentos de abertura de instrução e do despacho de pronúncia, não se descortina qual o objecto dos autos, ou seja, quais são os factos concretos imputados ao arguido G.
Com efeito, depois dos autos terem sido arquivados quanto aos arguidos C, D (fls. 1869) e E (fls. 1918/19), impunha-se a delimitação sintética da factualidade que poderia ser assacada àquele arguido e não a remissão genérica para os requerimentos de abertura de instrução (eivados de conceitos indeterminados e conclusões jurídicas) como se fez, assim deixando a causa num denso manto de incertezas factuais, o arguido sem possibilidades concretas de defesa e o tribunal de julgamento sem campo factual definido para apreciar e julgar, o que também gera a nulidade prevista nos arts. 287/2 e 283/3/b, do CPP.
Como se sabe são a acusação ou a pronúncia que definem o objecto de processo.
Na ausência daquela definição, como é manifestamente o caso, torna-se inexequível apreciar e decidir do mérito da causa, não competindo ao tribunal de julgamento suprir as nulidades apontadas, delimitar o campo factual e aditar novos factos para que a causa seja viável, o que teria de suceder quanto aos integradores do elemento subjectivo ao que o arguido certamente se oporia à luz do art. 359.° do CPP, sendo cristalino que se no acórdão se omitisse tal factualidade o mesmo seria imediatamente fulminado com a nulidade.
Concluo, pois, que face ao exposto, outra solução não resta do que considerar que as deficiências e nulidades apontadas obstam à apreciação e decisão do mérito da causa, que não pode prosseguir para julgamento.
Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 311°, n° 1 do CPP, não designo datas para a audiência e determino o arquivamento dos autos.
(…)
VI - Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea a) do C.P.Penal.
3. A A veio recorrer do despacho judicial que ordenou o arquivamento dos autos, declarando nula a pronúncia.
Vejamos.
Distribuídos os autos à 5.ª vara Criminal de Lisboa, após prolacção de despacho de pronúncia, aquando do cumprimento do art. 311° do CPP por parte do Sr. Juiz do julgamento, determinou o mesmo, por despacho datado de 2.04.2009 junto a fls. 1966/1969 dos autos, o arquivamento dos autos, invocando o disposto no art. 311° n°1 do CPP.
Em tal despacho considerou-se 'eivados de nulidades o despacho de pronúncia e os requerimentos de abertura de instrução formulados pelos assistentes A e B para os quais o despacho de pronúncia havia remetido, obstando as mesmas à apreciação e decisão do mérito da causa, que não pode prosseguir para julgamento. E considerou :
a) Ter ocorrido nulidade face à 'falta de indicação das concretas disposições legais aplicáveis adentro do citado art. 221°, pela A, tornando nulo o seu requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, o despacho de pronúncia (arts. 287/2 e 283/3/c do CPP)
b) Não se vislumbrar qualquer descrição factual susceptível de integrar o elemento subjectivo (dolo), o mesmo sucedendo com o Requerimento de abertura de instrução da B (arts. 287/2 e 283/3/b do CPP);
c) Não identificação no Requerimento de Abertura de Instrução da assistente B de o(s) arguido(s) contra quem é requerida a instrução (nulidade prevista nos arts. 287/2 e 283/3/a CPP);
d) Não se descortinar qual o objecto dos autos, quais os factos concretos imputados ao arguido G (nulidade prevista nos arts. 287/2 e 283/3/b CPP).
4. Decidindo, haverá que apurar as questões suscitadas pelo despacho recorrido:
a) Saber se o juiz de julgamento, tendo ocorrido nos autos prolacção de despacho de pronúncia de arguido, tem poderes com base no disposto no art. 311° do CPP, para sindicar tal despacho de pronúncia assacando-lhe existência de nulidades, e, por via destas, determinar o arquivamento dos autos;
b) Qual a natureza das nulidades invocadas - insanáveis ou dependentes de arguição, e que irregularidades subsistem.
c) Se pelo facto de não constar a agravação do tipo de ilícito imputado “obsta a que o arguido se possa defender”;
d) Que não constariam dos requerimentos de instrução os arguidos a quem foram imputados ilícitos – pese embora só um ter sido pronunciado – bem como não estaria descrito o elemento subjectivo do crime.
5. Do caso julgado da pronúncia e inadmissibilidade legal da decisão recorrida.
O Despacho recorrido determinou o arquivamento dos autos nos termos do disposto no n° 1 do Art. 311° do C.P.P., por se ter entendido que o requerimento de abertura de instrução e o despacho de pronúncia não cumpriam as exigências impostas pelo art. 283.°, n.° 3, als. b) e c), do C.P.P., aplicável por força do disposto no art. 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
Ou seja, tais peças processuais não conteriam, na perspectiva do despacho recorrido, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, nem a indicação das disposições legais aplicáveis.
Ora, o n° 1 do art. 311° do C.P.P dispõe: 'Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.'.
Por sua vez, os termos das als. b) e c) do n.° 3 do art. 311.°, a acusação considera-se manifestamente infundada quando não contenha a indicação dos factos ou quando não indique as disposições legais aplicáveis.
Daqui resulta que os fundamentos invocados para a decisão recorrida são os que constam, não do n.° 1 do art. 311.° do C.P.P., mas antes do seu n.° 3, ou seja, a alegada ocorrência de vícios que conduzem a que a acusação se considere manifestamente infundada.
Sucede que, nos termos do disposto na alínea a) do n° 2 do art. 311° do C.P.P.: 'Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada'.
No caso dos presentes autos, é manifestamente inaplicável o disposto na alínea a) do n° 2 do art. 311° do C.P.P., uma vez que o mencionado preceito legal só é aplicável aos autos nos quais não tenha havido instrução.
Nos presentes autos, foi proferido despacho de arquivamento da queixa- crime apresentada pela Recorrente A.
Em virtude do arquivamento da queixa-crime, a Recorrente requereu a abertura de instrução, tendo-se procedido ao debate instrutório, com a consequente prolação de despacho de pronúncia do Arguido.
O despacho de pronúncia transitou em julgado, não podendo ser revogado em sede de julgamento.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao CPP, em anotação ao art. 311° do CPP (mencionado no recurso) 'a decisão de pronúncia faz caso julgado formal sobre os pressupostos processuais, nulidades, irregularidades, questões prévias ou incidentais, que tenha exercido ex professu, não podendo o juiz do julgamento reapreciar estas questões e rever aquela decisão. Portanto, este despacho não é um despacho de mero expediente, livremente revogável pelo juiz'.
Em igual sentido se afigura ter-se decidido no Acórdão do TRE datado de 24.03.2009 (proc. 2608/08, relator Gilberto Cunha, disponível em www.dgsi.pt), cujos excerto de sumário se transcreve:
2. Existindo instrução, o juiz, no despacho proferido ao abrigo do art. 311.º do CPP, não procede ao controlo dos vícios estruturais que o despacho de pronúncia eventualmente contenha, não podendo, por conseguinte, proceder à alteração da qualificação jurídica feita ou aceite pelo juiz de instrução noutra fase do processo.
Porém, no caso sub judice, não tendo havido instrução, nada impedia, a nosso ver, a senhora juíza de controlar os vícios estruturais da acusação referidos no art. 311.º n.º3 do CPP, nomeadamente pronunciar-se sobre se determinados factos dela constantes constituíam ou não crime e retirar daí as devidas ilações. Note-se que não se trata aqui de qualquer controlo da prova indiciária obtida no inquérito, cuja valoração apenas competia ao Ministério Público, ou ao juiz de instrução (caso esta tivesse sido requerida), mas tão-somente apreciar se a acusação é manifestamente infundada, nomeadamente, se a factualidade que se visa submeter a julgamento constitui ou não crime e está devidamente enquadrada juridicamente (cf. n.º 2 e 3 do art.311.').(sublinhado nosso).
Desse modo, não podia o Sr. Juiz (de julgamento), em sede de despacho proferido no âmbito do art. 311° do CPP (quer no âmbito do ao n°1 de tal preceito, quer no âmbito do n°2), apreciar das nulidades que invoca existirem no despacho de pronúncia porquanto o despacho recorrido está a sindicar decisão judicial (de instrução) relativamente à qual ocorreu já trânsito em julgado formal.
Realce-se que do despacho de pronúncia proferido no TIC de Lisboa não foi interposto recurso por parte dos sujeitos processuais afectados com o mesmo, não tendo sido arguidas quaisquer nulidades, nos termos dos arts. 120° e 119° do CPP.
E a decisão instrutória só não admite recurso 'quando houver pronúncia de arguido pelos factos constantes da acusação do M.P., nos termos do n°1 do art.º 310° do CPP, sendo que o disposto em tal preceito 'não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas' (n°2 do art. 310° do CPP)
Decidiu-se no mesmo sentido no Ac.Rel. do Porto, de 10.05.2000, C.J., XXV, 3, 224, a saber:
'Proferido Despacho a receber a acusação deduzida pelo Ministério Público, não pode, depois, o Juiz proferir outro despacho a rejeitá-la, pois o seu poder de cognição ficou esgotado com a prolação do Despacho de recebimento'.
Desse modo, não podia o Sr. Juiz (de julgamento), em sede de despacho proferido no âmbito do art. 311° do CPP (quer no âmbito do ao n°1 de tal preceito, quer no âmbito do n°2), apreciar das nulidades que invoca existirem no despacho de pronúncia porquanto o despacho recorrido está a sindicar decisão judicial (de instrução) relativamente à qual ocorreu já trânsito em julgado formal.
Assim, não permite a lei ao Juiz de julgamento proceder a prolação do despacho nos termos em que o fez.
6. Sobre a existência de nulidades e /ou irregularidades.
Desde logo, as nulidades invocadas no despacho recorrido não elencam o núcleo das nulidades insanáveis previstas no art. 119° do CPP, ou seja, não são de conhecimento oficioso.
Não se vê que as invocadas nulidades ocorram no despacho de pronúncia, nem dos requerimentos de abertura de instrução para os quais aquele despacho remete. Em reforço da argumentação do recorrente, veja-se os fundamentos constantes do Acórdão desta 3.ª Secção do TRL, datado de 24.01.2007 (proc. 13137/04, certidão junta a fls. 1494/1522 dos autos), aqui convocável face à similitude de questões processuais ali tratadas perante situação factual análoga à dos presentes autos.
Realce-se que do despacho de pronúncia proferido no TIC de Lisboa não foi interposto recurso por parte dos sujeitos processuais afectados com o mesmo, não tendo sido arguidas quaisquer nulidades, nos termos dos arts. 120° e 119° do CPP.
O despacho recorrido determinou o arquivamento dos autos, por se ter entendido que o requerimento de abertura de instrução e o Despacho de pronúncia não cumpriam as exigências impostas pelo art. 283.°, n.° 3, al. b), do C.P.P., aplicável por força do disposto no art. 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
O Despacho de Pronúncia proferido a 07 de Julho de 2008, como verdadeira acusação em sentido material, está sujeito às exigências formais desta última como resulta do disposto no art. 287.°, n.° 2, do C.P.P., sendo certo que os requerimentos de abertura da instrução cumprem as mencionadas exigências.
Desde logo, o facto de ter sido feita remissão para os requerimentos de instrução não coloca em causa a validade do mesmo despacho de pronúncia (vd Ac do Tribunal Constitucional n.º 396/2003 de 30 de Julho de 2003, proc.485/2003, DR II série, de 4 de Fevereiro de 2004).
O Juiz de instrução entendeu e bem não existirem dúvidas de que os factos descritos nos requerimentos de abertura de instrução são, todos eles, imputados ao arguido G.
Igualmente constam dos Requerimentos de abertura de instrução que os factos descritos no mesmo indiciam a prática pelo Arguido do crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. no art. 221° do C.P.
Realizado o competente debate instrutório concluiu-se que os factos apurados e constantes do Requerimento de Abertura de Instrução indiciam por parte do Arguido a prática de um crime de burla informática e nas comunicações p. e p. no art. 221° do C.P.
Como consta do Requerimento de Abertura de Instrução da A / Recorrente, esta invocou expressamente, na pag. 8 do seu requerimento de abertura da instrução, que a actuação do arguido «tinha como objectivo perpetrar a actividade delituosa ora participada, com vista à obtenção de lucros avultados e donde resultaram elevados prejuízos para a Queixosa», pelo que não podem subsistir duvidas que imputou ao arguido uma actuação dolosa, pelo que, também a este respeito, o seu requerimento de abertura de instrução cumpre todos os requisitos legais.
Do mesmo modo, o Despacho de Pronúncia proferido nos presentes autos imputou ao Arguido uma actuação dolosa porquanto o mesmo utilizava abusivamente a rede da Recorrente, sem o consentimento e conhecimento desta, recebendo «tráfego que não lhe era destinado pelo chamador, na medida em que o chamados pretendia que a sua comunicação terminasse na rede das operadoras queixosas, e processou comunicações sem para tal estar legal e regulamentarmente habilitado».
Nem se diga também que não consta o elemento subjectivo também no requerimento de instrução da B (vd fls. 1559 a 1592). Nos seus arts 108.º a 123.º,e 152.º descreve-se o elemento subjectivo ( “os arguidos sabiam que não estavam autorizados a exercer a actividade de prestadores de serviços…”- pese embora o despacho de pronuncia apenas imputar o mencionado crime ao arguido G) bem como o crime imputado (vd arts, sendo que no art.º 140.º a 144.º ) bem como constam os arguidos a quem são imputadas as actuações ilícitas ( art.º 13.º).
No requerimento de instrução da B nos seus arts 108.º a 123.º, descreve-se o elemento subjectivo, sendo que no art.º 13.º constam os arguidos a quem são imputadas as actuações ilícitas.
No que respeita à eventual alteração da qualificação jurídica, aqui para crime mais grave, dentro do mesmo tipo de crime, o Tribunal de Julgamento poderá a alteração da mesma nos termos do disposto nos art.ºs 358.º e 359.º ambos do C.P.Penal.
Refira-se ainda que o despacho recorrido entendeu que o Arguido não poderia defender-se em julgamento sem conhecer se estaria pronunciado pelo crime p. e p. no art. 221° do C.P., sendo-lhe aplicável a pena constante do n° 1 ou 2 do citado preceito legal ou a pena aplicável no n° 5 do mesmo preceito legal, bem como não constariam dos mesmos o elemento subjectivo.
Por um lado, a prova só é exigida em sede de julgamento, para efeito de decisão condenatória, sendo bastante para a pronúncia a mera indiciação suficiente.
Por fim, não existem dúvidas em nosso entender de que os factos imputados ao arguido são subsumíveis ao crime de burla informática e nas telecomunicações, como decidido pelo Ac. da Relação de Lisboa, no Ac. de 24.01.2007 e pela Decisão Instrutória proferida em 06.07.2007 no processo que corre termos pelo 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal com o n° 8766/ 05.5TDLSB, juntos aos autos.
Daqui resulta que, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, o requerimento de abertura da instrução da Recorrente bem como o Despacho de Pronúncia cumprem todos os requisitos exigidos pelo art. 283.°, n.° 3, do C.P.P., nos termos da remissão operada pelo art. 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
Sempre se dirá que, nos termos do disposto nos n°s 1 e 3 do art. 358° do C.P.P., o Tribunal, no decurso da audiência de discussão e julgamento, tem a faculdade, caso assim o entenda necessário, de proceder à requalificação jurídica dos factos descritos no Despacho de Pronuncia, sempre com respeito pelo direito de defesa do Arguido.
No que respeita á eventual alteração da qualificação jurídica, aqui para crime mais grave, dentro do mesmo tipo de crime, o Tribunal de Julgamento poderá a alteração da mesma nos termos do disposto nos art.ºs 358.º e 359.º ambos do C.P.Penal.
Sendo certo que :
“— Para os fins dos arts. 1.º, al. f), 120.º; 284.º, n.º 1; 303.º, n.º 3; 309.º; n.' 2; 359.º, n.ºs 1 e 2 e 379.º, al. b), do CPP, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave. (Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 27 de Janeiro de 1993; DR, I série-A, de 10 de Março do mesmo ano, que mantém actualidade).
E como apontou Maia Gonçalves in Código de Processo Penal anotado, 2004, 14.ª Ed. Almedina, pags. 697-698 :
“Como resulta das considerações constantes da anot. 3, supra, o decidido neste ac. que firmou a jurisprudência não prejudica a obrigatoriedade de o arguido ser ouvido sobre a nova incriminação, quando mais grave que a da acusação ou da pronúncia. Tanto resulta dos direitos da defesa e do princípio contraditório, que têm consagração constitucional. Sucede ainda que do ac. de jurisprudência obrigatória foi interposto recurso para o T. Constitucional que, por ac. de 25 de Junho de 1997, publicado no DR, I-A série, de 5 de Agosto do mesmo ano, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral — por violação do princípio constante do n.° 1 do artigo 32.° da Constituição —, a norma ínsita na alínea f) do n.° 1 do artigo 1.° do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120.°, 284.°, n.° 1, 303.°, n.° 3, 309.°, n.° 2, 359.° n.º 1 e 2, e 379.°, alínea h), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de «assento n.° 2/93», na 1.ª série-A do Diário da República, de 10 de Março de 1993 — aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão n.° 279/95 do Tribunal Constitucional —, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão-somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa. Esta solução veio a ser consagrada legislativamente com o aditamento do n.° 3, conforme se anotou supra, anot. 3.
— Na vigência do regime do Código de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa. (Ac. do Pleno das secções criminais do STJ de 15 de Dezembro de 1999; DR, I-A série, de 11 de Fevereiro de 2000).
(…)
Importará ainda aditar uma restrição que se nos afigura inquestionável, mas de algum modo oportuna em virtude de reservas que alguma doutrina autorizada tem oposto ao n.° 3 deste art. 358.°. A alteração da qualificação jurídica dos factos a efectuar pelo tribunal, mesmo após a comunicação ao arguido a que alude o n.° 1, terá sempre que ser efectuada para crime a que corresponda moldura penal dentro da competência do tribunal e não pode retirar ao arguido sem o anuimento deste qualquer direito que a lei lhe confira, v. g. o direito de, atenta a moldura penal resultante da alteração da qualificação jurídica para que se convoca, requerer o julgamento pelo tribunal do júri “ .

VII - Termos em que, concedendo provimento ao recurso se revoga o despacho recorrido que deverá e substituído por outro que designe datas para a audiência de julgamento, seguindo os ulteriores termos.
Sem custas.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd.art.º 94.º n.º 2 C.P.P.)
Lisboa,