Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 26-05-2010   Aplicação de penas de substituição.
I. O artº 374º, nº2 do CPP impõe que na sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados. “Enumerar” ou “especificar” significa “indicar unitariamente”, ou seja, distinguir os factos uns dos outros - o que torna indispensável uma discrição individualizada dos eventos ou factos materiais. Nessa medida, quanto aos chamados antecedentes criminais, torna-se necessário indicar em relação a cada processo ou condenação, os elementos distintivos do crime, data do cometimento, pena aplicada, data da respectiva condenação e a data do trânsito em julgado da sentença.
II. Como corolário do disposto nos artºs 43º, nº1, 44º, nº1, 40º, nº1, 45º, nº1, 50º, nº1 e 58º, nº1, todos do Código Penal, tem necessariamente que entender-se que a apreciação e a aplicação de uma das penas de substituição constituem um verdadeiro poder-dever do tribunal.
III. Verificando-se a susceptibilidade de preenchimento dos pressupostos formais (pena inferior a 2 anos e consentimento do arguido para a prestação de trabalho, pena de prisão inferior a 1 ano para a substituição por multa e para a pena de prisão por dias livres) o tribunal tem o dever de perspectivar e de fundamentar o afastamento da aplicação, não só da substituição por multa, como da suspensão de execução da pena de prisão, mas também da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e da prisão por dias livres.
IV. No caso, a sentença afastou a aplicação da suspensão de execução, mas nada diz quanto à possibilidade de substituição da prisão por pena de multa, ou pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ou quanto à possibilidade de aplicação da prisão por dias livres. Omitiu-se, assim, a apreciação e decisão de uma questão cujo conhecimento a lei impõe, o que se resolve numa omissão de pronúncia determinante de nulidade da sentença (artº 379º, nºa, al.c) do CPP cfr. artº 660º, nº2, do CPC, aplicável ex vi artº 4º do CPP).
Proc. 310/08.9GFVFX.L1 3ª Secção
Desembargadores:  João Lee Ferreira - Maria José Costa Pinto - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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Rec. 310/08.9GFVFX.L1
Acordam, em conferência, os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I- RELATÓRIO
Por sentença proferida no processo comum 310/08.9GFVFX por tribunal singular no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, o arguido A, sofreu condenação pelo cometimento de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º nº 1 alínea b) do Código Penal, na pena de dez meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso pedindo a revogação da decisão e aplicação de suspensão da execução da pena ou da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Na resposta, o Ministério Público na primeira instância concluiu pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi recebido com o efeito devido.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer concluindo que em face da aplicação de uma pena de dez meses de prisão, impunha-se ao tribunal que fundamentasse a opção de afastar a opção por qualquer outra medida substitutiva da pena de prisão, das previstas nos artºs. 44º, 45º, 46º e 58º do CP, e, não o tendo feito, afigura-se ocorrer omissão de pronúncia, mas uma vez que o tribunal de recurso dispõe dos elementos necessários para proferir decisão, deverá ser substituída a pena de dez meses de prisão pela medida de prisão por dias livres prevista no artigo 45º do Código Penal.
Recolhidos os “vistos” e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II - FUNDAMENTOS
Para compreensão e análise da questão a decidir, impõe-se considerar em primeiro lugar a sentença recorrida, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer na escolha e determinação da medida concreta da pena.
O tribunal decidiu considerar provados os seguintes factos (transcrição):
1)Na sequência da apreensão do veículo automóvel marca Fiat, modelo …, matricula…., efectuada pela PSP de Vila Franca de Xira, em 29 de Julho de 2008, o arguido recebeu o mesmo como fiel depositário;
2) Do auto de apreensão, que o arguido assinou, consta expressamente que a utilização ou alienação do veículo o faria incorrer em crime de desobediência.
3) Apesar de ter ficado ciente das consequências da utilização do veículo, no dia 28 de Setembro de 2008, pelas 3.oo horas, o arguido conduzia o mesmo na IC2, na localidade de …., área desta comarca.
4) O arguido, com a descrita conduta, teve o propósito de desobedecer a uma ordem que sabia ser legitima, porque emanada de uma autoridade policial, proferida em matéria da sua competência, que lhe fora transmitida regularmente por agente da PSP e que constava expressamente do auto de apreensão do veiculo.
5) O arguido agiu de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.
6) O arguido trabalha como …., aufere cerca de € 600, vive sozinho e paga cerca de € 150 de renda de casa.
7) O Arguido está desempregado e apenas efectua biscates onde aufere cerca de € 100mensais.
8) O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 66 a 84 que de dá por integralmente reproduzido, tendo cumprido pena de prisão de prisão cuja liberdade condicional lhe foi concedida em 11.06.2007.
O tribunal recorrido fundamentou a escolha e a medida concreta da pena pela seguinte forma (transcrição):
A pena a aplicar ao crime previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1 do Código Penal é a prisão até 1 ano ou a multa até 120 dias.
Da conjugação com o disposto nos art.ºs 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1 do Código Penal resulta a seguinte moldura abstracta das penas em questão: 1 mês 1 ano de pena de prisão ou 10 dias a 120 dias de multa.
Dada a alternatividade das penas importa, desde já, optar entre a pena privativa de liberdade e apena pecuniária. A este propósito dispõe o art.º 70º do Código Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade atendendo certamente ás constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinserido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma
efectiva socialização”.
Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas – previstos no art.º 40º, n.º 1 do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estes fins – comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de
integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização...
No caso dos presentes autos, os inúmeros antecedentes criminais do arguido não permitem que este Tribunal efectue um juízo de prognose favorável quanto ao efeito de uma condenação em pena de multa sobre a futura conduta do Arguido.
Em face do exposto, opta-se pela aplicação de uma pena de prisão. Imporá agora proceder à determinação da medida concreta da pena. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art.º 71º, n.º 1 do Código Penal.
Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal.
Assim, no caso sub judice, ponderar-se-ão: - a ilicitude do facto, elevado, atenta a gravidade do atentado contra a autoridade pública;- a forte intensidade do dolo, que é directo; - a personalidade revelada pelo Arguido – que revela completa inadequação na manutenção de uma conduta conforme ao direito;- as condições pessoais do Arguido e a sua situação económica, acima referidas;
- o seu comportamento anterior ao facto – à data da prática do facto tinha um vasto passado criminoso. Constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena, fornece-nos o quantum máximo de pena que ao Arguido pode ser aplicado.
No que à culpa concerne actua em desfavor do Arguido a intensidade do dolo. As exigências de prevenção geral positiva são relevantes atenta a necessidade de reprimir este tipo de condutas, cada vez mais frequentes, atentatórias do respeito e obediência devida à Autoridade Pública. Urge, portanto, repor a confiança da comunidade na efectiva vigência da norma que foi violada. Acresce, ainda, que a violação reiterada de comandos que as exigências preventivo-especiais são elevadas.
Assim sendo, o limiar mínimo de prevenção geral impõe a aplicação de uma pena que se situe bastante acima do meio da moldura penal.
Em face do exposto entende este Tribunal como adequada e suficiente a pena de 10 meses de prisão.
Estabelece o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Esta é uma medida de carácter pedagógico e reeducativo, que pressupõe, por parte do julgador, um juízo de prognose favorável ao arguido. Na verdade, o legislador consciente dos inconvenientes decorrentes da privação da liberdade, quer ao nível da desagregação profissional, social e familiar (com repercussões necessariamente para o agregado familiar do arguido), quer pensando na estigmatização decorrente da situação de “ex-presidiário”, concedeu ao arguido uma nova oportunidade de evitar a
institucionalização.
Para beneficiar da suspensão da pena de prisão é necessário, por um lado, que estejamos perante uma pena de prisão não superior a cinco anos e, por outro lado, que a ameaça da pena e a censura do facto sejam suficientes para satisfazer os fins das penas, ou seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Importa, neste ponto, não esquecer que a pena visa, primordialmente, a protecção de bens jurídicos seguindo-se-lhe, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade. Para alcançar este desiderato o julgador pode mesmo submeter o arguido ao cumprimento de determinados deveres ou à observância de certas regras de conduta. Porém, não cremos que a efectiva ameaça de execução de uma pena privativa de liberdade seja adequada e suficiente para que o arguido não mais adopte condutas violadoras do direito, atendendo a que o arguido já cumpriu um elevado tempo de prisão, encontrando-se inclusivamente em liberdade condicional e, não obstante isso, voltou a incorrer em prática de crime passado apenas um ano de ser libertado.
Deste modo, não nos sendo possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido impõe-se o cumprimento efectivo da pena de 10 meses de prisão que lhe foi aplicada.
No seu recurso, o arguido apresenta as seguintes conclusões:
A-A determinação da medida da pena deveria ter sido feita de acordo com o art.° 71° do C.P., dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente, considerando as exigências de prevenção de futuros crimes.
B-A pena aplicada ao arguido, de 10 meses de prisão efectiva, é excessiva, desajustada e inadequada.
C-A medida concreta da pena deverá atender aos critérios da prevenção nomeadamente a da reinserção do agente na comunidade.
D- A pena deve, em toda a medida do possível, servir a integração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua reinserção social, só deste modo e por esta via se alcançará uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
E-O Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena não privativa da liberdade, pois esta prevalece sobre a pena de prisão efectiva e, deste modo, cumpriria as funções de reintegração social do arguido, ora recorrente.
F-As penas de prisão efectiva apresentam múltiplos inconvenientes que superam em muito as suas vantagens;
G-Correndo-se o risco de impedir definitivamente a reintegração social do arguido ora recorrente.
H - É nula a sentença por não ter apreciado os pressupostos para substituição da pena por trabalho a favor da comunidade, por força do disposto na alínea e) do artigo 379.° do Código Processo Penal.
I- Devendo a decisão ser revogada e substituída por outra não privativa da liberdade que consagre o regime jurídico de suspensão da execução da pena, sujeitando-se ao recorrente as regras de conduta previstas no art.º 52° n.°s 1 e2 do C.P. ou pela substituição de trabalho a favor da comunidade previsto no artigo 58.° do Código Penal.
*
Como é por demais sabido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente não contesta o enquadramento jurídico-penal dos factos da sentença recorrida ao concluir que o arguido incorreu no cometimento em autoria material de um crime de desobediência do artigo 348º, nº1, alínea b) do Código Penal e, invocando nulidade por omissão de pronúncia, restringe o recurso à matéria das consequências jurídicas do crime.
Impõe-se contudo suscitar questão prévia.
Com efeito, assume particular relevância neste processo a ponderação dos elementos de facto susceptíveis de permitir uma decisão justa e conscienciosa quanto a saber se se deve proceder a substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade ou se se deve aplicar a suspensão de execução da pena de prisão.
Naturalmente que a intensidade das exigências de prevenção especial decorre desde logo de factos que permitam considerações quanto aos níveis de preparação escolar e para a vida activa, quanto à actual inserção profissional, modo de vida e preocupações sociais ou sobre as ligações familiares e laços afectivos.
Intuitivamente aceitamos que serão tanto mais atenuadas ou mitigadas as exigências de prevenção especial quanto mais intensas forem as ligações afectivas e os laços familiares a entes queridos e quanto maiores forem as perspectivas de uma vida profissional efectiva e estabilizada, com uma “adequada” remuneração.
Para tanto, revela-se imprescindível saber um mínimo de elementos que permitam saber qual a actual actividade profissional do agente do crime, se o seu vínculo profissional tem uma natureza precária ou efectiva, bem como a expressão económica das contrapartidas auferidas.
Ora, logo neste âmbito tão relevante para a escolha da pena, o texto da sentença recorrida contem dois parágrafos incompatíveis:
“6) O arguido trabalha como motorista de um pronto socorro, aufere cerca de € 600, vive sozinho e paga cerca de € 150 de renda de casa.
7) O Arguido está desempregado e apenas efectua biscates onde aufere cerca de € 100mensais.”
Sem necessidade de mais considerandos, forçoso se torna concluir que aquelas frases definem realidades inconciliáveis sobre a concreta situação profissional e económica do arguido: pelo menos sem uma melhor explicação, não se pode logicamente considerar provado, para uma mesma ocasião, que uma pessoa se encontra desempregada e que trabalha como motorista, ou que aufere “cerca de € 600” e que recebe apenas “cerca de € 100 mensais”.
Uma vez que, a propósito, inexistem outros elementos na sentença, trata-se de uma incompatibilidade entre factos provados que não poderá ser esclarecida através da própria decisão recorrida.
Todos concordaremos que, para mais se existirem antecedentes criminais ou uma situação recente de cumprimento de uma pena de prisão, assume particular relevância para a eventual aplicação de uma pena de prestação de trabalho ou de prisão por dias livres, saber se o arguido se encontra actualmente desempregado ou com vínculo laboral efectivo e quais os meios económicos de subsistência de que dispõe.
Nessa perspectiva, aquela antinomia entre os termos da matéria fáctica considerada provada nos pontos 6 e 7 inviabiliza a decisão num aspecto particular da causa e só poderá eventualmente ser enfrentada e decidida com repetição ou aprofundamento de meios de prova.
Em conclusão, verifica-se uma contradição insanável na fundamentação de facto da sentença recorrida. Este erro constitui um vício decisório, de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso (artigo 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal e, quanto ao conhecimento oficioso, o Acórdão do S.T.J de fixação de jurisprudência nº 7/95, no DR 28 de Dezembro de 1995 e, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 4 de Outubro de 2001, Cons. Carmona da Mota, C.J., III)
A ocorrência desta oposição entre a fundamentação determinaria, sem mais, a necessidade de reenvio do processo para reapreciação dos elementos de facto referentes à situação económica e profissional do arguido.
Porém, ainda assim, entende-se útil alertar desde já para a verificação de dois outros vícios na sentença recorrida, ambos de conhecimento oficioso, sendo um na matéria de facto e outro em sede de enquadramento jurídico-penal nas consequências do crime.
O primeiro desses outros dois vícios relaciona-se igualmente com matéria relevante para a escolha da espécie da pena e decorre do texto do ponto 8 da decisão sobre a matéria de facto provada onde ficou a constar o seguinte texto “8) O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 66 a 84 que de dá por integralmente reproduzido, tendo cumprido pena de prisão de prisão cuja liberdade condicional lhe foi concedida em 11.06.2007.”
Com efeito, em primeiro lugar, a sentença, pela própria natureza de acto processual de particular importância, deve constituir uma peça ou acto processual “auto-suficiente” e compreensível por si mesmo. De outro modo, sempre faltariam elementos necessários para a perfeita compreensão da decisão a quem a consultasse fora do processo, designadamente em qualquer notificação, comunicação a entidades oficiais ou pelo livro de registos da secretaria judicial.
Mas bem mais importante consiste aqui em realçar que, pela via da remissão para um elemento externo como o teor do certificado do registo criminal, o tribunal não cumpre o dever de fundamentação próprio da sentença em procedimento criminal.
Com efeito, como é sabido, impõe o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal que na sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados. Ora, “enumerar” ou “especificar” significa “indicar unitariamente”, ou seja, distinguir os factos uns dos outros. Por isso se torna indispensável uma descrição individualizada dos eventos ou factos materiais.
Assim, quanto aos chamados antecedentes criminais, torna-se necessário indicar em relação a cada processo ou condenação, os elementos distintivos do crime, data de cometimento, pena aplicada, data da respectiva condenação e a data do trânsito em julgado da sentença.
Com efeito, numa situação em que o tribunal tem de optar por uma pena de prisão efectiva ou por uma pena não detentiva, todos estes elementos são muitos importantes para saber, designadamente, da gravidade dos crimes cometidos, qual o espaço temporal em que ocorrem, se existe eventual concurso de infracções ou mera sucessão de crimes, se as penas se encontram extintas pelo cumprimento. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2008, Relator Des. Telo Lucas, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl (…) Entre os requisitos a que deve obedecer a sentença penal assume especial relevância o que diz respeito à fundamentação, no âmbito do qual se inclui, para além do mais, a enumeração dos factos provados (art. 374.º, n.º 2 do CPP);II – Pelo menos nos casos em que as anteriores condenações sofridas pelo arguido constituem um factor determinante na aplicação de uma pena de prisão efectiva, exige-se que na enumeração dos factos provados se faça uma referência expressa a essas condenações, com inclusão, nomeadamente, das respectivas datas, espécie, “quantum” e eventual cumprimento da pena (ou penas), bem como do crime que esteve na origem de cada uma delas.III–É, pois, nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2 do CPP, a sentença cuja fundamentação se limitou, no que diz respeito aos antecedentes criminais – relevantes para a escolha da pena – a uma mera remissão para o certificado do registo criminal do arguido junto aos autos;IV – Essa nulidade, tal como todas as demais taxativamente previstas no art. 379.º do CPP, é de conhecimento oficioso.
O segundo vício existente na sentença decorrida relaciona-se ainda com a apreciação da escolha da espécie da pena.
Como tem sido insistentemente salientado na doutrina e jurisprudência, em matéria de escolha e de substituição da pena e como decorrência dos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade1, a lei substantiva estabelece um critério geral segundo o qual a opção por uma pena de substituição depende fundamentalmente de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva. Por isso se conclui sempre que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias2.
Este entendimento mereceu expressa consagração no nosso Código Penal: O artigo 43º nº 1 estabelece que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, salvo se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes , o artigo 44º nº 1 estatui que, com o consentimento do condenado, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano pode ser executada em regime de permanência na habitação, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, como definido no artigo 40º nº 1 sempre que por essa via for possível alcançar e garantir a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, também o artigo 45º nº 1 determina que a pena de prisão aplicada em medida concreta não superior a um ano é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assim como o artigo 50º, manda suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o artigo 58 nº 1 estatui que, se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal a substitua por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como corolário destas disposições substantivas, tem necessariamente de entender-se que a apreciação e a aplicação de uma das penas de substituição constituem um verdadeiro poder-dever do tribunal.
Com efeito, verificando-se a susceptibilidade de preenchimento dos pressupostos formais (em síntese, pena inferior a dois anos e consentimento do arguido para a prestação de trabalho, pena de prisão inferior a um ano para a substituição por multa e para a pena de prisão por dias livres) o tribunal tem o dever de perspectivar e de fundamentar o afastamento da aplicação, não só da substituição por multa, como da suspensão de execução da pena de prisão, mas também da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e da prisão por dias livres (vide neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2007, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa in www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Janeiro de 2008, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt , Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Janeiro de 2010, relatado por Maria José da Costa Pinto, juíza Adjunta no presente Acórdão, in www.dgsi.pt).
No caso presente, está em causa a aplicação de uma pena de dez meses de prisão e verifica-se o pressuposto formal para aplicação quer da suspensão de execução, quer da prestação de trabalho a favor da comunidade, quer da pena de prisão por dias livres.
A argumentação da sentença recorrida afastou a aplicação da suspensão de execução mas despreocupou-se completamente quanto à possibilidade de substituição da prisão por pena de multa, ou pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e omitiu qualquer referência à possibilidade de aplicação da prisão por dias livres.
Deste modo, o tribunal omitiu a apreciação e decisão quanto a uma questão cujo conhecimento a lei impõe, verificando-se omissão de pronúncia e, por via disso, causa de nulidade da sentença (art. 379.º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal cfr. o art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal).
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III - DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso do arguido e, em consequência, determinam o reenvio do processo para novo julgamento restrito à questão da eventual substituição da pena de dez meses de prisão, ou de um diferente regime de cumprimento (artigos 43º nº 1, 44º nº 1, 45º, 46º e 58º, todos do Código Penal), procedendo-se a sanação da contradição na fundamentação apontada, após produção da prova suplementar que for tida por necessária, designadamente da elaboração de relatório social.
Lisboa, 26 de Maio de 2010.
Documento elaborado pelo relator e integralmente revisto por quem o subscreve

João Carlos Lee Ferreira

Maria José da Costa Pinto