-
ACRL de 09-06-2010
Deficiente gravação da prova - nulidade, prazo de arguição, prazo de interposição de recurso, aferição do valor probatório do depoimento inaudível. Artº 410º do CPP.
I. Verificando-se que os suportes de registo de alguns dos depoimentos prestados por testemunhas se mostram parcialmente imperceptíveis, devido a deficiências no sistema de gravação, tais deficiências, são equiparáveis à ausência de registo da prova (artºs 363º e 364º, nº1 do CPP), uma vez que um registo cujo conteúdo não se consegue apreender vale tanto como nenhum registo.
II. A nulidade cominada pelo artº 363º do CPP – quer na vertente de omissão pura e simples do registo da prova, quer na da sua imperceptibilidade – é sanável, sendo o seu conhecimento dependente de arguição.
III. Efectuando-se a gravação da prova no decurso da audiência, as deficiências de que a mesmo possa enfermar não são normalmente perceptíveis pelas pessoas presentes, pelo que não é exigível aos sujeitos processuais a arguição da nulidade no próprio acto.
IV. Encontrando-se o princípio da prova pessoal produzida em julgamento funcionalmente associado ao direito de interpor recurso da decisão sobre a matéria de facto, deverá entender-se que a arguição da nulidade de meios de prova, com fundamento na imperceptibilidade do respectivo registo, está condicionada ao mesmo prazo que a interposição de recurso sobre a matéria fáctica, que envolva a reapreciação da prova gravada.
V. Efectuada a audição do registo dos meios de prova, verifica-se que relativamente a dois depoimentos, apesar da respectiva gravação apresentar deficiências técnicas, as declarações mostram-se, no essencial, audíveis. Um outro depoimento encontra-se em grande parte imperceptível, o que determinará a sua nulidade. No entanto, decorre do processo que a testemunha cujo depoimento se encontra inaudível se limitou, no quadro da investigação, ao acompanhamento das escutas telefónicas, sem que tenha tido intervenção nas diligências exteriores. Ora, a valoração do material probatório através de escutas telefónicas incumbe, naturalmente, ao tribunal a não a qualquer das testemunhas.
VI. Nessa medida, atenta a concreta razão de ciência em que se baseou o depoimento testemunhal em referência, o mesmo não é de molde a relevar de forma determinante na convicção do tribunal, sendo-lhe possível conhecer do mérito dos recursos independentemente do depoimento em questão.
VII. Assim, tendo presente a associação funcional entre o registo da prova pessoal e o direito ao recurso da decisão sobre a matéria de facto, bem como o princípio da conservação dos actos processuais imperfeitos cuja repetição não se mostre indispensável, que marca todo o direito processual, importa concluir que não se justifica a repetição do depoimento em causa, pelo que o Tribunal conhecerá do mérito do recurso sem necessidade de reenviar o processo à primeira instância para repetição do dito depoimento inaudível.
VIII. O vício previsto na al.a) do nº2 do artº 410º ocorre quando a matéria de facto assente apresente lacunas que obstam a uma justa decisão da causa, sem que o tribunal tenha esgotado os poderes-deveres que lhe incumbem, nos termos da lei de processo, em ordem à averiguação dessa factualidade.
IX. Por seu turno, erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido aos olhos de uma pessoa comum e tem lugar quando, em face do texto da decisão, das regras da experiência comum e da lógica corrente, seja manifesto que a conclusão probatória a extrair deveria ter sido outra que não aquela que o julgador retirou. Se o recorrente apenas se opõe à valoração probatória feita pelo tribunal, por entender ser outra a conclusão a extrair, tal discussão releva da impugnação da matéria de facto, nos termos do nº3 do artº 412º do CPP, mas não do vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Proc. 189/06.5JELSB.L1 3ª Secção
Desembargadores: Sérgio Corvacho - Maria José Machado - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
|