Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 09-03-2011   TIR – a indicação de morada alternativa para efectuar as notificações consubstancia uma faculdade e não uma obrigação.
I.Com a alteração introduzida pela Lei nº59/98, de 25/8, ao nº2 do artº 196º do CPP, passou claramente a permitir-se que o arguido possa, se o desejar, ser notificado em local diferente do da sua residência. O Dec. Lei nº320-C/2000, de 15/12, apesar de ter dado uma nova redacção ao mencionado preceito, manteve aquela faculdade concedida ao arguido.
II. Os diplomas referidos limitam-se, pois, a conceder ao arguido uma faculdade e não a impor-lhe qualquer dever de apontar uma morada alternativa. Por essa razão, não se pode sustentar que a omissão de indicação de um local alternativo para efectuar as notificações implique a invalidade do TIR e, consequentemente, acarrete a irregularidade da notificação do arguido efectuada na residência nele indicada.
Proc. 186/06.0GBCLD 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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Processo n.º 186/06.0GBCLD – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – O Ministério Público, no termo da fase de inquérito deste processo, deduziu acusação contra os arguidos A e B imputando-lhes a prática, em co-autoria, de dois crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (fls. 131 a 134).
Remetido o processo para a fase de julgamento, veio a ser proferido o despacho (fls. 154 e 155) que, na parte para este efeito relevante, se transcreve:
«Vieram os presentes autos remetidos à distribuição com vista ao recebimento da acusação e ao agendamento da audiência de discussão e julgamento.
No entanto os autos não estão em condições de seguir para a fase de julgamento porquanto a arguida não se encontra devidamente notificada da acusação.
Vejamos:
A arguida prestou TIR a fls. 68.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 196.º do Código Penal ao prestar TIR o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha para efeitos de ser notificado mediante via postal simples.
O texto do actual n.º 2 do artigo 196.º do Código de Processo Penal foi introduzido pela reforma levada a cabo em 2000 tendo então ficado expressa a possibilidade de o arguido poder ser notificado mediante via postal simples.
No âmbito da mesma reforma foram introduzidas alterações de monta ao termo de identidade e residência, tendo o n.º 3 desse artigo 196.º passado a especificar o seu conteúdo, nomeadamente aquelas que constam da alínea c).
Ora, no TIR prestado pela arguida não se encontra indicada qualquer morada para efeitos de notificação pelo que o mesmo não se encontra regularmente prestado.
A acusação foi notificada à arguida[s] através da via postal simples para a morada indicada como sendo a da sua residência uma vez que esta, repete-se, não indica qualquer morada para efeitos de recebimento de notificações. Assim, não sendo regular o TIR prestado pela arguida, a notificação efectuada não tem validade, o que implica não estarem os autos em condições de seguirem para a fase de julgamento.
Destarte, face ao exposto, determino a remessa dos autos ao Ministério Público».

2 – O Ministério Público interpôs recurso desse despacho (fls. 157 a 161).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
a) «O despacho de saneamento do processo, previsto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, no caso de não ter havido instrução, tem como conteúdo o conhecimento dos pressuposto processuais, nulidades e irregularidades, incluindo os vícios da acusação, e de questões prévias ou incidentais de que o tribunal possa conhecer oficiosamente;
b) Atento o princípio da legalidade que vigora em matéria de nulidades (artigo 118.º do CPP), do elenco das nulidades insanáveis previsto no artigo 119.º do supra citado diploma legal, não figura a falta de notificação da acusação ao arguido;
c) De igual modo, tal falta de notificação não figura no rol das nulidades sanáveis previstas no artigo 120.º do CPP sendo omisso o artigo 283.º quanto às consequências da falta ou irregularidade de notificação, pelo que tal falta constituirá mera irregularidade.
d) Assim, «(…), nem o juiz de instrução nem o juiz de julgamento podem controlar oficiosamente a irregularidade do procedimento de notificação adoptado pelo Ministério Público».
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a decisão recorrida substituída por outra que receba a acusação e designe data para realização da audiência de discussão e julgamento.
Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, com o habitual elevado saber, assim se fazendo Justiça».

3 – Não foi apresentada qualquer resposta à motivação do Ministério Público .

4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 162.

5 – O Sr. procurador-geral-adjunto emitiu o parecer de fls. 168 e 169 no qual sustentou que o recurso devia ser julgado procedente.

6 – Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

II – FUNDAMENTAÇÃO
7 – De acordo com o n.º 1 do artigo 311.º do Código de Processo Penal, «[r]ecebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer».
Embora o legislador não se lhes tenha referido expressamente, desta disposição, conjugada com o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, resulta que compete ao juiz de julgamento apreciar, no despacho que designa dia para julgamento, as irregularidades processuais desde que a sua reparação possa ser oficiosamente ordenada, ou seja, quando a irregularidade do acto praticado puder afectar o seu valor.
Por isso, no nosso modo de ver, a irregularidade da notificação da acusação à arguida pode ser apreciada pelo juiz de julgamento no momento em que ele profere o despacho a que se reportam os artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal, podendo ele, caso verifique que foi praticada uma tal irregularidade, ordenar a sua reparação.

8 – Isto, contudo, não quer dizer que a concreta irregularidade apontada no despacho recorrido tenha sido praticada e que, consequentemente, tenha algum fundamento legal a decisão de devolver os autos ao Ministério Público para que se proceda à sua reparação.
A redacção originária do Código de Processo Penal de 1987, embora admitisse que o arguido pudesse ser notificado no lugar em que fosse encontrado [artigo 113.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal], assumia como regra que ele devia ser notificado na sua residência, caso ela se situasse na área da comarca onde corria o processo. Caso a residência se situasse fora dessa circunscrição, impunha ao arguido o dever de indicar pessoa que, residindo nela, tomasse o encargo de receber as notificações que lhe deveriam ser feitas (n.º 2 do artigo 196.º).
Aquela solução veio a ser alterada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que, ao alterar a redacção do n.º 2 do artigo 196.º do Código de Processo Penal, passou a admitir, na primeira parte desta disposição legal, que, «[p]ara o efeito de ser notificado, o arguido [possa] indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha», com o que claramente passou a permitir que o arguido possa, se o desejar, ser notificado em local diferente do da sua residência. Apesar de o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, ter dado uma diferente redacção àquele preceito, manteve a faculdade concedida ao arguido de escolher um local diferente do da sua residência para ser notificado pelo tribunal.
Uma vez que os diplomas atrás referidos se limitaram a conceder uma faculdade ao arguido, não lhe impondo qualquer dever de apontar uma morada alternativa, não se pode sustentar que a omissão de indicação de um local alternativo para efectuar as notificações implique a invalidade do termo de identidade e residência e, consequentemente, acarrete a irregularidade da notificação da arguida feita na residência dele constante.
Por isso, o recurso interposto pelo Ministério Público não pode deixar de proceder.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido e determinando que ele seja substituído por outro que aprecie as demais questões enunciadas nos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Março de 2011

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)