Averiguando-se a prática de crimes de roubo dos quais foram vítimas rapazes com idades compreendidas entre os 13 e os 14, considerando o artº3º da Convenção dos Direitos das Crianças - que faz impender sobre o Estado um especial dever de garantir a sua protecção -, o carácter violento dos factos e a especial vulnerabilidade dos ofendidos em função da idade, impõe-se que sejam tomadas as medidas processuais adequadas à sua protecção e integridade bem como à genuinidade e autenticidade dos respectivos depoimentos. Nessa medida, é de validar a decisão do MP de sujeitar o processo a segredo de justiça.
Proc. 308/11.0pslsb-B.L1 3ª Secção
Desembargadores: Teresa Féria - Carlos Almeida - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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Proc. n° 308/ 11. OPSLSB — B.L1
Acordam em Conferência
na 3' Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1
Nestes Autos foi proferido Despacho de não validação da decisão do Ministério Público de os sujeitar a segredo de justiça.
II
Inconformada, a Digna Magistrada do Ministério Público interpõs o presente recurso. Da respectiva Motivação retira as seguintes Conclusões:
1- A aplicação aos autos do segredo de justiça teve em conta a especial vulnerabilidade das vítimas em razao da idade, aliada à natureza violenta dos Factos de que foram alvo que ainda mais as vulnerabiliza carecendo tais vítimas da maior protecção exigível mormente em termos de privacidade.
2- O Mmo Juiz não validou a sujeição dos autos a segredo de justiça, e em vez de efectuar uma ponderação em concreto da eventual violaçao dos direitos de defesa dos arguidos face ao regime de segredo de justiça, quis substituir-se ao próprio M°P° no que diz respeita às razões que o levaram à aplicação de tal regime aos autos.
3- O despacho recorrido padece de fundamentação legal, violando as arts. 36° n°3 do CPP, o art. 32° n°5 e 219° n°1 e n° 2 da CRP
4- Termos em que deverá o douto despacho, em crise ser revogado e substituído por outro, que valide o segredo de justiça determinado nos autos pelo M°P°,
Assim decidindo Vossas Excelências farão Justiça.
III
Não houve lugar a resposta do Arguido.
IV
Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta considera que o recurso deve ser julgado procedente.
V
Colhidos os Vistos, e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:
É do seguinte teor o Despacho recorrido:
Neste momento a idade dos ofendidos ou a natureza dos crimes em investigação não justificam, sem mais, a sujeição dos Autos a segredo de justiça (art. 86° n°3 do CPP).
(...)
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Nestes Autos de Inquérito averiguam-se factos relativos à prática pelos Arguidos de quatro crimes de roubo simples, praticados no mesmo dia - 09.02.11 - e dos quais foram vítimas quatro rapazes de idades compreendidas entre os 13 e os 14 anos.
Aquando do seu primeiro interrogatório judicial, foi decidido aplicar a medida de coação de prisão preventiva a um dos Arguidos, e ao outro a medida de proibição de se ausentar do Centro Educativo onde se encontrava internado. Posteriormente, veio a ser determinada a emissão de mandados de detenção contra este mesmo Arguido.
Nesta sequência, entendeu o Ilustre titular do Inquérito, ao abrigo do disposto no artigo 86° n°3 do CPP, 'determinar a aplicação aos Autos do segredo de justiça» em função da idade dos ofendidos e a natureza dos factos praticados.
Analisados os Autos, constata-se que as vítimas dos factos a que se reportam estes Autos não perfizeram, ainda, 18 anos de idade.
Pelo que haverá que ter em consideração o disposto no artigo 3° da Convenção dos Direitos das Crianças, Tratado Internacional que, por força da sua ratificação, constitui direito interno de natureza constitucional. O referido normativo daquele Tratado faz impender sobre o Estado, de que os Tribunais são um órgão, um especial dever de garantir a sua protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar.
Ora, o carácter violento dos factos em averiguação nestes Autos e a natureza especialmente vulnerável dos ofendidos, em função da sua idade, impõe que sejam tomadas as medidas processuais adequadas a garantir a protecção da integridade fisica dos ofendidos e simultaneamente a genuinidade e autenticidade dos seus depoimentos.
E sem prejuízo de nestes Autos serem tomadas as medidas legalmente previstas para protecção destas testemunhas, considera-se que, durante a fase de Inquérito, estes Autos devem estar sujeitos a segredo de justiça, como foi requerido pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
IV.
Termos em que se acorda em concedendo provimento ao recurso, se decide revogar o Despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que valide a decisão do Ministério Público de sujeitar os presentes Autos de Inquérito a segredo de justiça
Sem Custas
Feito em Lisboa, neste Tribunal da Relação aos 22 de Junho de 2011
(Maria Teresa Féria de Almeida)
Relatora
(Carlos Rodrigues de Almeida)
Adjunto