I. Na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Lei do Cheque), o legislador descreve quatro diferentes modalidades de conduta e um mesmo resultado típico (que consiste no não pagamento do cheque que acarreta o prejuízo patrimonial), conduta e resultado ligados por um nexo de imputação.
II. Os elementos desses quatro tipos objectivos podem ser descritos do seguinte modo:
1. O levantamento, antes ou depois da emissão de um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, dos fundos necessários para o efeito, assim o impedindo;
2. A proibição, antes ou depois da emissão de um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, de a instituição sacada proceder ao respectivo pagamento, assim o impedindo;
3. O encerramento da conta sacada antes ou depois de ter sido entregue a outra pessoa um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, assim o impedindo;
4. A alteração, por qualquer modo, das condições da movimentação de uma conta bancária, assim impedindo o pagamento de um cheque emitido, antes ou depois, para pagamento de quantia superior a 150 €.
III. Acresce que, em todos os casos, a falta de pagamento do cheque consubstancia um prejuízo patrimonial para o tomador ou para terceiro imputável ao comportamento do agente.
Proc. 3984/08.7TDLSB 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Processo n.º 3984/08.7TDLSB – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A imputando-lhe a prática de três crimes de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro (fls. 148 a 151).
O “Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A.” deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido requerendo que o mesmo fosse condenado no pagamento do valor do cheque emitido a seu favor, acrescido das despesas bancárias provocadas pela sua devolução (fls. 158, 39 e 40).
Remetido o processo para julgamento, veio a ser realizada audiência no fim da qual o tribunal, por acórdão de 7 de Dezembro de 2010 (fls. 220 a 229), decidiu:
a) Absolver o arguido da prática de um dos três crimes que lhe tinham sido imputados.
b) Condenar o arguido pela prática de dois crimes de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, na pena, por cada um deles, de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €;
c) Condenar o arguido, em cúmulo, na pena única de 140 dias de multa à mesma razão diária, o que perfaz o montante global de 700 €.
d) Absolver o arguido do pedido de indemnização civil que contra ele tinha sido deduzido pelo “Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A.”.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
1. No dia 02.04.2008, o arguido assinou e entregou na sua casa, em Santarém, a um funcionário dos CTT, para pagamento de um telemóvel, que havia adquirido à Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais S.A. através da internet e que mandou entregar à cobrança na sua casa, o cheque n.º 5660575506, no valor de 719,79 €, sacado sobre a conta n.º 00, do Banco Espírito Santo;
2. Os elementos apostos no cheque foram preenchidos por si, que o assinou e entregou ao funcionário dos CTT;
3. Tal cheque, endossado pelos CTT à Vodafone, destinava-se ao pagamento de equipamento telefónico adquirido pelo arguido através da internet, Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., ficando esta convencida de que o título era imediatamente convertível em dinheiro;
4. No entanto, apresentado a pagamento na agência da CGD – Lisboa, foi o mesmo devolvido com a indicação aposta de 'falta de provisão', situação verificada no dia 08.04.2008, conforme teor de fls. 5 que aqui se dá por reproduzido;
5. No dia 28.03.2008, o arguido assinou e entregou na sua casa a um funcionário dos CTT o cheque n.º 000, no valor de 559,89 €, sacado sobre a conta n.º 00, do Banco Espírito Santo;
6. Os elementos apostos no cheque foram preenchidos por si, que o assinou e entregou ao funcionário dos CTT;
7. Tal cheque, endossado pelos CTT à Vodafone, destinava-se ao pagamento de equipamento telefónico, adquirido pelo arguido através da internet, Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., ficando esta convencida de que o título era imediatamente convertível em dinheiro;
8. No entanto, apresentado a pagamento na agência da CGD – Lisboa, foi o mesmo devolvido com a indicação aposta de 'falta de provisão', situação verificada no dia 03.04.2008, conforme teor do documento de fls. 15 que aqui se dá por reproduzido;
9. No dia 06.07.2008, o arguido assinou e entregou na 'Feira Nova Hipermercados, S.A.', de Santarém, o cheque n.º 000, no valor de 215,68 €, sacado sobre a conta n.º 0000, do BPN;
10. Os restantes elementos apostos no cheque foram preenchidos mecanograficamente pela operadora de caixa dessa sociedade, à vista e com o consentimento expresso do arguido, que o assinou e entregou à mesma;
11. Tal cheque, entregue a esta última sociedade na data da emissão, destinava-se ao pagamento de mercadorias várias, adquiridas pelo arguido em estabelecimento comercial daquela ficando a mesma convencida de que o título era imediatamente convertível em dinheiro;
12. No entanto, apresentado a pagamento na agência do BES – Lisboa, foi o mesmo devolvido com a indicação aposta de 'encerrada', situação verificada no dia 10.07.2008, conforme teor de fls. 34 e 36 que aqui se dá por reproduzido;
13. Ao emitir e entregar os cheques em causa, o arguido sabia que a respectiva conta não dispunha de fundos suficientes para o seu pagamento;
14. Os cheques foram devolvidos com a menção de 'conta encerrada' e 'falta de provisão', sendo de qualquer modo o motivo para o não pagamento dos cheques com a última menção a insuficiência de fundos;
15. Não obstante, quis emitir todos os cheques, bem sabendo que, com tal conduta, lesava os portadores daqueles em valor correspondente ao neles aposto, o que quis e conseguiu;
16. Agiu, ainda, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem tais condutas proibidas e punidas por lei;
17. O arguido, conforme o seu relatório social de fls. 200 a 203, frequentou a escolaridade até ao 9.º ano, concluindo-o, iniciou o seu trajecto profissional aos 16 /17 anos de idade como empregado de balcão num comércio e entretanto tem trabalhado como técnico informático e como administrativo, no plano afectivo estabeleceu aos 21 anos de idade a sua primeira união da qual decorreu o respectivo matrimónio e sobreveio uma filha, actualmente com 10 anos de idade, que vive com a respectiva mãe, em 2003 iniciou nova união de facto que manteve até 2007 e da qual nasceu o segundo filho que tem actualmente 5 anos de idade e vive igualmente com a respectiva progenitora, mantém contactos regulares com ambos os descendentes, reside com a mãe, trabalha como técnico informático, ao nível económico a sua situação regista algumas dificuldades, recebendo um vencimento médio mensal de 200,00 € líquidos, as despesas da casa são asseguradas pela mãe, e efectua um juízo crítico relativamente a situações como as dos autos;
18. O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 196 a 199, cujo teor se dá aqui por reproduzido .
2 – O Ministério Público interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. O arguido foi acusado da prática de três crimes de emissão de cheque sem provisão previstos e punidos pelo artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro;
2. O Tribunal “a quo”, porém, absolveu-o da prática de um de tais crimes, apesar de ter considerado provado que o arguido tinha emitido, com data de 6-7-2008, um cheque no valor de 215,68 € a favor da lesada, o qual viria a ser devolvido em 10-7-2008 com a menção aposta de “conta encerrada”;
3. O Tribunal deu igualmente como provado que o arguido quis emitir também este cheque, sabendo que com a sua conduta lesava o portador do mesmo no valor correspondente ao nele aposto, o que quis e conseguiu – al. 15) dos factos provados; factualidade que, aliás, ele próprio confessou integralmente e sem reservas;
4. Considerou, no entanto, que tal conduta não configuraria um crime de cheque sem provisão, pelo facto de o título ter sido devolvido com a indicação de “conta encerrada” e não constar da acusação que tivesse existido, da parte do arguido, uma conduta pré-determinada ao impedimento do pagamento do mesmo;
5. Pelo que o arguido não estaria, portanto, incurso na prática de um crime de burla, devendo, por isso, ser absolvido, nesta parte;
6. Salvo melhor opinião, cremos que o Colectivo fez uma interpretação errada das normas contidas no cit. artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro;
7. Na verdade, para que o crime se tenha por configurado, basta – tal como previsto no cit. artigo 11.º, n.º 1, al. b) – que o sacador tenha, antes da emissão do cheque, levantado os fundos que permitiriam o seu pagamento;
8. No caso presente o acórdão reconheceu que tal terá sucedido e o próprio arguido também, pois confessou integralmente a factualidade descrita na acusação;
9. Tanto bastaria, pois, para que o Colectivo houvesse de considerar configurado o crime imputado, apesar de o cheque em causa não ter aposta a menção de devolvido por “falta de provisão” mas por “conta encerrada”;
10. É essa, aliás, a interpretação feita pela jurisprudência maioritária e que acima citámos;
11. Discorda-se, ainda, da sanção aplicada ao arguido pela prática dos dois crimes de emissão de cheque sem provisão – no valor de 1280 € – pelos quais foi condenado e que levaram o Colectivo a impor-lhe a pena única de multa de 700 €;
12. Recorde-se que o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal estabelece que “a aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, impondo o respectivo n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”;
13. Diz por sua vez o n.º 1 do artigo 71.º do diploma citado que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”;
14. Ora, a pena concreta aplicada a este arguido – uma multa de valor consideravelmente inferior ao de ambos os cheques – ignorou por completo as necessidades de prevenção geral – e, sobretudo, especial – que no caso se impõem, pecando por excessiva e imerecida brandura;
15. Pois se é certo que o mesmo confessou, também não é menos certo que, até agora, nada fez para resolver a situação, apesar do arrependimento que o Colectivo entendeu ter demonstrado;
16. Não sendo, para mais, a primeira vez que regista contactos com o sistema judicial;
17. A decisão impugnada violou, pois, o disposto nos artigos 11.º, n.º 1, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.º 1, do Código Penal;
18. Deveria o arguido ter sido condenado pela prática de três crimes de emissão de cheque sem provisão em pena de prisão suspensa na sua execução sob condição de ressarcimento dos montantes titulados pelos cheques, de acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal; ou, optando-se pela pena de multa, fixando-se um quantum não inferior ao valor dos três títulos (cerca de 1500 €), o que contribuiria, pedagogicamente, para que interiorizasse a censura ética que deve impender sobre condutas deste tipo, respondendo-se ainda a uma legítima expectativa das vítimas – e, sobretudo, da sociedade – e cumprindo-se as demais finalidades visadas pela punição.
Pelo que, consequentemente, deverá o douto acórdão recorrido ser alterado no sentido proposto.
3 – Não foi apresentada qualquer resposta à motivação do Ministério Público.
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 252.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5 – O Ministério Público, sem pôr em causa a matéria de facto provada, pretende que o arguido seja condenado pela prática do terceiro crime de emissão de cheque sem provisão que lhe tinha sido imputado, ou seja, por aquele a que se referem os factos narrados nos pontos n.ºs 9 a 16 atrás transcritos, sendo que os pontos n.ºs 9 a 12 se reportam exclusivamente a esse comportamento e os pontos n.ºs 13 a 16, aparentemente , a todos os crimes imputados.
Analisemos a questão colocada.
A incriminação a que se refere o recorrente encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro , disposição legal que actualmente tem a seguinte redacção:
Artigo 11.º
Crime de emissão de cheque sem provisão
1 - Quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro:
a) Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a 150 € que não seja integralmente pago por falta de provisão ou por irregularidade do saque;
b) Antes ou após a entrega a outrem de cheque sacado pelo próprio ou por terceiro, nos termos e para os fins da alínea anterior, levantar os fundos necessários ao seu pagamento, proibir à instituição sacada o pagamento desse cheque, encerrar a conta sacada ou, por qualquer modo, alterar as condições da sua movimentação, assim impedindo o pagamento do cheque; ou
c) Endossar cheque que recebeu, conhecendo as causas de não pagamento integral referidas nas alíneas anteriores;
se o cheque for apresentado a pagamento nos termos e prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa ou, se o cheque for de valor elevado, com a pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Analisemos, antes de mais, a estrutura do tipo incriminador descrito na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2005, de 29 de Agosto.
O tipo objectivo é integrado pelos seguintes elementos:
– A conduta do arguido, que consiste na emissão e entrega a outrem de um cheque para pagamento de uma quantia superior a 150 € sem que exista suficiente provisão na conta sacada;
– Um resultado, que se traduz na falta de pagamento integral desse cheque, falta de pagamento essa que consubstancia um prejuízo patrimonial para o tomador do cheque ou para terceiro;
– A imputação desse resultado à conduta do agente.
O tipo subjectivo exige apenas o dolo, que abarca todos os elementos do tipo objectivo atrás referidos.
Já fora da estrutura do tipo, mas igualmente relevante, é a condição objectiva de punibilidade criada pelo legislador, condição essa que consiste na apresentação do cheque a pagamento nos termos e nos prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
No caso dos autos, embora o arguido tenha emitido e entregue à lesada um cheque de valor superior a 150 € e esse cheque não tenha sido pago, o que consubstancia um prejuízo patrimonial tutelado pelo direito, não se sabe se, na data em que o agente actuou, ele tinha na conta sacada um saldo suficiente para permitir o pagamento do cheque. Apenas se sabe que, quatro dias depois, quando o cheque foi apresentado a pagamento, a conta se encontrava encerrada. Desconhece-se quem a encerrou e o que determinou esse encerramento.
A conduta do arguido não preenche, portanto, o tipo incriminador previsto na 1.ª parte da alínea a) do n.º 1 da actual redacção do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
Analisemos agora a estrutura dos quatro tipos incriminadores descritos na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do mencionado diploma.
Aí se prevêem quatro diferentes modalidades de conduta e um mesmo resultado típico (que consiste no não pagamento do cheque que acarreta o prejuízo patrimonial), conduta e resultado ligados por um nexo de imputação.
Podemos descrever os elementos desses quatro tipos objectivos do seguinte modo:
1. O levantamento, antes ou depois da emissão de um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, dos fundos necessários para o efeito, assim o impedindo;
2. A proibição, antes ou depois da emissão de um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, de a instituição sacada proceder ao respectivo pagamento, assim o impedindo;
3. O encerramento da conta sacada antes ou depois de ter sido entregue a outra pessoa um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, assim o impedindo;
4. A alteração, por qualquer modo, das condições da movimentação de uma conta bancária, assim impedindo o pagamento de um cheque emitido, antes ou depois, para pagamento de quantia superior a 150 €.
Em todos os casos, a falta de pagamento do cheque consubstancia um prejuízo patrimonial para o tomador ou para terceiro.
O tipo subjectivo exige apenas o dolo, que abarca todos os elementos do tipo objectivo atrás referidos.
Também em todos os casos, como condição objectiva de punibilidade, se exige que o cheque tenha sido apresentado a pagamento nos termos e prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
No caso dos autos, apenas podia estar em causa o preenchimento do terceiro dos indicados tipos, aquele que consiste no encerramento da conta sacada antes ou depois de ter sido entregue a outra pessoa um cheque para pagamento de quantia superior a 150 €, assim o impedindo.
Ora, se analisarmos a matéria de facto provada, verificamos que aí não se imputa ao arguido o encerramento da conta sacada, que constitui o cerne do comportamento típico, admitindo o próprio recorrente que esse encerramento tenha ocorrido por acção do Banco e não do titular da conta.
Por isso, a comprovada conduta também não preenche qualquer tipo incriminador previsto na alínea b) do n.º 1 da actual redacção do artigo 11.º da Lei do Cheque.
Improcede, por isso, quanto a esta questão, o recurso interposto pelo Ministério Público.
6 – Resolvida esta questão, importa agora que nos debrucemos sobre a escolha da natureza e determinação da medida das penas parcelares aplicadas ao arguido pela prática dos dois crimes de emissão de cheque sem provisão por que foi condenado.
Cada um desses crimes é punível, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
Como factores relevantes para a escolha das penas e determinação da sua medida há que atender:
– Ao valor de cada um dos cheques (719,79 e 559,89 €);
– Aos antecedentes criminais do arguido, que foi condenado por três vezes pela prática, no total, de cinco crimes, em penas de multa; uma dessas condenações foi proferida antes da prática destes dois crimes;
– Ao facto de ele ter confessado os factos e de efectuar um juízo crítico sobre o seu comportamento;
– Ao seu percurso laboral e situação económica e familiar.
De acordo com o disposto no artigo 70.º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” que, nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do mesmo diploma legal, são “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
No caso, atendendo às anteriores condenações do arguido, as quais impuseram sempre penas de multa, e ao facto de uma dessas condenações ser anterior à prática destes crimes, entende este tribunal que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual opta pela aplicação da pena de prisão.
Tendo em conta a medida abstracta da pena de prisão e os factores atrás indicados, dos quais se conclui que a gravidade da ilicitude é um pouco inferior à mediania pressuposta pelo tipo incriminador, o que se reflecte na culpa, que é agravada pela anterior condenação, e que existe alguma necessidade acrescida de prevenção, geral e especial, entende este tribunal dever aplicar ao arguido, por cada um destes dois crimes, a pena de 8 meses de prisão.
Determinadas as penas parcelares, importa agora fixar a pena única, sabido que é que esta tem como limite mínimo os 8 meses de prisão e como limite máximo 16 meses de prisão.
Tendo em conta a proximidade temporal dos factos, a circunstância de ter sido executado um mesmo modo de procedimento e os factores de natureza pessoal a que se fez referência, considera este tribunal como adequado fixar em 1 ano de prisão a pena única.
Atendendo à confissão, à formulação de um juízo crítico sobre o seu comportamento e à integração familiar, social e profissional do arguido, entende este tribunal que a simples censura do facto e ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as indicadas finalidades da punição.
Por isso, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, considera que tal pena deve ser suspensa por igual período de tempo.
Tal suspensão não deve ficar subordinada ao pagamento de qualquer indemnização uma vez que, atendendo à comprovada situação económica do arguido, tal constituiria a imposição de uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de lhe exigir (n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal).
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, alterando as penas parcelares e única que lhe foram aplicadas, que passam a ser, respectivamente, de 8 (oito) meses de prisão por cada um dos dois crimes de emissão de cheque sem provisão e de 1 (um) ano de prisão, esta suspensa por igual período.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Abril de 2011
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(Carlos Rodrigues de Almeida)
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(Horácio Telo Lucas)