I. A existência de uma prévia diligência de reconhecimento fotográfico é um factor que pode influir na credibilidade da identificação presencialmente efectuada.
II. Por isso, essa circunstância deve ser indicada no auto de reconhecimento, de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 147.º do Código de Processo Penal.
III. Nos termos do n.º 2 do artigo 149.º, «quando houver necessidade de a mesma pessoa reconhecer várias pessoas ou vários objectos, o reconhecimento é feito separadamente para cada pessoa ou cada objecto».
IV . No caso de uma testemunha realizar o reconhecimento sucessivo de várias pessoas, a entidade que dirigir o acto, ao compor os painéis, não pode incluir neles pessoas que já tenham integrado anteriores painéis apresentados à mesma testemunha.
V . O já de si pequeno número mínimo de 3 pessoas que, em Portugal, integram um painel de reconhecimento não pode ser ainda mais reduzido sendo a identificação feita tendo apenas como verdadeiras alternativas de escolha o suspeito ou, no máximo, o suspeito e uma outra pessoa.
VI. A admitir-se esta prática, estar-se-ia a transformar um “lineup” quase num “show-up”, forma de reconhecimento que não é admita como meio de prova no nosso ordenamento jurídico.
VII. O reconhecimento efectuado nestas circunstâncias não tem valor como meio de prova – n.º 7 do artigo 147.º do Código de Processo Penal.
Proc. 934/07.1JDLSB 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Processo n.º 934/07.1JDLSB – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – Os arguidos E B e H foram julgados na 2.ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenados, por acórdão de 16 de Março de 2011, pela prática de:
O arguido E:
Três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 2 anos de prisão;
– Um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e n.º 4, e 25.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
– Em cúmulo, na pena única de 4 anos de prisão.
O arguido B:
Três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 2 anos de prisão;
– Um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e n.º 4, e 25.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
– Em cúmulo, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
O arguido H:
– Três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 2 anos de prisão;
– Um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e n.º 4, e 25.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
– Em cúmulo, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
1 – Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 27 de Julho de 2007, os arguidos para obterem quantias monetárias e outros objectos de valor que usariam em proveito próprio delinearam um plano, que concretizaram, para assaltar terceiros frequentadores dos estabelecimentos de diversão nocturna das zonas do Bairro Alto e Cais Sodré, em Lisboa.
2 – De acordo com o plano previamente estabelecido de comum acordo pelos arguidos, os mesmos abordavam as vítimas encetando uma conversa amena e agradável com as mesmas e durante a conversa ofereciam-lhes bebidas, nomeadamente cerveja, nas quais misturavam previamente comprimidos da especialidade farmacêutica “Lorenin” que contém na sua composição a substância Lorazepam, por saberem que a ingestão desta substância com o álcool tem um efeito sedativo e hipnótico e consequentemente coloca as vítimas em estado de inconsciência e incapaz de resistir a solicitações que lhe fossem feitas.
3 – Depois de darem a beber a mistura acima referida às vítimas aguardavam que a substância acima referida actuasse no organismo das vítimas deixando-as sem capacidade de autodeterminação e resistência.
4 – Quando se apercebiam que as vítimas já estavam no estado acima referido os arguidos apropriavam-se dos valores e objectos que as vítimas possuíam e encaminhavam-nas para caixas de multibanco para que efectuassem levantamentos monetários.
5 – Na concretização deste plano, no dia 27 de Julho de 2007, cerca das 07h00, os arguidos vieram a abordar os ofendidos J e R, quando estes últimos saíam do Bar denominado “…”, sito na Rua .., em Lisboa, encetando conversa com os mesmos.
6 – Durante a conversa os arguidos apresentaram-se com nomes próprios não verdadeiros, designadamente, João e Luís, e enquanto conversavam deram a beber aos ofendidos algumas cervejas nas quais previamente misturaram uma quantidade não apurada de comprimidos da marca “Lorenin”.
7 – Quando os arguidos se aperceberam que os ofendidos estavam fisicamente debilitados e incapazes de resistir, retiraram-lhes e fizeram seus os seguintes bens do ofendido J:
– A carteira com os seus documentos, bilhete de identidade, dois cartões de débito, um do BCP e outro do Montepio, carta de condução, cartão de acesso a ginásio, a quantia monetária de entre € 5,00 a € 10,00 e de um telemóvel da marca “Samsung E250”, com um cartão USO inserido.
8 – Ao ofendido R os arguidos retiraram-lhes e fizeram seu, um telemóvel.
9 – Durante essa noite os arguidos solicitaram ainda ao ofendido J que efectuasse o levantamento de quantia monetária não determinada, acompanhando-o para o efeito a uma caixa multibanco.
10 – Por razões não apuradas não conseguiram efectuar nenhum levantamento de quantias monetárias pertencentes ao ofendido.
11 – A hora não determinada da noite de 9 para 10 de Novembro de 2007, mas anterior às 02h40m, os arguidos abordaram o ofendido F num dos bares do Bairro Alto e, depois de meterem conversa com o mesmo, deram-lhe a beber algumas cervejas na qual tinham previamente misturado um número indeterminado de comprimidos da marca “Lorenin 2,5”.
12 – Depois de ingerir aquelas bebidas, quando o ofendido já se encontrava fisicamente debilitado e incapaz de resistir, os arguidos retiraram-lhe entre € 8 a € 15 euros em numerário e o telemóvel.
13 – Cerca das 02h40m, aproveitando-se da debilidade do ofendido, que intencionalmente causaram, deslocaram-se os arguidos com aquele a uma caixa multibanco do Banco Millennium BCP, sita na Rua Garrett em Lisboa, onde pretendiam levar o ofendido a levantar dinheiro da sua conta bancária, com o respectivo cartão.
14 – Nesse momento foram os arguidos abordados por agentes da PSP que suspeitaram da actuação dos arguidos por os terem visto a amparar o ofendido para que este conseguisse efectuar um levantamento multibanco.
15 – Nessa altura os arguidos foram sujeitos a revista, tendo encontrado e apreendido, na posse do arguido E quatro comprimidos Lorenin 2,5, € 40,00, um telemóvel da marca Nokia, com o IMEI 353945018554906, na posse do arguido H dois comprimidos Lorenin 2,5, € 40,00, na posse do arguido B um x-ato.
16 – O telemóvel encontrado e apreendido na posse do arguido E era pertença do ofendido F tendo-lhe o mesmo sido devolvido.
17 – O ofendido F na sequência destes factos foi conduzido ao hospital de São José, em Lisboa, para receber assistência médica.
18 – Com a sua conduta os arguidos provocaram ao ofendido F dores e lesões corporais que lhe causaram um dia de doença.
19 – Os arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos, utilizando para o efeito álcool misturado com a substância Lorazepam para melhor concretizarem os seus intentos, bem sabendo que assim impossibilitariam o ofendido de reagir e que lhe conseguiriam retirar os objectos e valores acima referidos, o que concretizaram.
20 – Os arguidos pretendiam posteriormente dividir os proventos obtidos com a conduta acima descrita.
21 – Os comprimidos encontrados na posse dos arguidos E e H destinavam-se a ser dados a ingerir por todos os arguidos às vítimas como acima se descreveu.
22 – Todos os arguidos conheciam as características dos comprimidos da especialidade farmacêutica Lorenin e que, por isso, não podiam deter nem ceder, por não terem autorização para tal, que sabiam ser necessária, sabendo todos eles que esta substância apenas se pode vender em farmácias mediante receita médica.
23 – Os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a aquisição, detenção e cedência de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
24 – Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
25 – Do certificado de registo criminal do arguido E consta:
– Por sentença datada de 20 de Outubro de 2006, transitada em julgado em 6 de Novembro de 2006, proferida no âmbito do processo n.º 231/04.4PFAMD, do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, 1.ª Secção, pela prática, em 29 de Junho de 2004, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfez a multa global de € 800,00, a que correspondeu a pena de 106 dias de prisão; por despacho datado de 12 de Março de 2008, foi declarada extinta a pena em virtude do pagamento da multa, em 05-03-2008;
– Por sentença datada de 30 de Novembro de 2006, transitada em julgado em 15 de Dezembro de 2006, proferida no âmbito do processo n.º 1009/04.0PFLRS do 4.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 19 de Maio de 2004, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 16 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, sob condição do arguido no prazo de 3 meses entregar à associação Casa do Infantado a quantia de € 100,00 e disso fazer prova nos autos;
– Por sentença datada de 27 de Junho de 2008, transitada em julgado em 17 de Julho de 2008, proferida no âmbito do processo n.º 476/05.0PGLRS do 2.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 24 de Maio de 2005, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f) e de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f) e 22.º e 23.º, do Código Penal, foi condenado na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o que perfez o total de € 1.620,00; por despacho datado de 11 de Outubro de 2010 foi declarada extinta a pena, face ao pagamento da multa.
26 – Do certificado de registo criminal do arguido B consta:
– Por sentença datada de 1 de Fevereiro de 2005, transitada em julgado em 27 de Abril de 2005, proferida no âmbito do processo n.º 28/03.9TALRS, do 1.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 17 de Dezembro de 2002, de um crime de substâncias explosivas ou análogas e armas, p. e p. pelo artigo 275.º do Código Penal, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfez € 480,00; por despacho datado de 2 de Junho de 2009, foi declarada extinta por prescrição tal pena;
– Por acórdão datado de 13 de Julho de 2007, transitado em julgado em 30 de Julho de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 219/07.3PGLSB, da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 9 de Março de 2007, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa por 3 anos.
27 – Do certificado de registo criminal do arguido H consta:
– Por sentença datada de 30 de Novembro de 2006, transitada em julgado em 15 de Dezembro de 2006, proferida no âmbito do processo n.º 1009/04.0PFLRS, do 4.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 19 de Maio de 2004, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 16 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, sob condição do arguido no prazo de 3 meses entregar à associação Casa do Infantado a quantia de € 100,00 e disso fazer prova nos autos;
– Por sentença datada de 27 de Junho de 2008, transitada em julgado em 17 de Julho de 2008, proferida no âmbito do processo n.º 476/05.0PGLRS do 2.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 24 de Maio de 2005, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f) e 22.º e 23.º, do Código Penal, foi condenado na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o que perfez o total de € 1.620,00; por despacho datado de 11 de Outubro de 2010 foi declarada extinta a pena, face ao pagamento da multa;
– Por sentença datada de 14 de Julho de 2009, transitada em julgado em 17 de Setembro de 2009, proferida no âmbito do processo n.º 892/07.2PGLRS, do 2.º Juízo Criminal de Loures, pela prática, em 4 de Outubro de 2007, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, foi condenado na pena de 16 meses de prisão suspensa por 16 meses na condição de no prazo de 6 meses entregar a uma instituição de apoio a toxicodependentes a quantia de € 150,00.
28 – O arguido E cresceu num ambiente familiar pouco estruturante ao nível afectivo, com ausência de laços consistentes e com predominância de violência doméstica. Na adolescência estabeleceu o seu grupo de referência junto de jovens que apresentavam comportamentos delinquentes, nomeadamente com consumo de substâncias estupefacientes. Ao nível laboral apresenta hábitos de trabalho, encontrando-se inserido profissionalmente há cerca de dois anos e meio, trabalhando como cortador de carnes no Pingo Doce de Telheiras, ao que tudo indica numa situação estável ao nível financeiro. Mantém relação afectiva, habitando com a companheira e o filho de ambos, ligação que aparentemente se revela consistente. No que diz respeito aos consumos de cocaína, os mesmos terão cessado no ano de 2007, contudo o arguido assume manter os consumos de haxixe, embora refira serem de carácter pontual, irrelevando-os, sem os considerar como uma problemática aditiva. Quanto às suas características pessoais o arguido é caracterizado como um indivíduo agressivo. Provocador, intempestivo e com dificuldades ao nível do controlo dos impulsos, agindo frequentemente de modo violento. Manifestou desde jovem fraca capacidade na contenção dos comportamentos que vieram a agravar-se com a ocorrência do falecimento do progenitor, já que este teria algum poder e domínio quanto à imposição de regras ao arguido. E. apresenta reduzida consciência crítica face à sua presente situação jurídico-penal bem como em relação aos restantes contactos com o sistema de justiça, assumindo uma atitude desculpabilizante e desresponsabilizadora, não parecendo reconhecer a gravidade dos mesmos, adoptando uma postura auto centrada e de imaturidade bem como alguns sentimentos de impunidade.
29 – O arguido B nasceu no seio de uma família de nível sócio-económico desfavorecido, sendo o mais novo de três irmãos, tendo o seu processo de socialização sido marcado pela instabilidade afectiva. Tinha apenas seis anos de idade quando o pai faleceu, vítima de acidente vascular cerebral, tendo ficado entregue aos cuidados da progenitora. Por sua vez, esta veio igualmente a falecer quando o arguido contava apenas doze anos de idade, acontecimentos que levaram à desestruturação familiar. O seu percurso escolar veio a revelar-se conturbado pautado por dificuldades de aprendizagem desmotivação e absentismo, com o consequente abandono dos estudos aos dezassete anos de idade, apenas tendo concluído o 4.º ano de escolaridade. Na impossibilidade de os irmãos supervisionarem o seu processo sócio-educativo foi internado numa instituição da Segurança Social, em M…, onde permaneceu apenas três meses. O seu processo de adaptação à nova realidade, no limiar da adolescência revelou-se difícil, traduzindo-se em fugas constantes. Posteriormente, vivenciou, por ordem do Tribunal de Menores vários internamentos, o primeiro na Casa do Lago, em Lisboa onde permaneceu cerca de três anos, após o que foi transferido para o Colégio de São Fiel em Castelo Branco. Aos dezanove anos de idade regressou a casa dos irmãos onde apenas permaneceu cerca de oito meses devido a incompatibilidades relacionais. Passou então a coabitar com um primo que o acolheu e onde se manteve a residir com uma companheira, de forma aparentemente gratificante. Posteriormente, iniciou actividade laboral como empregado fabril e mais tarde noutras áreas indiferenciadas, porém com carácter irregular e sem qualquer vínculo laboral. Nos períodos de inactividade começou a manifestar condutas desajustadas, no contexto de uma intensa convivialidade grupal, com jovens da sua área de residência.
30 – O arguido H cresceu num ambiente familiar aparentemente coeso, persistindo um ambiente harmonioso entre os elementos que constituem o agregado familiar. No final da adolescência o arguido estabeleceu o seu grupo de referência junto de jovens que apresentavam comportamentos delinquentes, nomeadamente com consumos de substâncias estupefacientes, com os quais efectuou identificações comportamentais. Neste contexto manifestou fragilidades pessoais, nomeadamente vulnerabilidade a influências externas sem revelar capacidade de resolução de problemas, factos estes que deram origem à concretização de comportamentos delituosos. Ao nível laboral apresentou dificuldades de adaptação não conseguindo manter uma ocupação duradoura e com investimento significativo. Apesar do arguido verbalizar a motivação em integrar-se profissionalmente e adoptar um modo de vida socialmente adequado, construindo um projecto de vida segundo as normas e valores socialmente correctos, não revela, por enquanto, capacidade de autocrítica face à sua conduta e suficiente interiorização dos danos causados pelas suas condutas criminais, recorrendo a uma atitude pouco consistente de atribuição externa das suas causas. Apesar de dispor de suporte familiar moderadamente estruturado, ressaltam-se como necessidades fundamentais, a capacidade em consolidar o seu percurso de vida, de interiorizar adequadamente os danos causados pela adopção das suas condutas desadequadas e de investir seriamente na aquisição de mais e melhores competências pessoais e sociais que lhe permitiam adoptar uma vida socialmente adaptada. É a própria Direcção-Geral de Reinserção Social que considera existirem factores de risco significativos que poderão contribuir para uma prognose negativa relativamente à adaptação social de H, nomeadamente as fragilidades pessoais, a inactividade profissional e a fraca capacidade apresentada ao nível de juízo crítico.
O tribunal considerou não provado que:
– Os arguidos tivessem obtido conhecimento do código do cartão e que posteriormente o usassem para efectuar levantamentos de outras quantias;
– Os ofendidos aceitaram percorrer a zona do Bairro Alto e Cais Sodré a pretexto de um convite para uma festa feito pelos arguidos;
– Os arguidos tivessem retirado e feito seu o cartão de segurança social do ofendido J;
– O telemóvel retirado ao ofendido R fosse da marca Samsung;
– Os arguidos tivessem retirado cerca de € 100,00 em numerário ao ofendido F;
– O x-acto apreendido na posse do arguido B se destinasse a ser usado para cortar as lamelas dos comprimidos.
O tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
– As declarações dos arguidos: E; H;
– O depoimento das testemunhas: N; J; N; F;
– O auto de reconhecimento de fls. 47/48;
– O auto de reconhecimento de fls. 49/50;
– O auto de reconhecimento de fls. 51/52;
– O auto de reconhecimento de fls. 53/54;
– O auto de reconhecimento de fls. 55/56;
– O auto de reconhecimento de fls. 57/58;
– O auto de apreensão de fls. 103 e 104;
– O auto de apreensão de fls. 108 e 109;
– O auto de apreensão de fls. 113;
– Os fotogramas de fls. 118 a 120;
– O exame médico ao ofendido F, de fls. 159 a 161;
– O aditamento de fls. 168;
– O termo de entrega de fls. 169;
– O depósito autónomo de fls. 173;
– A guia de entrega de fls. 175;
– O diário clínico de F de fls. 180;
– O relatório do exame médico-legal efectuado na pessoa de F, de fls. 212 a 214;
– O exame toxicológico de fls. 236;
– A guia de fls. 255;
– O relatório social referente ao arguido H, de fls. 446 a 452;
– O relatório social respeitante ao arguido E, de fls. 456 a 463;
– O relatório social referente ao arguido B, de fls. 539 a 541;
– O certificado de registo criminal do arguido E, de fls. 571 a 574;
– O certificado de registo criminal do arguido B, de fls. 575 a 578;
– O certificado de registo criminal do arguido H, de fls. 579 a 582.
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EXAME CRÍTICO DA PROVA
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise conjugada dos elementos probatórios acima referidos, enquadrados por regras de normalidade e de experiência comum.
Por seu turno, a decisão probatória negativa, referente aos factos não provados, derivou da ausência de produção de prova credível, tendente a concluir de modo seguro pela sua verificação.
Os arguidos E e H prestaram declarações no início da audiência.
Negaram, ambos, e, na quase totalidade, os factos que lhes são imputados.
E dizemos quase totalidade porque estes arguidos admitiram que estavam os três quando foram interceptados pela polícia, que tinham ambos comprimidos Lorenin e o arguido Edgar que tinha o telemóvel de um ofendido, de F.
Justificaram a posse dos comprimidos pelo facto de deles necessitarem para tomar quando se “lembravam da droga”, já que ambos foram consumidores de estupefacientes. Não compravam os comprimidos na farmácia nem tinham qualquer prescrição médica. Adquiriam-nos na rua até mesmo a toxicodependentes. Muito titubeante quis o arguido E fazer crer que tomava aquele comprido a qualquer hora, sempre que se lembrasse da droga, e que concomitantemente ingeria bebidas alcoólicas, designadamente cerveja. O arguido H, também visivelmente nervoso, referiu ter os comprimidos consigo por se ter esquecido deles na carteira, só os tomava para dormir.
Quanto a ter na sua posse o telemóvel do ofendido F, o arguido E justificou-o por lhe ter pedido para fazer uma chamada já que o seu estava sem bateria.
O arguido B não quis prestar declarações.
As testemunhas inquiridas, todas elas, revelaram isenção e imparcialidade, tendo sido tão objectivas quanto possível, atento o hiato de tempo já decorrido.
O agente N esclareceu que estava com o seu colega N, na zona da Baixa de Lisboa (10 de Novembro de 2007 cerca das 2h40m), quando recebeu uma comunicação via rádio a informar que estaria uma pessoa do sexo masculino a ser assaltada na Rua Garrett por três indivíduos. Foram de imediato para o local e interceptaram os arguidos que se encontravam a rodear o ofendido F que estava “visivelmente ébrio” e que não tinha um discurso coerente, só sabia dizer que eles (referindo-se aos arguidos) não eram amigos dele. Estavam perto de uma caixa multibanco do Banco Millennium. Os arguidos foram revistados, tendo sido encontrado a dois deles comprimidos Lorenin e ao outro um x-ato. O ofendido foi primeiro para a esquadra e depois para o hospital onde acabou por ficar internado. Confirmando na íntegra este depoimento, N, o outro agente, acrescentou que o telemóvel de F (ofendido) se encontrava na posse do arguido E. Referiu também saber que estes arguidos já estavam referenciados na polícia pela prática de crimes idênticos. Estas duas testemunhas foram unânimes em mencionar que o ofendido estava rodeado por os três arguidos e que, pese embora fosse difícil este explicar-se, quis logo dar a entender que aqueles não eram seus amigos.
Ouvido, F começou por nos dizer que reconhecia apenas dois arguidos, o E e o H. Foi abordado por eles e por mais um ou dois indivíduos quando, em Novembro de 2007, foi “beber um copo” ao Bairro Alto. Após, conversaram, uma conversa que até referiu ter sido amistosa, e bebeu cerveja com eles. Recorda-se de uma cerveja de litro, de ter bebido dela e de não ter sido ele que a abriu. Soube também esclarecer que havia copos e que bebiam dos copos. Diz ter ficado com uma memória circuitada dos factos. “Lembro-me de beber com eles, de falar com eles, de estar sentado com eles e depois lembro-me de flash e de acordar no hospital” “Também me recordo”, disse, “de ter entrado no multibanco de esquina com os arguidos e de o meu cartão ter ficado lá. Não sei porque fui lá. Errei o código e o cartão ficou retido.
Acrescentou ainda F que os arguidos lhe tiraram entre € 8,00 a € 15,00 e que não sabe como lhe retiraram o telemóvel, sendo certo que a polícia, mais tarde, o lhe entregou e que nele estava registado um número que não tinha utilizado.
Da análise ao sangue realizada a F constatou-se a presença de álcool na permilagem de 1,93 g/l (o que corresponde ao diagnóstico médico-legal de seguramente influenciado pelo álcool) e a presença de benzodiazepinas, opiáceos e canabinóides que potenciam o efeito deletério do álcool.
O ofendido João para além de reconhecer os três arguidos em audiência de julgamento já os havia reconhecido aquando dos reconhecimentos pessoais que fez na polícia, conforme fls. 47/48, 51/52 e 55/56. R aquando dos citados reconhecimentos, reconheceu o arguido B e o arguido H, fls. 49/50 e 57/58.
Este ofendido, também, de forma séria e imparcial, descreveu o que lhe aconteceu em finais de Julho de 2007. Os arguidos depois de meterem conversa consigo e com R, uma conversa amistosa, ofereceram-lhes cervejas. Ambos beberam, da lata e das garrafas. Depois só se lembra de acordar no Cais Sodré, numa espécie de canteiro sem flores. Estava também nesse canteiro o seu colega R a quem tinham tirado a camisa. A ambos levaram os telemóveis e a carteira de J que continha dinheiro e todos os documentos descritos na acusação à excepção do cartão da segurança social que não tinha. Este ofendido, por mais de uma vez, disse não ter quaisquer dúvidas que foram estes arguidos, que se identificaram com nomes próprios diferentes dos deles, que lhes ofereceram as cervejas. E que a “cerveja estava drogada”.
Precisou, no decurso do seu depoimento, que estavam sentados a conversar e que os arguidos foram buscar as cervejas a uma roulotte que ali se encontrava e que nesse espaço de tempo tiveram oportunidade de pôr ou preparem o que quisessem para dentro da cerveja.
Os arguidos não conseguiram fazer nenhum levantamento no multibanco com o seu cartão já que não se recordou do código do mesmo.
Como facilmente se constata dos vários depoimentos, em ambas as ocasiões os arguidos tiveram o mesmo género de comportamentos. Em ambas as situações os ofendidos ficaram com os mesmos sintomas após terem convivido com os arguidos e de com eles terem bebido cerveja. Nos dois casos foi retirado dinheiro e telemóveis e também em ambos os arguidos tentaram fazer levantamentos com o cartão dos ofendidos.
Não restam dúvidas que os arguidos praticaram os factos de que vem acusados.
2 – Os arguidos interpuseram recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
Impugnação do decidido na sentença sobre matéria de facto – a prova da autoria do crime por parte dos arguidos
I. Com o presente recurso versa-se matéria de direito e impugna-se matéria de facto, tendo, por isso, como objecto, também a reapreciação da prova gravada e as conclusões que o Tribunal a quo retirou da mesma.
II. Os Recorrentes consideram que a prova produzida exigia uma decisão diversa relativamente a esta decisão e, consequentemente, relativa aos factos acima referidos que no entender do Acórdão recorrido, permitiram a condenação dos Arguidos pela prática de três crimes de roubo e de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade.
Crimes de roubo
Crimes de roubo praticados contra os ofendidos J e R
III. Considerando os crimes em questão, o que terá sido decisivo para a condenação dos Arguidos terá sido certamente o Tribunal a quo ter dado como provado (essencialmente) os factos identificados sob os números 6, 7, 8, 9 e 10, pois serão estes que permitirão integrar e concretizar o preenchimento pelos Arguidos dos elementos objectivos e subjectivos do crime de roubo.
IV. Pois os demais factos dados como provados e relativos às situações em causa, nomeadamente os referidos sob os números 1 a 4, bem como de 19 a 24 mais não são que o plano geral que o Tribunal a quo apresenta para enquadrar a situação concreta dos Arguidos sem no entanto, no entender dos Recorridos, apresentar qualquer meio de prova, que possa sustentar tal plano, sendo que, mesmo admitindo-o, o que de todo não se concede, obviamente o mesmo, sem a sua concretização não poderia nunca resultar na condenação dos Arguidos pelos crimes que vieram acusados.
V. Atendendo à indicação dos meios de prova enunciada pelo próprio Tribunal a quo parece ser claro que relativamente a estes factos, e sem considerar as declarações dos Arguidos, apenas os reconhecimentos e o depoimento J permitirão a demonstração de tais factos.
VI. Assim, em primeiro lugar, considerando os reconhecimentos de fls. 47 a 58, apenas podemos concluir que os ofendidos J e R (este apenas reconheceu dois deles) reconheceram os Arguidos, não sendo obviamente possível, por si, imputar aos Arguidos os factos acima referidos.
VII. Pelo que será, necessariamente, pelo depoimento do ofendido J que teremos de concluir pela prova desses factos.
VIII. E considerando este depoimento podemos verificar, atendendo aos factos acima referidos, que o Tribunal a quo considera como provados factos sem qualquer elemento probatório que permita tal conclusão.
IX. Assim, é matéria de facto dada como provada (ponto 6) 'Durante a conversa os arguidos apresentaram-se com nomes próprios não verdadeiros, designadamente, João e Luís, e enquanto conversavam deram a beber aos ofendidos algumas cervejas nas quais previamente misturaram uma quantidade não apurada de comprimidos da marca 'Lorenin'.
X. É certo que o ofendido J afirma que a cerveja estava drogada (Minutos 6.30), no entanto isto não passará de uma convicção, pois a verdade é que não consegue concretizar os termos em que a mesma foi drogada e nem sequer foi ao hospital (Minutos 6.35) [Procuradora: O senhor foi ao hospital? T: Não, não fui] para verificar se os sintomas que apresentava teriam sido consequência de alguma droga ou de bebida em excesso.
XI. Pois não esqueçamos que, considerando a hora a que os factos ocorreram – de madrugada – é a própria testemunha que afirma que tinham ambos estado a beber durante a noite e apesar de afirmar que não estavam completamente bêbados (expressão esta que demonstra, por si só, o consumo excessivo de álcool) nada nos pode garantir que o estado dos próprios – perda da consciência – não terá sido provocado pela bebida em excesso.
(Minutos 10.57)
'Juíza: O Senhor e o seu amigo já tinham bebido?
T: Sim.
Juíza: E estavam alcoolizados?
T: É assim – não estávamos completamente bêbados ... '
XII. No entanto, além deste aspecto, mais gritante é o pormenor dado como provado que os Arguidos misturaram uma quantidade não apurada de comprimidos da marca 'Lorenin'.
XIII. E aqui pergunta-se – Esta conclusão e convicção do Tribunal a quo pode resultar da análise conjugada dos elementos probatórios do processo enquadrados por regras de normalidade e de experiência comum como o próprio refere? – Entendem os Recorrentes que a resposta só pode ser negativa.
XIV. Salvo o devido respeito, não pode o Tribunal a quo partir de uma apreensão feita aos Arguidos no âmbito de uma outra situação e a partir daqui concluir com factualidade de tal forma precisa no sentido de justificar a condenação dos Arguidos.
XV. Pois em última análise, se tal raciocínio fosse possível, poderia chegar-se ao limite de se entender que os Arguidos também praticaram, na situação sob análise o crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade – o que não faz qualquer sentido.
XVI. Relativamente a este crime de roubo, considerou ainda o Tribunal a quo (ponto 7 e 8) provado que 'Quando os arguidos se aperceberam que os ofendidos estavam fisicamente debilitados e incapazes de resistir, retiraram-lhes e fizeram seus os seguintes bens do ofendido J:
– A carteira com os seus documentos, bilhete de identidade, dois cartões de débito, um do BCP e outro do Montepio, carta de condução, cartão de acesso a ginásio, a quantia monetária de entre € 5,00 a € 10,00 e de um telemóvel da marca 'Samsung E250', com um cartão USO inserido.'
– 'Ao ofendido R os arguidos retiraram-lhes e fizeram seu, um telemóvel.'
XVII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, considerando a prova produzida tais factos nunca poderiam ser dados como provados.
XVIII. No processo não existe qualquer tipo de apreensão dos objectos que se consideraram 'roubados', nenhuma ligação ou referência – passada ou futura – que permita concluir que os Arguidos tiveram ou dispuseram dos objectos em causa – em suma – qualquer elemento que permita concluir que os Arguidos se apoderaram dos objectos em causa.
XIX. Como referimos, se atendermos à testemunha apenas temos:
(Minutos: 4.10ss T: Começamos a subir pela Rua do Alecrim e aí é a última coisa que me lembro... Só sei que a seguir acordámos no Cais de Sodré.')
– no que se refere especificamente ao telemóvel do ofendido R apenas refere que deram conta que estavam sem telemóvel, sendo que neste caso não ficou demonstrado se foi a própria testemunha que deu conta ou se soube desta situação através do ofendido R (que terá sido o mais provável, uma vez que a testemunha nem sequer se recorda bem como chegou a casa – Minutos 7 ss e 15,20 ss — quanto mais conseguir dar-se conta do R não ter telemóvel), sendo que admitir esta situação estaríamos perante um depoimento indirecto, não podendo o mesmo nesta parte servir como meio de prova, pelo que, assim, ficaria desde logo fora de questão a possibilidade de condenação dos Arguidos relativamente ao crime de roubo perpetrado contra o ofendido R.
XX. Foi, ainda, incompreensivelmente, dado como provado o facto identificado sob o número 9 sem que, mais uma vez, exista qualquer elemento que nos permita tal conclusão 'Durante essa noite os arguidos solicitaram ainda ao ofendido João que efectuasse o levantamento da quantia monetária não determinada, acompanhando-o para o efeito a uma caixa multibanco.”
XXI. Vejamos os meios de prova que permitiram tal conclusão pois desta forma verificamos que, mais uma vez, o Tribunal a quo não podia ter dado como provados tais factos.
(Minutos 9.20 ss)
Procuradora: Recorda-se se nessa noite se dirigiram a uma caixa multibanco para fazer algum levantamento
T: Isto é o que o R me contou. Eu sei que não foi feito nenhum levantamento...
Procuradora. Mas o Senhor nem se recorda disso.
T: Não – eu não me recordo disso
Procuradora: O seu amigo contou-lhe...
…
Procuradora: Mas nem se recorda dessa situação
T: Não
XXII. Temos aqui sem dúvida uma situação em que o ofendido J não se recorda, sendo que apenas refere que o que sabe foi de lhe ter sido contado pelo R.
XXIII. Sendo que o ofendido R não foi ouvido no julgamento, tendo o seu testemunho sido prescindido.
XXIV. Assim, salvo o devido respeito, mesmo a admitir a transmissão dos factos pelo ofendido R, estaríamos sempre perante um depoimento indirecto, sendo que o mesmo não poderia nesta parte servir como meio de prova.
Crime de roubo praticado contra o ofendido F
XXV. Relativamente à situação que se refere ao ofendido F, são mais os meios de prova disponíveis, sendo que, não obstante tal facto, no entender dos Recorrentes os mesmos não permitem as conclusões do Acórdão recorrido e da condenação dos Arguidos no crime de roubo.
XXVI. O Tribunal a quo conseguiu concluir que o estado do ofendido F foi consequência de os Arguidos lhe terem misturado previamente um número indeterminado de comprimidos da marca 'Lorenin'
XXVII. No entanto o Tribunal a quo parece ter esquecido que a análise ao sangue do Ofendido Flávio acusou a presença de álcool na permilagem de 1,93 g/l o que só por si é suficiente para que ocorram os sintomas descritos pelo Tribunal e considerados, sem mais, consequência da ingestão de comprimidos 'Lorenin'.
XXVIII. Além disso, são os próprios peritos que no relatório elaborado afirmam que não possuem elementos médico-legais que permitam concluir que estas tenham sido administradas ao examinando conforme alude a informação.
XXIX. Apesar disso, o Tribunal não teve qualquer dúvida em afirmar que os Arguidos 'depois de meterem conversa com o mesmo, deram-lhe a beber algumas cervejas na qual tinham previamente misturado um número indeterminado de comprimidos da marca 'Lorenin 2,5' – tendo provocado no ofendido Flávio uma situação de debilidade física e de incapacidade de resistência.
XXX. Ora, salvo o devido respeito, a prova produzida não permite sem mais e sem qualquer dúvida esta conclusão. Se é verdade que dois dos Arguidos tinham na sua posse os comprimidos 'Lorenin' também é verdade que o ofendido F tinha uma taxa de álcool que poderia muito bem corresponder aos sintomas que teve.
XXXI. Na verdade, os elementos probatórios que permitiram que o Tribunal a quo concluísse que o estado do ofendido F foi em consequência de os Arguidos terem misturado na bebida os comprimidos, poderá também levar à conclusão que o seu estado foi em consequência de ter ingerido álcool em demasia ou talvez – em consequência, nomeadamente da existência de canabinóides na análise do sangue – do consumo voluntário por parte do ofendido F de algum tipo de estupefaciente com o álcool.
XXXII. Assim, perante várias hipóteses e nenhumas certezas, não podia o Tribunal a quo, em atenção das mais básicas regras do procedimento penal, nomeadamente o princípio 'in dubio pro reo' considerar tais factos provados e permitir, com isso, a condenação dos Arguidos.
XXXIII. Por outro lado, nenhum elemento probatório nos permite concluir que os Arguidos colocaram em algum momento comprimidos na bebida do ofendido Flávio.
XXXIV. Na verdade, a descrição feita pelo ofendido F que permitiria eventualmente essa conclusão, além de não a confirmar, até de certo modo a contrariar, pois a verdade é que o ofendido F esteve durante várias horas a beber (cerca de duas horas Minutos 11,00 ss) com os Arguidos, tendo inclusive também ele adquirido e oferecido bebidas e até tinha cuidado em ver os copos em que bebia (Minutos 8.10 ss).
XXXV. Importa, agora atentar a um elemento fundamental para a qualificação do crime de roubo, uma vez que sem tais factos não poderia haver roubo – reportamo-nos ao facto de ter sido dado como provado que os Arguidos retiraram ao ofendido F entre € 8,00 a € 15,00 em numerário e o telemóvel.
XXXVI. Relativamente à questão do telemóvel, que se afirma ter sido retirado pelos Arguidos, a justificação dada pelo Arguido E para o facto de ter o telemóvel em seu poder deveria ser considerada plausível até porque o ofendido F, quando questionado sobre essa possibilidade afirmou que tal era muito possível.
(Minutos 7.40 ss)
Juíza: Lembra-se de algum dos Arguidos ter pedido o telemóvel para fazer uma chamada?
T: Não me lembro.
Juíza: Caso lhe tivessem pedido admite como possível tê-lo emprestado?
T: Talvez.
(Minutos 13,00 ss)
Adv. Admite se lhe tivessem pedido para fazer uma chamada aceitava?
T: Sim.
XXXVII. Assim, salvo o devido respeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado estes aspectos, no mínimo, no sentido de existir a dúvida relativamente ao facto de terem sido os Arguidos a retirarem o telemóvel, pelo que sempre teria de funcionar o princípio 'in dubio pro reo'.
XXXVIII. No que concerne à questão de terem os Arguidos retirado entre € 8,00 a € 15,00, tal factualidade não é só contrariada por outros meios de prova, como também pelo próprio depoimento do ofendido F, que admite poder ter gasto esse montante na aquisição de bebida durante a noite (Minuto 12ss), pelo que não poderá afirmar que teria o dinheiro acima referido pelo que, consequentemente, não poderemos afirmar ter esse sido retirado pelos Arguidos.
XXXIX. No entanto, se perante o depoimento do ofendido F nos fica, no mínimo, a dúvida de que os Arguidos se tenham apoderado do montante referido, de mais difícil explicação é tentar conjugar este facto com os meios de prova indicados pelo próprio Tribunal a quo – e aqui referimo-nos aos autos de apreensão –.
XL. E aqui questiona-se como é que os Arguidos tiraram entre € 8,00 a € 15,00 ao ofendido F, quando uma vez revistados apenas tinham notas de € 20,00!!!
XLI. Terão, talvez, entretanto gasto esse dinheiro? – Terão, talvez, nunca retirado esse dinheiro ao ofendido? Terá, talvez, o ofendido gasto entretanto esse dinheiro? – O certo é que € 8,00 a € 15,00 não se transformam em notas de € 20,00.
XLII. Efectivamente são muitos talvez (e apenas uma certeza – a apreensão de notas de € 20,00 – que contraria a conclusão do Tribunal a quo), pelo que deveria o Tribunal a quo ter tido estes elementos em consideração, pois mais uma vez muitas dúvidas se levantam, sendo que a verdade é que na apreensão feita aos Arguidos não foram encontrados montantes (ou notas) que permitisse a mínima correspondência dos montantes alegadamente retirados com aqueles que se encontravam na posse dos Arguidos.
XLIII. E esse aspecto é fundamental que fosse tido em conta porque a falta de prova deste facto pode ter como consequência não estarem reunidos todos os elementos do crime pelo qual os Arguidos vêm acusados e, posteriormente, condenados.
Crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e n.º 4, e 25.º, al. b), do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
XLIV. Relativamente a este crime, e considerando a posição acima adoptada, parece-nos que os Arguidos foram condenados por este crime pelo facto de, na sequência da apreensão aos Arguidos E e H terem sido encontrados os comprimidos 'Lorenin'.
XLV. Ora, por esta factualidade é desde logo incompreensível a condenação do Arguido B por este crime uma vez que este não detinha qualquer produto considerado estupefaciente nem, por qualquer forma, se pode considerar relativamente a este que se tivessem demonstrado quaisquer factos passíveis de integrar o preenchimento por parte deste arguido do crime de tráfico de estupefacientes.
XLVI. No que concerne aos Arguidos E e H, atendendo aos artigos 21.º, n.º 1 e n.º 4, e 25.º, al. b), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, importa salientar o depoimento dos Arguidos, também referido no douto Acórdão recorrido que justificaram a posse dos comprimidos pelo facto de deles necessitarem para tomar quando se 'lembravam da droga', já que ambos foram consumidores de estupefacientes.
XLVII. Ora, tal aspecto deveria ter sido tomado em consideração, pelo que deveria concluir-se que a posse dos mesmos era para consumo próprio, não podendo os mesmos nos termos da Lei 30/2000, de 29 de Novembro estarem sujeitos à aplicação da pena que concretamente foi aplicada, devendo, sim, os Réus serem absolvidos dos crimes de que vêm acusados.
Por cautela: da escolha e graduação da pena e da determinação da pena única
XLVIII. Sem conceder, caso os Arguidos não sejam absolvidos nos termos acima requeridos, o que por mero dever de patrocínio e raciocínio se admite, e se entenda que os mesmos deverão ser condenados pelos crimes de que vêm acusados, a aplicação e interpretação que o Tribunal a quo faz das normas legais relativamente à escolha e graduação da pena considerando os elementos constantes do processo não é a mais correcta, violando, por isso no entender dos Recorrentes, nomeadamente o artigo 71.º do Código Penal.
XLIX. Admitindo os factos provados, o que de todo não se concede, verifica-se uma desproporcionalidade inexplicável relativa à pena concretamente aplicável aos crimes de roubos (2 anos numa moldura penal de 1 a 8 anos, ou seja ¼ da pena máxima) comparado com o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade cuja pena concretamente aplicável se aproxima do máximo previsto (1 ano e seis meses num máximo de 2 anos).
L. Sendo que, mesmo admitindo o crime de tráfico em questão, o que de todo não se concede, a verdade é que o produto em causa é em quantidades muito reduzidas, não se entendendo assim a diferença de critérios (no que concerne à aplicação concreta das penas) no julgamento proferido pelo Tribunal a quo.
LI. Pelo que, em caso de condenação dos Arguidos, o que – mais uma vez se repete – de todo não se concede, deverão ser estes condenados (nomeadamente no que ao crime de tráfico diz respeito) numa pena inferior à aplicada pelo Tribunal a quo.
LII. Relativamente à determinação da pena única, e admitindo por mera hipótese a condenação dos Arguidos, a verdade é que consideram os Recorrentes que a mesma é desproporcional e contrária à jurisprudência maioritária que vem sendo seguida.
LIII. Nesta esteira, e citando o Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/01/2011 (Proc. 73/10.8TCLRS.L1), o mesmo refere:
'Quanto à determinação da pena única de um concurso, vimos seguindo a jurisprudência ilustrada pelo Ac. do STJ de 11/12/2008, processo 08P3632, relatado pelo Sr. Conselheiro Simas Santos, que reflecte a jurisprudência maioritária do STJ, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: '... 6 – No caso de realização de cúmulo jurídico, como vem entendendo o STJ, importa atender à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é uma sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. E nesse contexto tem-se entendido e decidido de ser de 'agravar' a pena parcelar mais grave numa proporção, adequada ao caso, do remanescente das restantes penas que oscile, em princípio, entre 1/3 e 1/5.' Conclui-se o raciocínio, afirmando-se no referido Acórdão da Relação que 'Só em casos excepcionais, em que os factos e a personalidade do agente obriguem à ultrapassagem desses limites, eles devem ser ultrapassados'.
LIV. Não se descortina qualquer caso excepcional ou especial justificação que levasse o Tribunal a quo relativamente ao Arguido H a ultrapassar os limites acima mencionados, pelo que em caso de condenação que, repete-se, não se concede, deverá esta pena única ser revista e, em consequência, numa lógica de coerência de raciocínio, também as aplicadas aos demais Arguidos.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra:
i. Que absolva os Arguidos dos crimes que vêm condenado;
ii. Caso assim não se entenda, o que apenas por cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, deverá sempre as penas aplicadas aos Arguidos serem reduzidas.
Julgando procedente o presente recurso sobre a decisão ora recorrida, fazendo melhor juízo, estarão V. Exas. a fazer a costumada e boa justiça.
3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 799 a 805).
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 806.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5 – Os arguidos E, B e H recorreram do acórdão que os condenou pela prática de três crimes de roubo e de um crime de tráfico de droga de menor gravidade pedindo a sua absolvição.
Fundamentaram essa sua pretensão no facto de, em seu entender, a prova produzida e examinada na audiência não permitir que tivesse sido dada como provada a matéria de facto relativa à questão da culpabilidade quanto a essas infracções que foi considerada assente pela 1.ª instância.
Vejamos se lhes assiste razão, começando por analisar a prova produzida e examinada em audiência quanto aos dois crimes de roubo por que foram condenados, cometidos em Julho de 2007 .
A prova relevante para esse efeito é, nos termos dos artigos 355.º e 356.º do Código de Processo Penal, a seguinte:
– As declarações dos arguidos: E; H;
– O depoimento da testemunha J;
– O auto de reconhecimento de fls. 47/48;
– O auto de reconhecimento de fls. 49/50;
– O auto de reconhecimento de fls. 51/52;
– O auto de reconhecimento de fls. 53/54;
– O auto de reconhecimento de fls. 55/56;
– O auto de reconhecimento de fls. 57/58;
Ao apreciar este fundamento do recurso a primeira questão que se coloca é a de saber se o tribunal de 1.ª instância poderia ter valorado todos estes meios de prova, mais concretamente, se poderia ter valorado os reconhecimentos dos arguidos efectuados durante a fase de inquérito, cujos autos se encontram juntos de fls. 47 a 58, constando deles que todas essas diligências foram realizadas às 7H00 do dia 11 de Novembro de 2007.
Dispõe o artigo 147.º do Código de Processo Penal o seguinte:
Artigo 147.º
Reconhecimento de pessoas
1 — Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 — Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 — Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 — As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 — O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6 — As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7 — O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
O n.º 1 do artigo 147.º, que se acabou de transcrever, ao regular a forma de realização dos reconhecimentos impõe que, em primeiro lugar, quem dirija este acto processual peça à pessoa que deva fazer o reconhecimento que descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda, a pessoa que se pretende identificar .
Ora, se lermos atentamente os autos de reconhecimento, verificamos que, relativamente a cada suspeito, as duas pessoas que, separadamente, procuraram efectuar o reconhecimento descreveram-nos, segundo se diz nos autos, de uma forma perfeitamente idêntica, como se tal acto representasse um mero formalismo sem significado.
Segundo os autos de reconhecimento de fls. 47/8 e 49/50, quer a testemunha J, quer a testemunha R, descreveram o arguido B como sendo um «indivíduo branco, aparentando 20 anos de idade, cerca de 1,80 m de altura, magro e de cabelo curto de cor escura» .
No que respeita ao arguido E, de acordo com os autos de fls. 51/52 e 53/54, ele é descrito pelas vítimas como sendo um «indivíduo branco, aparentando 25/30 anos de idade, cerca de 1,70 m de altura, magro e de cabelo curto de cor escura» .
Quanto ao arguido H, de acordo com os autos de fls. 55/56 e 57/58, ele é descrito pelas vítimas como sendo um «indivíduo branco, aparentando 20/25 anos de idade, cerca de 1,70 m de altura e de cabelo curto de cor escura» .
Nada se diz em nenhum dos autos quanto à existência de outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação quando do próprio processo se vê que as testemunhas J e R foram confrontadas com alguns clichés juntos aos autos , tendo a primeira testemunha declarado em audiência que lhe mostraram um “dossier” com muitas caras, tendo reconhecido pelo menos duas pessoas .
Ora, a existência de uma prévia diligência de reconhecimento fotográfico é, claramente, um factor que pode influir na credibilidade da identificação presencialmente efectuada.
Ultrapassada esta fase inicial, quem dirige a diligência deve compor um painel de reconhecimento integrando, «pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar».
Esclarece o n.º 2 do artigo 149.º que «quando houver necessidade de a mesma pessoa reconhecer várias pessoas ou vários objectos, o reconhecimento é feito separadamente para cada pessoa ou cada objecto».
Ora, no caso presente, embora os autos documentem a realização de reconhecimentos separados, o certo é que ao compor os painéis a entidade que dirigiu o acto não respeitou minimamente as imposições legais que visam propiciar uma maior fiabilidade do reconhecimento.
Basta ver que à testemunha J foram apresentados dois painéis com membros que integravam painéis que já lhe tinham sido apresentados anteriormente. Como se pode ver dos autos respectivos, L integrou os painéis exibidos em que estavam presentes os arguidos B e H e P integrou os painéis em que estavam presentes os arguidos E e H.
À testemunha R foram apresentados três painéis que eram integrados, para além do suspeito, por P e, em dois deles, também por L.
Isto significa que o já reduzido número mínimo de 3 elementos que integram o painel de reconhecimento foi, em todos os casos, reduzido, tendo a identificação sido feita tendo apenas como verdadeiras alternativas de escolha o suspeito ou, no máximo, o suspeito e uma outra pessoa . Por esta via, transformou-se um “lineup” quase num “show-up”.
Por tudo isto, não pode este tribunal deixar de considerar que tais autos de reconhecimento não têm valor como meio de prova – n.º 7 do artigo 147.º do Código de Processo Penal .
Excluídos estes meios de prova, restam-nos as declarações dos arguidos E e H que, para além de intrinsecamente incongruentes, praticamente não se pronunciaram sobre os acontecimentos de Julho de 2007 (que ao longo dos seus interrogatórios parece não terem sido separados dos de Novembro do mesmo ano) e o depoimento da testemunha J, uma vez que o Ministério Público prescindiu do depoimento da testemunha R por ela residir actualmente no estrangeiro.
Os elementos que se colhem do depoimento da testemunha J, quer na parte em que se trata de um depoimento directo, quer na medida em que é um depoimento indirecto ao qual o tribunal pode atender , apenas permitem concluir que os queixosos beberam cerveja (umas garrafas e uma lata) que os indivíduos que os abordaram foram comprar numa “roulotte”, que quando acordou não tinha alguns objectos de sua pertença, entre os quais a carteira com os documentos que aí se encontravam, o telemóvel, um estojo de cabedal e uma importância até 10 € e que pelos sintomas que teve no dia seguinte (vómitos prolongados, dores de cabeça e grande apatia) está convencido que a cerveja estava “drogada”.
Referiu que o R lhe contou que tinha ido a uma Caixa Multibanco, não tendo, no entanto, conseguido levantar qualquer quantia .
Tendo em conta o atrás exposto e a ausência de qualquer outra prova relevante para o efeito, não pode este tribunal deixar de considerar como não provados os factos descritos sob os n.ºs 5 a 10 da matéria de facto considerada assente pela 1.ª instância.
6 – Analisemos agora a impugnação dos factos narrados sob os n.ºs 11 a 20, que estiveram na base da condenação dos arguidos pela prática do terceiro crime de roubo.
Para o efeito há que atender aos seguintes meios de prova:
– As declarações dos arguidos: E; H;
– O depoimento das testemunhas: N; N; F;
– O auto de apreensão de fls. 103 e 104;
– O auto de apreensão de fls. 108 e 109;
– O auto de apreensão de fls. 113;
– Os fotogramas de fls. 118 a 120;
– O exame médico ao ofendido F de fls. 159 a 161;
– O termo de entrega de fls. 169;
– O diário clínico de F de fls. 180;
– O relatório do exame médico-legal efectuado na pessoa de F de fls. 212 a 214;
Uma vez que as declarações prestadas pelos arguidos E e H, tal como se disse anteriormente, são incoerentes e, em grande medida, completamente inverosímeis, quase dando a entender que, quando se encontravam a rodear o ofendido e foram abordados pela PSP, estavam a desempenhar numa missão humanitária, amparando-o dado o seu estado de embriaguez e a dificuldade de locomoção, importa analisar os dados objectivos resultantes da intervenção dos agentes policiais.
Quando essa intervenção ocorreu, foram apreendidos:
– Ao arguido E, uma carteira com 4 comprimidos “Lorenin” 2,5, duas notas de 20 € cada e um telemóvel Nokia 1112 (fls. 103);
– Ao arguido H uma carteira com 2 comprimidos “Lorenin” 2,5, uma nota de 20 € e duas notas de 10 € (fls. 108);
– Ao arguido B um X-Ato (fls. 113), tudo fotografado a fls. 118 a 120.
O telemóvel veio a ser entregue ao dono no dia 12 de Novembro de 2007 (fls. 169).
Por outro lado, na sequência da condução do ofendido F ao Hospital de S. José e da sua submissão a perícia médico-legal, encontram-se juntos aos autos vários elementos sobre a sua situação clínica (fls. 159 a 161, 180, e 212 a 214), que foram sintetizados no relatório pericial do INML (fls. 212 a 214), dos quais relevam especialmente os resultantes da análise sanguínea efectuada, que revelou a presença no sangue do ofendido de etanol, benzodiazepinas, opiáceos e canabinóides nas quantidades aí indicadas.
Embora o ofendido tenha declarado que, depois de ter estado a beber a cerveja que os arguidos lhe ofereceram (mas antes da intervenção da polícia), foi, acompanhado por eles, a uma Caixa Multibanco e que o cartão aí foi apreendido, não foi junta qualquer documentação bancária a esse respeito, nem, que se saiba, foi realizada qualquer diligência para apurar, em concreto, esses factos.
Tendo em conta os elementos de prova atrás mencionados, que são os únicos a que este tribunal pode atender, analisemos as declarações prestadas na audiência pelo ofendido F.
Ele disse que depois de beber a cerveja que lhe foi oferecida pelos arguidos apenas ficou com “flashes” dos acontecimentos, tendo perdido parcialmente a consciência e a memória de uma forma que considerou “bem estranha” e que tal situação não era confundível com um qualquer estado de embriaguez, por mais elevada que fosse a taxa de alcoolemia.
Estas declarações, quando conjugadas com o resultado da perícia sanguínea (que denota a existência, para além do mais, de benzodiazepinas) e com a apreensão de duas embalagens de “Lorenin” em poder de dois dos arguidos, apontam com toda a clareza para o facto dado como provado de que os arguidos, em conjugação de esforços e intentos, ministraram ao ofendido, pelo menos, aquele fármaco, cujos efeitos, como se sabe, são potenciados pelo consumo de álcool.
Embora o ofendido não soubesse precisar o dinheiro que tinha anteriormente (pensava ser entre 10 e 15 €) e tenha admitido que pudesse ter despendido algum na compra de cerveja, o certo é que ficou privado de qualquer quantia e que um dos arguidos, para além de uma nota de 20 €, tinha também em seu poder duas notas de 10 €.
Da mesma forma, não podemos ignorar que o telemóvel do ofendido foi apreendido em poder de um dos arguidos, tendo registada uma chamada que o dono do aparelho declarou não ter efectuado (para o n.º 964 857 271).
Ora, em face destes elementos de prova, não podemos, de forma alguma, dizer que a prova produzida e examinada em audiência impõe decisão diversa da proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
7 – Resta-nos apreciar a impugnação da decisão de facto quanto ao crime de tráfico de droga.
Em face das apreensões verificadas, a que atrás se fez referência, e da perícia junta a fls. 236, nenhuma dúvida surge de que os arguidos Edgar e Hugo detinham comprimidos de “Lorenin”, cuja substância activa (Lorazepam) está abrangida pela tabela IV anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Tendo em conta o que se disse anteriormente, também podemos concluir que os três arguidos utilizaram esse fármaco para cometer o crime de roubo, actuando conjuntamente e de comum acordo.
Por isso, e porque as declarações dos arguidos Edgar e Hugo quanto a uma pretensa detenção para consumo próprio não têm qualquer consistência, quer pela forma como declararam consumir o produto, quer pela duração que atribuíram a tal prática e ao próprio consumo de cocaína, nada há a alterar quanto ao decidido pela 1.ª instância sobre a matéria de facto relativa ao crime de tráfico.
Não existe qualquer prova que imponha decisão diversa da proferida.
8 – Reapreciada a decisão de facto em todas as vertentes impugnadas, importa agora que nos debrucemos sobre a pena parcelar aplicada a cada um dos arguidos pelo crime de tráfico de droga de menor gravidade e sobre a pena única resultante do cúmulo dessa com a aplicada pelo crime de roubo cometido em 10 de Novembro de 2007.
Comecemos por analisar a pena parcelar.
O crime cometido, em co-autoria, pelos arguidos é punível, em abstracto, com prisão até dois anos ou multa até 240 dias [artigo 21.º, n.º 4, e artigo 25.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro].
Como factores relevantes para a determinação da pena concreta de cada um dos arguidos há que atender à quantidade de droga por eles detida, ao facto de uma outra porção daquela substância ter sido utilizada da forma por que o foi, ao propósito dessa detenção, às circunstâncias pessoais de cada um dos arguidos (n.ºs 28 a 30) e aos seus antecedentes criminais (n.ºs 25 a 27).
Tudo ponderado, entende este tribunal optar, nos termos do artigo 70.º do Código Penal, pela aplicação da pena privativa da liberdade, única que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e, atendendo aos factores supra-indicados, graduar cada uma dessas penas em 1 ano de prisão.
Tendo em conta a conexão espácio-temporal entre o crime de roubo e o crime de tráfico de droga, a instrumentalidade existente e as circunstâncias pessoais indicadas, entende este tribunal dever graduar em 2 anos e 6 meses de prisão a pena única a aplicar a cada um dos arguidos.
9 – Tendo a pena única uma duração não superior a 5 anos, admite o Código Penal a sua suspensão (artigo 50.º), a qual deve ter lugar se «atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste» for de concluir «que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Ora, tendo em conta os antecedentes criminais dos arguidos e as circunstâncias de natureza pessoal dadas como provadas pela 1.ª instância, este tribunal apenas pode formular um prognóstico favorável quanto ao arguido E, que é o único que se afigura estar inserido social, familiar e laboralmente.
Por isso, decide suspender a pena única que lhe é aplicada por igual período de tempo com regime de prova (artigo 53.º do Código Penal) para que, desta forma, possa ser reforçada a sua consciência crítica e possa o arguido vir a adquirir um maior autocontrolo.
A essa suspensão não se opõem, dado o tempo entretanto decorrido, as necessidades de prevenção geral.
Os antecedentes criminais dos arguidos B e H, quando conjugados com as circunstâncias de natureza pessoal dadas como provadas, não legitimam que este tribunal adopte, em relação a eles, uma atitude semelhante.
Por isso, devem estes arguidos cumprir a pena única que ora lhes é imposta.
10 – Uma vez que os arguidos decaíram, embora não totalmente, no recurso que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 87.º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 1 e 15 UC.
Tendo em conta a parcial procedência dos recursos, a situação económica de cada um dos arguidos e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa, para cada um deles, em 3 UC.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos arguidos E, B e H decidindo:
– Absolvê-los da prática dos dois crimes de roubo praticados em Julho de 2007, pelos quais tinham sido condenados na 1.ª instância;
– Alterar para 1 (um) ano de prisão a pena que foi imposta a cada um destes arguidos pela prática de um crime de tráfico de droga p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 4, e pelo artigo 25.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
– Cumular esta pena com a que lhes foi imposta pelo outro crime de roubo, fixando em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão a duração da pena única;
– Suspender, por igual período de tempo, com regime de prova, a pena única imposta ao arguido E.
– No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos.
b) Condenar cada um dos recorrentes no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC.
Lisboa, 22 de Junho de 2011
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(Carlos Rodrigues de Almeida)
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(Horácio Telo Lucas)