I. De acordo com o artigo 44.º do Código Penal, se o condenado consentir, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que este modo de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II. Com esta disposição, como resulta claramente do seu n.º 2, o legislador de 2007 instituiu uma nova pena de substituição que deve ser aplicada na sentença, não tendo criado uma pena de substituição de uma pena de substituição ou uma diferente forma de execução da pena de prisão aplicável, por despacho, em momento posterior ao da prolação da sentença.
Proc. 44/08.4PTAGH 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
_______
Processo n.º 44/08.4PTAGH – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida
DECISÃO SUMÁRIA
I – RELATÓRIO
1 – A. foi condenado, por sentença proferida em 6 de Março de 2008 no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Angra do Heroísmo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, conduta p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 101.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea c), do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, tendo sido determinada a cassação da respectiva carta de condução com a interdição de concessão de novo título pelo período de 3 anos.
Essa sentença transitou em julgado.
Depois de, no dia 30 de Maio de 2011, ter sido preso, o condenado juntou aos autos um requerimento em pedia «o cumprimento da pena através de vigilância electrónica».
Depois de ter sido ouvido o Ministério Público sobre esse requerimento, foi proferido, no dia 16 de Junho de 2011, o seguinte despacho:
«O arguido iniciou o cumprimento de uma pena de prisão a que foi condenado por sentença transitada em julgado.
O requerimento padece por isso de total falta de fundamento, pelo que vai indeferido».
2 – O Ministério Público interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
I – O teor do artigo 44.º do Código Penal, que lhe foi conferido pela Lei n.º 59/2007, passou a admitir o cumprimento da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância; sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II – A tal conclusão teremos que chegar pela simples leitura dos artigos 1.º d), 4.º, 7.º, n.º 1 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, quando os referidos preceitos se referem ao 'condenado' e, especialmente, ao teor do artigo 7.º, n.º 1 que prevê que 'a utilização de meios de vigilância electrónica é decidida por despacho do juiz, ... a requerimento do arguido ou condenado, depois do inquérito, para o que deverá o juiz solicitar prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, ... do arguido ou condenado...'
III – A pena de prisão efectiva pode ser modificada na sua execução por obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica – basta a simples leitura do artigo 120.º, n.º 1 d) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade para tal concluir – quando refere que modificação da execução da pena reveste a modalidade de Regime de permanência na habitação para percebermos que tal é possível.
IV – Por outro lado, não podia o Tribunal a quo indeferir liminarmente o requerimento do condenado, invocando que a sentença que o condenara já havia transitado em julgado, pois com a redacção que foi introduzida no artigo 4.º, n.º 2 do Código Penal pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, desapareceu o limite contido na parte final da versão anterior do mesmo artigo (trânsito em julgado de sentença condenatória). É hoje possível, após o trânsito em julgado, aplicar ao condenado um regime mais favorável, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos legais.
V – No mesmo sentido da ratio de tal norma, encontramos o artigo 371.º-A do CPP, o qual prevê que 'Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.'
VI – Deve pois o despacho do Tribunal “a quo” ser revogado e substituído por outro que permita aferir das condições pessoais, sociais e económicas do condenado para que o mesmo possa beneficiar da modificação da pena de prisão por permanência na habitação.
3 – Não foi apresentada qualquer resposta à motivação do Ministério Público.
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 207.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5 – Uma vez que o recurso interposto pelo Ministério Público é manifestamente improcedente, o tribunal limitar-se-á, nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 420.º do Código de Processo Penal, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
6 – De acordo com o artigo 44.º do Código Penal, se o condenado consentir, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que este modo de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com esta disposição, como resulta claramente do seu n.º 2, o legislador de 2007 instituiu uma nova pena de substituição que deve ser aplicada na sentença, não tendo criado uma pena de substituição de uma pena de substituição ou uma diferente forma de execução da pena de prisão aplicável, por despacho, em momento posterior ao da prolação da sentença .
Essa mesma ideia é hoje reforçada pelo artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, diploma que não modifica, de modo algum, o regime previsto no artigo 44.º do Código Penal
7 – A modificação da execução da pena de prisão prevista no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, apenas pode ter lugar nos casos previstos no artigo 118.º, disposição que não se aplica nesta situação.
8 – A sentença que condenou o arguido foi proferida depois de se encontrar em vigor a actual redacção do artigo 44.º do Código Penal e depois dela não entrou em vigor qualquer disposição legal aplicável a este caso que possa ser considerada como uma lei mais favorável ao arguido que imponha ou permita a aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.
Por tudo isto, o recurso interposto pelo Ministério Público é manifestamente improcedente, devendo, portanto, ser rejeitado.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, atento o disposto no artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, decido rejeitar, por ser manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Setembro de 2011
_______________________________
(Carlos Rodrigues de Almeida)