Requisitos da revisão e confirmação de sentença proferida pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, tendo-se em vista o cumprimento em Portugal do remanescente da pena em que o arguido foi condenado. Revisão e confirmação efectuada ao abrigo da Lei nº102/2001, de 25/8 que 'Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os Tribunais Penais Internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda' e o acordo celebrado entre Portugal e as Nações Unidas sobre a execução de sentenças do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia.
Proc. 756/11.5YRLSB 9ª Secção
Desembargadores: Almeida Cabral - Rui Rangel - -
Sumário elaborado por Ivone Matoso
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo n.° 756/11.5YRLSB
Acordam, em conferência, os Juízes da 9.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1- O pedido
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, ao abrigo do disposto nos art°s. 99.°, n.° 4 e 123.°, n.° 1, da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, da Convenção Europeia sobre Transferência de Pessoas Condenadas, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 8/93, de 20 de Abril, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 8/93, da mesma data, ex vi art.° 11.° da Lei n.° 102/2001, de 25 de Agosto, e do -art:°-23° e sgs. do C.-P.P.,-nos termos-do-acordo entre Portugal e- as--Nações--Unidas sobre- a - Execução de Sentenças do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.° 51/2008, de 18 de Julho, in DR.a de 16 de Setembro de 2008, I Série, e ratificado por Decreto do Presidente da República n.° 69/2003, de 16 de Setembro, veio requerer a:
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA PENAL DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL, referente a ...natural de Kozarac, Virginmost, Croácia, onde nasceu no dia 20/7/1947, melhor id. nos autos;
nos termos e com os fundamentos seguintes:
Por sentença de 27 de Setembro de 2007, da Câmara de 1.a Instância do Tribunal Penal Internacional, confirmada em 05 de Maio de 2009, foi o arguido condenado na pena única de 20 (vinte) anos de prisão, pela prática de crimes de 'assassínio ', 'tortura' e 'tratamento cruel' , em violação das leis e costumes de guerra, ps. ps. nos termos do art.° 3.° do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, tudo conforme cópia da sentença certificada e traduzida junta aos autos, cujos termos precisos aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
O arguido foi detido em 15 de Maio de 2002, situação em que se vem mantendo ininterruptamente desde então.
O meio da pena está previsto para 15 de Maio de 2012, ocorrendo o seu integral cumprimento, não havendo interrupções, em 15 de Maio de 2022, sendo que só poderá sair em liberdade condicional se nisso for autorizado pelo Presidente do Tribunal Internacional, conforme art.° 3.°, n°s. 4 e 5 do Acordo entre a República Portuguesa e as Nações Unidas, aqui em causa.
No âmbito do referido Acordo (art°s. 1.° e 2.°), o Tribunal Penal Internacional, através do respectivo Secretário, solicitou a Portugal, que manifestou junto do Conselho de Segurança a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas, conforme o previsto no art.° 27.° Estatuto do mesmo Tribunal, a execução da sentença pela qual foi o arguido condenado, a fim de aqui cumprir o remanescente da pena de vinte anos de prisão que lhe foi imposta.
O Exm.° Ministro da Justiça, conforme despacho de fls. 36, considerou admissível o formulado pedido de transferência do mesmo arguido para Portugal.
A pena não se mostra extinta por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa, e não excede o limite máximo da pena de prisão prevista na lei portuguesa.
Assim, porque a sentença revidenda obedece aos requisitos necessários para confirmação, enumerados no art.° 1096.° do Código de Processo Civil, ex vi art.° 237.°, n.° 2, do C. P. Penal, considerando o disposto nos art°s. 6.°, 95.°, 122.° e 123.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, 234.° do Código de Processo Penal, 41.° do Cód. Penal, 30.° da C.R.P. e 3.°
Acordo entre a República Portuguesa e as Nações Unidas sobre a execução de sentenças do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, requereu o Ministério Público a
confirmação da sentença penal em causa, proferida pela Câmara de 1.a Instância do TPI.
Il. Os pressupostos processuais
Este Tribunal da Relação de Lisboa é o territorialmente competente, nos termos do art.° 235.°, n.° 2, do C.P.P., para a revisão e confirmação da sentença em causa.
O governo português autorizou o cumprimento em Portugal do remanescente da pena
de prisão em que o arguido foi condenado pelo cometimento dos imputados crimes.
Os documentos com que o Ministério Público instruiu o presente pedido têm força probatória bastante.
Quer o procedimento criminal quer a pena não se mostram extintos por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa.
As diligências complementares previstas nos art°s. 1098.° e 1099.° do C.P.C. não são aqui aplicáveis, ante a especificidade do processo em causa.
É que, na sequência da disponibilidade manifestada junto do Conselho de Segurança para receber pessoas condenadas, admitido o respectivo pedido por parte do Ministro da Justiça, a Portugal nada mais resta, dentro dos limites previstos no art.° 11.0, n.° 3, da Lei n.° 102/2001, de 25 de Agosto, do que dar execução à sentença proferida pelo Tribunal Internacional, e pela forma prevista no art.° 3.° do 'Acordo'.
Por outro lado, a pessoa condenada também não poderá, por qualquer forma, condicionar a sua transferência para qualquer um dos Estados disponíveis para receber -condenados à luz-do-mesmo 'Acordo'. -
A prova de que assim haverá de ser entendido colhe-se, desde logo, do preceituado no art.° 4.° do citado 'Acordo', onde tudo o que é imposto ao Secretário fazer é 'informar a pessoa condenada sobre o conteúdo do presente Acordo antes da sua transferência', o que também se entende resultar do seu art.°9.°, n.° 2.
Assim, pese embora a remissão feita pelo art.° 237.°, n.° 2 do C.P.P. para o art.° 1094.° e sgs. do C.P.C., entende-se não haver aqui lugar, entre outras, às diligências previstas nos art°s. 1098.° e 1099.° deste mesmo diploma, impondo-se a esta Instancia, por isso, e tão só, proferir decisão.
III. O mérito do pedido
1.° Está aqui em causa, apenas, o cumprimento, em Portugal, do remanescente da pena de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional;
2.° A respectiva pena transitou em julgado;
3.° Os factos que motivaram a condenação do arguido eram, e são puníveis à luz do direito humanitário internacional, com cuja aplicação coopera Portugal através do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, conforme Lei n.° 102/2001, de 25 de Agosto, e Resolução da Assembleia da República n.° 51/2008, de 16 de Setembro, que aprovou o respectivo 'Acordo';
4.° A pena de prisão em que o arguido foi condenado não excede o limite máximo previsto no art.° 41.°, n.° 1, do Código Penal Português;
IV. Decisão
Atento o exposto, o Tribunal de Relação de Lisboa, julgando procedente o pedido do Ministério Público de revisão e confirmação da sentença penal proferida pela Câmara de l.a Instância do Tribunal Penal Internacional, já transitado em julgado, por crimes de 'assassínio', 'tortura' e 'tratamento cruel', revê-a e confirma-a, dando-lhe, assim o exequatur necessário ao seu cumprimento em Portugal, condicionado, contudo, nos termos previstos no art.° 3.°, n°s. 3 a 6 do Acordo aprovado pela Resolução da A.R. n.° 51/2008.
Conforme resulta dos autos, o cumprimento da pena iniciou-se em 15 de Maio de 2002, tem vindo á processar-se de forma ininterrupta e preve-se que o seu terminus ocorra em 15 de Maio de 2022.
Sem custas.
Lisboa, 15-09-2011