Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 07-12-2011   Homicídio por negligência - violação do dever objectivo e subjectivo de cuidado.
I – A fase central e determinante de qualquer processo penal é a audiência de julgamento em 1.ª instância. Nela deve incidir o principal esforço dos sujeitos processuais, assumindo aí plenamente o direito e o dever de contribuir para a conformação da decisão.
II – Embora recaia sobre o tribunal um dever de investigação oficiosa, esse dever tem hoje um carácter meramente subsidiário e supletivo.
III – O Tribunal da Relação, ao apreciar um recurso da decisão de facto, só se pode pronunciar sobre factos que o tribunal de 1.ª instância tenha considerado provados ou não provados e não sobre outros que ele não tenha sequer apreciado.
IV – O Ministério Público se, no decurso da audiência de julgamento na 1.ª instância, entendia que se tinha verificado uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, deveria ter formulado um requerimento sobre tal matéria, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
V – A negligência consiste, segundo a nossa lei e a doutrina dominante, numa violação do dever (objectivo e subjectivo) de cuidado (corpo do artigo 15.º do Código Penal).
VI – Este dever comporta uma dimensão interna, que impõe que cada um de nós se aperceba das situações de perigo com que a cada momento está confrontado, e uma dimensão externa, que implica que, tendo percepcionado o perigo, assuma uma conduta adequada.
VII – Tendo o agente tido a percepção do perigo, ou seja, tendo cumprido a dimensão interna do dever de cuidado, deve, consoante os casos:
– Abster-se de praticar o acto perigoso se não estiver seguro de que o pode executar dentro das margens de risco socialmente permitido, não lesando o bem jurídico protegido;
– Preparar-se e informar-se previamente de forma que, uma vez reunidas as condições necessárias, possa vir a praticar o acto perigoso dentro das margens de risco socialmente permitido;
– Estando reunidas as condições para praticar o acto nas circunstâncias referidas, actuar com a diligência devida para que a conduta não ultrapasse aquelas margens de risco, não vindo a lesar o bem jurídico.
Proc. 373/10.7JDLSB 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
_______
Processo n.º 373/10.7JDLSB – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
1 – O arguido N foi julgado na 4.ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenado, por acórdão de 3 de Junho de 2011, pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, conduta p. e p. pelo artigo 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão suspensa por igual período de tempo.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
O arguido é agente da Polícia de Segurança Pública desde 28/07/2006.
À data dos factos infra relatados, o arguido exercia funções na 00.ª Esquadra da 4.ª Divisão do Comando Distrital de Lisboa da PSP.
Na madrugada de 15/03/2010, o arguido encontrava-se integrado numa operação de fiscalização de trânsito, a cargo da 6.ª Equipa de Intervenção Rápida da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da 4.ª Divisão da PSP, que decorria no viaduto da Doca de Santo Amaro, em Lisboa, no sentido Rotunda das Docas/Rua de Cascais.
Nessa ocasião, o arguido transportava consigo a sua arma de serviço, uma pistola semiautomática, de calibre 9 mm Parabellum, de marca Walther, modelo P99, com o n.º de série 027111, apresentando o logótipo da PSP do lado esquerdo da corrediça; munida do respectivo carregador com oito munições de calibre 9 mm Parabellum.
Encontravam-se igualmente integrados na referida operação policial, para além de outros operacionais, o agente principal da PSP A e os agentes da PSP, P, M e T.
Tanto o arguido como os demais agentes se encontravam devidamente uniformizados com a farda da PSP.
Pelas 04h20, N iniciou a subida do viaduto da Doca de Santo Amaro ao volante do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula 00-00-OO, em direcção à Rua de Cascais.
Nessa altura, ao aperceber-se da operação de fiscalização de trânsito que ali decorria, o N desligou as luzes da viatura que conduzia e inverteu a marcha, seguindo em contramão na direcção da Rotunda das Docas.
Apercebendo-se de que o N pretendia furtar-se à fiscalização policial, o arguido, o agente principal A e os agentes P, M e T decidiram ir em sua perseguição.
Para o efeito, o arguido e os referidos agentes entraram numa viatura policial, de marca Mercedes, modelo Sprinter, com a matrícula 00-00-OO, com oito lugares sentados (dois lugares na frente e os restantes atrás).
O agente P assumiu a condução da viatura e, a seu lado, na qualidade de chefe da viatura, seguiu o agente principal A.
Por sua vez, o arguido e os agentes M e T entraram na parte de trás da viatura, sendo que o arguido se sentou no banco que se encontra voltado para a porta traseira do veículo.
Nessa altura, o agente P ligou os rotativos luminosos e a sirene da viatura policial e iniciou a perseguição.
Sempre seguido pela viatura policial, o N conduziu em grande velocidade a viatura 00-00-OO pela Avenida Brasília, passando sobre o túnel de Algés e entrando no IC 17, desrespeitando vários sinais semafóricos que se encontravam com a luz vermelha acesa.
No IC 17 o N seguiu até à saída para a 2.ª Circular, entrando na Radial de Benfica.
Já na Radial de Benfica, a viatura policial conseguiu ultrapassar o veículo conduzido pelo N.
No decurso da ultrapassagem, o arguido e os demais agentes policiais aperceberam-se de que na viatura de matrícula 00-00-OO viajava apenas o condutor.
Então, após a ultrapassagem, a viatura policial imobilizou-se na Radial de Benfica, junto ao Instituto Militar dos Pupilos do Exército.
Nesse momento, o N imobilizou também o seu veículo, que ficou parado cerca de 20 metros atrás da viatura policial.
Acto contínuo, o arguido e os agentes M e T saíram pela porta traseira do veículo policial, começando o arguido a gritar: «Pára! Polícia!».
Nessa altura, sendo sensivelmente 04h38, o N iniciou a manobra de inversão de marcha, preparando-se para fugir do local.
Apercebendo-se de tal facto, o arguido retirou do coldre a pistola supra descrita e carregou-a, introduzindo uma munição na câmara.
Depois, o arguido começou a correr na direcção da viatura de matrícula 00-00-OO, com a arma na mão direita.
Entretanto, o N continuava a manobra de inversão de marcha, encontrando-se já a sua viatura diagonalmente em relação ao eixo da Radial de Benfica.
Nessa ocasião, o arguido efectuou um disparo para o ar, continuando a correr na direcção da mesma. Passados cerca de 3 segundos, quando a viatura de matrícula 00-00-OO já se encontrava voltada em sentido contrário e a uma distância de cerca de 12 metros do arguido, este efectuou dois disparos na direcção da zona traseira esquerda da mesma, no intuito de a imobilizar.
Então, um destes dois projécteis disparados pelo arguido entrou na porta da bagageira do lado esquerdo acima da óptica traseira da viatura de matrícula 00-00-OO, a 86 cm de distância do solo, atravessou a bagageira, perfurou o banco traseiro, continuou pelo interior do habitáculo, atravessou o banco do condutor e penetrou na região dorsal mediana direita do N.
Já no interior do corpo do ofendido, o projéctil seguiu um trajecto orientado de trás para diante, ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da direita para a esquerda, penetrando no tórax e indo alojar¬-se na região torácica anterior mediana.
Entretanto, a viatura de matrícula 00-00-OO prosseguiu a marcha em contramão, através da via de acesso entre a Radial de Benfica e a Travessa de S. Domingos de Benfica, vindo a embater num muro de betão existente nesta última artéria, onde ficou imobilizada.
Em consequência da conduta do arguido, o ofendido sofreu uma ferida perfuro-contundente, orificial, de entrada de projéctil de arma de fogo na região dorsal, de contorno circular que mede 0,6 cm de diâmetro, rodeada de orla de escoriação excêntrica nos quadrantes superiores, que mede 0,5 cm de eixo vertical –localizada a cerca de 24 cm para baixo da base do pescoço e 2 cm para direita da linha média; bem como equimose roxa na região esternal, numa área de cerca de 2,5 x 3 cm, a cerca de 2 cm para a direita da linha média, a nível da 6.ª costela – e que dista cerca de 28 cm para baixo da base do pescoço.
Sofreu, ainda, ferida perfuro-contundente em forma de túnel:
– Dos músculos intercostais posteriores do 9.º espaço direito, junto à face lateral direita da 9.ª vértebra torácica;
– Transfixiva do lobo inferior do pulmão direito;
– Transfixiva da face lateral direita do saco pericárdico;
– Transfixiva do ventrículo direito do coração;
– Transfixiva da face anterior do saco pericárdico;
– Com esfacelo da 6.ª articulação esterno costal direita.
O N morreu em consequência das graves lesões traumáticas torácicas supra referidas.
O arguido N, não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias estaria obrigado e de que era capaz. Na verdade, sabia que o seu comportamento ao efectuar dois disparos na direcção da zona traseira esquerda do veículo de matrícula 00-00-OO era perigoso, e que, naquelas condições concretas, com o arguido e o veículo em movimento, impunha-se, nomeadamente, uma especial preparação técnica que o arguido não possuía, já que, com aquela arma não tinha efectuado qualquer tipo de treino.
O arguido agiu com desrespeito pelas mais elementares regras de prudência, e embora devesse ter previsto que com o seu comportamento podia pôr em perigo a vida do condutor do veículo, nem sequer representou o resultado dessa conduta.
Agiu, ainda, ciente de que se não verificava, no caso concreto, nenhuma das situações legitimadoras do recurso a arma de fogo por agente policial previstas no Decreto-Lei nº 457/99 de 05/11 e nas Normas Sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos (OPSEG/DEPOP/01/05 de 01/06/2004 da Direcção Nacional da PSP), por tal recurso se revelar desnecessário, desproporcional e desadequado.
Conhecia a reprovabilidade penal da sua conduta.
Conforme consta do CRC do arguido junto aos autos o mesmo não tem qualquer antecedente criminal.
Conforme resulta do teor do relatório social do arguido, que faz fls. 744 a 748 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o arguido vive com uma companheira, perto dos seus progenitores e é um jovem integrado social, familiar e profissionalmente sendo considerado por amigos e colegas e tendo o apoio da sua família e amigos e sendo considerado pelos seus colegas de trabalho, que sobre ele dão as melhores referências, tanto profissionalmente como relativamente às suas qualidades pessoais e humanas.
Como igualmente resulta do referido relatório social os factos repercutiram-se de forma negativa no estado de saúde do arguido, a nível psicológico, causando-lhe um estado de angústia que lhe provoca perturbações no sono e estado de permanente preocupação.
O tribunal considerou não provado que:
Ao actuar da forma descrita em 2.1., o arguido admitiu como possível que o ofendido pudesse vir a ser atingido por um dos dois projécteis que disparou na direcção da viatura de matrícula 00-00-OO e morrer, como de facto sucedeu, e, ainda assim, prosseguiu na sua actuação, conformando-se com tal resultado.
O tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica de toda a prova produzida – cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal – designadamente tendo em conta o teor de todos os documentos constantes dos autos, designadamente o relatório de fls. 28 a 42, autos de apreensão de fls. 65, 66 e 114, auto de reconstituição de fls. 134 a 140, relatórios de fls. 152 a 178, relatório de autópsia de fls. 201 a 208, relatório de fls. 216 a 224, 227 a 252, 272, 280, CRC do arguido de fls. 735 e relatório elaborado pela DGRS que consta de fls. 743 a 748 dos autos, bem como:
– Nas declarações do arguido, prestadas em audiência de julgamento, que admitiu a prática dos factos, tendo referido que aquando da realização dos disparos na direcção do veículo conduzido pela vítima, tanto ele como o veículo conduzido por aquela se encontravam em movimento, que o seu objectivo foi apenas o de com tais disparos evitar que a vítima circulasse com o veículo em sentido contrário ao do trânsito daquela via, dado que isso podia provocar acidentes a terceiros, que utilizavam tal via; mais referiu que apenas pretendeu atingir o veículo no pneu e imobilizar a marcha deste. Referiu ainda não ter efectuado treino com a arma com que efectuou os disparos, mas apenas com a que anteriormente lhe estava atribuída. Mais referiu que nunca pensou que com tais disparos podia atingir o condutor do veículo ou sequer que o mesmo podia morrer em consequência daqueles, dado o local do carro para onde disparou e pretendia atingir – pneu –. Referiu ainda ter sido o primeiro a sair da viatura policial e a estar mais perto do carro da vítima, dado o local em que seguia na viatura policial e que os seus colegas estiveram sempre nas suas costas. Mais disse que após os factos recebeu apoio psicológico, face às consequências dos factos e que nunca quis tirar a vida a outra pessoa;
Nos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em audiência, designadamente:
– P, M, T, todos Agentes da PSP, e A, agente Principal da PSP, e que na noite da prática dos factos se encontravam com o arguido, os quais de forma objectiva, lógica e sem contradições relataram os factos que presenciaram, tendo referido que seguiam na viatura policial que perseguia a viatura da vítima, o qual estava em fuga após lhe ter sido dada ordem de paragem, tendo circulado durante a perseguição por várias artérias de cidade de Lisboa, incumprindo várias regras estradais, designadamente com velocidade excessiva. Referiram ainda que após o veículo da vítima se ter imobilizado o primeiro a sair da viatura policial para abordar a vítima, condutor do veículo em fuga, foi o arguido face ao local em que vinha sentado na viatura policial. Os seus depoimentos foram no sentido dos factos dados como provados tendo referido que após os disparos o carro conduzido pela vítima continuou a circular em contramão, que entraram de novo na viatura policial e seguiram em contramão em perseguição do veículo conduzido pela vítima, com o qual depararam imobilizado na via, um pouco mais frente, pensaram que o mesmo tinha tido um acidente e apenas quando se aproximaram deste constataram que o veículo tinha sido atingido pelos projécteis e posteriormente que o condutor do veículo tinha sido atingido por um daqueles.
– As testemunhas A e N, Inspectores da Polícia Judiciária, que estiveram no local após a prática dos factos e que descreveram o que observaram e constataram, tendo igualmente os seus depoimentos se mostrados objectivos, isentos e lógicos pelo que como os das testemunhas anteriormente referidas foram merecedores de credibilidade.
– A testemunha E, inspector da polícia judiciária, que exerce funções no departamento de armamento e dá formação em tiro, que depôs sobre as características das armas de fogo mormente da utilizada pelo arguido, tendo referido que existe necessidade de treino para utilizar aquela e que para usar a arma de fogo, disparando em movimento para um alvo igualmente em movimento existe necessidade de um treino específico, contínuo e que ainda assim com tal treino nem todos os indivíduos que o fazem conseguem ter precisão na realização de tais disparos, estando o agente que o faz em movimento e o alvo igualmente em movimento.
– As testemunhas M, Superintendente da PSP, que dá formação a formadores de Agentes da PSP, que referiu que o funcionamento da arma utilizada na data da prática dos factos pelo arguido e a que lhe estava distribuída anteriormente era idêntico, que na PSP não fazem formação de tiro para alvos em movimento e o agente que efectua igualmente em movimento, tendo ainda esta testemunha bem como a testemunha J, Agente Principal da PSP, que igualmente dá formação a agentes da PSP, referido que em sua opinião os disparos efectuados pelo arguido naquelas circunstâncias se justificavam, face à conduta da vítima, tendo o segundo referido que se estava perante um perigo eminente para terceiros que utilizavam a via. Tais depoimentos nas partes mencionadas, mormente nas opiniões referidas, não foram tidos nessa parte em conta.
Da análise crítica de toda a prova produzida e supra mencionada foram dados como provados os factos supra referidos e como não provado o facto supra mencionado, porque infirmado com a prova efectuada em audiência de julgamento.

2 – O Ministério Público interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. O arguido N foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência aos artigos 13.º e 15.º, al. b), do mesmo diploma legal, na pena de vinte meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período de tempo.
2. Contudo o acórdão proferido é nulo por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação e de exame crítico das provas;
3. Com efeito, o tribunal no essencial limitou-se à cópia dos factos da acusação omitindo integralmente quer os factos alegados pelo arguido na sua contestação quer os demais factos que foram provados em julgamento bem como os que resultaram do teor de documentos juntos aos autos.
4. Tais factos não poderiam deixar de ser atendidos pelo tribunal atenta a sua relevância e imprescindibilidade para a boa decisão da causa.
5. Assim o acórdão é inteiramente omisso quanto:
1 – Às características da via onde os factos ocorreram – radial de Benfica, as quais são alegadas na contestação do arguido sob as alíneas k) (“uma vez que aquela via é uma via com trânsito que circula numa velocidade não inferior a 80 km horários e alguns deles em desrespeito pelo limite legal”) e l) “(não obstante a hora dos factos, o certo é que aquela via é de circulação intensa)”, sendo certo que a sua prova era imprescindível para decidir quanto à legitimidade do arguido para agir como agiu face ao alegado perigo iminente que constituía a conduta da vítima.
2 – Ao percurso percorrido pela vítima ao longo de uma perseguição de cerca de 18 minutos e características dessas vias, prova esta que, a ser feita, daria a real dimensão da gravidade da conduta da vítima e do perigo a que o arguido pretendeu pôr cobro;
3 – À velocidade seguida durante a mencionada perseguição, velocidade essa que foi apurada e que é um elemento importante para aferir de toda a acção que teve lugar nesse dia e que o tribunal, simplisticamente, resume como sendo de “grande velocidade”;
4 – À formação – teórica e prática – que o arguido teve desde que entrou para a PSP, já que o acórdão tece considerações quanto à capacidade do arguido e à sua preparação técnica (ou falta dela) sem que tivesse dado como provados ou não provados quaisquer factos sobre tal questão;
6. Todos esses factos eram essenciais para a decisão da causa, permitindo, da prova dos mesmos, que se extraísse uma conclusão diametralmente oposta àquela a que o tribunal chegou: a de que o arguido agiu em perfeita consonância com as normas legais a que devia obediência, com a intenção de parar um veículo que, circulando em contramão numa via rápida, em desobediência repetida e persistente a todas as ordens que lhe foram dadas e o tiro de advertência disparado constituía, naquelas circunstâncias, um perigo iminente para a vida e/ou integridade física de terceiros.
7. O douto acórdão proferido violou o disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ao deixar de apreciar todas as questões que os sujeitos processuais submeteram à sua apreciação bem como as que resultaram da discussão da causa.
8. O acórdão proferido não está devidamente fundamentado nem nela se faz uma apreciação crítica da prova.
9. O dever de fundamentar uma decisão judicial é um imperativo constitucional sendo através desta que se assegura a total transparência da decisão e que se evidencia – interna e externamente – qual o processo lógico-formal que conduziu a determinada decisão, permitindo assim aos destinatários e à comunidade o conhecimento, compreensão e aceitação da apreciação levada a cabo pelo tribunal.
10. Ao efectuar o exame crítico das provas deve o tribunal esclarecer, cabal e claramente, porque privilegia determinados meios de prova em detrimento de outros ou porque valora apenas parcialmente qualquer depoimento ou documento.
11. Limitou-se o tribunal a indicar quais as provas atendidas sumariando os depoimentos das testemunhas sem justificar porque apenas atendeu parcialmente ao afirmado pelas mesmas apesar de as considerar isentas.
12. Afirmando ter tido em conta todos os documentos juntos aos autos, da maior parte destes não extrai qualquer facto – provado ou não.
13. Não se indica uma única prova nem fundamento que sustente que se dêem como provados os seguintes factos:
– “não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias estaria obrigado e de que era capaz. Sabia que o seu comportamento era perigoso, e que, naquelas condições concretas, com o arguido e o veículo em movimento, impunha-se, nomeadamente, uma especial preparação técnica que não possuía, já que, com aquela arma, não tinha efectuado qualquer tipo de treino”;
– “devia ter previsto que com o seu comportamento podia pôr em perigo a vida do condutor do veículo”;
– “agiu ciente de que se não verificava, no caso concreto, nenhuma das situações legitimadoras do recurso a arma de fogo por agente policial previstas no Decreto Lei n.º 457/99, de 05/11, e nas Normas Sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos (OPSEG/DEPOP/01/05 de 01/06/2004 da Direcção Nacional da PSP), por tal recurso se revelar desnecessário, desproporcional e desadequado” e
– “conhecia a reprovabilidade penal da sua conduta”.
14. Não se menciona qualquer prova que sustente a afirmação de que o arguido não possuía “preparação técnica” ou a afirmação de que deveria ter previsto que o disparo dirigido a um pneu iria atingir o condutor.
15. Conclui pela inexistência de perigo «atenta a hora a que ocorreram os factos», por não haver «notícia de que de tais condutas tenham resultado quaisquer consequências, para outros utentes da via pública, bem como se estes àquela hora por ali circulavam».
16. Todos os depoimentos quer dos agentes que estiveram no local quer mesmo de um inspector da PJ ali chamado de imediato são unânimes em afirmar que havia trânsito nessa altura na radial de Benfica!
17. Contudo e se o tribunal, por razões que não indica, entendeu não dar tal facto como provado sendo no seu entender o mesmo relevante para a condenação do arguido, deveria então, oficiosamente, tê-lo apurado, o que não fez.
18. Também não resulta perceptível porque é que o tribunal considerou não existir “perigo iminente” e ser injustificada a conduta do arguido:
Apenas porque não houve “notícia” de mortos e feridos por causa da condução da vítima? Por causa da hora? Porque às 4H38 não circulam veículos automóveis nas vias urbanas rápidas de Lisboa? Porque só há perigo iminente quando se lhe segue um dano, uma lesão? Porque o perigo iminente é aferido após ter deixado de existir perigo, ou seja, à distância da verificação da conduta potencialmente perigosa? Porque só o ter ocorrido “algo de grave para terceiros” é que permite concluir que afinal o que parecia não ser iminente era iminente? Porque o arguido agiu injustificadamente ao actuar antes de haver mortos e feridos? Porque deveria ter aguardado por essa verificação para constatar que afinal o perigo era iminente?
19. No acórdão não se explica qual o raciocínio lógico, coerente e sustentado na prova feita e/ou nas regras de experiência comum, que foi seguido e que determinou que se concluísse, como se concluiu, pela condenação do arguido.
20. Não resulta perceptível, claro e lógico o porquê da decisão, por forma a afastar-se a ideia de que a mesma radica num entendimento subjectivo, pessoal e íntimo dos julgadores.
21. A falta de fundamento claro e inteligível torna, salvo melhor opinião, o acórdão proferido, numa decisão nula, obscura e impermeável a qualquer tentativa de entendimento.
22. Tendo sido violado o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
23. O acórdão proferido contém evidentes e insanáveis contradições na sua fundamentação.
24. Assim considerou provado que o arguido “não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias estaria obrigado e de que era capaz. (…) impunha-se, nomeadamente, uma especial preparação técnica que o arguido não possuía”.
25. Do mesmo facto resultam assim duas afirmações antagónicas e inconciliáveis: a de que o arguido era capaz para agir de outra maneira mas não era capaz porque não tinha preparação técnica!
26. Se o tribunal tivesse considerada provada – como podia e devia – toda a formação técnica do arguido, teria de concluir pela sua capacidade para agir (como o fez) já que ao arguido sempre foi ministrada toda a formação que a PSP impõe aos seus agentes, tendo sido sempre avaliado e considerado apto e tecnicamente preparado para o exercício das suas funções.
27. Contudo o tribunal, em detrimento dos parâmetros de avaliação na formação em armas de fogo da PSP, a qual sempre considerou o arguido apto e tecnicamente preparado para o exercício das suas funções, entendeu, na sua própria avaliação, que este é capaz mas não tecnicamente capaz!
28. Tal entendimento é incongruente e ininteligível.
29. Afirma-se ainda no acórdão que “não existe qualquer causa de justificação da ilicitude. (…) para além da condução perigosa que vinha exercendo e da desobediência aos senhores agentes policiais (…) inexistindo ainda um perigo eminente da sua conduta, ao circular naquelas circunstâncias em contramão, pelo que o uso da arma de fogo pelo arguido não se mostra justificado”.
30. Não se consegue entender porque é que o tribunal considera que a vítima fazia uma “condução perigosa” e simultaneamente considera que não existia perigo.
31. A condução perigosa consubstancia um ilícito criminal cujo elemento do tipo é o perigo.
32. Não se pode entender o conceito de condução perigosa sem verificação de perigo.
33. Tal consideração é contraditória e ininteligível.
34. O acórdão proferido está assim ferido do vício de contradição insanável na fundamentação, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
35. Apesar dos vícios alegados, certo é que a prova efectuada impunha que outros factos fossem dados como provados, ou que o fossem de forma diferente, o que, caso tal tivesse sido feito, conduziria à absolvição do arguido, face à verificação de uma causa de exclusão da ilicitude.
36. Também apesar das nulidades arguidas, nada obstará ao seu suprimento já que a prova produzida em audiência é clara e inteligível, permitindo colmatar a falta de fundamentação e do exame crítico da prova.
37. Assim e face à prova produzida, deverão ser dados como provados os seguintes factos:
38. I.
A radial de Benfica é uma via pública e urbana destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de rodagem, e, em determinados troços, com três vias de trânsito.
39. Tal facto resulta das fotografias de fls. 37, 38, 137, 138, 152, 162 e ainda dos depoimentos:
Ficheiro 20110222143134_59174_64687 (Início – 22:02:2011 – 14:31:34/ 02:59:50):
Depoimento do arguido:
(49:48 a 49:59) “…porque estávamos numa via rápida e passavam …”;
(1:23:15 a 1:25:10) “….estávamos numa via rápida, o trânsito não estava condicionado... o trânsito estava a circular normalmente (…) Quando o comportamento do Sr. N foi aquele ali, aquela condução que ele estava a ter, a movimentação do carro ao fazer aquela meia lua, meia circunferência, para entrar em sentido contrário na Travessa de S. Domingos estava a criar ali uma situação de perigo para ele, para nós e para as restantes pessoas que circulavam naquela hora”;
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) Testemunha M – Superintendente da PSP:
(01:02:43 a 01:05:26) – “…ao fazer inversão de marcha, desobedecer à ordem policial, fazendo inversão de marcha para entrar em contramão numa via que ainda por cima é rápida, uma estrada em que se anda rápido, …”;
(1:24:15 a 1:24:48) “…uma contramão numa via rápida, …”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha A – agente principal da PSP.
(43:06 a 43:26) “…não estava cortada a faixa, aquilo até é praticamente auto-estrada os carros passam ali a certa velocidade, …”.
(1:01:04 a 1:01:26) R: “…. faz inversão de marcha numa auto-estrada, vai em contramão põe em perigo os possíveis veículos que aí circulam e na radial de Benfica não estamos a falar em vias citadinas de 50 km/hora, …”;
R: “Aquilo é comparado a auto-estrada, circulam ali viaturas …”.
40. II.
No dia e hora a que os factos ocorreram circulavam veículos na radial de Benfica.
41. Tal facto resulta dos seguintes depoimentos:
Ficheiro 20110222143134_59174_64687 (Início – 22:02:2011 – 14:31:34/02:59:50)
Depoimento do arguido:
(49:48 a 49:59) “…porque estávamos numa via rápida e passavam …”;
(52:07 a 52:39) “…Aquilo era uma via movimentada e eu estou convicto que agi de acordo com a NEP (…) Naquele caso havia a possibilidade de aparecer carros …”;
(53:17 a 53:41) “na altura em que nós passámos os carros continuavam a passar porque nós não cortámos a estrada … No momento em que o carro estava na diagonal continuavam a passar carros”;
R: (55:49 a 56:16) “….o perigo que o Sr. N naquele momento estava a causar para as restantes pessoas que circulavam na via e não sabiam que ele se encontrava lá”;
(1:23:15 a 1:25:10) “…estávamos numa via rápida, o trânsito não estava condicionado... o trânsito estava a circular normalmente (…) aquela condução que ele estava a ter, a movimentação do carro ao fazer aquela meia lua, meia circunferência, para entrar em sentido contrário na Travessa de S. Domingos estava a criar ali uma situação de perigo para ele, para nós e para as restantes pessoas que circulavam naquela hora”;
(1:26:26 a 1.26.38) “…está a pôr em perigo todas as pessoas que circulam ali e que não fazem ideia que àquela hora está ali um carro no meio da rua”.
R. (1.29:21 a 1.29.45) “ ….efectua a manobra e fica na diagonal atravessado na radial de Benfica pois estavam carros a vir.”.
Ficheiro 20110222143134_59174_64687 (Início – 22:02:2011 – 14:31:34/ 02:59:50)
Testemunha – A
(2:42:06 a 2:42:30) “… logo a seguir começou a haver o trânsito na radial, o trânsito intenso …”;
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha M – agente PSP
(08:40 a 09:28): “Entretanto estava a passar trânsito. Ali é uma via que passa trânsito.”
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36) Testemunha A – agente principal da PSP.
(43:06 a 43:26) “…tivemos que ser cautelosos porque aquilo não estava cortada a faixa, aquilo até é praticamente auto-estrada os carros passam ali a certa velocidade, …”;
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha T – agente da PSP
(1:32:08 a 1:32:18) “ … aquilo é uma via bastante movimentada e os carros não vêm propriamente devagar”.
(1:32:35 a 1:32:40) P. “E já havia movimento automóvel”?
R. “Havia”
(1:39:45 a 1:40:04) “…porque ele fez mesmo a inversão de marcha foi para o lado de dentro. Depois quando saiu é que continuaram depois a passar carros”.
(1:42:28 a 1:42:30) “Durante a ocorrência passaram vários carros”.
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) Declarações do arguido
(01:43:51 a 01:44:07) P. Juiz “Naquela altura … circulavam automóveis”?
R. “Circulavam”.
P “Mas era intenso o tráfego”?
R. “Poderemos dizer moderado. Não era hora de ponta mas estavam a passar carros”.
42. III.
Após fazer inversão de marcha na radial de Benfica e iniciar o percurso em contramão a vítima circulou ainda entre 200 a 500 metros até embater no muro da entrada da Travessa de S. Domingos.
43. Tal facto resulta provado dos seguintes depoimentos:
Ficheiro 2011032144909_59174_64687 (22:03:2011 – 14:52:23)
Testemunha P – agente PSP – motorista
P. MP (09:49 a 10:05) “Quantos metros distavam entre o sítio em que o carro embateu e o sítio onde o carro parou”?
R: Não sei precisar mas entre os 500 metros …. mais de 500 metros”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha M – agente PSP
(13:39 a 13:48) “Ainda circula aí uns 150 metros, 200 se não mais um pouco porque faz a via de aceleração …”
44. IV.
O arguido iniciou a sua formação policial em Novembro de 2005, em Torres Novas.
45. V.
Nesse ano e local foi-lhe ministrada formação teórica e prática
46. VI.
A formação prática inicial de tiro decorreu de Janeiro a Julho de 2006.
47. VII.
Nesse período de tempo teve 2 ou 3 aulas mensais de formação de tiro.
48. VIII.
Após essa formação inicial teve as seguintes formações de tiro:
31.08.2006 – com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.06.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.06.2007 – com uma caçadeira anti-motim;
26.06.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
20.09.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.02.2009 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
26.11.2007 – acção de formação de Gás Pimenta;
19.03.2009 a 01.04.2009 – Módulo de intervenção rápida;
12.06.2009 – formação Taser
49. IX.
A pistola Walther, modelo P99, de calibre 9 mm foi-lhe atribuída após a formação no módulo de intervenção rápida efectuado entre 19.03.2009 e 01.04.2009.
50. X.
Ao recebê-la o arguido testou o seu funcionamento durante meio-dia.
51. XI.
O arguido tinha a formação imposta no plano de formação de tiro da PSP e que é considerada a adequada para dar resposta a situações de perseguição e abordagem de viaturas.
52. XII.
O arguido agiu de acordo com a formação que lhe foi ministrada.
53. Tais factos resultam provados:
Dos documentos de fls. 230 a 238.
54. Dos seguintes depoimentos:
Ficheiro 20110222143134_59174_64687 (Início – 22:02:2011 – 14:31:34/ 02:59:50) Depoimento do arguido:
R. (59:35 a 59:43) “Começámos em Novembro de 2005, em Torres Novas”;
R (1:00:02 a 1:00:15) “... Tivemos lá instrução de tiro – aulas práticas e teóricas”;
P. Juiz (1:00:53) “As aulas práticas de tiro decorreram em que período”?
R. (01:01:03 a 01:01.19) “A partir sensivelmente de Janeiro poder-se-ia dizer que … por mês 2 aulas ou 3 desse tipo de formação para posterior avaliação”.
(01:06:26 a 01:07:00) “A Walther P99 foi em 2009 e fiz formação de tiro com ela depois de a ter recebido e também fiz um curso de técnicas de intervenção. Não tinha nada a ver com a arma mas foi um curso de técnicas de intervenção policial – abordagem de viaturas, entrada em edifícios”;
R. (01:08:33 a 01:10:18) “A parte de formação de técnicas de intervenção foi mal entrei para o piquete … Esse curso foi de 2 semanas. Teve a ver com a ... abordagem de viaturas e entrada em edifícios. Essa formação tive-a antes de receber, antes de trocar a 7.65 pela P99 porque foi uma formação que se deu que não era preciso usar arma. Era só a parte técnica”;
R. (01.11.01 a 1.11.15) “Pouco tempo depois troquei a PPK pela P99 e depois tive formação. Fui ter instrução de tiro … meio-dia, de manhã ou de tarde”
R (02:04:19 a 02:04:43) “Formação não. Tive só para ver se a arma estaria a funcionar (…) se a arma estava em condições”.
P. MP: “Teve alguma formação com essa arma”?
R. “Teórica, em Torres Novas”.
(2:05.46 a 02:06:20) “A de 9 mm recebi sensivelmente em Abril. Foi depois de ter formação no módulo de intervenção prática (…) depois como já estava no piquete tive de passar para uma arma de 9 mm porque é a que todos os elementos da secção têm” (…) “depois mais tarde efectuei disparo com ela para ver se estava em condições”.
(02:06:31 a 2:06:49) “o manuseamento da arma em si, sim sei. Recebi formação dela bem como para os demais modelos que a polícia usa em Torres Novas”.
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) Testemunha M – Superintendente da PSP
R. (55:37 a 55:59) “A PSP tem em vigor um plano de formação de tiro. Esse plano de formação de tiro todos os agentes da PSP que têm arma distribuída têm de o cumprir. Esse plano de formação de tiro implica algum movimento por parte do atirador mas não implica movimento dos alvos”;
(1:07:37 a 01:08:49) “…O plano de formação de tiro é inovador no sentido de que vem definir um sistema de certificação. Isso significa que se os elementos não atingirem determinados mínimos, em última análise vai-lhes ser retirada a arma de fogo. …”;
(1:2:57 a 1:3:01) “Cada elemento faz sempre a formação com a arma que tem distribuída para trabalhar”
(01:13:28 a 1:13:33) “com a arma em concreto de 9 mm com que presta serviço. Nem faria sentido outra coisa”;
(1:17:48 a 1:17:59) “O módulo de tiro policial inclui obrigatoriamente as questões de enquadramento legal e regulamentar do recurso a arma de fogo”.
(1:37:36) “o plano de formação claramente diz que ninguém pode receber uma arma sem fazer formação com a arma e vai mais longe para remover essas dúvidas que há uma declaração que cada um tem de assinar dizendo que não tem dúvidas como a arma funciona como é que funcionam os sistemas de segurança da arma e que está apto a usar a arma em serviço”.
55. XIII.
A arma de calibre 7,65 mm e a arma de calibre 9 mm não têm significativas diferenças entre si, sendo a sua precisão, a uma distância até 15 metros, semelhante.
56. Tal facto resulta dos seguintes depoimentos:
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) M – Inspector da PJ
(33:50 a 33:57) P. advogado assistente: “A diferença da 7,65 para a 9 mm. Há alguma diferença de precisão entre uma e outra arma? Qual é a mais precisa”?
R. “São as duas”.
(35:11 a 35:14) “É mais fácil disparar uma P99 que uma PP por via do peso do gatilho”.
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) Testemunha M – Superintendente da PSP (formador de tiro – formação a formadores)
(58:22 a 58:39) “Uma arma de calibre 7,65 é na sua essência igual a uma arma de calibre de 9 mm. (…) Um bom atirador de arma de calibre 7,65 é um bom atirador de arma de calibre de 9 mm”.
(58:49 a 59:08) “Em termos de utilização da arma (…) até 15 metros não há alteração significativa do comportamento do projéctil de 7,65 ou de 9 mm”.
(59:15 a 59:51) “As armas a essa distância a precisão é similar. A energia de que vai animado cada um dos projécteis é que é completamente distinta”.
P. Advogado de defesa. “Pode haver alteração da própria trajectória do tiro é isso”?
R. “Até à distância de 15 metros não. Estou a falar de quando embate nalgum corpo, nalguma superfície. Tem comportamentos distintos porque o projéctil da 9 mm vai animado com muito mais energia que um projéctil de 7,65. (…) À distância de 15 metros não há variações de precisão”.
(1:16:01 a 1:16:25) “…À distância em concreto, 10/15 metros não há diferença na precisão de um projéctil de 7,65”.
57. XIV.
O arguido agiu com intenção de imobilizar o veículo conduzido pela vítima de forma a salvaguardar a vida e/ou integridade física de outros utentes da via.
58. XIV.
Para o efeito visou a zona do veículo correspondente ao pneu traseiro, esquerdo da viatura conduzida pela vítima.
59. Tais factos resultam dos seguintes depoimentos:
Ficheiro 20110222143134_59174_64687 (Início – 22:02:2011 – 14:31:34/ 02:59:50) Declarações do arguido
(52:07 a 52:42) “Quando efectuei o primeiro disparo o carro estava na diagonal. Continuei a avançar em direcção ao carro e o Sr. N arrancou. Aquilo era uma via movimentada e eu estou convicto que agi de acordo com a NEP que os Srs. Drs. têm aí. Naquele caso havia a possibilidade de aparecer carros e a minha intenção naquele momento era impedir que acontecesse algo mais grave.”.
P. Juiz (55:43): “Os disparos foram efectuados na direcção da zona traseira esquerda da viatura?”
R: (55:49 a 56:18) “Foram para aquela zona nunca com intenção de visar o condutor nem de matar o condutor da viatura. Ali o objectivo na acção que se estava a fazer era terminar com o perigo que o Sr. N naquele momento estava a causar para as restantes pessoas que circulavam na via e não sabiam que ele se encontrava lá, por aquilo ser …. (interrupção)”
R. “…Nesse curso de que falei há pouco, de técnicas de intervenção, demos lá abordagens de viaturas e havia vários tipos de abordagem. (…) Quando o Sr. N foge da operação STOP passa para uma abordagem a viatura de alto risco porque o comportamento da pessoa em questão assim nos levou a crer. Por isso é que da 1.ª vez que saio da viatura, quando conseguimos imobilizar o carro do Sr. N na radial de Benfica, não utilizei a arma porque ia fazer uma abordagem ao Sr. N. Ele parou, ia abordá-lo para saber os motivos de se ter furtado àquela situação de fiscalização. Foi o comportamento a seguir”;
P. Juiz: “Quando achou que disparar era a única forma de parar aquele perigo … ?”
R. (1:30.31 a 1:31:49) “Quando o Sr. N efectua a manobra e entra em sentido contrário em direcção à Tv. de S. Domingos (…) Os disparos efectuados em direcção à viatura não foram efectuados quando o carro se encontrava na diagonal à radial. Foi quando a viatura já se encontrava em contramão no sentido da Tv. de S. Domingos. Foi aí que os disparos foram efectuados em direcção à viatura”.
R. (1:32:41) “Sim, era um meio eficaz porque (…) (a imobilização do veículo) “diminuía consideravelmente o perigo para os utentes da via porque se alguém vem em sentido…, se viesse da Tv. de S. Domingos, é mais fácil evitar um acidente se qualquer pessoa que vem vê o objecto do que estar a fazer a curva de acesso à radial de Benfica e vir um carro lançado”;
R. “Não por causa da posição do condutor e para o sítio para onde os disparos, a zona onde os disparos iriam embater” “Na minha convicção o Sr. N nunca iria ser atingido nem foi com essa intenção que os disparos foram efectuados”.
R. (1.37.39 a 1.37.58) “Com base na formação que tenho, a convicção que tinha é que não acertava, não atingia o Sr. N e conseguia imobilizar a viatura em segurança, tanto para ele, como para nós, como para outras pessoas”.
Ficheiro 2011032144909_59174_64687 (22:03:2011 – 14:52:23)
Testemunha P – agente PSP – motorista
P. Advogado arguido (20:24 a 20:28) “Aquela acção poderia pôr em perigo a vida de terceiros”?
R. “Sim poderia”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha M – agente PSP
R. “…Aqui houve duas fugas como já referi. Na 1.ª, sinais vermelhos, a nível contra-ordenacional, é proibido usar armas de fogo; agora, a nível criminal, quando há perigo para terceiros, que foi o caso quando faz contramão e circula numa via a alta velocidade aí está legitimado o uso, o recurso a arma de fogo. A nível contra-ordenacional é proibido e não foi utilizada a nível contra-ordenacional. Foi utilizada a nível criminal porque há perigo para terceiros porque estava a passar trânsito”.
P. Advogado defesa (25:38 a 26:11): “Naquela circunstância em concreto … sentiria que também estaria legitimado o uso da arma ou não estaria legitimado”?
R. “Estaria legitimado o uso da arma”.
P. “Não seria só um tiro para o ar em vez de procurar imobilizar a viatura…”?
R. “Naquela situação uma viatura tem que ser imobilizada porque há perigo para terceiros”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha A – agente principal da PSP.
R: “Eu, do meu ponto de vista que nunca utilizei a arma, se passasse por uma situação semelhante a esta se calhar utilizava a arma porque a partir do momento em que ele faz inversão de marcha numa auto-estrada, vai em contramão, põe em perigo os possíveis veículos que aí circulam e na radial de Benfica não estamos a falar em vias citadinas de 50 km/hora, pondo em perigo a vida dos outros, se calhar utilizaria”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha T – agente da PSP
(1:54:56 a 1:55:09): “naquele momento, quando ele circulou em contramão foi quando o perigo estava mais iminente foi quando estavam a circular mesmo carros em contramão foi o que eu já disse”.
Ficheiro 20110405105020_59174_64687 (05:04:2011 – 10:50) Testemunha M – Superintendente da PSP
(1:00:38 a 1:00:56) “Se me permite mais importante que a questão de saber qual foi o crime cometido é qual o comportamento observável, qual é a ameaça que no momento em concreto em que o agente utilizou a arma isso é que é realmente relevante mais que o que se passou anteriormente”.
(01:02:03 a 01:02:25) “Os polícias quando decidem, decidem, queremos que decidam, com base em comportamentos observáveis. Não fazemos futurismo, não tentamos adivinhar. Observamos comportamentos que consubstanciam determinado tipo de ameaças e agimos em conformidade, respondemos em conformidade”.
(01:02:43 a 01:05:26) “…A situação em concreto, portanto se eu bem percebi, há a paragem de uma viatura que desobedeceu inicialmente, pára na radial de Benfica e quando está a ser abordada por agentes policiais, tenta portanto fazer inversão de marcha para entrar em contramão é isso? (…) Portanto neste cenário, em minha opinião, claramente o comportamento do suspeito, ao fazer inversão de marcha, desobedecer à ordem policial, fazendo inversão de marcha para entrar em contramão numa via que ainda por cima é rápida, uma estrada em que se anda rápido, consubstancia claramente um perigo para a vida ou para a integridade física dos outros utentes da via. Neste sentido julgo claramente justificado o recurso a arma de fogo com intenção de imobilizar a viatura para evitar que esse perigo se viesse a produzir. Portanto a intenção do agente, não sei se terá sido essa ou não, mas como digo está perfeitamente justificada a tentativa de imobilização da viatura através da produção de disparos para os pneumáticos (…) porque não tinha outra ferramenta na sua disposição para garantir esse resultado”.
(1:06:32 a 1:06:56) “Se me permitir, não me foi perguntado mas quero deixar também clara a minha opinião sobre o assunto, se essa intenção de perfurar os pneus da viatura para a imobilizar e evitar o tal risco para a vida e para a integridade física dos outros utentes eventualmente não produzisse efeito, em última análise, em minha opinião, podia-se recorrer à arma de fogo contra pessoas”.
(1:24:15 a 1:24:48) “Claramente o comportamento que estava prestes a ser executado, uma contramão numa via rápida, em minha opinião, claramente põe em risco a vida ou a integridade física, de forma grave, dos outros utentes”.
Ficheiro 20110517143057_59174_64687 (17:05:2011 – 14:30) Testemunha J – Agente principal da PSP
(10:31 a 11:10) “…Ora seguindo em contramão temos aqui uma questão, é que está a pôr em perigo sem dúvida ou poderá estar a pôr em perigo a vida de terceiros porque se vier um carro, aquilo é a radial de Benfica, tem ali uma curva em que se vier um carro de frente (…) sem dúvida nenhuma que põe em perigo a vida de terceiros”.
(34:10 a 34:32) “Eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para fazer cessar a ameaça à integridade física de terceiros mas há aqui uma questão … é que por vezes é mais cómodo não fazer nada … porque depois não se tem problemas”.
(43:10 a 43:21) “P. MP “Como é que se pára uma viatura em movimento quando não há lagartas e barreiras que estão aqui previstas na NEP …”?
R. “Com o recurso efectivo contra pessoas (…) se estiver enquadrado legalmente”.
60. Factos há que por deficiente e incorrectamente julgados deverão ter outra formulação.
61. Assim considerou o tribunal colectivo provado que:
– “Sempre seguido pela viatura policial, o N conduziu em grande velocidade a viatura 00-00-OO pela Avenida Brasília, passando sobre o túnel de Algés e entrando no IC 17, desrespeitando vários sinais semafóricos que se encontravam com a luz vermelha acesa”.
– “No IC 17 o N seguiu até à saída para a 2.ª Circular, entrando na Radial de Benfica”.
62. A prova produzida impunha que tais factos fossem concretizados e formulados de forma diferente, pelo que da sua redacção deveria, em substituição daquela, constar:
– “Sempre seguido pela viatura policial, o N entrou na Rotunda das Docas de Santo Amaro em contramão. Passou o sinal vermelho junto à brigada fiscal. Virou para a R. da Cintura do Porto de Lisboa seguindo em direcção à Divisão de Investigação Criminal da PSP. Aí fez inversão de marcha entrando na Av. Brasília que percorreu em toda a sua extensão, até ao viaduto que dá acesso à Av. da Índia. Virou para o IC 17 percorrendo toda a extensão do mesmo. Saiu para a 2.ª circular e depois para a radial de Benfica”.
– “Durante todo esse trajecto circulou sempre a uma velocidade entre os 100 e os 140 km/hora”.
63. Tais factos estão sustentados na seguinte prova:
Ficheiro 2011032144909_59174_64687 (22:03:2011 – 14:52:23)
Testemunha P – agente PSP – motorista
P. (04:59 a 05:56) “O senhor era o motorista”?
R. “Sim”. “Durante a perseguição entrou na Rotunda das Docas de Santo Amaro em contramão. Passou o sinal vermelho ali junto à brigada fiscal e virou à direita indo pela R. da Cintura do Porto de Lisboa. Foi em direcção à Divisão de Investigação Criminal da PSP. Logo a seguir faz inversão de marcha entrando na Av. Brasília. Segue pela Av. Brasília, em toda a sua extensão, até ao viaduto que dá acesso depois à Av. da Índia. Depois anda mais um bocado e vira à direita nos semáforos que estão ali que dá acesso ao acesso para a CRIL, para o IC 17 fazendo toda a extensão do IC 17 saindo depois para a zona da 2.ª circular. Na 2.ª circular sai em direcção à radial de Benfica”.
R. “Mais ou menos sei que ali na radial chegámos aí aos 140 (…) antes disso talvez 100/120”.
P: “Portanto a perseguição foi sempre a uma velocidade entre os 100/140”?
R: “Sim, sim”. (…)”.
Ficheiro 20110322151335_59174_64687 (22:03:2011 – 15:13:36)
Testemunha M – agente PSP
R: (03:14 a 06:08): “Durante essa perseguição …essa viatura suspeita apagou as luzes entrou na rotunda da Doca de Santo Amaro em contramão. Chegou ao pé da brigada fiscal da GNR passou o sinal vermelho e foi até à R. da Cintura do Porto de Lisboa … à investigação criminal da PSP”.
R. … “... O mesmo nunca parou. Sempre com as luzes ligadas não respeitou a sinalização, inverteu a marcha e prosseguiu na Av. Brasília, penso que é Av. Brasília, do lado de cá da linha de comboio das docas. Ao chegar ao fim da Av. Brasília passou o viaduto e entrou na CRIL sempre desrespeitando os semáforos que por acaso estavam vermelhos. Sempre com uma velocidade considerável … posso garantir que íamos a uma velocidade superior que à que é normal andar naquela via que é … 50 km/hora que até lá tem os radares. Entrámos na CRIL, fizemos a CRIL toda até à altura em que a CRIL acaba e tem uma saída para a radial de Benfica e 2.ª circular (…)”
64. Não deverão ser considerados provados os seguintes factos, face à total inexistência de prova que os sustente ou de fundamento alegado:
– “O arguido N, não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias estaria obrigado e de que era capaz. Na verdade, sabia que o seu comportamento ao efectuar dois disparos na direcção da zona traseira esquerda do veículo de matrícula 00-00-OO era perigoso e que, naquelas condições concretas, com o arguido e o veículo em movimento, impunha-se, nomeadamente, uma especial preparação técnica que o arguido não possuía, já que, com aquela arma, não tinha efectuado qualquer tipo de treino”.
– “O arguido agiu com desrespeito pelas mais elementares regras de prudência, e embora devesse ter previsto que com o seu comportamento podia pôr em perigo a vida do condutor do veículo, nem sequer representou o resultado dessa conduta”.
– “Agiu, ainda, ciente de que se não verificava, no caso concreto, nenhuma das situações legitimadoras do recurso a arma de fogo por agente policial previstas no Decreto-Lei n.º 457/99, de 05/11, e nas Normas Sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos (OPSEG/DEPOP/01/05 de 01/06/2004 da Direcção Nacional da PSP), por tal recurso se revelar desnecessário, desproporcional e desadequado”.
– “Conhecia a reprovabilidade penal da sua conduta”.
65. “A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos” – artigo 272.º, n.º 1 da CRP;
66. “Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei têm um papel essencial na protecção do direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa” – Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo (8.º Congresso das Nações Unidas – 27 de Agosto a 07 de Setembro de 1990).
67. O recurso à arma de fogo pela polícia é admissível quando outros meios se mostrem ineficazes ou não permitam alcançar o resultado desejado.
68. O disparo dirigido aos pneus de uma viatura em fuga é admissível quando ocorra uma situação de perigo de vida ou de grave ofensa à integridade física de terceiros.
69. Como em todas as demais medidas de polícia, o uso de arma de fogo é sempre condicionado à sua necessidade, adequação e proporcionalidade.
70. A condução seguida pela vítima foi, como o acórdão a definiu, uma condução perigosa traduzida na violação grosseira de regras de circulação rodoviária relativas a inversão de marcha em vias rápidas, ultrapassagem de limites de velocidade, violação de sinais semafóricos e circulação em contramão.
71. Tal condução ao longo de pelo menos 18 minutos, em estradas consideradas vias rápidas, em que os limites de velocidade são superiores aos 50 km previstos para as demais vias urbanas – IC 17, 2.ª Circular e finalmente Radial de Benfica – não podia deixar de ser considerada um elevado risco para quem transitasse nas mesmas, sendo que a hora matutina ao invés de diminuir tal risco, o aumenta por os condutores seguirem mais confiantes de que não irão encontrar trânsito intenso pela frente.
72. A vítima, ao longo desses 18 minutos, encetou uma fuga desordenada, passando sinais semafóricos vermelhos e chegando mesmo a circular com as luzes apagadas.
73. Não respeitou os constantes sinais de paragem, transmitidos da viatura policial com recurso à sinalização luminosa e sonora, deixando assim bem claro que não iria permitir uma qualquer abordagem policial.
74. Após ser obrigada a parar na radial de Benfica e ao ver a aproximação de agentes da PSP devidamente fardados, apeados e sem empunharem qualquer arma, a vítima iniciou a inversão de marcha, tendo sido mandada parar.
75. Indiferente às ordens de paragem, ao tiro de advertência disparado para o ar e ao trânsito que aí circulava, continuou a inversão de marcha, entrando em contramão nessa via rápida.
76. Já se encontrava a circular em contramão, quando o arguido disparou, visando o pneu traseiro, com intenção de imobilizar a viatura.
77. Por força desse disparo acabou por sair na entrada de S. Domingos de Benfica.
78. A iminência do perigo tem de ser aferida face às circunstâncias concretas que se verificam no momento bem como as regras da experiência comum e os padrões de qualquer condutor médio.
79. No caso, face às circunstâncias que deveriam ter sido dadas como provadas, o perigo existia, era real e iminente sendo certo que tal perigo terá que ser aferido exclusivamente com base nas circunstâncias conhecidas e percepcionadas na altura dos factos.
80. Analisando a forma de condução da vítima, as características da via, a persistência na fuga, a velocidade seguida durante toda a perseguição, a desobediência a todos os sinais de paragem, concluir-se-á pela perigosidade evidente, concreta e geral, de toda a conduta da vítima e pela perigosidade mais acentuada, real e iminente quando tal condução passou a ser efectuada em contramão, numa via equiparada a auto-estrada, com outros veículos a circular.
81. Tal perigo não pode ser apreciado posteriormente aos factos – como o acórdão o faz – para concluir que não existiu uma vez a vítima não colidiu com terceiros, não matou nem feriu ninguém.
82. A conduta do arguido, disparando em direcção a um pneu na tentativa de imobilizar a viatura, não tendo qualquer outro meio ao seu dispor para o fazer, era a conduta adequada a evitar o aludido perigo, necessária para obstar à produção de um resultado letal ou lesivo da integridade física de terceiros e proporcional à gravidade daqueles factos.
83. Acresce que o recurso a arma de fogo contra objectos (no caso um pneu) é permitido nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 457/99, de 05.11, não estando tal recurso condicionado à verificação de “perigo iminente”.
84. Apenas o recurso a arma de fogo contra pessoas exige que, entre outros, se verifique o requisito de “perigo iminente”.
85. Ao afastar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude, mencionando que não se verificava a existência de um perigo iminente quando o que estava em causa era comprovadamente o recurso a arma de fogo contra objectos, o tribunal fez um errado enquadramento legal o que – por erro – determinou a condenação do arguido.
86. Assim e ainda que se entenda que, nas circunstâncias que se deveriam ter por provadas, existia um perigo concreto e iminente para a vida e/ou integridade física de terceiros, o certo é que a verificação de tal requisito não se mostra necessária ao enquadramento legal da conduta do arguido que deveria ter sido absolvido.
87. Não o fazendo o tribunal violou o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 457/99, de 05.11;
88. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere igualmente provados os factos acima mencionados, elimine as deficiências apontadas e dê como não provados os factos indicados na conclusão 64.º, absolvendo-se o arguido.

3 – Os assistentes responderam à motivação apresentada pelo Ministério Público defendendo a improcedência do recurso (fls. 1006 a 1114).

4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1132.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A ordem de apreciação das questões colocadas pelo recorrente
5 – O Ministério Público arguiu nulidades, invocou vícios do acórdão e impugnou a decisão de facto proferida pela 1.ª instância, tendo terminado a motivação pedindo a absolvição do arguido.
A apreciação destas questões, pela ordem indicada no artigo 660.º do Código de Processo Civil , imporia que, se fosse julgada procedente alguma das nulidades arguidas ou algum dos vícios apontados pelo Ministério Público, fosse, no primeiro caso, anulada a decisão proferida e, no segundo, determinado o reenvio do processo para novo julgamento, sem que chegasse, em ambos os casos, a ser apreciada a impugnação da decisão de facto.
Não é isto, manifestamente, o que o recorrente pretende.
A forma como termina a motivação e o que a este propósito nela afirma levam-nos a crer que a arguição das nulidades e a invocação dos vícios foi feita a título subsidiário, apenas para o caso de não ser julgada procedente a impugnação da decisão de facto.
Daí que a apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público deva começar precisamente pela impugnação da decisão de facto .

A impugnação da decisão de facto
6 – Nesta sede, o Ministério Público pretende, antes de mais, que este tribunal considere provados os seguintes factos que, a seu ver, terão resultado da discussão da causa:
I - A radial de Benfica é uma via pública e urbana destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de rodagem, e, em determinados troços, com três vias de trânsito.
II - No dia e hora a que os factos ocorreram circulavam veículos na radial de Benfica.
III - Após fazer inversão de marcha na radial de Benfica e iniciar o percurso em contramão a vítima circulou ainda entre 200 a 500 metros até embater no muro da entrada da Travessa de S. Domingos.
IV - O arguido iniciou a sua formação policial em Novembro de 2005, em Torres Novas.
V - Nesse ano e local foi-lhe ministrada formação teórica e prática.
VI - A formação prática inicial de tiro decorreu de Janeiro a Julho de 2006.
VII - Nesse período de tempo teve 2 ou 3 aulas mensais de formação de tiro.
VIII - Após essa formação inicial teve as seguintes formações de tiro:
31.08.2006 – com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.06.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.06.2007 – com uma caçadeira anti-motim;
26.06.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
20.09.2007 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
12.02.2009 - com uma pistola Walther, modelo PP 7,65 mm;
26.11.2007 – acção de formação de Gás Pimenta;
19.03.2009 a 01.04.2009 – Módulo de intervenção rápida;
12.06.2009 – formação Taser
IX - A pistola Walther, modelo P99, de calibre 9 mm, foi-lhe atribuída após a formação no módulo de intervenção rápida efectuado entre 19.03.2009 e 01.04.2009.
X - Ao recebê-la o arguido testou o seu funcionamento durante meio-dia.
XI - O arguido tinha a formação imposta no plano de formação de tiro da PSP e que é considerada a adequada para dar resposta a situações de perseguição e abordagem de viaturas.
XII - O arguido agiu de acordo com a formação que lhe foi ministrada.
XIII - A arma de calibre 7,65 mm e a arma de calibre 9 mm não têm significativas diferenças entre si, sendo a sua precisão, a uma distância até 15 metros, semelhante.
XIV - O arguido agiu com intenção de imobilizar o veículo conduzido pela vítima de forma a salvaguardar a vida e/ou integridade física de outros utentes da via.
XV - Para o efeito visou a zona do veículo correspondente ao pneu traseiro, esquerdo da viatura conduzida pela vítima.
Tal pretensão não pode, de modo algum, ser satisfeita por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque o Tribunal da Relação, ao apreciar um recurso de uma decisão de facto, só se pode pronunciar sobre factos que o tribunal de 1.ª instância tenha considerado provados ou não provados e não sobre outros que ele não tenha sequer apreciado. É o que resulta claramente do teor da alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, disposição que exige que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre o facto impugnado, qualquer que tenha sido o sentido da decisão proferida, o que está, de resto, em conformidade com a ideia de que os recursos, entre nós, em geral, visam apreciar a correcção das decisões proferidas tendo em conta o momento e as circunstâncias em que o foram e não realizar um novo julgamento da questão sobre que o tribunal de 1.ª instância se pronunciou. Os recursos, entre nós, são, como regra, recursos de reponderação (ou revisão) e não recursos de reexame .
Em segundo lugar, porque, a serem relevantes os factos que o Ministério Público queria agora que este tribunal considerasse provados, eles consubstanciariam uma alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia, sendo imprescindível o cumprimento prévio, quanto a eles, do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal , o que não poderia acontecer no tribunal de 2.ª instância, pelo menos quando não foi requerida a realização de audiência e não haveria sequer a possibilidade de produzir a prova que o arguido viesse eventualmente a requerer .
A este propósito não se pode deixar de dizer que a fase central e determinante de qualquer processo penal é a audiência de julgamento em 1.ª instância e que é nela que tem de incidir o principal esforço dos sujeitos processuais, assumindo aí plenamente os direitos e os deveres que tal estatuto lhes confere, de contribuir para a conformação da decisão a proferir, não repousando, como era prática no domínio do Código de Processo Penal de 1929, no dever de investigação oficiosa por parte do tribunal, que hoje, embora se mantenha, tem carácter meramente subsidiário e supletivo .
A impugnação da decisão de facto não pode ser, portanto, nesta parte, apreciada .

7 – Pelas mesmas razões, há que chegar a idêntica conclusão quanto aos factos que o Ministério Público pretende ver aditados à matéria de facto provada (novas redacções que enuncia nos pontos 61 e 62 das conclusões da motivação).
Também quanto a eles se pretendia que este tribunal, pela primeira vez, os apreciasse sem que tivesse sido ou pudesse ser cumprido o disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

8 – Nesta sede, pretende, por fim, o Ministério Público que este tribunal considere como não provado que:
– “O arguido N, não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias estaria obrigado e de que era capaz. Na verdade, sabia que o seu comportamento ao efectuar dois disparos na direcção da zona traseira esquerda do veículo de matrícula 00-00-OO era perigoso e que, naquelas condições concretas, com o arguido e o veículo em movimento, impunha-se, nomeadamente, uma especial preparação técnica que o arguido não possuía, já que, com aquela arma, não tinha efectuado qualquer tipo de treino”.
– “O arguido agiu com desrespeito pelas mais elementares regras de prudência, e embora devesse ter previsto que com o seu comportamento podia pôr em perigo a vida do condutor do veículo, nem sequer representou o resultado dessa conduta”.
– “Agiu, ainda, ciente de que se não verificava, no caso concreto, nenhuma das situações legitimadoras do recurso a arma de fogo por agente policial previstas no Decreto-Lei n.º 457/99, de 05/11, e nas Normas Sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos (OPSEG/DEPOP/01/05 de 01/06/2004 da Direcção Nacional da PSP), por tal recurso se revelar desnecessário, desproporcional e desadequado”.
– “Conhecia a reprovabilidade penal da sua conduta”.
Sobre esta pretensão há que dizer que, salvo na parte em que o tribunal considerou que o arguido sabia que o seu comportamento era perigoso e que, ao disparar dois tiros em direcção ao automóvel, ele não tinha representado a morte da vítima, factos que o recorrente indiscutivelmente não contesta, tudo o mais são juízos de valor e considerações jurídicas sobre o comportamento do arguido que, como tal, têm a sua sede na apreciação jurídica a efectuar na altura própria e não no momento da fixação dos factos.
Por isso, e salvo quanto àqueles pequenos segmentos a que se fez referência, todas essas valorações e considerações devem transitar para o lugar que lhes é próprio, o da fundamentação jurídica, deixando de integrar a matéria de facto provada .

A questão da negligência
9 – Embora essas considerações estejam deslocadas, há, em sede de apreciação jurídica da matéria de facto, que reafirmar a conclusão a que o tribunal de 1.ª instância chegou quanto à existência de negligência grosseira por parte do arguido.
Explicando brevemente.
A negligência consiste, segundo a nossa lei e a doutrina dominante , numa violação do dever (objectivo e subjectivo) de cuidado (corpo do artigo 15.º do Código Penal).
Este dever comporta uma dimensão interna, que impõe que cada um de nós se aperceba das situações de perigo com que a cada momento está confrontado, e uma dimensão externa, que implica que, tendo percepcionado o perigo, assuma uma conduta adequada, que pode revestir, consoante o caso, três tipos de comportamento .
Tendo o agente tido a percepção do perigo, ou seja, tendo cumprido a dimensão interna do dever de cuidado, deve, consoante os casos:
– Abster-se de praticar o acto perigoso se não estiver seguro de que o pode executar dentro das margens de risco socialmente permitido, não lesando o bem jurídico protegido;
– Preparar-se e informar-se previamente de forma que, uma vez reunidas as condições necessárias, possa vir a praticar o acto perigoso dentro das margens de risco socialmente permitido;
– Estando reunidas as condições para praticar o acto nas circunstâncias referidas, actuar com a diligência devida para que a conduta não ultrapasse aquelas margens de risco, não vindo a lesar o bem jurídico.
Ora, no caso presente, mesmo não discutindo a preparação técnica do arguido para, àquela distância, em movimento, disparar, por duas vezes, uma pistola de 9 mm em direcção à zona traseira esquerda da viatura (na qual se encontrava uma pessoa sentada no lugar do condutor), não se pode deixar de considerar como manifestando uma enorme falta de cuidado o facto de ele ter efectuado aqueles dois disparos quando se encontrava por detrás do veículo, no enfiamento da sua parte traseira.
A posição em que se encontrava o arguido no momento do disparo que atingiu o veículo infere-se através da análise do trajecto do projéctil que veio a atingir a vítima, que, num percurso quase rectilíneo, paralelo ao solo e às portas laterais do veículo, perfurou a porta da bagageira no seu lado esquerdo (a cerca de 86 cm do solo), o banco da retaguarda do lado esquerdo e o banco do condutor, vindo a atingir a vítima na zona do coração e dos pulmões e a ficar alojado no seu corpo.
Mesmo que a intenção do agente fosse, como sustenta o Ministério Público, a de atingir apenas o pneu esquerdo da parte traseira do veículo, nunca se poderia aceitar que o tiro fosse disparado quando o atirador e o veículo se encontravam nas posições que a trajectória do projéctil revela.
A margem de risco seria completamente diferente se o tiro tem sido disparado quando o arguido estava numa posição perpendicular ao pneu esquerdo da parte traseira.

10 – Diga-se ainda e apenas que alguma confusão que se pretende instalar quanto à inversão do sentido de marcha, ao percurso em contramão e à pretensão de salvar a vida e integridade física de outros condutores que circulassem àquela hora a alta velocidade pela Radial de Benfica só pode colher junto de quem não observou as fotografias do local que se encontram nos autos, nomeadamente as da reconstituição do crime (fls. 134 a 140) e as do exame ao local (fls. 152 a 176), não se apercebeu de que os veículos estavam parados na via de aceleração que existe a seguir à entrada da Radial de Benfica para quem provém da Travessa de São Domingos de Benfica e que a fuga se deu (e era natural que se desse) por essa entrada, não ultrapassando as poucas dezenas de metros o que foi percorrido pela vítima em contramão naquela via rápida (e pela própria carrinha em que as força policiais efectuavam a perseguição) àquela hora da madrugada.
O essencial do percurso em contramão foi feito naquela curta via de acesso, tendo o automóvel da vítima andado, desde que estava ao pé da viatura policial até se imobilizar, certamente por desfalecimento do seu condutor, cerca de 223 metros (fls. 140).
Também por isso, não vemos que o Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, e a NEP da PSP sobre os limites ao uso de meios coercivos legitimassem sequer, de alguma forma, o uso de arma de fogo naquela situação, mesmo que tal uso não tivesse sido feito contra pessoas. Não existia qualquer situação de legítima defesa nem qualquer necessidade de manter a ordem pública [alíneas a) e i) do n.º 1 do artigo 3.º daquele Decreto-Lei], muito menos se verificava qualquer das situações taxativamente enumeradas no n.º 3 dessa mesma disposição legal.

A questão das nulidades do acórdão
11 – Improcedendo a pretensão do Ministério Público de ver alterada a decisão de facto, há então que apreciar as nulidades e demais vícios referidos na motivação apresentada.
Começa o recorrente por dizer que se verifica nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal – por este não se ter referido às características da via onde os factos ocorreram, ao percurso prévio do veículo, à sua velocidade naquele trajecto e à formação técnica do arguido no manejamento de armas de fogo.
Sobre tal matéria há que dizer, antes de mais, que a circunstância de o tribunal não se ter pronunciado sobre um determinado ou sobre determinados factos alegados pela acusação ou pela defesa não integra a nulidade invocada uma vez que esta só se verifica quando, no percurso lógico que conduz à decisão, tenha sido omitida qualquer etapa que devesse ter sido percorrida para fundamentar a sentença . Só nessa situação se verificará uma omissão de pronúncia sobre uma questão que devia ter sido conhecida.
A circunstância de o tribunal não se ter pronunciado sobre um qualquer facto alegado pela acusação ou pela defesa (ou que tenha resultado da discussão da causa) só será relevante se essa omissão consubstanciar uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que manifestamente não acontece no caso presente.

12 – Sustenta também o Ministério Público que o acórdão é nulo por a respectiva decisão de facto não se encontrar fundamentada – alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Ora, embora se reconheça que a fundamentação da decisão de facto elaborada pelo tribunal não constitui um modelo a seguir, não se pode, de forma alguma, considerar que ela não contém «as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º».
Se bem percebemos o recorrente, a crítica efectuada centra-se mais nos factos sobre os quais o tribunal, a partir do material probatório que tinha ao seu dispor, não se pronunciou do que sobre o modo como justificou a decisão de ter como provados os factos que assim considerou.

A questão dos vícios do acórdão
13 – Embora nos pareça que, com o que se disse antes, se encontra justificada a improcedência dos vícios previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal que foram alegados pelo Ministério Público, não podemos deixar de acrescentar que, não tendo o arguido a preparação técnica necessária para efectuar um disparo com aquela arma naquelas circunstâncias, o dever de cuidado impunha-lhe que se abstivesse de realizar esse disparo.
Não existe, portanto, a apontada contradição insanável apontada pelo Ministério Público.
Por outro lado, mesmo que se considere que a expressão «condução perigosa» foi utilizada pelo tribunal no seu sentido técnico, não se pode confundir um comportamento passado com um acto presente e/ou futuro.
Por isso, não existe, também quanto ao segundo ponto indicado pelo Ministério Público, qualquer contradição insanável da fundamentação.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em, salvo quanto à deslocação das considerações e valorações do comportamento do arguido, referida no ponto 8 da fundamentação deste acórdão, julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.



Lisboa, 7 de Dezembro de 2011

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)