Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 28-09-2011   Corrupção. Inaplicabilidade, a este crime, do artº 28º, nº1 do CP.
I. O tipo objectivo da corrupção passiva para acto ilícito compreende os seguintes elementos:
•Relativamente ao círculo de autores, exige que o agente seja funcionário, no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal;
•No que concerne à acção, impõe que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação;
•Quanto ao objecto da acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa indevidas.
II. O tipo subjectivo pressupõe a existência, para além do dolo, que tem por referência todos os elementos do tipo objectivo, de um elemento subjectivo especial que se traduz numa determinada conexão do comportamento objectivo do agente com a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes.
III. Se uma associação de direito privado sem fins lucrativos realizar exames teóricos e práticos aos candidatos à obtenção de carta de condução, título que, na sequência dos resultados obtidos nesses exames, é depois emitido pelo Estado, os respectivos examinadores devem ser qualificados, para efeitos penais, como funcionários por participarem no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa – alínea c) do n.º 1 do artigo 386.º do Código de Processo Penal.
IV. A extensão de tipicidade decorrente do artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal não pode ser aplicada ao crime de corrupção por outra ter sido a intenção da norma incriminadora.
V. Se não fosse assim, qualquer acordo entre o corruptor e o corrupto (que, não sendo hoje elemento típico, existe numa grande parte dos casos de corrupção) neutralizaria a opção do legislador de valorar diferentemente a corrupção passiva e a corrupção activa e de criar tipos autónomos a que correspondem também molduras penais distintas.
VI. As profissões, funções e actividades de que os arguidos podem ser suspensos ao abrigo do disposto no artigo 199.º do Código de Processo Penal são apenas aquelas cujo exercício lhes pode vir a ser proibido nos termos do artigo 66.º do Código Penal.
VII. Isto significa que a suspensão apenas pode ocorrer quanto à actividade no exercício da qual o crime foi praticado e não quanto a outras actividades que lhe sejam próximas.
Proc. 76/10.2GTEVR 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Processo n.º 76/10.2GTEVR – 3.ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
1 – No dia 19 de Maio de 2011, depois de ter realizado o 1.º interrogatório judicial de diversos arguidos, entre os quais se contavam P, N, M e B, a Sr.ª juíza colocada no 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa proferiu o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve:
Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos dos factos seguintes:
I – Associação Portuguesa de Escolas de Condução e o conteúdo funcional dos arguidos C, C, A, M, B e N.
22. Os centros de exame de condução de veículos automóveis foram criados pelo Dec. Lei n.º 175/91 de 11 de Maio.
23. A DGV (IMTT) era o organismo do Estado responsável pela administração do sistema de trânsito e segurança rodoviária
24. Até à aprovação daquele diploma legal, era da exclusiva competência desse organismo exercer a atribuição do Estado de avaliar os candidatos à obtenção de título de habilitação para a condução, realizando os respectivos exames.
25. Com a criação dos centros de exame, essa competência do Estado passou a poder ser exercida por associações de direito privado sem fins lucrativos, sob a tutela da DGV, que ficou incumbida fiscalizar, emitir directivas e acompanhar o seu funcionamento, o cumprimento dos normativos legais respeitantes à habilitação legal para conduzir e exames de condução, de forma a preservar a prossecução do interesse público que lhe subjaz (cf. artigo 2.º, alínea i), do Dec. Lei n.º 484/99 de 10 de Novembro).
26. A actividade dos centros de exame ficou submetida às mesmas normas regulamentares e instruções técnicas em vigor para os exames realizados pela DGV (IMTT).
27. A Associação Portuguesa de Escolas de Condução (doravante APEC), com sede em Lisboa, com o NIPC 0000, foi criada em 1993 tendo por objecto, entre outros, a promoção e implementação de centros de realização de exames de condução para todas as categorias de veículos automóveis.
28. Pelo despacho n.º 18/94, de 29 de Março de 1994, proferido pelo Secretário de Estado da Administração Interna, foi a APEC autorizada a realizar exames de condução de veículos automóveis, tendo instalado um centro de exames na zona de Chelas, em Lisboa.
29. Os arguidos C, C; A, M, B e N exercem as funções de examinadores de condução na APEC.
30. Devendo, por isso, no exercício das respectivas funções cumprir, escrupulosamente, as normas legais, técnicas e regulamentares que disciplinavam esta actividade e usar de total isenção na avaliação das provas de exame (cf. artigo 14.º do Dec. Lei n.º 175/91 de 11 de Maio).

II – Dos procedimentos dos exames de habilitação para condução de veículos automóveis da categoria B e a intervenção dos arguidos C, C, A, M, B e N.
31. O exame para habilitação de condução de automóveis (veículos de categoria B) é composto por uma prova teórica e por uma prova prática.
32. A prova teórica destina-se a apurar o nível de conhecimento das regras de circulação e de sinalização rodoviária, bem como os princípios de segurança rodoviária, particularmente no que respeita à prevenção de acidentes.
33. A realização dessa prova obedece aos seguintes formalismos:
a) É efectuada com recurso a um sistema interactivo multimédia que ligava a DGV (IMTT) a terminais existentes nas salas dos centros de exame e através do qual disponibilizava mil e quinhentos testes diferentes.
b) O examinador para cada terminal é sorteado pela APEC, através de aplicação informática existente nas suas instalações, devendo ser incluídos no sorteio todos os examinadores que se encontrassem no centro de exames.
c) A lista de candidatos é introduzida também no mesmo sistema que, de forma aleatória, indica o terminal que cada candidato devia utilizar.
d) Estando os candidatos posicionados de acordo com a ordenação fornecida, o sistema multimédia é activado pela introdução pelo examinador de uma password, atribuída pela DGV (IMTT), sendo seleccionado um teste.
e) Com a introdução da password, o sistema fazia a correspondência com o examinador respectivo e regista a sua identificação no exame.
f) As respostas às questões que compõem o teste são de escolha múltipla entre duas e quatro respostas possíveis, mas admitindo apenas uma certa.
g) No decurso da prova teórica, os examinadores estão proibidos de fazer quaisquer sinais, de se movimentar na sala e de prestar qualquer auxílio aos candidatos.
34. Para poderem habilitar-se a obter a carta de condução de veículos automóveis, os candidatos, entre outros requisitos, têm de saber ler e escrever (artigo 126.º do Código da Estrada).
35. Competia, pois, aos arguidos C, C, A, M, B e N, enquanto examinadores realizar as operações descritas, com vista à realização da prova teórica do exame para habilitação de condução, absterem-se de, por qualquer modo, prestarem auxílio aos candidatos.
36. Nas provas práticas competia-lhes cumprir escrupulosamente as normas legais, técnicas e regulamentares que disciplinam a realização dessas provas (v.g. as constantes da Portaria n.º 536/2005, de 22 de Junho) e, bem assim, usar de total isenção na realização das mesmas.

III – As relações entre os arguidos C, C, A, M, B e N e o arguido P funcionário da Escola de Condução V e entre este e o arguido A.

37. A Escola de Condução V, Lda. é uma sociedade por quotas, com sede na Rua (…) em Lisboa, que tem por função o ensino teórico e prático da condução de veículos automóveis, ou seja, a formação de condutores.
38. O ensino da condução apenas pode ser exercido em escola de condução sob regime de licença titulada por alvará para abertura e funcionamento a emitir pelo IMTT (DGV), atentos os objectivos do ensino de condução, a entidades autorizadas, mediante a satisfação dos requisitos de idoneidade, capacidade profissional e financeira e de viabilidade (Decreto de Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, com as alterações da Lei 51/98, de 18 de Agosto).
39. O arguido P exerce as funções de instrutor na Escola de Condução V.
40. A função de instrutor depende da frequência e aproveitamento de curso de formação regulamentado legalmente e da emissão da correspondente licença de instrutor pelo IMTT (DGV).
41. No desempenho das respectivas funções de instrutor competia, em especial, ao arguido P: cumprir os normativos respeitantes à ministração do ensino e aos exames de condução; aplicar, correcta e completamente, os conteúdos programáticos em vigor, utilizando os métodos de ensino e o material didáctico adequados e manter actualizado o registo das lições ministradas e a caderneta do instruendo (cf. artigo 24.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, com as alterações da Lei 51/98, de 18 de Agosto).
42. O Arguido P, instrutor na Escola de Condução V, o arguido A, e os arguidos C, C, A, M, B e N, examinadores APEC, decidiram entre si conjugar esforços, no sentido da 'angariação' de indivíduos que não querem ou não conseguem pelos seus meios e esforços aprender todo o necessário para obter aprovação na prova teórica (código) e prática (de condução) do exame para obtenção da carta de condução e que para alcançar tal intento estão dispostos a pagar uma elevada quantia monetária, para que todo o processo seja realizado com garantia de sucesso.
43. Considerando as funções que cada um exerce, competia, na divisão de tarefas acordada, ao arguido P, por si e, pelo menos, em três das situações infra descritas, através do arguido A, contactar candidatos à obtenção de carta de condução, que pretendessem obter as cartas nos moldes anteriormente descritos.
44. Para o efeito de obtenção das cartas de condução, sem o cumprimento das normas e regras estabelecidas, foi solicitado, pelos arguidos P e A, aos candidatos a entrega de quantias monetárias, em regra superiores a 3.000 €, em notas, a entregar, na maioria das situações que se descrevem, antes da realização dos exames.
45. De igual modo, era determinado que se inscrevessem como alunos da escola de condução V, ficando o arguido P como instrutor dos mesmos.
46. Competia, ainda, ao arguido P assegurar que o processo administrativo que deveria legalmente ser instruído na escola (cf. Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, com as alterações da Lei 51/98, de 18 de Agosto), tinha uma aparência de regularidade, como se efectivamente tivesse sido respeitado o formalismo imposto por lei, designadamente, no que respeita à frequência das lições teóricas e práticas exigidas, e;
47. assegurar a marcação dos exames teórico e prático, no Centro da APEC, em Lisboa.
48. Na APEC, na sequência da divisão de tarefas acordada entre os arguidos, os examinados beneficiavam da ajuda explícita dos arguidos examinadores C, C, A, M, B e N, que, na prova teórica, se deslocavam ao lugar onde se encontravam os candidatos e, com sinais com os dedos, lhes indicavam todas as respostas correctas, correspondendo o número de dedos esticados ao número que deveriam assinalar na respectiva prova.
49. Competia-lhes, ainda, aos arguidos examinadores facilitar e assegurar a aprovação no exame prático de condução.
50. As quantias auferidas eram depois divididas entre todos, em moldes, ainda, não concretamente apurados.
Assim aconteceu, pelo menos, nas seguintes situações, indiciadas nos autos:

IV – Exame teórico e prático efectuado por L e A – Examinadores da prova teórica arguidos C e B.
51. No final de 2008, L, residente em (…), Concelho de Évora, pretendendo tirar a carta de condução, foi informada, por J, que conhecia umas pessoas na localidade de Pinhal Novo que arranjavam cartas de condução de uma forma rápida e sem reprovar nos exames.
52. Na sequência dessa conversa, L contactou A, igualmente residente em (…), concelho de Évora, questionando-a se também estaria interessada em obter a carta de condução naqueles moldes, tendo a mesma anuído.
53. Em data posterior, L e A, acompanhadas do marido desta última, deslocaram-se, com J, ao Pinhal Novo, local onde se encontraram com o arguido A, conhecido deste último.
54. Nessa ocasião o arguido A informou-as que para obterem a carta de condução teriam de pagar, cada uma, a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros) e entregar-lhe uma cópia do bilhete de identidade, uma cópia do cartão de contribuinte, duas fotografias tipo passe e um atestado médico, informando-as, ainda, que, caso fosse necessário, ele próprio A trataria do atestado, mediante o pagamento de 20 €, por cada um.
55. L e A acederam à solicitação do arguido A.
56. O arguido A informou-as, então, que posteriormente seriam contactadas para efectuar o exame de código e que no dia desse exame viria um senhor da Escola de Condução V – o arguido P, que as conduziria à referida Escola, para que as mesmas assinassem o livro correspondente às presenças nas aulas teóricas, que não necessitariam de realizar, e de seguida as transportaria ao local do exame, cuja realização para não levantar suspeitas seria efectuado em datas distintas.
57. Cerca de uma semana depois desse encontro a A reuniu a documentação solicitada e contactou telefonicamente o arguido A, informando-o desse facto, com vista a agendar um encontro para lhe entregar a documentação.
58. No dia 18 de Outubro de 2008, da parte da tarde, A, acompanhada pelo marido e por L, deslocou-se ao Pinhal Novo e procedeu à entrega ao arguido A, da referida documentação.
59. No início do mês de Janeiro de 2009, o arguido A contactou A, informando-a que deveria deslocar-se ao Pinhal Novo, no dia 7 de Janeiro de 2009, pela manhã, para conhecer o arguido P e de seguida ir efectuar o exame.
60. Acompanhada por L, A deslocou-se ao Pinhal Novo, no dia combinado, e aí se encontrou com os arguidos A e P.
61. Nessa ocasião, entregou ao arguido A um envelope contendo no seu interior a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros), em notas.
62. Após, o arguido P conduziu-as num veículo às instalações da Escola de Condução V.
63. No interior dessa Escola, o arguido P determinou a A que assinasse um documento que comprovava que tinha assistido a trinta e três lições de código, o que não tinha ocorrido, não o tendo feito relativamente a L, por esta ainda não ter reunido todos os documentos necessários, tendo sido ambas informadas pelo arguido do modo de funcionamento do computador através do qual se realizaria a prova teórica, do centro de exames da APEC.
64. Após foram conduzidas pelo arguido P ao centro de exames da APEC, sendo no percurso informadas pelo arguido P que já estava tudo tratado com o examinador e que não deveriam responder a nenhuma pergunta por iniciativa própria, nem mesmo tendo a certeza da resposta correcta, que deveriam sempre aguardar que o examinador lhes indicasse através de gestos com os dedos da mão qual o número a escolher.
65. Chegados ao centro de exames da APEC, A entrou para uma sala onde se encontravam os demais examinandos.
66. No decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas, o arguido C indicou a A, através de gestos com os dedos, quais as respostas que deveria assinalar, o que esta fez.
67. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido C, A obteve aprovação na prova teórica do exame para a obtenção da carta de condução.
68. Após a realização desta prova por A, o arguido A contactou L informando-a de que deveria encontrar-se nos moldes descritos com ele e com o arguido P, para efectuar a prova teórica, no dia 14.1.2009.
69. Assim, conforme indicação que recebeu, no dia 14.1.2009, L, acompanhada de A, dirigiu-se ao Pinhal Novo, onde se encontrou com os arguidos A e P.
70. Nessa ocasião, L entregou ao arguido A um envelope contendo no seu interior a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros), em notas.
71. De seguida, o arguido P conduziu-as às instalações da Escola de Condução V, onde determinou, a L, que assinasse o livro que comprovava que tinha assistido a trinta e três lições de código, o que não ocorrera.
72. Foram depois conduzidas pelo arguido P ao centro de exames da APEC.
73. Chegados ao centro de exames da APEC, pelas 11.30 horas, desse mesmo dia, o arguido P indicou a L que esta não deveria responder a nenhuma questão, informando-a posteriormente que o examinador presente – J – não daria as respostas e agendando novo contacto para efeito de realização do exame de código.
74. Conforme combinado, L foi contactada para a realização da prova teórica, que teria lugar, no dia 28.1.2009, devendo dirigir-se, como anteriormente, ao Pinhal Novo, o que fez, deslocando-se depois, nos moldes descritos, para a APEC.
75. No decorrer do exame, que teve início pelas 11.30 horas, o arguido B indicou a L, através de gestos com o dedos da mão, qual as respostas que deveria assinalar, o que esta fez.
76. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do B, L obteve aprovação no exame teórico de condução.
77. Nesse mesmo dia, o arguido P informou L e a A, que a acompanhava, que posteriormente as contactaria para a realização da prova prática (exame de condução).
78. Algum tempo depois o arguido P enviou uma mensagem via telemóvel (SMS) para A, informando-a que as provas práticas, dela e de L, se encontravam agendadas para o dia 16 de Fevereiro de 2009.
79. No dia 16 de Fevereiro de 2009, A e L compareceram na estação de caminho-de-ferro do Pinhal Novo, conforme o arguido P lhes havia indicado.
80. Desse local, foram conduzidas para Lisboa pelo arguido P.
81. Em Lisboa, nesse mesmo dia, efectuaram, pelas 12.00 horas, primeiro L e depois A, a prova prática de condução, com o arguido B, tendo o arguido P acompanhado as provas de ambas, sentado no banco traseiro.
82. Obtiveram, assim, aprovação nesse exame, apesar do arguido P bem saber que as mesmas não cumpriram os requisitos necessários e do arguido B, pelo menos, no que respeita a L, bem saber que a mesma não possuía as condições para o efeito, considerando que a mesma só obteve aprovação na prova teórica, porque o mesmo lhe indicou as respostas correctas.

V – Exame Teórico efectuado por H – examinador da prova teórica arguido C, da prova prática – A.
83. Em data não concretamente apurada, H, residente em (…), tomou conhecimento, através de A, da possibilidade de obter a carta de condução nos moldes em que esta obteve, manifestando, também, interesse nessa obtenção.
84. Para o efeito, deslocou-se em dia não concretamente apurado, do início do ano de 2009, à noite, acompanhado por A, à estação de Caminho-de-Ferro do Pinhal Novo, onde se encontrou com o arguido A, com o qual acordou a obtenção da carta, em moldes similares aos de A, tendo o arguido A afirmado que iria tratar de tudo e que aguardasse um contacto seu, o que ocorreu, via telefónica, no final do mês de Março de 2009.
85. Nesse contacto o arguido A informou o H que deveria deslocar-se à estação de comboios de Pinhal Novo pelas 9.30 horas do dia 29.3.2010, data em que realizaria a prova teórica, o que este fez, fazendo-se acompanhar por A.
86. Nesse local, encontravam-se os arguidos A e P.
87. Nesse mesmo local, o arguido H entregou ao arguido A a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros), em notas, num envelope fechado.
88. De seguida, H e A foram conduzidos, num veículo, pelo arguido P, para as instalações da Escola de Condução V.
89. No interior da Escola, por determinação do arguido P, H assinou um livro que comprovava que tinha assistido a trinta e três lições de código, que não assistiu, tendo sido informado como funcionava o computador do centro de exames da APEC.
90. Após, foi conduzido pelo arguido P ao centro de exames da APEC e entrou para uma sala onde se encontravam os demais examinandos.
91. No decorrer da prova teórica, que iniciou pelas 11.30 horas, o arguido C indicou a H, através de gestos com os dedos da mão, quais as respostas que deveria assinalar.
92. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do examinador arguido C, H obteve aprovação na prova teórica do exame de condução.
93. Algum tempo depois, o arguido A informou H que teria exame de condução no dia 14 de Abril de 2010 e que deveria proceder como anteriormente.
94. Assim H compareceu, no dia 14 de Abril de 2010, pelas 11.30 horas, acompanhado por A, na estação de caminho-de-ferro do Pinhal Novo, onde se encontrava o arguido P, que os conduziu a Lisboa.
95. Em Lisboa, de manhã, efectuou um percurso de condução, acompanhado pelo arguido P, que se encontrava sentado no banco dianteiro ao lado do condutor e por A, sentada no banco traseiro.
96. Pelas 14.00 horas, desse mesmo dia, efectuou o exame de condução, com o examinador A, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
97. Obteve aprovação nesse exame.

VI – Exame Teórico efectuado por M – examinador teórico arguido C, examinador prático arguido A.
98. Em data não concretamente apurada, M, residente em (…), por indicação de um amigo de apelido Romão, contactou o arguido P e, posteriormente, em Janeiro de 2009, encontrou-se com este, na Rotunda do Supermercado Modelo, na Moita, tendo sido pelo mesmo informado que, para facilitar a obtenção da carta de condução de ligeiros e motociclos, com segurança de passagem nas provas teóricas e práticas, M teria de lhe pagar a quantia de 3.000 € (três mil euros) e entregar-lhe uma cópia do bilhete de identidade, uma cópia do cartão de contribuinte, duas fotografias tipo passe, ao que o M acedeu.
99. Posteriormente, ainda em Janeiro desse ano, M encontrou-se novamente com o arguido P, no mesmo local, tendo-lhe entregue a quantia monetária referida, em notas, e os documentos solicitados e assinado os papéis necessários à inscrição na Escola de Condução V.
100. Em 2.3.2009, M foi contactado telefonicamente pelo arguido P, que o informou que iria efectuar a prova teórica do exame de condução no dia seguinte, devendo M deslocar-se à rotunda do supermercado Modelo, na Moita, pelas 9.00 horas, para que aquele o conduzisse à Escola de Condução V, onde o ensinaria a manusear o programa de computador através do qual se realizam as provas teóricas na APEC e daí seguiriam para a APEC, o que, efectivamente, aconteceu, como combinado.
101. No decorrer do exame, que iniciou pelas 14.00 horas desse mesmo dia, o arguido C e um outro examinador de identidade não apurada indicaram ao arguido M, através de gestos com os dedos, quais as respostas que este deveria assinalar.
102. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido C e do outro examinador de identidade não apurada, M obteve aprovação no exame teórico.
103. Posteriormente, M foi novamente contactado pelo arguido P que o informou que teria exame de condução no dia 20.3.2009 e que deveria proceder como anteriormente.
104. Assim, no dia 20.3.2009, de manhã, compareceu na citada rotunda, na Moita, onde se encontrava o arguido P que o conduziu a Lisboa.
105. Em Lisboa, de manhã, efectuou um percurso de condução, acompanhado pelo arguido P.
106. Pelas 15.20 horas desse mesmo dia efectuou o exame de condução de ligeiros, com o examinador A, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
107. No decurso desse exame, M prosseguiu a marcha do veículo que conduzia apesar do sinal de semáforo existente na via apresentar o sinal vermelho activado, facto que os arguidos, examinador A e P, se aperceberam,
108. Apesar dessa infracção, A aprovou, no contexto do acordo estabelecido, M nesse exame.
109. Nesse mesmo dia, em hora não concretamente apurada, efectuou exame de motociclo com examinador ainda não identificado, tendo obtido aprovação.

VII – Exame Teórico efectuado por M – 1.º examinador teórico arguido C, 2.º Examinador teórico arguido C, examinador prático arguido C.
106. Em data não concretamente apurada de meados do ano de 2009, M, residente em (…), Pinhal Novo, por indicação de terceiro cuja identidade não se apurou, encontrou-se nas instalações da Escola de Condução V com o arguido P, tendo sido por este informada que para assegurar a passagem na prova teórica de condução, que aquela já havia efectuado e reprovado 10 vezes, deveria pagar-lhe a quantia de 3.250 € (três mil duzentos e cinquenta euros) a acrescer ao preço de inscrição na Escola, ao que M acedeu, procedendo de imediato à inscrição respectiva, sem efectuar todavia qualquer pagamento, por não dispor de dinheiro para o efeito.
107. Posteriormente, sensivelmente dois meses depois, foi contactada telefonicamente, pelo arguido P, que a informou que iria efectuar o exame teórico no dia 14.09.2009, devendo M levar consigo a quantia combinada e oferecendo-se para passar pelo Pinhal Novo para lhe dar boleia, o que aconteceu.
108. No dia 14.09.2009 o arguido P deu boleia a M, que se fazia acompanhar do seu marido, nessa altura entregou a P a quantia de 3.250 € (três mil duzentos e cinquenta euros), em notas acrescida dos 130 € (cento e trinta euros), devidos pela inscrição na Escola Condução.
113. O arguido P conduziu-os, como combinado, ao Centro de Exames da APEC, tendo explicado a M, no percurso, como iria ser auxiliada no decorrer da prova teórica.
114. Em conformidade, no decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas desse mesmo dia, o arguido examinador C indicou a M, através de gestos com os dedos da mão, quais as respostas que esta deveria assinalar.
115. Todavia, apesar dessa indicação e porque M respondeu a algumas perguntas por iniciativa própria, acabou por reprovar nessa prova (com quatro respostas negativas).
116. Informado do resultado do exame, o arguido P dispôs-se a devolver o dinheiro que aquela lhe havia entregue e a agendar nova prova, a realizar nos mesmos moldes.
117. Nessa sequência, M foi contactada telefonicamente, pelo arguido P, que a informou que iria efectuar nova prova teórica, no dia 30.09.2009, devendo M levar consigo, outra vez, a quantia combinada e oferecendo-se para passar pelo Pinhal Novo para lhe dar boleia, o que aconteceu.
118. No dia 30.09.2009 o arguido P deu boleia a M, que, nesse momento, lhe voltou a entregar a quantia de 3.250 € (três mil duzentos e cinquenta euros).
119. O arguido P conduziu-a, como combinado, ao Centro de Exames da APEC.
120. Em conformidade, no decorrer do exame, que iniciou pelas 10.30 horas desse mesmo dia, o arguido examinador C indicou a M, através de gestos com os dedos, quais as respostas que esta deveria assinalar, o que esta fez.
121. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido C, M obteve aprovação no exame teórico.
121. Posteriormente realizou o exame de condução, tendo obtido aprovação.

VIII – Exame Teórico efectuado por A – examinadora teórica H, examinador prático J.
122. Em data não concretamente apurada, compreendida entre Dezembro de 2008 e início do ano de 2009, A, residente no Pinhal Novo, contactou o arguido P, por se saber, na zona do Pinhal Novo, que este tinha facilidade em obter cartas de condução, não tendo os candidatos necessidade de frequentar aulas de código e condução, sendo ajudados no acto de exame, tendo este informado que para facilitar a obtenção da carta de condução de ligeiros, nesses moldes, A teria de lhe pagar a quantia de 3.000 € (três mil euros) e entregar-lhe uma cópia do bilhete de identidade, uma cópia do cartão de contribuinte, duas fotografias tipo passe, ao que aquela anuiu.
123. Posteriormente, encontrou-se novamente com o arguido P, tendo-lhe entregue a quantia monetária e os documentos anteriormente referidos.
124. Algum tempo depois, A foi contactada telefonicamente pelo arguido P, que a informou que iria efectuar o exame teórico no dia 11.2.2009, devendo aquela deslocar-se à estação do Oriente-Lisboa, para que o arguido P a conduzisse à APEC, o que aconteceu.
125. No percurso, foi informada pelo arguido P como se iria processar a ajuda, ou seja, o examinador que estivesse na sala de exames iria indicar as respostas certas com os dedos da mão e o número de dedos esticados corresponderia à resposta que deveria assinalar.
128. Porque recebeu a indicação das respostas correctas da arguida M, A obteve aprovação no exame teórico, acertando todas as respostas.
129. Posteriormente, foi novamente contactada pelo arguido P, que o informou que teria exame de condução no dia 23.3.2009 e que deveria proceder como anteriormente.
130. Assim, no dia 23.3.2009, compareceu na estação do Oriente, em Lisboa, onde se encontrava o arguido P que a conduziu à APEC.
131. Pelas 14.20 horas desse mesmo dia, efectuou o exame de condução de ligeiros, com o examinador J, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
132. Obteve aprovação nesse exame.

IX – Exame Teórico efectuado por M – examinadora teórica M.
133. Em data não concretamente apurada, do ano de 2009, M, residente no Pinhal Novo, encontrou-se com arguido P, em Lisboa, perto do Centro de Exames da APEC, por ter sabido por C que este, a troco de dinheiro, facilitaria a obtenção da carta de condução.
134. Nesse encontro, o arguido P informou M que, para obter a carta de condução de ligeiros, teria de lhe pagar a quantia de 3.000 € (três mil euros), em duas tranches, uma antes da realização do exame teórico, outra antes do exame prático e inscrever-se na Escola de Condução V, tendo de imediato assinado os papéis relativos à inscrição na Escola.
135. Informou-o, ainda, nessa ocasião como se iria processar a ajuda, ou seja, o examinador que estivesse na sala de exames iria indicar as respostas certas com os dedos da mão e o número de dedos esticados corresponderia à resposta que M deveria assinalar.
136. Algum tempo depois, o arguido P contactou telefonicamente M e informou-o que iria efectuar o exame teórico no dia 8.7.2009, devendo aquele deslocar-se ao Parque de estacionamento em frente da APEC e levar consigo para lhe entregar 2.300 € (dois mil e trezentos euros), o que aconteceu, conforme combinado.
137. No decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas do referido dia, a arguida examinadora M indicou a M, através de gestos com os dedos da mão, quais as respostas que este deveria assinalar, o que este fez.
138. Porque recebeu a indicação das respostas correctas da arguida M, M obteve aprovação na prova teórica do exame de condução.
139. Posteriormente, foi novamente contactado pelo arguido P que o informou que teria exame de condução no dia 17.7.2009 e que deveria encontrar-se com aquele na zona do centro de exames da APEC, duas horas antes, para que M pudesse ter duas horas de prática de condução, as únicas que efectuou, antes da realização do exame, devendo, nessa altura, entregar-lhe os restantes 700 € (setecentos euros) acordados, o que aconteceu.
140. No período da tarde desse mesmo dia, efectuou o exame de condução de ligeiros, com examinador cuja identidade não foi ainda possível apurar, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
141. Obteve aprovação nesse exame.

X – Exame Teórico efectuado por S – examinador teórico A, examinador prático A.
142. Em data não concretamente apurada, do mês de Junho de 2009, S, residente em Grândola, deslocou-se à Escola de Condução V, em Lisboa, por ter sabido por terceiros que ali, a troco de dinheiro, conseguiria obter a carta de condução sem o cumprimento dos requisitos e procedimentos legais. Foi então informado, por pessoa de identidade não apurada, que deveria contactar telefonicamente o arguido P, o que fez no momento, tendo sido por este informado que deveria voltar no dia seguinte munido de fotografias, atestado médico e fotocópia dos documentos de identificação para efectuar a inscrição.
143. S assim fez, tendo-se encontrado, na Escola de Condução V, com o arguido P, que o informou que para obter a carta de condução de ligeiros nos moldes descritos, para além de ter de se inscrever naquela Escola, teria de lhe pagar a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros), na data do exame, o que este anuiu, tendo, desde logo, procedido à sua inscrição.
144. Algum tempo depois, S foi contactado telefonicamente pelo arguido P que o informou que iria efectuar o exame teórico no dia 27.8.2009, devendo aquele deslocar-se a Lisboa e encontrar-se com ele, o que aquele fez.
145. Nesse encontro, realizado no dia do exame, P informou S como se iria processar a ajuda, ou seja, o examinador que estivesse na sala de exames iria indicar as respostas certas com os dedos da mão e o número de dedos esticados corresponderia à resposta que aquele deveria assinalar.
146. Entregou, ainda, nessa ocasião, em notas, a quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros), conforme acordado.
147. No decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas do referido dia, o arguido A indicou a S, através de gestos com os dedos da mão, quais as respostas que deveria assinalar, o que este fez.
148. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do suspeito A, S obteve aprovação na prova teórica.
149. Posteriormente, foi novamente contactado pelo arguido P, que o informou que teria exame de condução no dia 17.9.2009 e que deveria encontrar-se com aquele algumas horas antes para poder ter duas horas de prática de condução, as únicas que realizou, antes da realização do exame, o que aconteceu.
150. No período da tarde desse mesmo dia, efectuou o exame de condução de ligeiros, com o examinador A, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
151. Obteve aprovação nesse exame.

XI – Exame Teórico efectuado por H – examinador teórico arguido C, examinador prático C.
152. Em data não concretamente apurada, do início do mês de Janeiro de 2009, H, residente na Quinta (…), contactou, através de uma pessoa que sabe chamar-se Augusta, um outro indivíduo que sabe chamar-se Fernando, a quem relatou a vontade de obter a carta de condução sem frequentar aulas e com a garantia de passagem nos respectivos exames.
153. Encontrou-se com o referido Fernando que o informou que o arguido P, da Escola de Condução V, conseguiria com que este obtivesse a carta nos moldes descritos.
154. Alguns dias depois, encontrou-se novamente com o referido Fernando que o informou que o arguido P tratava do assunto, mediante o pagamento de 3.000 € (três mil euros), em notas.
155. Sensivelmente um mês depois, o arguido P combinou um encontro com H, em Palmela, perto do local de trabalho deste último, o que aconteceu, tendo nesse encontro o arguido P informado H que deveria inscrever-se na Escola de Condução V, solicitando-lhe os documentos para o efeito, o que aquele acedeu.
156. Decorrido algum tempo, o referido Fernando contactou H informando-o que iria realizar a prova prática do exame de condução, na APEC, no dia 28.08.2009, e que iria encontrar-se com ele, nesse dia, junto à sua residência, para o transportar para a APEC, o que sucedeu.
157. Na APEC, encontrou-se com o arguido P, tendo-lhe este informado que, logo que aquele entrasse na sala para a realização do exame, se aperceberia de como iria obter ajuda para responder às questões.
158. No decorrer do exame, que iniciou pelas 14.00 horas, o arguido C indicou a H, através de gestos com os dedos mão, quais as respostas que deveria assinalar, ou seja, o número de dedos esticados correspondiam à resposta que aquele deveria assinalar, o que aquele fez.
159. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido C, H obteve aprovação na prova teórica do exame de condução.
160. Cerca de uma semana depois, o referido Fernando contactou, novamente, H e informou-o que teria exame de condução no dia 18.09.2009, e que deveria fazer como anteriormente.
161. Assim, no dia 18.09.2009, foi conduzido pelo referido Fernando para as imediações do centro de exames da APEC, onde se encontrou com o arguido P, no interior de um veículo, tendo este solicitado a entrega da quantia acordada, o que H fez, entregando-lhe, os 3.000 €, em notas.
162. Depois trocou de lugar com P e conduziu o veículo, na companhia daquele, durante algum tempo, retornando ao centro de exame da APEC.
163. Pelas 14.00 horas desse mesmo dia, efectuou o exame de condução, com o examinador C, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
164. Obteve aprovação nesse exame.

XII – Exame Teórico efectuado por C – examinador teórico arguido C, examinador prático A.
165. Em data não concretamente apurada, que se situa em meados do ano de 2009, C, residente no Pinhal Novo, deslocou-se à Escola de Condução V, em Lisboa, e inscreveu-se na mesma, por ter sabido por terceiros que ali, a troco de dinheiro, conseguiria obter a carta de condução, sem cumprir os requisitos e formalidades legais necessárias. Foi então informada, por pessoa de identidade não apurada, que deveria contactar o arguido P para aquele efeito, o que fez.
166. Encontrou-se com o arguido P que a informou que, para obter a carta de condução de ligeiros, teria de lhe pagar a quantia de 150 € (cento e cinquenta euros), para início do processo e posteriormente, após o exame de condução, uma quantia, não concretamente apurada, mas superior a 2.000 € (dois mil euros), ao que C acedeu.
167. Encontrou-se, novamente, com o arguido P, na zona da Gare do Oriente, onde lhe entregou a quantia de 150 € (cento e cinquenta euros).
168. Algum tempo depois, C foi contactada telefonicamente pelo arguido P, que a informou que iria efectuar o exame teórico no dia 25.9.2009, devendo aquela deslocar-se a Lisboa e encontrar-se com ele no centro de exames da APEC, o que fez.
169. No decorrer do exame, que iniciou pelas 14.00 horas do referido dia, o arguido C indicou a C, através de gestos com os dedos da mão, quais as respostas que deveria assinalar, ou seja, indicou-lhe as respostas certas com os dedos da mão e o número de dedos esticados correspondiam à resposta que aquela deveria assinalar e assinalou.
170. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido C obteve aprovação no exame teórico.
171. Apesar de o acordo com o arguido P permitir que C não realizasse aulas práticas de condução, a mesma optou por o fazer, tendo realizado exame de condução no dia 16.10.2009, pelas 14.00 horas, com o examinador A.
172. Obteve aprovação nesse exame.
173. Logo após essa aprovação, foi ter com o arguido P que se encontrava no interior de um veículo nas imediações e entregou-lhe num envelope a quantia acordada, superior a 2.000 € (dois mil euros), em notas.

XIII – Exame Teórico efectuado por R – examinador teórico A, examinador prático E.
174. Em data não concretamente apurada, que se situa em finais de 2009, R, residente no Poceirão, por ter sabido por terceiros que o arguido P, a troco de dinheiro, conseguiria ajudá-lo a obter a carta de condução, encetou contacto com o mesmo.
175. No decorrer dessa conversa, que ocorreu num restaurante sito na Avenida (…), em Setúbal, o arguido P informou R que para obter a carta de condução de ligeiros teria de lhe pagar a quantia de 3.000 € (três mil euros), não tendo que temer a prova teórica, pois 'estaria alguém ao seu lado'.
176. Nesse encontro, R entregou uma cópia do cartão de cidadão ao arguido P, informando-o este (P) que trataria também do necessário atestado médico, o que aconteceu, por forma ainda não apurada.
177. De imediato R deslocou-se à sua residência e entregou os acordados de 3.000 € (três mil euros) ao arguido P.
178. Algum tempo depois, R foi contactado telefonicamente pelo arguido P, que o informou que iria efectuar a prova teórica, no dia 19.2.2010, devendo aquele encontrar-se consigo na estação da BP, sita no Pinhal Novo, pelas 9.30 horas desse dia, o que aconteceu.
179. De seguida, o arguido P conduziu R para as instalações da Escola de Condução V.
180. No interior da Escola o arguido P informou R como funcionava o programa informático de exames do centro de exames da APEC e como era realizado o exame.
181. Após foi conduzido pelo arguido P ao centro de exames da APEC e entrou para uma sala onde se encontravam os demais examinandos.
182. No decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas do referido dia, o arguido A indicou a R as respostas certas como os dedos da mão, sendo que o número de dedos esticados correspondia à resposta que aquele deveria assinalar e assinalou.
183. Porque recebeu a indicação das respostas correctas do arguido A, obteve aprovação no exame teórico.
184. Cerca de duas semanas depois, R foi contactado pelo arguido P, que o informou que teria exame de condução no dia 5.03.2010, e que deveria fazer como anteriormente.
185. Assim, nesse dia, foi conduzido pelo arguido P para Lisboa e conduziu o veículo, na companhia daquele, durante cerca de 30 minutos, dirigindo-se depois para o centro de exame da APEC.
186. Pelas 14.00 horas desse mesmo dia, efectuou o exame de condução com a examinadora E, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
187. Obteve aprovação nesse exame.

XIV – Exame Teórico efectuado por M – 1.º examinador teórico arguido B, 2.º Examinador teórico arguida N, examinador prático A.
188. No dia 3.11.2010, pelas 21.00 horas, M, residente em (…), no Poceirão, por indicação de R, encontrou-se com o arguido P tendo sido por este informado que para assegurar a passagem na prova teórica do exame de condução deveria pagar-lhe a quantia de 3.000 € (três mil euros), a acrescer ao preço de inscrição na Escola de Condução V, ao que M acedeu.
189. Decorridos 2 ou 3 dias, M encontrou-se com o arguido P nas imediações da Escola de Condução V e entregou-lhe, como haviam combinado, a quantia de 3.000 € (três mil euros), em notas, num envelope, tendo-se depois dirigido para o interior da Escola, onde M se inscreveu.
190. Posteriormente, foi informado pelo arguido P que iria efectuar o exame teórico no dia 7.01.2011.
191. Nesse dia 7.1.2011, o arguido P informou M que deveria entrar para a sala de exame e mesmo que o examinador não o ajudasse, através de gestos com os dedos, indicando quais as respostas que deveria assinalar, deveria realizar o exame, o que M fez.
192. No decorrer do exame o examinador presente não fez qualquer indicação com os dedos assinalando as respostas correctas, tendo M reprovado no mesmo, com 14 erros.
193. Informado do resultado do exame, o arguido P dispôs-se a agendar novo exame, a realizar nos mesmos moldes.
194. Nessa sequência, M foi informado pelo arguido P que iria efectuar novo exame teórico, no dia 26.01.2011, o que aconteceu.
195. No decorrer do exame, que iniciou pelas 11.30 horas, desse mesmo dia, a arguida N indicou a M, através de gestos com os dedos, quais as respostas que deveria assinalar, o que este fez.
196. Porque recebeu a indicação das respostas correctas da arguida N, obteve aprovação no exame teórico.
197. Posteriormente M foi contactado pelo arguido P, que o informou que teria exame de condução no dia 10.2.2011.
198. Realizou 10 a 15 aulas de condução.
199. Pelas 16.00 horas desse mesmo dia, efectuou o exame de condução, com o examinador A, tendo o arguido P acompanhado o exame, sentado no banco traseiro.
200. Obteve aprovação nesse exame.
201. As quantias obtidas pelas condutas descritas foram repartidas, entre os arguidos, em parcelas de montante não exactamente apurado.
202. Os arguidos P, A, C, C, A, M, B e N estavam cientes das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de examinadores de condução dos seis últimos identificados, designadamente que estavam estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à realização de exames teóricos e práticos de condução, estando proibidos de fazer quaisquer sinais, de se movimentar na sala e de prestar qualquer auxílio aos candidatos no decurso do exame.
203. Apesar disso actuaram, em conjugação de esforços e de intentos, com a finalidade, que concretizaram, de, em cada uma das situações descritas, aprovarem os candidatos identificados, sem que estes tivessem necessidade de reunir quaisquer conhecimentos sobre as matérias objecto dos exames teóricos de condução e facilitando nos exames práticos, com o exclusivo propósito de utilizar os poderes decorrentes do cargo de examinadores para satisfazer os seus interesses cada uma das situações descritas, aos candidatos identificados, o pagamento de quantias, como contrapartida do auxílio prestado na realização das provas teóricas e práticas de condução, conseguindo a sua aprovação, sem que os seus conhecimentos tivessem sido avaliados, actos que sabiam contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais, obtendo, por essa via, proventos pecuniários indevidos.
205. Os arguidos agiram, em cada uma das situações descritas, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e configuravam a prática de crimes.

A factualidade descrita encontra suporte probatório nos seguintes elementos:
1. Declarações de:
– Testemunhas (…):
Arguidos:
– M (370 a 375, 717 a 721, 788 a 794);
– (fls. 697);
– B (cf. fls. 824 a 829);
– M (fls. 690 a 697);
II. Documental:
– Auto de busca e apreensão de fls. 285, residência do arguido P e documentos apreendidos nesse âmbito de fls. 289 a 292 e os constantes do Apenso VIII.
– Auto de busca e apreensão de fls. 292, veículo do arguido P e os documentos apreendidos nesse âmbito, constantes dos apensos VI e VII.
– Auto de busca e apreensão de fls. 299 e 300, Escola de Condução V e os documentos apreendidos nesse âmbito, constantes de fls. 303 a 348 e apensos I, III, IV e V.
– Auto de busca e apreensão de fls. 358 a 362, residência do arguido A e documentos apreendidos nesse âmbito, constantes do apenso I, volumes I e II.
– Auto de busca e apreensão de fls. 983 a 988 e documentação apreendida nesse âmbito, constante do apenso XIV, Volume 1 e 2.
– Documentos constantes do Apenso XV, cópias de peças processuais dos processos com os NUIPC 2275/03.4JFLSB e 666/07.0JFLSB, em que se investigaram factos similares aos que constituem objecto do presente processo.
– Documentos constantes do apenso X – facturação detalhada.
– Documentos constantes do apenso IX – processos do IMTT e APEC, relativos aos candidatos à obtenção de carta de condução.
– Documento de fls. 1002.
– Documento de fls. 724 a 726 – provindo do IMTT e em que são descritas situações, com repercussão profissional, envolvendo os arguidos nos autos.
– Informação de fls. 910 e 911 e documentos de fls. 912 a 920.
– Quadro síntese de fls. 1024 a 1026.
– Auto de fls. 1031 a 1033.
– Cartas de condução apreendidas de fls. 208, 681, 689, 713, 740, 741.
– Transcrições das intercepções telefónicas constantes de fls. 451 a 508, 546 a 556 (com os respectivos CD)
Ao actuar do modo supra descrito, indicia-se, pelo menos, a prática pelos arguidos:
– P, em co-autoria (artigos 26.º e 28.º, n.º 1 do Código Penal), de 12 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– A, em co-autoria (artigos 26.º e 28.º, n.º 1 do Código Penal), de 3 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– C, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 4 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– C, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 3 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– A, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 3 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– M, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 2 crimes corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– B, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 1 crime corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
– N, em co-autoria (artigos 26.º do Código Penal), de 1 crime corrupção passiva para acto ilícito, p. e p., à data dos factos, pelo disposto no artigo 372.º, n.º 1 (actualmente 373.º, n.º 1), com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.

Ouvidos em declarações, os arguidos negam quase na íntegra os factos que consubstanciam os supra referidos ilícitos. No que respeita à realização dos exames teóricos apresentam justificação para o facto de circularem pelas salas onde os mesmos se realizam a qual, pese embora possa verificar-se em algumas situações, dá cobertura a outras em que o objectivo é apenas facilitar a realização de exame por parte de um determinado candidato.
A conduta dos arguidos encontra forte suporte probatório nos depoimentos já recolhidos nos autos. Não é crível que várias testemunhas, sem qualquer ligação e entre si, façam referência a um procedimento que se apresenta idêntico, em dias de exame completamente distintos e com diversos examinadores. Assim, a versão defendida pelos arguidos, de acordo com a qual nunca teriam ajudado ninguém a realizar os exames de código (salvaguardando as situações em que facultam aos candidatos sinónimos e o fazem do posto do examinador) não oferece qualquer credibilidade.
No que respeita aos exames práticos e relativamente aos arguidos que já se apurou neles terem tido intervenção, os depoimentos são também claros na menção de erros de condução que foram deixados passar sem que ocorresse a reprovação do candidato.
Como se disse supra, a esmagadora maioria das testemunhas já ouvidas não tem qualquer ligação entre si. Ou seja, tiveram acesso à informação que a escola mencionada nos autos facilitava a obtenção de cartas de condução por fontes completamente distintas. Daqui se infere a extensão da conduta dos arguidos, nomeadamente no que diz respeito ao tempo em que ela vem sendo praticada.
Como elemento aglutinador de todas as informações prestadas aos candidatos à obtenção de carta, aparece o arguido P, com quem são encetados os primeiros contactos, que diligencia na escola pela formalização do processo com a necessário assinatura das presenças nas aulas teóricas e de condução (sem que a mesma ocorra) e na entrega dos candidatos ao local de exame, acompanhando os de condução.
É assim, em nosso entender, determinante a conduta deste arguido. O mesmo foi já sujeito a interrogatório no âmbito deste processo, sem que contudo tal constituísse motivo par ao afastar da prática da conduta em causa.
Fundamental é também o papel dos examinadores, que numa clara violação dos princípios que os deviam nortear, a troco de quantias em dinheiro, fazem com que cheguem às mãos de terceiros um título que, legalmente, lhes permite a condução de veículos automóveis. Se tivermos em conta os números da sinistralidade rodoviária em Portugal, é de inferir que os arguidos não têm a sensibilidade necessária à função que desempenham.
Como bem se disse na promoção desta diligência, a actuação do arguido A revela-se lateral, funcionando apenas como angariador, não tendo depois praticado qualquer acto que facilite a efectiva obtenção da carta de condução.
Não perdendo de vista a data desde quando os factos vêm sendo praticados, entendemos evidente o perigo de continuação da actividade criminosa. Na verdade, os factos a que os arguidos se vêm dedicando proporcionam-lhes a entrega de quantias que podem ser consideradas avultadas (tendo em consideração o número de situações em apreço) sem que qualquer um deles tenha feito referência a uma situação de debilidade económica extrema, que pudesse constituir uma justificação plausível para o que fosse um acto único e de desespero.
De todos os arguidos, o arguido P foi o que, nas suas declarações, fez menção de menores rendimentos, numa postura que não oferece
qualquer credibilidade.
Afastada também assim a necessidade económica, a conduta dos arguidos revela-se como de pura ambição, sem respeito, como se disse, pelos princípios que deviam nortear a sua posição de examinadores públicos, ou seja, depositários da confiança do Estado para a prática de determinados actos.
Assim, repete-se, é manifesto o perigo de continuação da actividade criminosa.
Ao ilícito em causa é aplicável, abstractamente, pena de prisão de 1 a 8 anos.
Os arguidos têm agora conhecimento dos factos em investigação sendo certo que o inquérito não atingiu ainda ao seu termo. É de temer seriamente que, à vista da pena que pode vir a ser-lhes concretamente aplicada, pretendam furtar-se à acção da justiça.
Para além dos elementos de prova documental já recolhidos, a demonstração inequívoca dos factos imputados aos arguidos passa por prova testemunhal. Há já notícia nos autos de uma testemunha ter sido abordada no sentido de alterar o seu depoimento, por forma a beneficiar os arguidos, sustentando a negação dos factos que estes verbalizaram.
Existe, assim, um fundado e concreto perigo de perturbação do decurso do inquérito, na modalidade de aquisição e manutenção de prova. Por outras palavras, teme-se que os arguidos contactem quer as testemunhas que já possam ter sido ouvidas, quer outras pessoas ainda não inquiridas. Note-se que no caso dos autos o crime dispõe de um forte sustento documental, sendo fácil para os arguidos – mormente para o arguido P – aceder a ficheiros da escola de condução e, rapidamente, localizar indivíduos que tenham feito exames nas condições descritas, abordando-os posteriormente com o fito já mencionado.
As medidas de coação a fixar não podem deixar de ter em consideração a necessidade de acautelar os perigos mencionados, a intervenção de cada um dos arguidos nos factos praticados e o número de crimes desde já imputado a cada um deles.
No que respeita aos arguidos relativamente aos quais foi promovida a suspensão do exercício das funções e que se defenderam alegando não ser necessário a sua aplicação, desde já dizemos que, no caso, e contrariamente ao afirmado pelos arguidos, a mesma se revela absolutamente necessária. Como já se disse supra, há um claro desrespeito pelos princípios que deviam estar subjacentes ao desempenho das funções atribuídas aos arguidos. Não se diga, aliás, que tal colide com o princípio da presunção de inocência, uma vez que a aplicação de qualquer medida de coacção pressupõe a indiciação da prática de factos ilícitos, sem que o arguido perca o benefício da presunção de inocência.
No que respeita ao arguido A – relativamente ao qual está pedida a proibição de se ausentar para o estrangeiro, e que alegou de modo a obstar à sua aplicação adiantando que tal pode vedar ao arguido o tratamento da doença que padece em país estrangeiro, sempre se dirá que a fixação das medidas de coacção não é completamente estanque, sendo que se encontram claramente previstas na lei processual penal as diversas situações que podem motivar o seu agravamento ou atenuação.
Alegaram ainda os arguidos, no que respeita àqueles relativamente aos quais foi pedido a prestação de caução, que o montante apontado se revela exagerado. Ora, salvo o devido respeito, assim não acontece. Estamos em presença de um crime cuja moldura de prisão tem o máximo de 8 anos, os arguidos perceberam avultadas quantias em dinheiro e não há notícia de estarem em precária situação económica. O montante promovido é adequado e consentâneo com o que se refere no artigo 197.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Por todo o exposto, considerando-se as medidas infra decididas as únicas adequadas a salvaguardar os referidos perigos, suficientes, proporcionais às sanções em que previsivelmente os arguidos virão a ser condenados e sem necessidade de outras considerações, decide-se o seguinte:
- Os arguidos P e C aguardarão os ulteriores termos do processo em prisão preventiva – artigos 191.º, 193.º, 202.º, n.º 1, al. a), e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal.
- Os arguidos C e A aguardarão os ulteriores termos do processo em obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância por meio técnico de controlo à distância – artigo 191.º, 193.º, 203.º, n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Penal.
Esta medida será executada após tomada de necessário consentimento aos arguidos, aguardando os mesmos as diligências necessárias à sua execução na situação de prisão preventiva.
-Os arguidos M, B e N aguardarão os ulteriores termos do processo sujeitos, cumulativamente:
- a medida de suspensão do exercício de funções, ficando impedidos de exercer qualquer função relacionada com o ensino, avaliação e realização de exames de condução de quaisquer veículos motorizados;
- a medida de proibição de contacto, pessoal ou por qualquer outra forma, por si ou por interposta pessoa, com os arguidos e demais intervenientes no presente processo;
-a medida de prestação de caução económica, de valor nunca inferior a 30.000 € (trinta mil euros) – artigos 191.º, 193.º, 197.º, 199.º, n.º 1, alínea a), e 2, 200.º, n.º 1, alínea d), 204.º, alíneas a), b) e c), 205.º e 206.º, todos do Código de Processo Penal;
• O arguido A aguardará os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente – artigos 191.º, 193.º, 197.º, 200.º, n.º 1, alíneas b) e d), 204.º, alíneas a), b) e c), 205.º e 206.º, todos do Código de Processo Penal:
– a medida de proibição de contacto, pessoal ou por qualquer outra forma, por si ou por interposta pessoa, com os arguidos e demais intervenientes no presente processo;
– a medida de proibição de se ausentar para o estrangeiro;
– a medida de prestação de caução económica, de valor nunca inferior a 30.000 € (trinta mil euros).

2 – Os arguidos P, N, M e B interpuseram recurso desse despacho.
2.1. A motivação apresentada pelo arguido P termina com a formulação das seguintes conclusões:
I. O despacho recorrido não ponderou a ausência de antecedentes criminais do arguido, nem a sua situação de doença grave justificativa da suspensão da prisão preventiva por falta dos respectivos tratamentos médicos específicos no estabelecimento prisional.
II. O recorrente está social e profissionalmente inserido, tem a sua vida familiar organizada, vivendo em casa do seu sogro com a mulher e o seu filho menor.
III. Desde a sua constituição como arguido até ao primeiro interrogatório judicial decorreram mais de 6 meses, sendo certo que o recorrente poderia, com toda a facilidade, ter-se posto em fuga, o que como se sabe não fez; na verdade, apesar de saber que contra si corria o presente processo, não se ausentou da sua residência, nem do seu emprego e muito menos do seu país.
IV. Antes pelo contrário, sempre cumpriu, na referida qualidade, os seus deveres, comparecendo aos actos processuais que directamente lhe diziam respeito e colaborou em todas diligências efectuadas pela Polícia Judiciária, nomeadamente, com recolha de autógrafos, realização de reportagem fotográfica e cumprimento dos mandados de busca/apreensão e de detenção a si respeitantes.
V. Os requisitos gerais da prisão preventiva previstos no artigo 204.º do Código de Processo Penal (v. g. perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito, perigo de continuação de actividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública) são cumulativos; verdade é que, em relação ao arguido, os mesmos não se verificam.
VI. Em face do exposto, deverá ser aplicada ao arguido a medida de obrigação de permanência na habitação por se revelar justa e adequada; e nem se diga que a mesma não permite impedir o perigo de fuga, o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de continuação da actividade criminosa, pois que por força do artigo 201.º, n.º 2, do CPP, aquela pode ser cumulável com a obrigação do recorrente não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas, o que pode ser controlado pelos meios técnicos de controlo à distância.
VII. A sujeição, cumulativa, do arguido a tais medidas de coacção (cf. artigos 201.º e 200.º, n.º 1, alínea d), do CPP), com a aplicação de dispositivo de fiscalização por meio de vigilância electrónica, mostra-se pois suficiente para garantir, sem perturbação, o decurso dos autos e a apresentação do recorrente em juízo.
VIII. Ao decidir da forma como o fez, o Tribunal «a quo», violou os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade (cf. artigos 191.º, 192.º e 193.º do CPP) e ainda os princípios constitucionais consagrados nos artigos 27.º, 28.º, n.º 2, e 32.º, n.º 2, da CRP, nos quais se inclui o da presunção de inocência.
IX. Nestes termos e nos melhores de direito cujo douto suprimento de V. Exas. se aguarda, deve ser dado provimento ao presente recurso e o arguido posto imediatamente em liberdade, substituindo-se a prisão preventiva por medida de obrigação de permanência na habitação, sujeita a fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica), cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, co-arguidos, testemunhas e quaisquer outras pessoas ligadas à escola de condução em causa, o que desde já se requer por tais medidas se revelarem justas, adequadas e suficientes para satisfazer as exigências cautelares.
Decidindo nesta conformidade farão V. Exas. como sempre a costumada justiça».

2.2. A motivação apresentada pela arguida N termina com a formulação das seguintes conclusões:
– A arguida não praticou o crime de que vem indiciada.
– Inexiste o perigo de fuga.
– Inexiste igualmente o perigo de perturbação do decurso do processo, por parte da aqui Recorrente.
– Não se verifica a possibilidade da continuação da actividade criminosa, porquanto a requerida não cometeu o crime de que vem acusada, repetindo-se mais uma vez que não pode indiciar-se ninguém pelo simples facto de alguém vir fazer uma afirmação destituída de fundamento.
– Deverá a medida de Suspensão do Exercício de Profissão ser levantada porquanto não existe fundamento para a sua aplicação e a manter-se ficará a aqui Requerente numa situação de carência económica que não se vislumbra como ultrapassar.
– No que diz respeito à prestação de caução, mais uma vez, não foram verificados os pressupostos para que a mesma pudesse ser aplicada, limitando-se o Juiz de Instrução a considerar que a aqui Requerente tinha um nível de vida muito elevado. Ora, tal conclusão não se retira de lado nenhum! Requer-se assim, seja essa medida substituída por outra, nomeadamente, apresentações periódicas em posto policial, ou outra que se mostre adequada.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso e revogado o despacho que aplicou as medidas de coação à aqui Requerida, levantando-as na íntegra, ou substituindo-as por outras, como é de inteira Justiça!

2.3. A motivação apresentada pela arguida M termina com a formulação das seguintes conclusões:
A) A sanção aplicada está desconforme porque não teve em conta os princípios da adequação e proporcionalidade, pelo que ao aplicar a suspensão do exercício de funções, viola o direito ao trabalho consignado constitucionalmente o artigo 58.º da C.R.P.; este direito não pode ser posto em causa ou sequer comprimido, senão na medida do absolutamente necessário, pois goza de natureza análoga aos direitos fundamentais e, consequentemente, beneficia do regime de protecção reforçada consagrada no artigo 18.º também da C.R.P.
B) São igualmente violados os princípios estabelecidos para aplicação das medidas de coação a que se reportam os artigos 191.º, 192.º, 193.º, 199.º e 212.º, todos do Código de Processo Penal, nomeadamente o Princípio da Legalidade e as Condições Gerais de Aplicação das Medidas de Coação;
C) Pelo que andou mal o Mm.º Juiz “a quo” ao aplicar as medidas de coação nos termos gravosos em que o fez.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e a final, ser revogada a medida de coacção aplicada à Recorrente, nos termos do artigo 199.º do C.P.P., quanto à suspensão do exercício de funções acima identificado, substituindo-a por outra que se mostre mais adequada à realidade factual, e porque a Recorrente se encontra impossibilitada em prestar caução, deve a mesma ser substituída por outra medida de coação conforme determina o n.º 2 do artigo 197.º do C.P.P., fazendo-se assim a costumada justiça».

2.4. A motivação apresentada pelo arguido B termina com a formulação das seguintes conclusões:
A) A sanção aplicada está desconforme porque não teve em conta os princípios da adequação e proporcionalidade, pelo que ao aplicar a suspensão do exercício de funções, viola o direito ao trabalho consignado constitucionalmente no artigo 58.º da C.R.P.; este direito não pode ser posto em causa ou sequer comprimido, senão na medida do absolutamente necessário, pois goza de natureza análoga aos direitos fundamentais e, consequentemente, beneficia do regime de protecção reforçada consagrada no artigo 18.º também da C.R.P.
B) São igualmente violados os princípios estabelecidos para aplicação das medidas de coação a que se reportam os artigos 191.º, 192.º, 193.º, 199.º e 212.º, todos do Código de Processo Penal, nomeadamente o Princípio da Legalidade e as Condições Gerais de Aplicação das Medidas de Coação;
C) Pelo que andou mal o Mm°. Juiz “a quo” ao aplicar as medidas de coação nos termos gravosos em que o fez.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e a final, ser revogada a medida de coacção aplicada ao Recorrente, nos termos do artigo 199.º do C.P.P., quanto à suspensão do exercício de funções acima identificado e prestação de caução, substituindo-a por outra que se mostre mais adequada à realidade factual, como determina o n.º 2 do artigo 197.º do C.P.P., fazendo-se assim a costumada justiça».

3 – O Ministério Público respondeu às motivações apresentadas defendendo a improcedência dos recursos (fls. 36 a 83).

4 – Esses recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 3817.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A discordância relativamente aos factos indiciados
5 – Os arguidos, embora tenham manifestado discordar do elenco dos factos que a Sr.ª juíza considerou estarem fortemente indiciados nos autos, não impugnaram esse segmento da decisão, não tendo cumprido minimamente os ónus que lhe eram impostos pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, disposição que não se aplica apenas quando o recurso tem por objecto a sentença, mas que tem um âmbito geral.
Limitaram-se a manifestar a sua dissensão sem terem indicado, em concreto, os factos de que discordavam, sem terem analisado minimamente a fundamentação elaborada pelo tribunal (de que também não arguiram a nulidade), nem se terem referido, em concreto, a qualquer elemento de prova recolhido no inquérito.
Uma tal atitude, se era compreensível quando os despachos de aplicação das medidas de coacção eram genéricos, não incluíam os factos indiciados e os arguidos não tinham acesso às provas em que eles se fundamentavam, não pode hoje ser aceite quando a situação é completamente diversa.
Hoje o despacho deve ser fundamentado, sob pena de nulidade. Dessa fundamentação devem constar os elementos indicados no n.º 4 do artigo 194.º do Código de Processo Penal. O recorrente tem acesso aos elementos de prova em que se fundamentou a decisão.
Por isso, este tribunal apenas pode apreciar os recursos interpostos por estes quatro arguidos partindo dos factos que a 1.ª instância considerou estarem fortemente indiciados.

A qualificação jurídica das condutas destes arguidos
6 – A Sr.ª juíza de instrução, seguindo a posição do Sr. procurador-adjunto, qualificou os factos que considerou estarem fortemente indiciados como integrando a prática, em co-autoria, de doze crimes de corrupção passiva p. e p., ao tempo, pelos artigos 26.º, 28.º, n.º 1, 372.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal (redacção dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro), imputando todos ou apenas alguns deles a cada um dos ora recorrentes.
Importa, em primeiro lugar, verificar a correcção dessa qualificação jurídica quanto aos factos imputados aos arguidos N, M e B.
A incriminação da corrupção passiva para acto ilícito era feita, ao tempo, pelo n.º 1 do artigo 372.º do Código Penal (1), disposição que, no que ao tipo objectivo se refere, compreendia os seguintes elementos:
• Relativamente ao círculo de autores, exigia que o agente fosse funcionário, no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal;
• No que concerne à acção, impunha que ela se traduzisse num acto de solicitação ou de aceitação;
• Quanto ao objecto da acção, requeria que se tratasse de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da sua promessa indevidas.
O tipo subjectivo, por sua vez, pressupunha, para além do dolo, que tinha por referência todos os elementos do tipo objectivo, um elemento subjectivo especial que se traduzia na existência de uma determinada conexão do comportamento objectivo do agente com a prática de um acto ou omissão (2) contrários aos deveres do cargo, compreendidos na sua competência funcional ou nos poderes de facto dela decorrentes (3) .
Ao analisar este caso concreto, a primeira questão que se nos coloca é a de saber ser estes três arguidos eram, para os efeitos da lei criminal, funcionários, tal como este conceito surge delimitado no artigo 386.º do Código Penal.
Isto porque todos eles eram empregados da APEC, uma associação de direito privado sem fins lucrativos (4) .
Embora seja essa a natureza da entidade para a qual estes arguidos trabalhavam, o certo é que esta associação e os examinadores que para ela trabalhavam participavam no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa (5) , realizando exames teóricos e práticos aos candidatos à obtenção de carta de condução, título que, na sequência dos resultados obtidos nesses exames, era depois emitido pelo Estado.
Estes três arguidos devem, por isso, ser qualificados, para este efeito, como funcionários por participarem no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa – alínea c) do n.º 1 do artigo 386.º do Código de Processo Penal.
Analisando os restantes elementos do indiciado comportamento destes arguidos, verificamos que eles terão aceitado dinheiro para favorecer determinados examinandos durante as provas de aptidão que lhes competia realizar, violando assim os arguidos os seus deveres funcionais.
Nada há, pois, a objectar quanto à qualificação da conduta destes três arguidos feita no despacho recorrido.

7 – Outro tanto não acontece com a qualificação das condutas indiciariamente desenvolvidas pelo arguido P.
Contrariamente ao que consta do despacho recorrido, não pode, a nosso ver, quanto ao crime de corrupção, ser aplicada a extensão de tipicidade prevista no artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal.
Mesmo no período em que, na vigência do Código Penal de 1886, se entendeu que a corrupção era um crime bilateral ou de participação necessária (6) , sempre se entendeu que as condutas do corruptor e do corrupto se não confundiam, não sendo sequer incriminadas na mesma disposição legal, se bem que fossem puníveis, em geral, com a mesma pena (7) .
E se isso era então assim, muito mais razões existem para o ser actualmente quando os crimes de corrupção passiva e activa são formal e materialmente autónomos e são até puníveis com molduras penais diferentes.
Trata-se de uma situação de não aplicação do n.º 1 do artigo 28.º do Código Penal por outra ter sido claramente a intenção da norma incriminadora.
Se não fosse assim, qualquer acordo entre o corruptor e o corrupto (que, não sendo hoje elemento típico, existe numa grande parte dos casos de corrupção) neutralizaria a opção do legislador de valorar diferentemente as duas condutas e de criar tipos autónomos a que correspondem também molduras penais distintas.
Sempre que a solicitação do funcionário fosse aceite pelo seu destinatário ou sempre que a promessa deste fosse acolhida pelo funcionário estaríamos perante uma situação de co-autoria de um crime de corrupção passiva, o que não corresponde seguramente à opção do legislador.
A indiciada conduta do arguido P deve, portanto, ser qualificada como integrando a prática (em três casos, numa situação de co-autoria com o arguido A) de doze crimes de corrupção activa previstos pelos artigos 26.º e 374.º, n.º 1, da redacção dada ao Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, punível, cada um deles, com prisão de 6 meses a 5 anos.

8 – Para além das penas principais previstas nos indicados tipos incriminadores, importa verificar se aos arguidos pode também ser aplicada a pena de proibição do exercício de profissão ou actividade, prevista no artigo 66.º, n.º 2 (8) , do Código Penal.
Uma vez que:
– A profissão desempenhada pelos arguidos N, M e B depende de uma autorização concedida pelo Estado (9) ;
– Os crimes indiciados terão sido cometidos no exercício da respectiva actividade profissional com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes; e
– Esses crimes são puníveis com penas de prisão superiores a 3 anos;
pode vir a ser aplicada a estes arguidos a pena acessória de proibição de exercício das funções que desempenhavam por um período de 2 a 5 anos.
A idêntica conclusão se deve chegar quanto ao arguido P uma vez que a actividade de instrutor, no exercício da qual ele actuou, está dependente da concessão de uma licença conferida pelo Estado, nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, na redacção dada a este preceito pela Lei n.º 51/98, de 18 de Agosto.

As medidas de coacção que podem, em abstracto, ser aplicadas aos arguidos
9 – Sendo este o enquadramento jurídico-penal das condutas que se indicia terem sido praticadas por estes quatro arguidos, importa enunciar as medidas de coacção que, em abstracto, à luz da lei vigente na data da prática dos factos, lhes podem ser aplicadas.
Tendo em conta:
– A existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados a cada um destes arguidos;
– A medida abstracta da pena prevista para os crimes de corrupção passiva para acto ilícito (prisão de 1 a 8 anos);
– A medida da pena prevista para os crimes de corrupção activa para acto ilícito (prisão de 6 meses a 5 anos);
– O facto de os crimes de corrupção serem considerados por lei como uma forma de criminalidade altamente organizada [alínea m) do artigo 1.º e artigo 202.º, n.º 1, alínea b), da redacção então vigente do Código de Processo Penal]; e
– A susceptibilidade de aplicação, a todos os arguidos, de penas acessórias de proibição de exercício de actividade;
considera este tribunal que podem, em abstracto, ser aplicadas aos arguidos todas as medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal, desde que requeridas pelo Ministério Público uma vez que o processo se encontra ainda na fase de inquérito (artigo 194.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Resta, a este propósito, acrescentar três breves notas.
Uma para dizer que, embora a medida de coacção prevista do artigo 199.º do Código de Processo Penal constitua uma restrição ao direito de exercer uma determinada profissão ou actividade, a sua aplicação legitima-se pela necessidade de salvaguardar o exercício da acção penal e, correlativamente, o direito à segurança, finalidades que também têm tutela constitucional (artigo 18., n.º 2, da Constituição). Isto significa que o fundamento da aplicação de qualquer medida de coacção (que visam satisfazer unicamente exigências processuais de natureza cautelar – artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) é a existência de algum dos perigos enunciados no artigo 204.º daquele diploma e não a prática de qualquer crime, por mais grave que ele possa ser, o que obsta a que as medidas de coacção violem a presunção de inocência dos arguidos.
Uma segunda nota para referir que as profissões, funções e actividades de que os arguidos podem ser suspensos ao abrigo do artigo 199.º do Código de Processo Penal são apenas aquelas cujo exercício lhe pode vir a ser proibido nos termos do artigo 66.º do Código Penal. Isto significa que a suspensão apenas pode ocorrer quanto à actividade no exercício da qual o crime foi praticado e não quanto a outras actividades que lhe sejam próximas.
Uma última para dizer que a caução (10) pode ser prestada por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança e não apenas por meio de depósito (artigo 206.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), ao contrário do que certos argumentos expendidos por alguns dos recorrentes parecem pressupor.

A existência dos perigos concretos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal
10 – Sustentam os recorrentes que as medidas de coacção que lhes foram aplicadas devem ser revogadas uma vez que não se verificam, quanto a cada um deles, em concreto, os perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, que, de acordo com o despacho recorrido, são os de continuação da actividade criminosa, de fuga e de perturbação do decurso do inquérito.
Antes de mais, deve dizer-se que a argumentação dos recorrentes é, a este propósito, intrinsecamente contraditória uma vez que eles, afirmando que não existe, quanto a nenhum, qualquer destes perigos, advogam a aplicação de outras medidas de coacção que exigem que esses perigos efectivamente se verifiquem.
De facto, os perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal (que não são, de forma alguma, cumulativos (11 ) são requeridos como fundamento da aplicação de toda e qualquer medida de coacção, excepção feita ao termo de identidade e residência, e não apenas das mais graves delas, nomeadamente da prisão preventiva.
Seja como for, afigura-se-nos que, no caso, quanto a todos os arguidos, existe um manifesto perigo de continuação da actividade criminosa uma vez que os actos de corrupção pressupõem o estabelecimento de relações pessoais entre os corruptores e os corruptos que tendem a propiciar o prolongamento no tempo das actividades criminosas, actividades cuja repetição se tornou mais fácil após o primeiro “comprometimento” e pelo conhecimento da forma de actuar previamente definida.
Existe também, pelo menos neste momento processual, quanto a todos os arguidos, quando ainda não se descortinou a completa extensão da actividade criminosa, um concreto perigo de perturbação do decurso do inquérito uma vez que todos eles têm acesso a dados e a registos existentes nos seus locais de trabalho que podem vir a ser destruídos ou ocultados, gorando-se, assim, a obtenção de prova necessária ao cabal esclarecimento do caso.
Se isto acontece quanto aos arguidos que desempenhavam as funções de examinadores, muito mais intenso é esse perigo relativamente ao arguido P, não só por ele ser sócio-gerente da Escola de Condução, com acesso privilegiado a toda a sua documentação, como por conhecer as pessoas que obtiveram a carta de uma forma ilegal.
Embora a fuga de um arguido seja sempre possível, não se vê que exista, em concreto, perigo de fuga dos arguidos N, M e B.
Outro tanto não se dirá quanto ao arguido P. Se bem que ele já tenha 47 anos, seja português, resida e trabalhe em Portugal, sendo sócio gerente de uma sociedade comercial, uma mais clara concretização da extensão da sua eventual responsabilidade criminal, que é significativa, e uma mais precisa previsão do tipo de pena que lhe poderá vir a ser aplicada, fazem fundadamente temer que ele venha a querer subtrair-se à acção da justiça.
Trata-se, no entanto, de um perigo com uma intensidade relativamente limitada.

As concretas medidas de coacção a aplicar aos recorrentes
11 – Determinados os perigos que, em concreto, existem quanto a cada um dos arguidos, importa agora ver quais são as medidas de coacção que, sendo necessárias e não sendo excessivas, são aptas a minorar esses perigos.
Comecemos pelo arguido P.
A Sr.ª juíza, para além do termo de identidade e residência, impôs a prisão preventiva a este arguido.
Quanto a ele existe, como dissemos, perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e um moderado perigo de fuga.
Se é certo que a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, medida que ele pretendia que lhe fosse aplicada, poderia limitar, em grande medida, a possibilidade de reiteração criminosa e se não é menos certo que esta mesma medida, se reforçada pela prestação de uma caução de montante significativo, poderia responder adequadamente ao perigo de fuga concretamente existente, constata-se que, pelo menos nesta fase do processo, ela não se mostra apta para impedir a perturbação do inquérito, nomeadamente a destruição de prova documental pertencente à sociedade de que é sócio uma vez que, com o auxílio de terceiros, este arguido podia ter perfeitamente acesso, e posteriormente ocultar e destruir, a toda a documentação da sociedade e outra conexa com a sua actividade.
Por isso, e porque não se considera que a prisão preventiva seja, no caso, uma medida excessiva, há que manter a decisão oportunamente tomada pela 1.ª instância quanto a este arguido.

12 – Aos arguidos M, B e N a Sr.ª juíza impôs, cumulativamente, as seguintes medidas de coacção:
– A suspensão do exercício de funções, ficando impedidos de exercer qualquer função relacionada com o ensino, avaliação e realização de exames de condução de quaisquer veículos motorizados;
– A proibição de contacto, pessoal ou por qualquer outra forma, por si ou por interposta pessoa, com os arguidos e demais intervenientes no presente processo;
– A prestação de caução económica, de valor nunca inferior a 30.000 € (trinta mil euros) – artigos 191.º, 193.º, 197.º, 199.º, n.º 1, alínea a), e 2, 200.º, n.º 1, alínea d), 204.º, alíneas a), b) e c), 205.º e 206.º, todos do Código de Processo Penal;
Quanto a estes três arguidos existe, como dissemos, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação do inquérito.
A suspensão do exercício de funções é, de entre as legalmente aplicáveis, a medida menos limitadora da liberdade que revela ser apta para impedir, num caso como este, a continuação da actividade criminosa.
Deve, por isso, e não obstante a sua onerosidade, ser mantida.
Porém, como já antecipámos, não pode ter a extensão que a primeira instância lhe conferiu. A suspensão a que se refere o artigo 199.º do Código de Processo Penal apenas pode abranger a profissão no exercício da qual os crimes terão sido cometido, ou seja, a de examinador num Centro de Exames de condução e não também todas as outras enunciadas no despacho recorrido.
Deve também ser mantida a proibição de contacto, pessoal ou por qualquer outra forma, por si ou por interposta pessoa, com os arguidos e demais intervenientes no presente processo, medida de coacção que estes arguidos, verdadeiramente, nem sequer contestaram.
Ela visa conter, até um certo ponto, o perigo de perturbação do inquérito.
Porém, uma vez que esta medida não impede outras formas de perturbação da aquisição e preservação da prova, nomeadamente documental, a sua aptidão deve ser reforçada através da prestação de uma caução (veja-se a parte final do n.º 1 do artigo 208.º do Código de Processo Penal).
Para responder a esta necessidade de reforço, não se exige, contudo, a prestação de uma caução de montante tão elevado como a que foi estabelecida na 1.ª instância, sendo, a nosso ver, suficiente que se fixe num valor de 15.000 €, o que corresponde aproximadamente a 10 salários mensais de cada um destes arguidos.

Responsabilidade pelas custas
13 – Uma vez que o arguido P decaiu totalmente no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e na Tabela III a ele anexa a taxa de justiça varia entre 3 e 6 UC.
Tendo em conta a situação económica deste arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 5 UC.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido P.
b) Condenar este recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.
c) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos N, M e B, decidindo:
– Limitar a suspensão do exercício de profissão que lhe foi imposta ao desempenho das funções de examinador em Centros de Exames de condução;
– Reduzir a 15.000 € (quinze mil euros) o valor de cada uma das cauções impostas pela 1.ª instância;
– Manter, em tudo o mais, a decisão recorrida.

*

(1) Constando hoje do artigo 373.º, n.º 1, da actual redacção do Código Penal.
(2) Que podia não estar pré-determinado de forma precisa ou ficar subordinado à discricionariedade do agente.
(3) Contrariedade aos deveres por razões substanciais e não por razões formais ou de mera competência do agente.
(4) Exigência que consta do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 175/91, de 11 de Maio, diploma que pela primeira vez permitiu a realização de exames de condução de veículos automóveis por entidades de natureza privada (diploma posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 343/97, de 5 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de Julho, e pela Lei n.º 21/99, de 21 de Abril).
(5) Trata-se, a nosso ver, de uma forma de privatização funcional da administração no âmbito da execução de tarefas públicas (ver, sobre o tema, em geral, GONÇALVES, Pedro, in «Entidades Privadas com Poderes Públicos». Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2005, p. 345 e ss.).
(6) FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, in «Crimes de Corrupção e de Concussão», in «Scientia Iuridica», Tomo X, n.º 51, Janeiro-Fevereiro de 1961, p. 2005 e ss., em especial p. 213.
(7)Ver artigos 318.º e 321.º do Código Penal de 1886.
(8) Os conceitos de «titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração», contidos no n.º 1 do artigo 66.º, não têm uma extensão tão ampla como a do conceito de «funcionário», estabelecida pelo artigo 386.º do Código Penal.
(9) Ver artigo 11.º e ss. da redacção actual do Decreto-Lei n.º 175/91, de 11 de Maio.
(10) Que não se confunde com a caução económica, a que se refere o artigo 227.º do Código de Processo Penal.
(11) Basta, para tanto, atentar na colocação da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” no final da alínea b) do artigo 204.º do Código de Processo Penal.



Lisboa, 28 de Setembro de 2011

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)