1.A declaração de contumácia contemplada no art. 97.º, n.º 2, da Lei n.º 115/2009, de 12.10 (CEPMPL), visa coagir legitimamente o arguido condenado a apresentar-se para cumprir pena de prisão ou medida de segurança.
2.O que está em causa é a execução de prisão ou medida de segurança a cujo cumprimento o condenado se tenha eximido total ou parcialmente e não a execução de uma pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado.
3.O legislador não distingue se tal pena foi aplicada a título principal, se a título de substituição, ou se a mesma resultou da conversão de uma pena de multa não paga, nos termos do art. 49.º, do C. Penal.
4.A recusa dolosa de cumprimento da pena de multa dá lugar ao cumprimento de prisão subsidiária, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do C. Penal e, uma vez, declarada a obrigação do cumprimento da prisão subsidiária, a pena cujo cumprimento se impõe ao condenado é a de prisão, sendo indiferente para efeito de execução dessa prisão a sua origem.
5.O condenado pode obstar ao cumprimento dessa pena de prisão pagando a multa (art. 49.º, n.º 2, do C. Penal), mas enquanto o não fizer impõe-se que cumpra a pena de prisão que resultou da conversão da muta.
6.Caso contrário, nunca tem lugar a suspensão da prescrição da pena com fundamento na declaração de contumácia, prevista no art. 125.º, n.º 1, al. b), do C. Penal, e permite-se que um condenado relapso, que tudo faz para se esquivar à punição – não pagando a multa e eximindo-se ao cumprimento da prisão subsidiária – seja recompensado com a não aplicação da multa.
Proc. 36/09.6PFVFX-A.L1 5ª Secção
Desembargadores: Maria José Machado - Carlos Espírito Santo - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Recurso n.°36/09.6PFVFX-A.L1
(Comarca de Lisboa Norte - V. Franca de Xira - Inst. Local - Secção Criminal)
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 5a SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
1- Relatório
1. No âmbito do processo comum.°36/09.6PFVFX, que corre seus termos na Secção Criminal da Instância Local de Vila Franca de Xira, comarca de Lisboa Norte, foi proferido despacho em 14.09.2015 a indeferir o requerido pelo M. Público no sentido de notificar o arguido, aí condenado, nos termos e para os efeitos do art.° 335.° do CPP, com vista à sua declaração de contumácia, em virtude do mesmo se vir a eximir ao cumprimento da pena de prisão subsidiária.
2. Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs o presente recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
«1 - Afigura-se não assistir razão ao Mmo. Juiz a quo, que entendeu não ordenar a notificação do condenado em prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 335° do Código de Processo Penal, por considerar não se mostrar possível a declaração de contumácia de condenados quando estes se eximissem, meramente, ao cumprimento de penas de prisão subsidiária.
2 - O efeito útil que se pretende alcançar com a declaração de contumácia, como seja o de evitar a prescrição do procedimento criminal, aplica-se nos seus precisos termos quando esteja em causa uma pena de prisão subsidiária, resultante da conversão de uma pena de multa.
3- Questões controvertidas em termos jurisprudenciais, têm sido a da competência para declarar tal contumácia (se dos Tribunais de Comarca, se do Tribunal de Execução de Penas), e a necessidade de, para o efeito, se mostrar transitado o despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, não a possibilidade da mesma existir.
4 - Só a partir do momento do trânsito em julgado desse despacho é que o condenado pode ser colocado em cumprimento de pena, ou constatar-se que se eximiu ao cumprimento, abrindo-se então, neste último caso, a possibilidade da .sua declaração como contumaz. (Ac.s TRL de 29/09/2004 e TRE de 22/04/2008, ambos
disponíveis em www.rlgsi.pt)
5- Embora não desconheçamos o entendimento vertido no Acórdão do TRC de 23/03/2015, permitimo-nos discordar do mesmo, acompanhando a posição sustentada no Acórdão do TRP de 16/09/2015, de acordo com o qual A declaração de contumácia decorrente do artigo 97. °, n. ° 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade é aplicável a uma situação de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
6 - Não existe qualquer distinção prática entre o cumprimento de uma pena de prisão aplicada a título principal e o de uma pena de prisão subsidiária, resultante da conversão de uma pena de multa.
7 - Acresce que a declaração de contumácia não está reservada a situações que envolvam a aplicação de uma pena de prisão, sendo os artigos 335.° a 337.° aplicáveis a qualquer processo penal, independentemente da gravidade do crime, e em momento anterior a qualquer condenação.
8 - Decorre do artigo 49.° do Código Penal, que o legislador consagrou a possibilidade de privação de liberdade, resultante da conversão em prisão subsidiária de uma multa não paga, para crimes aos quais tenha sido aplicada uma pena de multa. Ora, se admite tão grande restrição ao direito fundamental liberdade, não se vislumbra por que não há-de admitir a privação de outros direitos fundamentais [de menor relevo, sublinhe-se], que resulta da declaração de contumácia.
9 - Ainda que se entenda que a finalidade da prisão subsidiária é a de constranger ao pagamento da multa, se tal finalidade impõe uma privação de liberdade, por que não impor o recurso a mecanismos que assegurem efectivamente essa privação de liberdade.
10 - O artigo 97.° n.° 2 do CEPMPL refere-se a qualquer condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão (...) . Não limita a sua aplicação quando a pena em causa seja superior a um determinado período, excluindo penas de curta duração ou penas subsidiárias resultantes da conversão de pena de multa.
11- Apesar de não se questionar da aplicabilidade de tal disposição a penas de prisão de curta duração, não raras vezes uma pena de prisão aplicada a título principal é inferior a uma pena de prisão subsidiária resultante da conversão de uma pena de multa.
12 - Da análise das supracitadas disposições legais, aliadas ao princípio geral de direito vertido no artigo 9° n.° 3 do Código Civil, do qual decorre que, na interpretação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as
soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados
afigura-se, salvo o devido respeito por opinião diversa, que se impõe concluir pela aplicação do regime da contumácia a condenados em prisão subsidiária que se eximem ao cumprimento da pena.
13 - Ao afastar a possibilidade do condenado em prisão subsidiaria, resultante de conversão de pena de multa, ser notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarada contumaz, o tribunal recorrido está a afastar a aplicabilidade do disposto no art. 125° n°1, al. b), e art. 126°, n° 1 al. b), ambos do Código Penal, fazendo perigar a pretensão punitiva do Estado, ao inviabilizar a suspensão e/ ou interrupção do prazo prescricional.
14 - Pelo que se requer que seja revogado o despacho do Mmo. Juiz que declarou não se mostrar possível a declaração de contumácia de condenados em prisão subsidiária, que se eximam ao cumprimento da pena, substituindo-se por outro que ordene a notificação do condenado Gabriel Jderu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 335° do Código de Processo Penal, seguindo o processo os seus ulteriores trâmites processuais.
II - Fundamentação
1. Questões a decidir
Tendo presentes as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões da sua impugnação e que, nos termos do art.° 412°, n°1 do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o objecto do recurso, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se tem lugar a aplicação do instituto da contumácia nos casos em que é determinado o cumprimento da pena de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
2. Apreciação 2.1. O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):
«Por sentença proferida nestes autos em 14-07-2010, pacificamente transitada em julgado em 26-10-2012, foi o arguido (…) condenado, ademais, pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num montante global de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
Atento o inadimplemento do arguido, por despacho de 24-04-2013, tal pena foi convertia em 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária.
Pese embora o tempo manifestamente decorrido, assume-se desconhecido o paradeiro do condenado.
O Ministério Público vem presente e doutamente em epígrafe o cumprimento do disposto no artigo 335. °, do Código de Processo Penal.
Apreciando.
A questão que aqui cumpre apreciar é a de saber se nesta situação de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa não paga nem cobrada coercivamente, pode ou é legalmente admissível a declaração de contumácia do arguido, verificados que estejam os demais requisitos formais.
Entende agora o Ministério Público que sim.
A controvérsia gira, em nosso entender, à volta do disposto no artigo 97°, n° 2, do CEPMS (Lei n° 115/2009, de 12 de Outubro), quando prevê a declaração de contumácia para o condenado que se tenha eximido total ou parcialmente à execução de pena de prisão ou de medida internamento.
A questão a formular é, pois, a de saber se nesta referência a pena de prisão é de englobar a dita pena de prisão subsidiária resultante da conversão do não pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 49°, do Código Penal.
Afigura-se-nos que a questão passa, necessariamente, pela apreciação de dois pontos fulcrais:
- por um lado, qual a verdadeira natureza e regime da pena de prisão subsidiária.
- por outro, se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.
No concernente à natureza e regime da pena de prisão subsidiária, entende-se que se está perante uma sanção penal de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento de multa - (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pp. 146-148)).
Também, Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Setembro 2013,pág. 94, diz sobre esta matéria:
Esta privação da liberdade tem, tal como tinha na versão primitiva do CP a prisão fixada em alternativa na sentença, a natureza de sanção de constrangimento, visando de facto, em último termo constranger o condenado a pagar a multa. Por isso, na medida em que se trata de uma mera sanção pelo não pagamento de multa principal, tendo em vista constranger o condenado ao seu pagamento, não é admissível a concessão da liberdade condicional (art° 61° do CP).
Aceita-se e pensamos que esta questão não suscita quaisquer dúvidas com a redacção do disposto no artigo 49°, n° 2, do CP, segundo o qual «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».
Por sua vez, dispõe ainda o artigo artigo 49. °, n.° 3 do Código Penal que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Ou seja, o regime do artigo 49°, do CP, permite alcançar diferenças significativas entre o regime da prisão aplicada a título principal, deste regime de prisão aplicado a título subsidiário, como constrangimento para o pagamento da pena de multa.
Daqui pode extrapolar-se para a situação que se traduz no facto de a pena principal em que o arguido foi condenado, ser uma pena de multa e esta, em nosso entender, não perder esta qualidade ou natureza, ainda que não paga (voluntária ou coercivamente ou substituída por dias de trabalho) e substituída por prisão subsidiaria. Neste sentido se decide no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2011, proferido no proc. n° 209/01.OPASTS.P1: 1 - A pena de multa não perde essa natureza com a decisão que determina o cumprimento da prisão subsidiária. E no Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto de 30 de Abril de 2014, proferido no processo n° 143/06.7GAPRD-A.P1: 1-A pena de multa em que foi condenado o arguido por sentença transitada mantém a mesma natureza apesar de poder ter sido convertida em prisão subsidiária. 11 - A prisão subsidiária não é em sentido formal uma pena de substituição, e visa tão-só conferir consistência e eficácia à pena de multa. . Ainda sobre esta questão e mais recentemente se decide no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-04-2014 proferido no proc. n° 191/08.2GNPRT-B.P1: A pena de prisão subsidiária da pena de multa não é uma pena substitutiva, mas antes de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
Já assim, aliás, havia anteriormente decidido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2013, processo 218/06.2PEPDL.L3.S1, in www.dgsi.pt: Ora, no caso subjudice, a pena aplicada foi uma pena de multa.
Apesar de posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no art. 49.'1, n. 1 do CP, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido, como foi, executada, em conformidade com o estatuído no n. ° 3 do mesmo normativo .
Ao igual, já assim havia decidido o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 20-11-2009, processo 65/03.3PBBJA.E1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:
A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49. do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão .
Para além destas diferenças já assinaladas, onde se engloba a de não ser admissível, nesta prisão subsidiária a concessão da liberdade condicional (art° 61 ° do CP), importa ainda referir que quando se executa ou cumpre a pena de multa, em qualquer uma das modalidades possíveis e admissíveis -pagamento voluntário ou coercivo, prestação de dias de trabalho a favor da comunidade, ou prisão subsidiária - o que se declara extinta é a pena de multa e não - no presente caso - a prisão subsidiária aplicada; quando é aplicada a pena de multa como pena principal, o prazo de início da prescrição da pena conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença (que aplicou aquela pena de multa) e não do trânsito em julgado da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária. (Neste sentido v. os Acórdãos já supra citados do Tribunal da Relação do Porto de 9-2-2011, proferido no proc. n° 209/01.OPASTS.P1 e de 30.4.2014, proferido no processo n° 143/06.7GAPRD-A.P1)
Ou seja, se é um facto inquestionável que quer a pena de prisão aplicada a título principal quer a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa para cumprimento desta como forma de constrangimento nos termos já assinalados, se traduz, quando cumpridas ou executadas, se traduzem num efectivo encarceramento para quem a cumprir, a verdade é que, conforma também já assinalado, existem diferenças quanto à sua natureza, sendo de realçar, em nosso entender, o facto de a prisão subsidiária poder terminar a qualquer momento pelo devedor da multa, o que não acontece, manifestamente, quanto à pena de prisão aplicada a título principal, a qual só termina ou se extingue com o seu cumprimento efectivo.
Perante a diferença de natureza entre a pena de prisão aplicada a título principal e a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa, cumpre agora questionar se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.
Salvo o devido respeito por contrária posição, somos a entender que não.
O mecanismo constante do art. 97. °/2 do CEPMS representa uma fórmula de intrusão em direitos, liberdades e garantias (direito à capacidade civil - art. 26°/1 da Constituição da República) apenas consentida quando na presença de um interesse legitimador específico (art.° 18°/3 da Constituição da República) relativo ao exercício de acção penal e à pena com que se confronta o procedimento, aqui se achando a concordância prática de interesses (especiais) que normativamente se impunha ao legislador penal.
Com efeito, nos termos do citado articulado legal, é necessário que se esteja perante a execução de pena de prisão ou medida (de segurança) de internamento para que mereça aplicabilidade a declaração do agente como contumaz, o que significa que apenas quando o julgador se confronta com a execução da extrema ratio do direito penal - simetricamente implicando, por implícito, se trate da reacção pública a uma lesão particularmente grave na ordem jurídica -, se autoriza se recorra, no âmbito da execução, ao mecanismo esculpido no art.° 97°/2 do CEPMS, que impacta na esfera individual do arguido condenado por via do estabelecido nos arts. 335. 336. ° e 337. °, estes do CPP.
Desta forma, observamos que apenas no âmbito da execução de reacções penais (baseadas em culpa ou inimputabilidade perigosa) cuja natureza importem encarceramento, se tem o regime da contumácia ao condenado evadido como normativamente comportado, estando o instituto afastado do campo da execução de penas de outra natureza.
Nestas circunstâncias, toda e qualquer pena, independentemente do nível inexpressivo, seria, conjecturavelmente, eternizável no respectivo exercício executivo, consequência prática que se afigura desproporcional, por destituição de relevo e alcance funcional ao princípio de segurança jurídica, de proporcionalidade, de mínimo de intrusão e de necessidade e adequação da pena (no pressuposto, doutrinariamente unânime, que pela medida por que se afaste temporalmente o facto criminal da reacção penal sobre esse facto, se dilui a legitimidade do exercício da sanção, por este se mostrar destituído para a realização de uma efectiva finalidade preventiva).
Esta posição tem, em nosso entendimento, apoio quer na letra quer na ratio legislativa do artigo 97°, n°2, do CEPMS, cuja epígrafe é aliás lapidar evasão ou ausência não autorizada, na medida em que é expressivo ao referir-se a pena de prisão ou medida de internamento.
O legislador não desconhece a pena de multa e a possível conversão desta em prisão subsidiária como uma das formas de cumprimento ou execução - a dita forma de constrangimento, a que o arguido ou devedor da multa pode por fim a todo o momento.
Mas, como forma de cumprimento que a prisão subsidiária representa para a pena de multa, não assume aquela a verdadeira natureza de uma pena autónoma. Tem um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão.
Daí que se entenda que a prisão subsidiaria resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão daquele preceito (art. 97°, n°2, do CEPMS), para efeitos de declaração de contumácia.
Em jeito de síntese e tomando a liberdade de citar o teor do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-03-2015, proferido no âmbito do processo n.° 95/11.1 GATBU-A.C1, Juiz Desembargador Relator Luís Teixeira, disponível em wvvw. dgsi. pt, pode ressumar-se que:
i) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa ao abrigo do artigo 49°, do CP, tem natureza e regime diferente, ou seja, um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão aplicada a título principal.
ii Mesmo com a conversão da pena de multa em prisão subsidiária como forma de constrangimento de cumprimento daquela, a natureza da pena de multa mantém-se.
uri A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão do art. 97°, n°2, do CEPMS, para efeitos de declaração de contumácia, o qual só abrange a pena de prisão ou de medida internamento aplicadas a título principal.
Termos em que indefiro o doutamente promovido.»
Dispõe o art.° 97.° n.°2 da Lei 115/2009 de 12 de Outubro, que aprovou o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, adiante designado CEPMS:
Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335. 0, 336.° e 337.° do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes :
a) Os editais e anúncios contêm em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal da execução das penas»
Antes da entrada em vigor desta Lei, dispunha de forma idêntica o art.° 476.° do CPP, sob a epígrafe Contumácia
Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335. ° 336. ° e 337. ° do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes
a) Os editais e anúncios contêm em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal referido no artigo 470.° ou do Tribunal de Execução das Penas
A contumácia aqui prevista visa coagir legitimamente o arguido condenado a apresentar-se para cumprir pena de prisão ou medida de segurança. Tal como resulta da redação do preceito (art.° 97°) o que está em causa é a execução de prisão ou medida de segurança a cujo cumprimento o condenado se tenha eximido total ou parcialmente e não a execução de uma pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado, caso em que se poderia entender estar apenas em causa a pena de prisão aplicada a título principal.
O legislador não distingue se tal pena de prisão foi aplicada a título principal, se a título de pena de substituição, ou se a mesma resultou da conversão de uma pena de multa não paga, nos termos do art.° 49.° do C. Penal. Apenas se refere à execução de pena de prisão ou de medida de segurança a que o condenado se eximiu total ou parcialmente. Ora, se o legislador não distingue, também o intérprete não deve distinguir.
Porém, atenta a diferente natureza da pena de prisão aplicada a título principal, por um lado, e da prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, por outro lado que se reflete em vários aspetos dos respetivos regimes, sendo o mais relevante o da possibilidade de o condenado, neste último caso, poder evitar a respetiva execução procedendo ao pagamento integral do valor da multa, nos termos do art.° 49.°, n.°2 do C. Penal.
Contudo, a recusa dolosa de cumprimento da pena de multa dá lugar ao cumprimento de prisão subsidiária, nos termos do art.° 49.0, n.°1 do C. Penal e, uma vez declarada a obrigação do cumprimento da prisão subsidiária, a pena cujo cumprimento se impõe ao condenado é a de prisão, sendo indiferente para efeito de execução dessa prisão a sua origem, isto é, se é uma prisão resultante da conversão da multa não paga, se é uma prisão aplicada a título de pena principal.
É certo que o condenado pode obstar ao cumprimento dessa pena de prisão pagando a multa - art.° 49.°, n.°2 do C. Penal. Porém, enquanto o não fizer impõe-se que o mesmo cumpra a pena de prisão que resultou da conversão da multa.
Como se escreve no acórdão da Relação do Porto de 16/09/2015, processo n.°395/15.1TXPRT-A. P1, que defendeu posição contrária á do tribunal recorrido e ao citado acórdão da Relação de Coimbra, «o instituto da contumácia, previsto nos artigos 335° a 337° do Código de Processo Penal é aplicável a qualquer processo penal, independentemente da gravidade do crime, ou da maior ou menor probabilidade de aplicação de penas de prisão, nunca se tendo suscitado a dúvida sobre a conformidade constitucional dessa aplicação alargada a qualquer processo e a qualquer crime».
Mesmo traduzindo tal instituto uma compressão de direitos civis do arguido nem por isso se deixa de aplicar tal instituto, para o obrigar a comparecer em julgamento, numa fase em que o arguido se presume inocente, por forma a que o Estado possa realizar, através dos tribunais, a administração da justiça penal.
Essa administração da justiça compreende também o dever dos Tribunais executarem as suas decisões, evitando que os condenados se eximam ao cumprimento das penas que lhes são aplicadas e que ocorra a prescrição do procedimento criminal ou da pena.
Ora, se existe já condenação com trânsito em julgado, isto é, se o arguido foi já considerado culpado da prática de um crime, relativamente ao qual lhe foi aplicada uma pena de multa, colocando-se este numa situação de incumprimento dolosa relativamente ao não pagamento dessa multa, mais facilmente se aceita a tal compressão dos direitos civis do condenado, através da contumácia, para o obrigar a apresentar-se para o cumprimento da pena de prisão subsidiária, em resultado da conversão da multa. Caso contrário, nunca tem lugar a suspensão da prescrição da pena com fundamento na declaração da contumácia, prevista no art.° 125.°, n°l, al. b) do C. Penal e permite-se que um condenado relapso, que tudo faz para se esquivar à punição - não pagando a multa e eximindo-se ao cumprimento da prisão subsidiária - seja recompensado com a não aplicação da pena.
Não faz sentido, pois, em nosso entender não se aplicar a declaração de contumácia ao condenado que dolosamente não procedeu ao pagamento da multa, no âmbito do cumprimento da pena de prisão subsidiária resultante da conversão da multa de cujo cumprimento o mesmo se exime, com fundamento na diferente natureza da pena de prisão a executar, quando o legislador não fez tal distinção.
Citando mais uma vez o acórdão da Relação do Porto de 16/09/2015 «este é um dos aspetos em que não se justifica a diferença de regimes entre as penas de prisão aplicadas a título principal e as penas de prisão subsidiária resultantes da conversão da pena de multa. Num e noutro caso, estamos perante uma `prisão e é apenas à 'prisão que se refere o preceito em apreço. Num e noutro caso, estamos perante uma fortíssima privação da liberdade. Apesar de ao crime em causa ter sido aplicada uma pena de multa, o legislador admite e impõe essa privação de liberdade. Se admite esta tão grande restrição de um direito fundamental, não se vislumbra por que não há-de admitir a privação de outros direitos fundamentais (não despiciendos, mas de relevo menor) que resulta da declaração de contumácia.
E é assim, mesmo que a finalidade da prisão subsidiária seja a de constranger ao pagamento da multa. Se essa finalidade impõe a privação da liberdade, também impõe o recurso a mecanismos que assegurem efetivamente essa privação da liberdade. A intenção de evitar que condenados se subtraiam à execução da prisão, frustrando desse modo a condenação de que foram alvo e a eficácia do sistema judicial em geral, aplica-se, pois, quer a penas de prisão aplicadas a título principal, quer a penas de prisão subsidiárias resultantes da condenação em pena de multa.»
Neste mesmo sentido aponta o acórdão da Relação de Évora de 22/09/2015, processo, n°197/05.3PAMRA-A.E1 acessível em www.dgsi.pt e a anotação do art.° 476°, n°2 do C. Processo Penal feita pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto in Código de Processo Penal - Comentário e Notas Práticas, Cimbra Editora, p. 1137.
Termos em que, se concede provimento ao recurso.
III - Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes na 5a Secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que determine o cumprimento do disposto no art.° 335° do CPP, com vista à declaração de contumácia do condenado.
Sem tributação.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2016
(processado e revisto pela relatora) (Maria José Costa M achado)
(Carlos Manuel Espirito Santo)