1. Por força do disposto no art. 97.º, n.º 2, da Lei n.º 115/2009, de 12.10 (CEPMPL), a declaração de contumácia abrange agora as situações em que o condenado se exime totalmente ao cumprimento da pena de prisão aplicada, quando não chegou sequer a estar privado da liberdade, por via da condenação, e não apenas – mas também – os casos em que a execução da pena já teve o seu início.
2. O Tribunal de Execução de Penas é o tribunal competente para apreciar e decidir a declaração de contumácia quando esteja em causa o cumprimento de prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa.
3. A violação das regras de competência do tribunal constitui nulidade insanável, que deve ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da decisão final e tem como consequência a nulidade do despacho recorrido, devendo ser extraída a competente certidão e remetida ao Tribunal de Execução de Penas territorialmente competente para dela conhecer.
Proc. 59/04.1PAVFX-A.L1 5ª Secção
Desembargadores: Simões de Carvalho - Margarida Bacelar - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo 59/04.1PAVFX-A.L1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5a) do Tribunal da Relação de Lisboa:
No processo comum singular n.° 59/04.1PAVFX da Instância Local - Secção Criminal (Juiz 1) de Vila Franca de Xira da Comarca de Lisboa Norte, por despacho de 30-11-2015 (cfr. fls. 3 a 8), foi, no que ora interessa, decidido:
«... Do demais constante da promoção de fls. 189.
Por sentença proferida nestes autos em 28-10-2011, pacificamente transitada em julgado em 02-12-2011, foi o arguido (…) condenado, ademais, pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num montante global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
Atento o inadimplemento do arguido, por despacho de 05-11-2013, tal pena foi convertida em 100 (cem) dias de prisão subsidiária.
Pese embora o tempo manifestamente decorrido e as diligências empreendidas, assume-se desconhecido o paradeiro do condenado.
O Ministério Público vem presente e doutamente em epígrafe requerer o cumprimento do disposto no artigo 335.°, do Código de Processo Penal.
Apreciando.
A questão que aqui cumpre apreciar é a de saber se nesta situação de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa não paga nem cobrada coercivamente, pode ou é legalmente admissível a declaração de contumácia do arguido, verificados que estejam os demais requisitos formais.
Entende agora o Ministério Público que sim.
A controvérsia gira, em nosso entender, à volta do disposto no artigo 97.°, n.° 2, do CEPMS (Lei n° 115/2009, de 12 de Outubro), quando prevê a declaração de contumácia para o condenado que se tenha eximido total ou parcialmente à execução de pena de prisão ou de medida de internamento.
A questão a formular é, pois, a de saber se nesta referência a pena de prisão é de englobar a dita pena de prisão subsidiária resultante da conversão do não pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 49.°, do Código Penal.
Afigura-se-nos que a questão passa, necessariamente, pela apreciação de dois pontos fulcrais:
por um lado, qual a verdadeira natureza e regime da pena de prisão subsidiária.
- por outro, se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.
No concernente à natureza e regime da pena de prisão subsidiária, entende-se que se está perante uma sanção penal de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento de multa - (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pp. 146-148)).
Também, Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Setembro 2013, pág. 94, diz sobre esta matéria:
Esta privação da liberdade tem, tal como tinha na versão primitiva do CP a prisão fixada em alternativa na sentença, a natureza de sanção de constrangimento, visando de facto, em último termo constranger o condenado a pagar a multa. Por isso, na medida em que se trata de uma mera sanção pelo não pagamento de multa principal, tendo em vista constranger o condenado ao seu pagamento, não é admissível a concessão da liberdade condicional (art° 61.° do CP).
Aceita-se e pensamos que esta questão não suscita quaisquer dúvidas com a redacção do disposto no artigo 49.°, n.° 2, do CP, segundo o qual «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».
Por sua vez, dispõe ainda o artigo artigo 49.°, n.° 3 do Código Penal que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Ou seja, o regime do artigo 49.°, do CP, permite alcançar diferenças significativas entre o regime da prisão aplicada a título principal, deste regime de prisão aplicado a título subsidiário, como constrangimento para o pagamento da pena de multa.
Daqui pode extrapolar-se para a situação que se traduz no facto de a pena principal em que o arguido foi condenado, ser uma pena de multa e esta, em nosso entender, não perder esta qualidade ou natureza, ainda que não paga (voluntária ou coercivamente ou substituída por dias de trabalho) e substituída por prisão subsidiária. Neste sentido se decide no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2011, proferido no proc. n° 209/01.OPASTS.P1: 1 - A pena de multa não perde essa natureza com a decisão que determina o cumprimento da prisão subsidiária. E no Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto de 30 de Abril de 2014, proferido no processo n° 143/06.7GAPRD-A.P1: I - A pena de multa em que foi condenado o arguido por sentença transitada mantém a mesma natureza apesar de poder ter sido convertida em prisão subsidiária. II - A prisão subsidiária não é em sentido formal uma pena de substituição, e visa tão-só conferir consistência e eficácia à pena de multa. Ainda sobre esta questão e mais recentemente se decide no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-04-2014 proferido no proc. n° 191/08.2GNPRT-B.P1: A pena de prisão subsidiária da pena de multa não é uma pena substitutiva, mas antes de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
Já assim, aliás, havia anteriormente decidido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2013, processo 218/06.2PEPDL.L3.S1, in www.dgsi.pt:
Ora, no caso subjudice, a pena aplicada foi uma pena de multa.
Apesar de posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no art. 49. 0, n.° 1 do CP, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido, como foi, executada, em conformidade com o estatuído no n. ° 3 do mesmo normativo .
Ao igual, já assim havia decidido o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 20-11-2009, processo 65/03.3PBBJA.E1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:
A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49.° do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão.
Para além destas diferenças já assinaladas, onde se engloba a de não ser admissível, nesta prisão subsidiária a concessão da liberdade condicional (art° 61.° do CP), importa ainda referir que quando se executa ou cumpre a pena de multa, em qualquer uma das modalidades possíveis e admissíveis - pagamento voluntário ou coercivo, prestação de dias de trabalho a favor da comunidade, ou prisão subsidiária - o que se declara extinta é a pena de multa e não - no presente caso - a prisão subsidiária aplicada; quando é aplicada a pena de multa como pena principal, o prazo de início da prescrição da pena conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença (que aplicou aquela pena de multa) e não do trânsito em julgado da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária. (Neste sentido v. os Acórdãos já supra citados do Tribunal da Relação do Porto de 9-2-2011, proferido no proc. n° 209/01.OPASTS.P1 e de 30.4.2014, proferido no processo n° 143/06.7GAPRD-A.P1)
Ou seja, se é um facto inquestionável que quer a pena de prisão aplicada a título principal quer a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa para cumprimento desta como forma de constrangimento nos termos já assinalados, se traduz, quando cumpridas ou executadas, se traduzem num efectivo encarceramento para quem a cumprir, a verdade é que, conforme também já assinalado, existem diferenças quanto à sua natureza, sendo de realçar, em nosso entender, o facto de a prisão subsidiária poder terminar a qualquer momento pelo devedor da multa, o que não acontece, manifestamente, quanto à pena de prisão aplicada a título principal, a qual só termina ou se extingue com o seu cumprimento efectivo.
Perante a diferença de natureza entre a pena de prisão aplicada a título principal e a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa, cumpre agora questionar se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.
Salvo o devido respeito por contrária posição, somos a entender que não.
O mecanismo constante do art. 97.°/2 do CEPMS representa uma fórmula de intrusão em direitos, liberdades e garantias (direito à capacidade civil - art. 26.°/1 da Constituição da República) apenas consentida quando na presença de um interesse legitimador específico (art. 18.°/3 da Constituição da República) relativo ao exercício de acção penal e à pena com que se confronta o procedimento, aqui se achando a concordância prática de interesses (especiais) que normativamente se impunha ao legislador penal.
Com efeito, nos termos do citado articulado legal, é necessário que se esteja perante a execução de pena de prisão ou medida (de segurança) de internamento para que mereça aplicabilidade a declaração do agente como contumaz, o que significa que apenas quando o julgador se confronta com a execução da extrema ratio do direito penal - simetricamente implicando, por implícito, se trate da reacção pública a uma lesão particularmente grave na ordem jurídica -, se autoriza se recorra, no âmbito da execução, ao mecanismo esculpido no art. 97.°/2 do CEPMS, que impacta na esfera individual do arguido condenado por via do estabelecido nos arts. 335.°, 336.° e 337.°, estes do CPP.
Desta forma, observamos que apenas no âmbito da execução de reacções penais (baseadas em culpa ou inimputabilidade perigosa) cuja natureza importem encarceramento, se tem o regime da contumácia ao condenado evadido como normativamente comportado, estando o instituto afastado do campo da execução de penas de outra natureza.
Nestas circunstâncias, toda e qualquer pena, independentemente do nível inexpressivo, seria, conjecturavelmente, eternizável no respectivo exercício executivo, consequência prática que se afigura desproporcional, por destituição de relevo e alcance funcional ao princípio de segurança jurídica, de proporcionalidade, de mínimo de intrusão e de necessidade e adequação da pena (no pressuposto, doutrinariamente unânime, que pela medida por que se afaste temporalmente o facto criminal da reacção penal sobre esse facto, se dilui a legitimidade do exercício da sanção, por este se mostrar destituído para a realização de uma efectiva finalidade preventiva).
Esta posição tem, em nosso entendimento, apoio quer na letra quer na ratio legislativa do artigo 97.°, n.° 2, do CEPMS, cuja epígrafe é aliás lapidar evasão ou ausência não autorizada, na medida em que é expressivo ao referir-se a pena de prisão ou medida de internamento.
O legislador não desconhece a pena de multa e a possível conversão desta em prisão subsidiária como uma das formas de cumprimento ou execução - a dita forma de constrangimento, a que o arguido ou devedor da multa pode por fim a todo o momento.
Mas, como forma de cumprimento que a prisão subsidiária representa para a pena de multa, não assume aquela a verdadeira natureza de uma pena autónoma. Tem um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão.
Daí que se entenda que a prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão daquele preceito (art. 97.0, n.° 2, do CEPMS), para efeitos de declaração de contumácia.
Em jeito de síntese e tomando a liberdade de citar o teor do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-03-2015, proferido no âmbito do processo n.° 95/11.1GATBU-A.C1, Juiz Desembargador Relator Luís Teixeira, disponível em www.dgsi.pt, pode ressumar-se que:
i) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa ao abrigo do artigo 49.°, do CP, tem natureza e regime diferente, ou seja, um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão aplicada a título principal.
ii) Mesmo com a conversão da pena de multa em prisão subsidiária como forma de constrangimento de cumprimento daquela, a natureza da pena de multa mantém-se.
iii) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão do art. 97.°, n.° 2, do CEPMS, para efeitos de declaração de contumácia, o qual só abrange a pena de prisão ou de medida de internamento aplicadas a título principal.
Decidindo.
Termos em que indefiro o doutamente promovido.
Notifique.»
Por não se conformar com o assim decidido, interpôs o M° P° o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões (cfr. fls. 10 a 19):
«1 - Afigura-se não assistir razão ao Mmo. Juiz a quo, que entendeu não ordenar a notificação do condenado em prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 335.° do Código de Processo Penal, por considerar não se mostrar possível a declaração de contumácia de condenados quando estes se eximissem, meramente, ao cumprimento de penas de prisão subsidiária.
2 - O efeito útil que se pretende alcançar com a declaração de contumácia, como seja o de evitar a prescrição do procedimento criminal, aplica-se nos seus precisos termos quando esteja em causa uma pena de prisão subsidiária, resultante da conversão de uma pena de multa.
3- Questões controvertidas em termos jurisprudenciais, têm sido a da competência para declarar tal contumácia (se dos Tribunais de Comarca, se do Tribunal de Execução de Penas), e a necessidade de, para o efeito, se mostrar transitado o despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, como sucede no caso dos autos, não a possibilidade da mesma existir.
4 - Só a partir do momento do trânsito em julgado desse despacho é que o condenado pode ser colocado em cumprimento de pena, ou constatar-se que se eximiu ao cumprimento, abrindo-se então, neste último caso, a possibilidade da sua declaração como contumaz. (Ac.s TRL de 29/09/2004 e TRE de 22/04/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pl)
5 - Embora não desconheçamos o entendimento vertido no Acórdão do TRC de 23/03/2015, permitimo-nos discordar do mesmo, acompanhando a posição sustentada no Acórdão do TRP de 16/09/2015, de acordo com o qual A declaração de contumácia decorrente do artigo 97. 0, n.° 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade é aplicável a uma situação de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
6 - Não existe qualquer distinção prática entre o cumprimento de uma pena de prisão aplicada a título principal e o de uma pena de prisão subsidiária, resultante da conversão de uma pena de multa.
7 - Acresce que a declaração de contumácia não está reservada a situações que envolvam a aplicação de uma pena de prisão, sendo os artigos 335.° a 337.° aplicáveis a qualquer processo penal, independentemente da gravidade do crime, e em momento anterior a qualquer condenação.
8 - Decorre do artigo 49.° do Código Penal, que o legislador consagrou a possibilidade de privação de liberdade, resultante da conversão em prisão subsidiária de uma multa não paga, para crimes aos quais tenha sido aplicada uma pena de multa. Ora, se admite tão grande restrição ao direito fundamental liberdade, não se vislumbra por que não há-de admitir a privação de outros direitos fundamentais [de menor relevo, sublinhe-se], que resulta da declaração de contumácia.
9 - Ainda que se entenda que a finalidade da prisão subsidiária é a de constranger ao pagamento da multa, se tal finalidade impõe uma privação de liberdade, por que não impor o recurso a mecanismos que assegurem efectivamente essa privação de liberdade.
10 - O artigo 97.° n.° 2 do CEPMPL refere-se a qualquer condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão (...) . Não limita a sua aplicação quando a pena em causa seja superior a um determinado período, excluindo penas de curta duração ou penas subsidiárias resultantes da conversão de pena de multa.
11 - Apesar de não se questionar da aplicabilidade de tal disposição a penas de prisão de curta duração, não raras vezes uma pena de prisão aplicada a título principal é inferior a uma pena de prisão subsidiária resultante da conversão de uma pena de multa.
12 - Da análise das supra citadas disposições legais, aliadas ao princípio geral de direito vertido no artigo 9.° n.° 3 do Código Civil, do qual decorre que, na interpretação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião diversa, que se impõe concluir pela aplicação do regime da contumácia a condenados em prisão subsidiária que se eximem ao cumprimento da pena.
13 - Ao afastar a possibilidade do condenado em prisão subsidiária, resultante de conversão de pena de multa, ser notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz, o tribunal recorrido está a afastar a aplicabilidade do disposto no art. 125.° n.° 1, al. b), e art. 126.°, n.° 1 al. b), ambos do Código Penal, fazendo perigar a pretensão punitiva do Estado, ao inviabilizar a suspensão e/ou interrupção do prazo prescricional.
14 - Pelo que se requer que seja revogado o despacho do Mmo. Juiz que declarou não se mostrar possível a declaração de contumácia de condenados em prisão subsidiária, que se eximam ao cumprimento da pena, substituindo-se por outro que ordene a notificação do condenado (…), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 335.° do Código de Processo Penal, seguindo o processo os seus ulteriores trâmites processuais.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça!»
Admitido o recurso (cfr. fls. 20) e, efectuadas as necessárias notificações, verifica-se não ter o arguido (…) apresentado qualquer resposta.
Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 28) no sentido da procedência do recurso.
Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Dispõe o Art.° 412.°, n.° 1 do C.P.Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico, que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.a Edição - 2000, Pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.a Edição - 2007, Pág. 103 e, entre muitos, os Acórdãos do S.T.J., de 25-06-1998, in B.M.J. 478°, Pág. 242; de 03-02-1999, in B.M.J. 484°, Pág. 271 e de 28-04-1999, C. J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII - 1999, Tomo II, Pág. 196).
Nesta conformidade, inexistem dúvidas de que o objecto do recurso, atentas as conclusões apresentadas, se resume à seguinte questão:
- Eventual revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do condenado (…), nos termos e para os efeitos do disposto no Art.° 335° do C.P.Penal, seguindo o processo os seus ulteriores trâmites.
Antes de mais, não pode deixar de se referir que sobre a apontada problemática se pronunciou já, em termos que se têm como inequivocamente correctos, o Acórdão da Relação de Évora de 22-09-2015, proferido no âmbito do processo n.° 197/05.3PAMRA-A.E1, de que foi relator o Exm.° Desembargador Alberto Borges, cuja fundamentação se irá seguir de perto, por a ela aderirmos na sua globalidade.
Ora, importa, de imediato, referir que, não obstante estar em causa, no presente recurso, o apurar se a prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa cabe (ou não) na previsão do Art.° 97°, n.° 2 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante, C.E.P.M.P.L.), para efeitos de declaração de contumácia, mostra-se conveniente começar por abordar uma outra questão, relativa à eventual competência do Tribunal a quo para proferir a decisão em causa, a qual se impõe previamente conhecer.
E dizemos isto até porque, em nossa opinião, se trata, outrossim, de uma questão de conhecimento oficioso.
De facto, de acordo com o Art.° 476°, alínea b) do C.P.Penal, a competência para a declaração da contumácia era do tribunal referido no Art.° 470° (o tribunal da 1.a instância onde o processo correu/o competente para a execução) ou do Tribunal de Execução das Penas (nos casos em que o condenado dolosamente se tivesse eximido parcialmente à execução, ou seja, quando tivesse iniciado o cumprimento da pena - Art.° 91°, n.° 2, alínea g) da Lei n.° 3/99, de 3 de Janeiro, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
O Art.° 476° do C.P.Penal foi revogado pelo Art.° 8°, n.° 2, alínea a) da Lei n.° 115/2009, de 12 de Outubro, passando a vigorar, em tal matéria, o Art.° 97°, n.° 2 do C.E.P.M.P.L., aprovado por aquela lei, dele constando, por um lado, que é aplicável o instituto da contumácia ao condenado que dolosamente se tenha eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão (alínea a)), por outro, que o despacho de declaração de contumácia é da competência do Tribunal de Execução das Penas (alínea b)), o que está em consonância com o disposto no Art.° 138°, n.°s 2 e 4, alínea x) da mencionada lei.
Deste modo, a competência do Tribunal de Execução das Penas abrange agora as situações em que o condenado se exime totalmente ao cumprimento da pena de prisão aplicada, quando não chegou sequer a estar privado da liberdade, por via da condenação, e não apenas - mas também - os casos em que a execução da pena já teve o seu início.
Aliás, que essa foi intenção do legislador resulta da Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei de 21-01-2009, que esteve na génese da Lei n.° 115/2009, de 12 de Outubro, e que se encontra reproduzida no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, de Florbela Almeida, Procuradora Adjunta, Edição DisLivro, 2009, págs. 63 e seguintes, onde se escreve: ... a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas de liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou... a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências que põe termo ao panorama atualmente existente de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas....
Nesta perspectiva, torna-se forçoso não olvidar que o arguido (…), por sentença proferida no dia 28-10-2011, transitada em julgado em 02-12-2011, foi condenado, ademais, pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 5,00, num montante global de € 750,00.
E, ainda, que, por despacho de 05-11-2013, tal pena foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, atento o inadimplemento do mesmo.
Mais se verificando que, de todo em todo, pese embora o tempo manifestamente decorrido e as diligências empreendidas, se assume como desconhecido o paradeiro do sobredito condenado.
Consequentemente, em face do que se deixa dito, o tribunal que proferiu a decisão recorrida - e independentemente de saber se o instituto da contumácia é aplicável à pena de prisão subsidiária (ou se verificam os seus pressupostos) - não é competente para tal decisão, pois que ela é da competência do Tribunal de Execução das Penas (cfr., neste sentido, os acórdãos proferidos nos Processos n.°s 89/08.4GBALD-B.C1, em 07-03-2012, e 56/04.7TASPS-B.C1, em 21-03-2012, da Relação de Coimbra, disponíveis in www.dgsi.pt).
Ora, a violação das regras de competência do tribunal constitui nulidade insanável, que deve ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. Art.°s 119°, alínea e) e 32°, n.° 1, ambos do C.P.Penal) - entendida esta como a decisão que põe termo ao processo - e tem como consequência a nulidade do despacho recorrido (cfr. Art.° 122°, n.° 1 do mesmo Código), devendo ser extraída a competente certidão e remetida ao Tribunal de Execução das Penas territorialmente competente para conhecer da contumácia suscitada pelo M° P° (cfr. Art.° 33°, n.° 1 do supra mencionado diploma de direito adjectivo penal).
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em declarar nula a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que - em face da pretensão deduzida pelo M° P° - ordene a extração de certidão das peças processuais pertinentes e a sua remessa ao Tribunal de Execução das Penas territorialmente competente para decidir da pretendida declaração de contumácia.
Sem tributação.
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Processado e revisto pelo relator.
X
Lisboa, 10 de Maio de 2016
José Simões de Carvalho
Maria Margarida Bacelar