Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 18-05-2016   Inquérito.Arguido constituído. Crimes de corrupção ativa e passiva. Validação da aplicação do Segredo de Justiça.
1. Para a validação judicial do segredo de justiça aplicado pelo Ministério Público em inquérito instaurado para investigar a prática de factos susceptíveis de integrar crimes de corrupção activa e passiva, é indiferente se o arguido foi ou não já constituído como tal nos autos e se tem ou não já total conhecimento de todos os elementos probatórios que aí se mostram consignados, pois o que importa acautelar é que não tenha conhecimento dos meios investigatórios que ainda poderão vir a ser produzidos (e cuja iniciativa cabe, em exclusivo, ao M° P°), de forma a que não possa obstar a que se produzam ou alterar os seus resultados.
2. A sujeição a segredo de justiça de inquérito com arguido já constituído pretende evitar precisamente que se mostre possível a suspeita de que o arguido teve os meios e a possibilidade de adulterar ou impedir a produção da prova ainda a realizar, sendo que essa mera eventual possibilidade de suspeita também não beneficia o próprio arguido pois, ainda que não realize efectivamente qualquer actividade em tal sentido, sustenta a existência permanente de dúvida quanto ao facto de poder ter tido intervenção na tentativa de obstar a que se alcançasse o apuramento da verdade material.
Proc. 2508/15.4T9SXL-A.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Margarida Ramos de Almeida - Ana Lourdes Paramés - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Proc. n° 2508/15.4T9SXL-A.LI
Tribunal de Lisboa - Almada - Inst. Central - Sec.Ins.Cri[ninal - J2
Acordam em conferência na 3.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos investiga-se a prática de factos que poderão integrar crimes de corrupção activa e passiva.
2. Em 15 de Janeiro de 2016, o M° P° determinou a aplicação do segredo de justiça aos presentes autos, ainda em fase de inquérito, nos termos do art° 86°, n° 3° do C.P.Penal, bem como requereu a autorização da captação de imagens e de som, por prazo não inferior a 60 dias, remetendo os autos à ma JIC, para validação judicial do primeiro despacho e para autorização da referida captação.
3. No dia 18 de Janeiro de 2016, a Ma JIC não validou a sujeição dos autos a segredo de justiça e indeferiu a recolha de som e imagem pedidas.
4. Inconformado, veio o M°P° interpor recurso, pedindo a revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro que valide a aplicação aos autos do segredo de justiça e autorize a recolha de voz e imagem nos termos determinados e requeridos pelo Ministério Público.
5. O recurso foi admitido.
6. O arguido foi notificado do seu conteúdo, não tendo apresentado resposta.
7. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso, pelas razões já no mesmo constantes.
II - QUESTÕES A DECIDIR.
A. Deve ser validado o despacho do M° P° de sujeição dos autos a segredo de justiça?
B. Deve ser deferido o pedido de recolha de imagem e de som?
III - FUNDAMENTAÇÃO.
A. Deve ser validado o despacho do M° P° de sujeição dos autos a segredo de justiça?
1. Para podermos apreciar a questão a decidir, necessário se torna que tenhamos em atenção o teor do requerimento apresentado pelo M°P°, determinando a sujeição dos autos a segredo de justiça (1), bem como o despacho judicial proferido (2), que têm o seguinte conteúdo, respectivamente:
(1) DO SEGREDO DE JUSTIÇA
Os presentes autos tiveram origem em certidão extraída do Inquérito n.° 309/15.9GBSXL no qual se denunciam factos susceptíveis de integrar a prática do crime de corrupção activa e passiva p. e p. pelos artigos 374° e 373° do Código Penal, respectivamente.
Resulta da denúncia apresentada que o já constituído arguido (…) faculta a utilização de uma viatura sua propriedade a um Militar da GNR e bem assim que o mesmo oferece refeições a Militares da GNR do Posto Territorial de (…) em contrapartida de alegados favorecimentos pessoais.
Em consequência, atenta a natureza do ilícito criminal ora investigado e bem assim o factos de os suspeitos serem Militares da GNR, é de presumir que, conhecendo o ora arguido da existência dos presentes autos a publicidade dos mesmos aumentaria o risco de a investigação ser inconclusiva, possibilitando ao arguido a consulta e o consequente acompanhamento e seguimento das diligências investigatórias em curso e bem assim daquelas que venham a ser determinadas, mostrando-se essencial que as diligências prossigam em segredo de justiça.
Pelo exposto, determino a aplicação do segredo de justiça aos presentes autos ao abrigo do disposto no artigo 86° n.° 3 do Código de Processo Penal.
Remeta de imediato os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para validação nos lermos do previsto no artigo 86° n° 3 do Código de Processo Penal.
(2) O Ministério Público vem requerer que seja validado o segredo de justiça a que entendeu submeter os autos.
Nos presentes autos, a investigação limita-se à inquirição testemunhas e fotocópias do ecrã de um telemóvel exibindo sms.
Entende o Ministério Público que está em causa a prática do crime de corrupção activa e passiva p. e p. pelos artigos 373 e 374°, do Código Penal, por haver indícios de que o arguido faculta a utilização de uma viatura de sua propriedade a um militar da GNR e oferece refeições a outros em troca de favorecimentos pessoais, os quais não alega nem resultam ainda dos autos.
Neste contexto, e considerando o objecto dos presentes autos, sendo certo que o arguido já foi ouvido em tal qualidade processual e como tal, teve acesso aos autos a tudo o que deles consta, não se descortina que razões possam levar a que agora, após a constituição de arguido e sua audição, se opte por sujeitar o processo ao regime excepcional do segredo de justiça.
Nada de concreto e objectivo, é indicado pelo Ministério Público que justifique a aplicação deste regime de excepção de excluir a publicidade do processo.
Decorre do disposto no n° 1 do art. 86° do Código de Processo Penal, que o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei .
Ressalva o n° 3 do mesmo art. 86° que sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas .
Assim, na fase de inquérito, a excepção à publicidade, e correspondente submissão ao segredo de justiça, apenas pode ocorrer nos termos previstos nos n°s 2 e 3 do artigo 86 do C.P.P., sob iniciativa dos sujeitos processuais ali identificados. Sempre que tal aconteça, o regime do segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo (n° 8 ainda do art. 86°).
Concordando-se com o referido no Acórdão do Tribunal de Coimbra de 10-02-2010 :
1. Sendo a regra actualmente a publicidade do inquérito, o segredo de justiça apenas pode vigorar, com a concordância do Juiz, durante os prazos estabelecidos na lei para a realização do inquérito; fora desses prazos o segredo de justiça pode manter-se, a requerimento do Ministério Público, por um período máximo de 3 meses, que pode ser prorrogado por uma só vez e, mesmo depois desta prorrogação - numa exigência de interpretação conforme ao art. n. ° 3, da C.R.P. - quando o acesso aos autos puser em causa gravemente a investigação, se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime.
2.A determinação de aplicação do segredo de justiça pelo Ministério Público, nos lermos do art. 86, n.° 3 do C.P.P., deverá ocorrer dentro dos prazos de duração máxima do inquérito assinalados no art.276.ª do Código de Processo Penal.
3. O pedido do Ministério Público, de prorrogação do segredo de justiça, deve ser feito antes de expirado o prazo do inquérito previsto no art.276 do C.P.P.
4. Sendo a validação da decisão do Ministério Público de aplicação do segredo de justiça um acto decisório do Juiz de Instrução, para este ponderar os interesses que subjazem ao afastamento da regra da publicidade, terá o Ministério Público de indicar minimamente as razões pelas quais no caso concreto se deverá afastar a regra e optar-se pela excepção da sujeição do inquérito ao segredo de justiça,
Ora, no caso concreto, como acima se referiu, nada há de concreto que justifique a aplicação aos autos deste regime de excepção, até porque, saliente-se, o arguido já foi ouvido e se alguma responsabilidade criminal poderá ter, certamente já está mais do que ciente do que está aqui em investigação,
Assim, sendo o segredo de justiça uma excepção à regra da publicidade do processo penal, atento o exposto, entende-se não ser de validar a sujeição dos autos a segredo de justiça,
2. Nas suas conclusões, invoca o recorrente as razões da sua discórdia, nos seguintes termos:
1º - O presente recurso vem interposto no seguimento do douto despacho proferido pela Mma. Juiz de Instrução Criminal no dia 18 de Janeiro de 2016 no Processo n.° 2508/15.4T9SXL, em fase de inquérito, o qual não validou a aplicação aos autos do segredo de justiça nos termos do disposto no artigo 86° n.° 3 do Código de Processo Penal e não autorizou a recolha de voz e imagem nos termos do disposto nos artigos 6° e 1 ° n.° 1 al. e) da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro;
2° - Os presentes autos tiveram na sua génese certidão extraída do Inquérito n.° 309/15.9GBSXL no qual se denunciam factos susceptíveis de integrar a prática do crime de corrupção activa e passiva p. e p. pelos artigos 374°e 373°do Código Penal, respectivamente;
3º - Por despacho datado de 15 de Janeiro de 2016 foi determinado pelo Ministério Público a aplicação do segredo de justiça aos presentes autos nos termos do disposto no artigo 86° n. ° 3 do Código de Processo Penal porquanto tal mostrava-se indispensável para a realização das subsequentes diligências de investigação acautelando desta forma a recolha de prova necessária para a descoberta da verdade material dos factos;
4º - A Mma. Juiz de Instrução Criminal não validou a aplicação aos autos do segredo de justiça;
5º - A aplicação do segredo de justiça é uma excepção à regra da publicidade prevista no n° 1 do artigo 86° do Código de Processo Penal que representa a compressão de outros interesses, nomeadamente o direito de defesa do arguido, exigindo assim a concordância do Juiz de Instrução Criminal sobre a aplicação do segredo de justiça, na fase do inquérito, ajuizando, in casu concreto, da necessidade do segredo de justiça para os interesses da investigação, cabendo ao Ministério Público sustentar e fundamentar que esses interesses justificam a não publicidade do processo;
6°- Salvo o devido respeito por melhor opinião, o fundamento para a não validação da aplicação do segredo de justiça terá que passar necessariamente pelo conflito entre a necessidade de tal aplicação atento os interesses da investigação e o direito de defesa do arguido, e nunca poderá ser o facto de um dos suspeitos ter sido já constituído arguido e ter tido conhecimento dos factos investigados nos autos, porquanto, e caso fosse esse o fundamento nunca um arguido iria ter conhecimento dos factos em fase inquérito em que tivesse sido aplicado o segredo de justiça, mormente em sede de 1° interrogatório judicial de arguido detido e tal iria efectivamente lesar o direito de defesa dos arguidos, ou ao invés, o segredo de justiça apenas poderia vigorar enquanto não houvesse arguidos constituídos nos processos;
7°- O Ministério Público determinou a aplicação do segredo de justiça invocando a natureza do ilícito criminal investigada, o factos de os suspeitos serem Militares da GNR, a presunção de que a publicidade dos autos aumentaria o risco de a investigação ser inconclusiva porquanto o arguido tem já conhecimento da existência dos autos sendo necessário acautelar a produção de prova em curso, mormente através dos meios de recolha que constam do mesmo despacho e que também foram objecto de não autorização pela Mma. Juiz de Instrução Criminal;
3. Apreciando.
i. Antes de mais, haverá que fazer uma breve menção aos princípios orientadores prevalentes nesta fase processual. Estamos em fase de inquérito, cuja estrutura tem natureza predominantemente inquisitória, cabendo ao M°P° a sua direcção. Nesta fase, a intervenção judicial, por opção legislativa, é apenas pontual e reservada a actos concretos e específicos, especialmente previstos na lei, que se entendeu deverem ser sujeitos a controle judicial.
É dentro deste quadro geral que se terá agora de apreciar a questão posta no presente recurso.
ii. Com as alterações introduzidas pela Lei n° 48/07, de 29.8., que entraram em vigor em 15 de Setembro de 2007, operou-se uma mudança legislativa importante, no que se refere ao segredo de justiça, que passou a ter como regra a publicidade (art° 86 n°1 do C.P.Penal). Posteriormente, tal matéria veio a ser novamente sujeita a alterações, por virtude da Lei n° 26/2010 mantendo-se, não obstante, a regra da publicidade.
iii. Como todas as regras, também esta comporta excepções.
E o porquê dessas excepções é facilmente perceptível pois, se é verdade que num determinado número de delitos não se justifica a existência de secretismo investigatório (como, por exemplo, num crime de condução sob a influência do álcool), já outros tipos de ilícitos têm natureza bem mais complexa, que pode tornar inviável qualquer séria e adequada investigação e recolha de material probatório, numa fase em que tal é absolutamente crucial para a descoberta da verdade.
iv. Por outro lado, o segredo de justiça tem também como fim a protecção da reserva da vida privada, tentando evitar a sua devassa pública, preservando quer as vítimas, quer os suspeitos, que poderão nem sequer vir a ser acusados.
v. Prevê assim a lei o seguinte esquema, a este propósito, nos termos do mencionado art° 86 do C.P.Penal:
1. O princípio geral é o da publicidade do inquérito.
2. Todavia, pode ser determinada, por decisão judicial, a sujeição do processo a segredo de justiça, desde que se mostrem reunidos os requisitos previstos no art° 86 n°2 ou n°3 do C.P.Penal - ou seja, desde que se entenda que a publicidade prejudica os direitos dos sujeitos ou participantes processuais ou os interesses da investigação.
Esta decisão, se não vier a ser alterada (por alguma das razões previstas no mencionado art° 86), determina que o segredo de justiça se aplica ao processo em causa até ao termo do prazo de duração máxima do inquérito.
vi. Passando ao caso concreto.
No seu requerimento, o M°P° fundamenta a aplicação ao processo do segredo de justiça, em termos que entendemos mostrarem-se razoáveis e justificados.
Na verdade, para além de se entender que, atendendo ao tipo de ilícito em apreciação que tem, por sua própria natureza, uma aquisição e demonstração probatória difíceis, a verdade é que, no caso vertente, essa circunstância se mostra ainda agravada pelo facto de os suspeitos serem militares da GNR, o que lhes permite um acesso muito facilitado ao curso dos actos a realizar em sede de inquérito.
Daqui resulta, como afirma o recorrente, a presunção de que a publicidade dos autos aumentará o risco de a investigação ser inconclusiva porquanto o arguido tem já conhecimento da existência dos autos sendo necessário acautelar a produção de prova em curso. Assiste-lhe indubitavelmente razão, face às regras da simples experiência comum.
vii. E daqui decorre igualmente a sem razão do argumento consignado no despacho que não validou a aplicação de tal segredo, uma vez que é indiferente se o arguido foi ou não já constituído como tal nos presentes autos e se tem ou não já total conhecimento de todos os elementos probatórios que aí se mostram consignados, pois o que importa acautelar é que não tenha conhecimento dos meios investigatórios que ainda poderão vir a ser produzidos (e cuja iniciativa cabe, em exclusivo, ao M° P°), de forma a que não possa obstar a que se produzam ou alterar os seus resultados.
O que se pretende, neste caso, e face às circunstâncias acima expostas, é evitar precisamente que se mostre possível a suspeita de que o arguido teve os meios e a possibilidade de adulterar ou impedir a produção da prova ainda a realizar, sendo que essa mera eventual possibilidade de suspeita também não beneficia o próprio arguido pois, ainda que não realize efectivamente qualquer actividade em tal sentido, sustenta a existência permanente de dúvida quanto ao facto de poder ter tido intervenção na tentativa de obstar a que se alcançasse o apuramento da verdade material.
viii. Diga-se, aliás, a este propósito, que nem sequer se mostra possível afirmar - como o faz a Ma JIC - que o arguido tem já conhecimento de todo o material probatório carreado para os autos, pois o que consta do seu auto de interrogatório (vide fls. 64 e 65), realizado pela PJ, é que lhe foi dado conhecimento dos factos que lhe são imputados, que se consubstanciam em ter, em datas ainda não determinadas, pago almoços a elementos da GNR, a fim de os mesmos o informarem sobre colegas e bem assim pela disponibilização de viaturas pessoais a elementos da GNR. A não ser que a Ma JIC se esteja a referir aos elementos que fez constar no seu próprio despacho...
4. Concluimos, assim, que o recurso interposto, nesta parte, deverá merecer provimento, pois os interesse da investigação justificam a aplicação aos autos do segredo de justiça, pelo que o despacho alvo de recurso deverá ser. quanto a tal matéria, revogado.
B. Deve ser deferido o pedido de recolha de imagem e de som?
1. No requerimento apresentado pelo M° P° e mencionado em I. 2, consta o seguinte:
DO REGISTO DE VOZ E DE IMAGEM
Da denúncia efectuada e da prova já carreada para os autos resulta que um Militar da GNR circula com uma viatura do arguido, existindo menção nos autos ser do conhecimento que o mesmo exercerá actividade profissional para aquele, que o arguido oferece refeições a Militares da GNR do Posto Territorial de (...) em contrapartida de alegados favorecimentos pessoais e que os Militares da GNR o contactaram informando-o da apresentação de uma queixa contra ele.
Do exposto resulta a necessidade da realização de vigilâncias e operações de seguimento ao arguido e demais suspeitos, pelo que se requer a recolha de imagens e som, mediante o recurso aos meios técnicos necessários, nomeadamente filmagens de vídeo e fotografia na via pública.
Nos termos do artigo 6o da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro, é admissível o registo de voz e de imagem quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo. 1°, por qualquer meio, sem consentimento do visado, sendo que o crime de corrupção se encontra elencado na alínea e) do n.° 1 do mesmo diploma legal.
Tal registo e produção depende de prévia autorização do Mm° Juiz de Instrução (artigo. 6° n° 2, da referida Lei), mediante o tal juízo de necessidade para a investigação, ou seja, num juízo próximo ao do artigo 187° Código de Processo Penal, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a verdade ou para a prova, sendo posteriormente aplicáveis as formalidades previstas no artigo 188° Código de Processo Penal.
Está em causa uma restrição a direitos fundamentais como o direito à imagem, à palavra falada e à privacidade.
Nestes termos, preenchidos que estão os requisitos legais, ao abrigo do disposto nos artigos Io al. e) e 6o n.° 1 e 2 da Lei n.° 5/2002 de 11 de Janeiro, 269° n° 1 al. f do Código de Proc. Penal e artigo 340 n° 2 da Constituição da República Portuguesa, remeta de imediato os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal a quem se requer que seja autorizada a captação de imagens e som, o que ora se requer por prazo não inferior a 60 dias.
2. Por seu turno, o despacho ora alvo de recurso tem o seguinte conteúdo, a este propósito:
Vem o Ministério Público requerer ainda que seja autorizada a recolha de som e imagem, presume-se que às actividades do arguido na via pública,
Ora, como se disse acima o arguido já está mais do que avisado sobre o que se investiga nos presentes autos.
A utilização de carros particulares ou de tomada de refeições a troco de favores pode e deve ser demonstrada por outro meio, nomeadamente por prova testemunhal, ainda para mais tratando-se de uma actividade de natureza pública à vista de todos, não se vislumbrado em que a recolha de som e imagem seja relevante para o prosseguimento da investigação nos termos em que foi apresentada.
Assim, porque se trata de um meio de obtenção de prova que colide com direitos constitucionalmente garantidos, no estado em que os autos foram apresentados pelo MP, não existe, por ora, salvo melhor entendimento, fundamento para autorizar a recolha de imagens e som nos termos requeridos.
3. Em sede conclusiva, argumenta o recorrente o seguinte:
8º - Por despacho datado de 15 de Janeiro de 2016, atenta a necessidade da realização de operações policiais de vigilância e de seguimento ao arguido e demais suspeitos, foi ainda requerida pelo Ministério Público a recolha de voz e imagem, mediante o recurso aos meios técnicos necessários, nomeadamente filmagens de vídeo e fotografia na via pública;
9° - A Mma. Juiz de Instrução Criminal não autorizou a requerida recolha por inexistência de fundamento para o efeito,
10° - Nos termos do disposto no artigo 6° da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro, é admissível o registo de voz e de imagem quando tal se mostre necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1° do mesmo diploma legal, por qualquer meio, sem consentimento do visado, sendo que o crime de corrupção se encontra elencado na alínea e) do n.° 1 do referido diploma legal;
11° - Para a sua admissibilidade mostra-se necessário inexistir outro meio igualmente capaz de atingir esse objectivo de produção de prova não dependendo contudo da existência de fortes, ou sequer suficientes, indícios da prática de um crime do catálogo, bastando apenas que haja suspeitas da prática do crime e de quem é ou são os seus agentes;
12°- Para que possa ser autorizada, tal meio de obtenção de prova não tem que ser imprescindível ou indispensável para a descoberta da verdade material, exigindo a lei como requisito apenas a sua necessidade para a investigação;
13°- Salvo o devido respeito por melhor opinião, o fundamento de não autorização de recolha de voz e imagem nunca poderá ser o,facto de um dos suspeitos ter sido já constituído arguido e ter tido conhecimento dos factos investigados nos autos, porque, caso contrário, a prevalecer tal critério cercear-se-ia a utilização de qualquer diligência processual atinente à obtenção de prova nos presentes autos porquanto, conforme resulta dos autos, o arguido e demais suspeitos, tiveram conhecimento dos. factos em investigação no momento em que foi apresentada a denúncia que deu origem aos mesmos;
14°- A direcção de inquérito incumbe ao Ministério Público não podendo a Mma. Juiz de Instrução Criminal sugerir a realização de qualquer diligência de investigação, devendo apenas, salvo melhor opinião, apreciar e decidir do requerido pelo Ministério Público fazendo a sua douta apreciação devidamente alicerçada em fundamentos legais, e ainda que baseie o seu indeferimento com o fundamento de que a prova possa ser carreada para os autos através de um outo meio probatório, deveria a Mma. Juiz de Instrução Criminal abster-se de sugerir qual o meio de prova para alcançar tal desiderato,
15° - A prova não poderá ser carreada para os autos de outra forma, porquanto, conforme consabido, para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de ilícito criminal em investigação torna-se necessário averiguar da existência de vantagem patrimonial como contrapartida da prática de actos contrários aos deveres de determinado cargo,
16°- Ora, a prevalecer o entendimento da Mma. Juiz de Instrução Criminal, tal prova apenas poderia ser obtida mediante a confissão dos vários intervenientes processuais porquanto, ainda que as vantagens patrimoniais se lograssem obter através de prova testemunhal conforme refere a Mma. Juiz de Instrução Criminal, restaria sempre averiguar da existência ou não de eventuais contrapartidas e a obtenção tal prova, como também já supra referido, assume extrema dificuldade atenta a natureza do ilícito criminal em investigação e, no caso concreto, impossível de obter porquanto dos indícios existentes nos autos tais contrapartidas cingir-se-ão, por ora, à obtenção de informação contrária aos deveres e cargo de quem a transmite, sendo tal informação carreada verbalmente,
17° - Assim, o douto despacho recorrido deverá ser revogado por ter violado o disposto nos artigos 86° n. ° 3, 262 ° n.° 1 e 263 ° n.' 1 do Código de Processo Penal e artigos 1' e 6° da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro, e substituído por outro que valide a aplicação aos autos do segredo de justiça e autorize a recolha de voz e imagem nos termos requeridos pelo Ministério Público.
4. Apreciando.
i. Dir-se-á, sucintamente, que o exposto nas conclusões 11° a 13° acima transcritas se mostra correcto, sendo que ao mesmo damos plena adesão, pelos fundamentos vertidos no Acórdão do TRL de 18.1.2011, proc. n° 833/10.OPAMTJ¬A.L1 (sublinhados nossos), cujo sumário transcrevemos na parte que importa (note-se que ao crime em investigação nos autos se aplica a Lei n.° 5/2002 - art° 1 ° al. e) e art° 6°):
IV° À semelhança do que vem acontecendo em relação à utilização de sistemas de videovigilância, deve prevalecer o entendimento de que o registo de voz e imagem, como meio idóneo para captar a prática de factos passíveis de serem considerados como ilícitos penais e, nos termos da lei processual penal, servir de meio de prova, não atinge, de forma intolerável, o núcleo essencial do direito à privacidade de cada um;
V° Ponto é que tal registo se revele idóneo para conseguir o objectivo proposto, necessário, por não existir outro meio igualmente capaz de atingir esse objectivo e menos oneroso para o direito fundamental, e não excessivo relativamente às finalidades para que é produzido;
VI° A admissibilidade do registo de voz e imagem não depende da existência de fortes, ou sequer suficientes, indícios da prática de um crime do catálogo, bastando que haja suspeitas da prática do crime e de quem é ou são os seus agentes, tal como para as escutas telefónicas, pois que, tratando-se de um meio de obtenção de prova, visa justamente a recolha de indícios probatórios;
VII° Para que possa ser autorizada. a diligência não tem que ser imprescindível ou indispensável (diferentemente do que acontece para as escutas telefónicas, em que a lei exige que este meio de obtenção de prova seja indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter), sendo a lei menos exigente ao impor como requisito a sua necessidade para a investigaçào
ii. E se assim é, do que acima se deixa sumariamente consignado decorre, precisamente, que a crítica que o recorrente faz ao decidido se mostra fundamentada e que, como tal, a decisão deveria ser revogada e substituída por despacho que deferisse ao requerido.
iii. Sucede, todavia, que neste momento processual - e uma vez que os autos não foram sujeitos a segredo de justiça - o deferimento de tal diligência probatória se revelaria completamente inútil.
Na verdade, o indeferimento da validação da aplicação do segredo de justiça determinou, como sua consequência necessária, que o arguido tivesse conhecimento integral do despacho em que se promove o registo de recolha de imagem e de som, bem como das razões que levaram a Mma JIC a indeferir tal diligência, uma vez que foi notificado para responder ao recurso interposto (fls. 142).
E se assim é, cabe perguntar qual seria a utilidade da determinação agora de tal diligência? A resposta é simples - nenhuma.
iii. Do dito decorre que, pese embora assista razão ao recorrente, a publicidade do processo e dos seus actos retirou qualquer utilidade prática à realização desta diligência probatória, pelo que, nesta parte, se tem de entender que o recurso se tornou inútil.

IV - DECISÃO.
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelo M°P° e, em consequência:
• 1. Revoga-se o despacho recorrido, na parte relativa à questão da publicidade do inquérito e, em sua substituição, procede-se à validação do despacho proferido pelo M° P°, determinando-se a aplicação a este inquérito do segredo de justiça, nos termos do art° 86 n°3 do C.P. Penal;
2. No restante, julga-se o presente recurso extinto, por inutilidade superveniente.
Sem tributação.

Lisboa, 18 de Maio de 2016
(Margarida Ramos de Almeida)
(Ana Paramés)