Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 04-10-2016   Emissão de certidão-Transmissão de sentença condenatória transitada em julgado. Informação ao condenado. Competência do tribunal da condenação. Lei 158/2015, de 17.09
1. A emissão de certidão de sentença transitada em julgado (com o preenchimento do modelo/formulário que consta como Anexo 1 à Lei n.° 158/2015, de 17.09., nos termos do art.° 8.°, n.° 1, da mesma Lei) não pode deixar de ser determinada/ordenada pelo titular do processo, após solicitação do M. P..
2. A obrigação de informação ao condenado da decisão de transmissão da sentença, constante do art.° 10.°, n.° 9, da Lei 158/2015, recai sobre o titular do processo em que foi proferida a condenação, isto apesar de o articulado desta Lei não prever uma específica decisão nessa matéria e com esse concreto conteúdo.
Proc. 105/15.3JELSB-A.L1 5ª Secção
Desembargadores:  João Carrola - Luís Gominho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Acordam, em conferência, na 5.a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
Nos autos de processo comum 105/15.3JFLSB da 1a Secção Criminal da Instância Central de Lisboa, Comarca de Lisboa, foi, pelo Mmo. Juiz titular dos autos, proferido a 16.05.2016 despacho manuscrito que, indeferindo requerimento do M.° P.° feito nos autos, apresenta o seguinte teor:
Para além do mais, a Digna Magistrada do MP veio requerer a este tribunal que a sentença condenatória, proferida nestes autos, acompanhada da certidão a que alude o art. 8. °. n. ° 1, da Lei n.° 158/2015, de 17-09, seja transmitida para o reino de Espanha.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não compete ao tribunal de condenação proceder à realização das diligências indicadas a fls. 295, mas antes ao próprio M. P., enquanto autoridade nacional a quem foi confiada pelo próprio legislador tal incumbência.
Enquanto o art. 10.º, n ° 2, da citada Lei nº 158/2015 se atribui ao tribunal da condenação a competência para audição da pessoa condenada, a fim de verificar se dá o seu consentimento para o cumprimento da pena privativa de liberdade no Estado de Execução, a lei é bem clara, na nossa opinião, ao atribuir ao M. P. a competência para proceder à transmissão da decisão condenatória.
Na realidade, estabelece o art. 7. ° do citado diploma legal que é competente para transmitir a sentença acompanhada da certidão, para efeitos de reconhecimento e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, o Ministério Público junto do tribunal da condenação. (sublinhado nosso).
Esta norma está em conformidade com o art. 2°, n. ° 1, da decisão Quadro 2008/909/JAI do Conselho, no qual se estabelece que cada Estado Membro informa o secretariado do Conselho sobre a ou as autoridades que, segundo a sua legislação nacional (... ). são competentes (...)
E parece que o legislador nacional atribuiu ao Ministério Público, no âmbito da ordem jurídica interna, a competência para proceder à transmissão das sentenças condenatórias, competindo unicamente ao tribunal proceder á audição do condenado, a fim de recolher o seu consentimento.
Aliás, conforme se deixou escrito no parecer de 09-10-2014 do Conselho Superior da magistratura(...) mantém-se nesta matéria a atribuição de competência ao Ministério Público para transmitir a sentença e, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional (...) .
Em face do exposto, declara-se este tribunal incompetente para proceder à realização das diligências indicadas a ,fls. 295, muito em particular para proceder à transmissão para o Reino de Espanha da sentença condenatória do condenado (…).
Inconformado com tal despacho, dele veio recorrer o M.° P.° formulando as seguintes conclusões:
1) (…), cidadão espanhol, com residência no Reino de Espanha, foi condenado na pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21.º do DL n.° 15/93, de 22.01, por acórdão transitado em julgado:
2) Encontra-se a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Caxias;
3) Veio requerer autorização para a sua transferência para o Reino de Espanha a fim de, nesse país, cumprir o remanescente da pena:
4) Prestou o consentimento em audição (art.s 10.0. n.° 1. da Lei n.° 158/2015, de 17.09.);
5) Compete ao Ministério Público proceder à transmissão da sentença condenatória acompanhada da certidão (art.° 7.° da Lei n.° 158/2015. de 17.09.);
6) Compete ao tribunal da condenação a emissão da certidão assinada pelo Mmo. Juiz e a sua entrega juntamente com a sentença ao Ministério Público;
7) Compete ao tribunal da condenação a notificação do condenado da decisão de transmitir a sentença (com recurso ao formulário indicado no art.° 10.°. n.° 9, da Lei n.° 158/2015, de 17.09.):
8) Deve o douto despacho judicial ser substituído por outro que ordene a notificação do condenado (…) da decisão de transmitir a sentença e que ordene a emissão da certidão e a sua entrega juntamente com a sentença ao Ministério Público para que este possa transmiti-las.
Notificado o arguido na pessoa do seu defensor oficioso para responder ao recurso, o mesmo manteve-se inerte.
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer em que conclui ser de conceder provimento ao recurso ou, na alternativa de ao mesmo não ser dado provimento, seja apreciada a inconstitucionalidade do art.° 7.° da Lei 158/2015 na interpretação de que o M.° P.° pode transmitir urna sentença penal nacional para os países da União Europeia subscritoras das Decisões Quadro referidas naquela Lei sem que haja uma decisão judicial a determinar essa mesma transmissão.
Cumprido o disposto no art.° 417.° n.° 2 CPP nenhuma resposta ao parecer foi apresentada.
II.
Colhidos os vistos cumpre apreciar.
Para uma completa compreensão da questão que é posta no recurso - saber se o Mmo. Juiz titular do processo em que o arguido foi condenado e cuja sentença se pretende ver transmitida, para execução, ao Reino de Espanha, é o competente para a realização dos actos requeridos - importa aferir, pelo requerimento indeferido que concretos actos estavam em causa.
Assim, face ao que consta dos presentes, a fls. 25, os actos requeridos que estavam em questão eram:
- A oportuna emissão de certidão (preenchimento do modelo/formulário que consta como Anexo 1 à Lei n. ° 158/2015, de 17.09., nos termos do art. ° 8. °, n.° 1, da mesma Lei);
- A respectiva tradução (art. ° 80. n.° 5, da Lei n.° 158/2015, de 17.09.);
- A transmissão da sentença condenatória acompanhada da certidão, para o Reino de Espanha (art. ° 8°. ri. ° 1, da Lei n.° 158/2015, de 17.09.);
- A notificação de (…) da decisão de transmitir a sentença (com recurso ao formulário indicado no art. ° 10.°, n.° 9, da Lei n.° 158/2015, de 17.09.).
Conforme menciona o recorrente na sua motivação, o art.º 7.º da Lei 158/2015, de 17.09, atribui a competência para a transmissão da sentença condenatória, acompanhada da certidão, para efeito de reconhecimento e execução ao Ministério Público junto do tribunal da condenação, competência esta que o próprio recorrente admite como sendo sua.
Daqui a primeira observação que se nos merece fazer: se o M.° P.° admite como sendo sua aquela competência, não entendemos porque requereu tal transmissão no requerimento a que acima fizemos referência e como consta do 3.° parágrafo da citação supra.
Uma segunda observação quanto ao requerimento em questão e que diz respeito à necessidade de tradução (aparentemente imposta pelo art.° 8.°, n.° 5, da Lei 158/2015).
Conforme resulta a 19 de Março de 2015, a Espanha fez um conjunto de declarações por relação a diversas Decisões Quadro, dentre elas a 2008/909/JAI, e, quanto a esta, informou o Secretariado-Geral do Conselho que o artigo 17.° da Lei 23/2014 (que internamente ali transpôs a mesma Directiva) prevê que não é obrigatório que a decisão na qual se baseia a certidão seja recebida em versão traduzida para Espanhol, sem prejuízo da possibilidade de a autoridade judiciária solicitar a sua tradução, se considerar que a tradução é essencial para executar a decisão - texto consultável em http://data.consi li um.europa.eu/doc/document/ST-813 8-2015 -I NIT/pt/pdf.
Por esta via, desnecessário se tornava a tradução requerida, o que se mostra conforme o disposto no art.° 6.°, n.° 3, da Lei 158/2015.
Por relação aos demais actos requeridos ao Mmo. Juiz, a Lei invocada é omissa quanto à atribuição de competência para a respectiva realização, mostrando-se também a mesma na respectiva formulação de difícil articulação com a lei interna e mesmo com a própria decisão quadro que pretendeu transpor para a ordem jurídica interna.
Assim e a título de exemplo, refere nos art.°s 8.°, n.°s 4 e 7, 11.° e 12.° a existência de uma autoridade emitente sem que no seu art.° 2.° defina o que/quem será essa mesma entidade.
Por uma questão de lógica não podemos deixar de considerar que, uma vez que só pode ser transmitido aquilo que está em sua posse, o M. P. terá forçosamente de estar na posse da sentença condenatória (leia-se certidão com o formulário constante do Anexo I) para a poder transmitir e, para a obter, terá de requerer a respectiva emissão.
Ora, a emissão de certidão (com o preenchimento do modelo/formulário que consta como Anexo 1 à Lei n.° 158/2015, de 17.09., nos termos do art.° 8.°, n.° 1, da mesma Lei) não pode, na nossa perspectiva, deixar de ser determinado/ordenado pelo titular do processo, após solicitação do M. P. e em face do disposto nos art.°s 89.° e 90.° n.° 1 CPP, 2.ª parte, CPP: Sobre o pedido decide, por despacho, a autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontra o processo ou que nele tiver proferido a última decisão., tanto mais que se tratava de sentença já proferida e transitada em julgado (destaque nosso).
Por sua vez, a obrigação de informação ao condenado constante do art.° 10.° n.° 9, da Lei 158/2015 não pode deixar de ser efectuada / ordenada pelo titular do processo em que foi proferida a condenação, isto apesar de, incompreensivelmente, o articulado daquele diploma não prever uma específica decisão nessa matéria e com esse concreto conteúdo a proferir pelo titular dos autos. Mas dessa necessidade e oportunidade aferirá o Mmo. Juiz.
Na verdade, uma vez que a execução da pena privativa de liberdade por força do disposto no n.° 2 do art.° 477.° CPP corre, nos próprios autos, perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aquela comunicação mais não é que a manifestação de uma alteração da entidade perante a qual a execução decorrerá. Reconhecemos, apesar de tudo, que no caso de que nos ocupamos a necessidade dessa comunicação não será tão premente uma vez que o procedimento para a transmissão da sentença se mostra desencadeado por iniciativa do próprio condenado, conforme resulta do requerimento de fls. 22 dos presentes, e ao mesmo veio a dar o seu consentimento - cfr. fls. 26, ou seja, essa transmissão já é expectável pelo próprio visado.
Apesar de implicitamente se mostrar já como sendo de conceder provimento ao recurso interposto, importa referir que o Exmo. PGA veio no seu parecer suscitar, embora de uma modo subsidiário/alternativo, a questão da (in)constitucionalidade do art.° 7.° da Lei 158/2015 na interpretação de que o M.° P.° pode transmitir uma sentença penal nacional para os países da União Europeia subscritoras das Decisões Quadro referidas naquela Lei sem que haja uma decisão judicial a determinar essa mesma transmissão.
Como não deixará de reconhecer o Exma. PGA, a questão agora posta não foi objecto de apreciação, nem mesmo de um modo implícito, no despacho recorrido, sendo, portanto, uma questão nova e, por essa via, representa um alargamento do presente recurso.
Na realidade, para além de nenhuma decisão determinando a transmissão da sentença foi, até ao presente, proferida, mesmo que por impulso processual do condenado que expressamente a requereu, o art.° 7.° visado com esse concreto pedido apenas se mostra invocado no despacho recorrido como fundamento da atribuição de competência ao M.° P.° para a transmissão em questão, nunca como suporte da dimensão interpretativa que se pretende agora ver aferida em termos de compatibilidade constitucional.
Assim, os termos em que, no parecer produzido nos autos, se mostra posta a questão da inconstitucionalidade dessa interpretação mais não é que o pedido de uma apreciação abstracta para a qual este tribunal de recurso não se mostra atribuído de competência face ao disposto no art.° 6.° da Lei 28/82, de 15.11, e não se verificando qualquer uma das situações previstas nos art.°s 280.° e 281.° CRP.
Por esta via, não nos pronunciamos sobre a mesma.
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo M.° P.° e, em consequência, revogam o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, deferindo ao requerido, determine a emissão da certidão e a comunicação ao condenado requeridas.
Sem custas.
Feito e revisto pelo 1° signatário.
Lisboa, 4 de outubro de 2016
Juíz Relator: João Carrola
Juíz Adjunto: Luís Gominho