Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 27-09-2016   Leitura de sentença. Notificação do arguido na pessoa do mandatário.
I- A lei permite no n.º 9 do art. 113 do CPP a indicação de terceira pessoa para recepção das notificações, seja ou não o caso de essa terceira pessoa ser amigo, familiar ou mandatário.
II- Independentemente de se tratar ou não de julgamento na ausência, o arguido pode declarar que autoriza a sua mandatária a receber a notificação da sentença.
III- Em tais casos a notificação pode ser validamente feita na pessoa da mandatária
Proc. 214/07.2PAAMD 5ª Secção
Desembargadores:  Agostinho Torres - João Carrola - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
_______
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA - 5a SECÇÃO (PENAL)
I-RELATÓRIO

1.1- O MP° vem recorrer do despacho que determinou a notificação da sentença, não directamente ao arguido …, mas à sua mandatária, a quem este conferira autorização expressa e por escrito para o efeito. O MP entende que a notificação devia ser determinada ao ausente por carta rogatória e o Sr Juiz denegou tal, considerando que tal forma de comunicação era desnecessária, visto que o arguido autorizara a sua mandatária a receber a dita notificação de sentença.
Na sequência de promoção do MP para que o arguido fosse notificado através de carta precatória dirigida à justiça de França o despacho recorrido foi o seguinte:

Expeça carta simples para a morada indicada, uma vez que o arguido

prescindiu da sua notificação pessoal quando subscreveu a procuração delis. 232.

Cumpra-se o trânsito da sentença.
1.2 - Desta decisão recorreu o M.°P.°, dizendo em conclusões da motivação apresentada:
1. … condenado por sentença proferida em 04.03.2013, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. art.° 3.0, n.°1 e 2 do DL n.°2/98, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante total de €1.00,00 (mil euros) (cfr. fls.252).


2. O Ministério público promoveu que se expedisse uma carta rogatória para franca para notificar o arguido (cfr. fls.241).


3. O tribunal proferiu o seguinte despacho (a fls.243) :


Expeça carta simples para a morada indicada, uma vez que o arguido prescindiu da sua notificação pessoal quando subscreveu a procuração de is. 232. Cumpra-se o trânsito da sentença


4. Ministério Público, notificado do teor desse despacho, não pode concordar com este entendimento do tribunal a quo, razão pela qual dele vem recorrer, por considerar que o mesmo violou art.° 113.°, n°9 e 333.°, n°5, ambos do CPP.


5. A questão que se pretende apreciação consiste em saber se existindo um julgamento na ausência do arguido, se impõem que essa notificação da sentença seja pessoal ou, pelo contrário, o arguido poderá estabelecer uma procuração forense à sua mandatária para que esta se considere notificado da sentença.
6. Analisando o caso dos autos, em que existiu o julgamento na ausência do arguido, e perante ausência da sua autorização para a sua realização nos termos do disposto no art.°332.°, n.°5, deverá assim, o arguido deverá ser notificado pessoalmente da sentença, conforme resulta do disposto no art.°113.°, n°10 e 335.°.°, n°5 em que a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente.


7. O problema que se vem debatido sobre esta questão, é a necessidade desta notificação pessoal da sentença como garantia que exerça efectivamente o seu direito defesa através do recurso.


8. Entendemos que o arguido terá de ser notificado pessoalmente do teor da sentença para garantir o efectivo conhecimento, e consequentemente, o prazo de recurso vai iniciar-se desde a data dessa notificação, sob pena de postergação dos seus direitos de defesa, constitucionalmente garantidos, nomeadamente o direito ao recurso.


9. De harmonia com um correcto ponto de vista valorativo, para ajuizar da efectivação, em suficiente medida, da garantia de recurso consignada no artigo 32.°, n.° 1, [da Constituição da República Portuguesa] o que está fundamentalmente em causa é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado, de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida.


10. Para emissão de um tal juízo há que ter em conta, além do mais, «a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo, no termo do qual pode ser sancionado com uma pena privativa de liberdade.


11. Ora, tendo o arguido estado ausente do julgamento e da leitura da sentença, desconhecendo a realização daquele e a prolação desta, urge entender que nesse contexto está vedado ao arguido a oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença, não lhe sendo exigível que tome diligência em prol de tal desiderato.


12. O arguido após o conhecimento efectivo da sentença poderá recorrer da mesma

e mudar de advogado para que este assegure efectivo exercício dos seus direitos, pese embora, este conceda poderes a sua actual mandatária, em nada garante que esta transmite o conteúdo daquela sentença.
13. O direito de ser notificado pessoalmente, é um direito pessoal e intransmissível, não poderá ser representado por mandatário, a lei não consente com esta situação.


14. Apenas aquele arguido que autorize o julgamento na sua ausência, poderá o mandatário ser notificado da sentença, pois, neste caso não viola o seu direito defesa.


15. Pois, a lei exige que a notificação seja feita pessoalmente ao condenado (cfr. art° 113°, n° 10, do CPP). Em conjugação com os outros preceitos normativos, em que se exige a presença do arguido na audiência, estabelecendo apenas excepções a que atribui regimes diversos: i) a excepção decorrente do art° 333°, n° 1 e 2 em que o arguido, regularmente notificado, foi julgado na sua ausência; ii) e as excepções decorrentes dos n°s 1 e 2 do art° 334°, em que o arguido consente que a audiência tenha lugar na sua ausência, o que ora não sucederam no caso dos autos.


16. Assim, este arguido ausente tem de ser pessoalmente notificado da sentença considerou o Tribunal Constitucional que os preceitos constantes dos artigos 334°, n° 6 e 373°, n° 3, do CPP devem, sob pena de inconstitucionalidade por violação dos n°s. 1 e 6 do art° 32° da CRP, ser interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ( vide - Ac do TC n° 274/2003; P. n° 7/2003, de 20/05 de 2003; DR,II série, de 3/06/2003).


17. Concluindo, diremos, que o tribunal a quo violou os dispostos no art.°113.°, 10 do CPP, art.°196.°, n.°3, 332.°, n°1, 333.0, 334.0, 373.°, 411.°, todos do CPP e art.°32.° da CRP, ao não notificar pessoalmente o teor da sentença este arguido que foi julgado na ausência.
18. Pelo que, deverá o presente despacho ser revogado e ser substituído por outro no qual se expeça uma carta rogatória para França, local onde reside, para notificar do teor da sentença.
1.3- Nada respondeu o arguido.
1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o M°P° emitiu parecer no sentido de acompanhar a posição do seu par recorrente.
1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.
II- CONHECENDO
2.1-0 âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410°, n.°2 do CPP.


Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida.
Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.
2.2-Está em discussão para apreciação , em síntese, a seguinte e única questão:
Existindo um julgamento, v.g. na ausência do arguido, impõe-se que a notificação da sentença seja pessoal ou, pelo contrário, o arguido poderá estabelecer uma autorização expressa à sua própria mandatária para que, através de notificação a esta, se considere notificado da sentença?
O problema radica assim exclusivamente no alcance interpretativo do art.° 113.° n °9 do CPP (na versão actual)
2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL
A) Nos presentes autos foi … condenado por sentença proferida em 04.03.2013, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. art.° 3.0, n.°1 e 2 do DL n.°2/98, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante total de €1.000,00 (mil euros).


O Ministério público pronunciou-se no sentido de que se expedisse carta rogatória para França (cfr. fl.241), com vista a notificar o arguido, pessoalmente, da sentença condenatória proferida nos autos.


O tribunal proferiu o seguinte despacho (a fls.243) :


Expeça carta simples para a morada indicada, uma vez que o arguido prescindiu da sua notificação pessoal quando subscreveu a procuração de is.232. Cumpra-se o trânsito da sentença


O Tribunal considerou suficiente para notificação da sentença ao arguido a existência de uma procuração dando poderes à sua mandatária, para que esta fosse notificada do teor da sentença, prescindindo o mesmo da sua notificação pessoal.
Entende o recorrente que, ao decidir desta forma, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 113.°, n.°9 do CPP e 334.°, n.°5 do CPP, porquanto entende que a sentença é um acto pessoal que não poderá ser notificado na pessoa do seu defensor.
A questão que se pretende seja apreciada pelo tribunal consiste em saber se a sentença poderá ser notificada na pessoa do seu defensor/mandatário quando exista uma autorização escrita outorgada pelo próprio àquele que reconheça essa possibilidade ou se, pelo contrário, esta sentença tem que ser notificada apenas pessoalmente ao condenado.
Importa enunciar os factos constantes no processo, designadamente o seguinte:
1. … condenado por sentença proferida em 04.03.2013, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. art.° 3.0, n.°1 e 2 do DL n.°2/98, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante total de €1.00,00 (mil euros) (cfr. fls.252).
2. O arguido devidamente notificado esteve ausente na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 29.05.2013 (cfr. fls.173).
3. Foi designada nova sessão para a leitura da sentença, encontram-se o arguido ausente, e o tribunal entendeu que devia o mesmo ser notificado pessoalmente por via OPC, nos termos dos art.s°113.°, n.°8, ala a) e n.° 9 e 333.°, n°5 ambos do CPP.
4. Por informação por parte da PSP na tentativa de notificar o arguido da sentença, veio dar conhecimento ao tribunal que este encontrava-se em França (cfr. fls.264).
5. O tribunal notificou a mandatária do arguido para esta informar a morada do arguido em França, ao qual esta informou a fls.297.
6. A mandatária do arguido juntou uma procuração, na qual conferia lhe poderes para ser notificada do teor da sentença cfr. fls.231 e 232.
7. O Ministério público promoveu que se expedisse uma carta rogatória para França para notificar o arguido (cfr. fls.241).
8. O tribunal proferiu o seguinte despacho (a fls.243) :
Expeça carta simples para a morada indicada, uma vez que o arguido prescindiu da sua notificação pessoal quando subscreveu a procuração de fls.232. Cumpra-se o trânsito da sentença
B) Analisemos então o caso mais detalhadamente. Dispõe o n.° 9 do art.°. 113.° do CPP:
9 - O notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.
Citando vária jurisprudência nas suas motivações, a nosso ver inaplicável e deslocada do problema concreto em discussão nos autos ( este atinente à aplicabilidade ou não da norma concreta do n°9 do art.°113° do CPP), o recorrente apoia-se sobretudo em dinâmica discursiva sobre o problema das notificações dos arguidos em ausência a julgamento e, além do mais, cita o Ac TC 274/2003:
Em face do exposto, o Tribunal determina que, in casu, sejam os preceitos constantes dos artigos 334°, n° 8, e 113°, n° 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, correspondentes às dos artigos 334°, n° 6, e 113°, n° 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei n° 320-C72000, de 15 de Dezembro, conjugadas com o n° 3 do art° 373°, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento.
Porém, a redacção do art.° 113° n° 9 do CPP na versão actual e ainda vigente, decorrente da Lei 20/2013, correspondia à redacção:
a) Do n° 4 da versão original (DL 78/87);

b) Do n° 6 na versão da Lei 59/98;

c) Do n.° 8 , na versão introduzida pelo DL 320-C/200
Neste último diploma, o seu n° 9 correspondia ao anterior n° 7. Assim, a referência do recorrente ao citar o Ac do TC quando este alude ao art.° 113° n° 9, não corresponde minimamente à questão da interpretação da constitucionalidade do normativo atinente ao problema da indicação pelo arguido de pessoa que pudesse ser por si notificada.
Do mesmo passo, a referência ao ACÓRDÃO do TC N.° 111/2007 (processo n.° 761/06) e a, ali, alusão ao art.° 113.° n.° 9, não se atém também à redacção de conteúdo do actual n.° 9 (ex n.°s 4, 6 e 8 respectiva e sucessivamente, das versões legisladas e anteriores)
Por outro lado, diz o recorrente, a dado passo, nas suas motivações, que:
(...) O arguido após o conhecimento efectivo da sentença poderá recorrer da mesma e mudar de advogado para que este assegure efectivo exercício dos seus direitos, pese embora, este conceda poderes a sua actual mandatária, em nada garante que esta transmite o conteúdo daquela sentença.
O direito de ser notificado pessoalmente, é um direito pessoal e intransmissível, não poderá ser representado por mandatário, a lei não consente com esta situação.

Esta afirmação não é de todo verdadeira e mostra-se excessiva.
Dizer sem mais que a pessoa a quem o arguido concedeu poderes de recepção de notificações mesmo sem excepcionar deles qualquer tipo de comunicação, viola o princípio da confiança inerente ao mandato, contrai injustificadamente o direito de disponibilidade do arguido nessa matéria e não tem sequer apoio legal.
A própria lei permite no n.° 9 do art.° 113.° do CPP a indicação de terceira pessoa para recepção de notificações, seja ou não o caso de essa terceira pessoa ser amigo, familiar ou mandatário.
Na tese do M°P°, esta norma nem sequer teria qualquer aplicação ao arguido sobretudo nos casos em que esteja em causa a notificação de sentença e não colide com nenhuma outra prevista para o efeito de notificações de actos a arguidos ausentes.
Ponto é o que agora importa: independentemente de se tratar ou não de julgamento na ausência, o certo é que o arguido declarou documental e expressamente que autorizava a sua mandatária a receber a notificação da sentença.
Se esta lhe comunicaria ou não o seu teor, seria. um problema interno das relações de mandato que não invalidaria a sua liberdade declarativa. Ou seja, autorizou a notificação expressamente por via de terceiro, sibi imputat!
Não vemos em ponto algum da lei nem na CRP que os arguidos não possam declarar expressamente este consentimento para notificação da sentença por via de pessoa terceira, da sua confiança ou que se trate de direito indisponível.
Por isso, a tese do recorrente apoia-se em problemas jurisprudenciais que não se aplicam ao caso, sendo certo que a norma do n.° 9 do art.° 113.° do CPP
não exclui nenhum tipo de notificação, nomeadamente a da sentença e aplica-se a qualquer caso de julgamento seja ou não na ausência consentida do arguido sem ficar com isso eivada de vícios de inconstitucionalidade.

Na verdade, complica-se aquilo que é simples e já decorre da lei. Vai pois indeferido o recurso.
III- DECISÃO
3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente
Lisboa, 27 de Setembro de 2016