Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 14-09-2016   Alteração da qualificação jurídica dos factos. Falta de comunicação ao arguido. Nulidade da sentença.
I- Apesar de o n.° 3 do artigo 358° aludir apenas a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, essa qualificação jurídica dos factos em sede de acusação não se circunscreve à indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes que aqueles preenchem.
II- A lei - alínea )9 do n.° 3 do artigo 283° Código de Processo Penal - impõe a indicação das disposições legais aplicáveis, ou seja, de todas as disposições legais aplicáveis.
III- Para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes, terão de ser indicadas as normas que estabelecem a respectiva punição, ou seja, a espécie e a medida das sanções aplicáveis.
IV- Pretende a lei que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico-criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das consequentes respostas punitivas, dando-se assim expressão aos princípios da comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos defesa, este último acolhido no n.° 1 do artigo 32° da CRP. Só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma adequada.
V- O arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, que lhe seja dado conhecimento preciso de todas disposições legais que irão ser aplicadas. Por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação, principalmente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o ideário do processo justo e equitativo, de que fala o art.° 6° da CEDH e densificado no art.° 32° da nossa Constituição. A aplicação surpresa da pena acessória na sentença não é compatível com o processo justo e equitativo desenhado na CRP e no Código de Processo Penal.
Proc. 517/14.0PDFUN 3ª Secção
Desembargadores:  Vasco Rui Freitas - Rui Gonçalves - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam conferência, na 3a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
No Tribunal da Comarca da Madeira - Inst. Local, Secção Criminal, J 1, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido Dionísio Orlando Bonifácio de Ornelas, devidamente identificado nos autos, tendo no decurso da respectiva audiência sido indeferido um requerimento apresentado pelo M°P° em que alegando da existência de uma alteração da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação, pretendia o cumprimento do art° n°s 1 e 3 do art° 158° do CPPenal.
No final do julgamento foi proferida sentença, na qual se decidiu o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152.°, n.°1, alínea d), e n.° 2, do Código Penal, na pena de 3 anos suspensa na sua execução, sujeito a regime de prova fiscalizado pela DGRSP, que elaborará e executará, somente, em caso de o arguido regressar a esta RAM e nela permanecer.
Inconformado o M°P° veio interpor recurso do despacho de indeferimento proferido em acta e da sentença proferida, concluindo nos seguintes termos:
Do recurso interlocutório:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que indeferiu o pedido de alteração da qualificação jurídica dada aos factos vertidos na acusação, pedido formulado pelo K °PO no decurso da audiência realizada no dia 15.03.2016, nos autos à margem referenciados.
2. O 3,1°T°, após a audição da ofendida, requereu a alteração da qualificação jurídica vertida na acusação pública deduzida contra o arguido pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152°, n.°1, al a) e n.°2 do CrPena4 fazendo-o incorrer, para além do mais, na pena acessória prevista no n.° 4 do aludido art. 152° do Cód Penal
3. O requerimento foi indeferido com fundamento na intempestividade, na preterição dos direitos de defesa do arguido e na desnecessidade da aplicação, no caso concreto, da requerida pena acessória.
4.Sucede que, o Assento n.°3/2000, de 15.12.1999 que fixou a seguinte a seguinte doutrina, constitutiva de jurisprudência, obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.° do Código de Processo Penal)•
'Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de talocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa.
Deve, pois, possióifitar--se o exercício do direito de defesa do arguido em relação à apontada alteração da qualificação jurídica dos factos, de modo que, antes de encerrada a respectiva audiência, se providencie pela possibilidade de lhe ser dada a apontada oportunidade de defesa contra a alteração da qualificação jurídica que o tribunal entenda dever verificar se'
5.Na verdade, estabeleceu-se, por esta via, com efeitos obrigatórios, nos termos do preceituado nos artigos 437.°e seguintes do Código de Processo Penal a seguinte doutrina: «Para os fins dos artigos 1°, alínea f), 120°, 284.°,n.° 1, 303.° n.°3, 309.° n.° 2, 359.° n. °s 1 e 2, e 379.° ,alínea 6), do Código de (Processo (Penai, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduz na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.»
6.A doutrina adoptada por esta decisão veio a ser complementada peto assento proferido peto Supremo tribuna! de Justiça em 7 de Junho de 1995, no processo n.° 47 407, nunca atacado de inconstitucional-idade, e já transitado ou em julgado, no qual se estabeleceu a doutrina obrigatória:
«O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribuna! recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo da proibição da reformatio inpejus.»
7. Exige-se, apenas, é a que a alteração da incriminação constante da acusação ou cfa pronúncia deva ser oportunamente comunicada ao arguido, para que e!e dela se possa defender, com eventual suspensão da audiência peto prazo estritamente indispensável para tanto, por aplicação analógica do preceituado nom artigo 358.° n.° 1, do Código de Processo Pena!
8.Ao indeferir o requerido pelo Ministério Público, o douto despacho violou o
disposto no art. 358 °, n. °s 1 e 3 do CPI; e o Assento n.° 3/2000, de 15.12.1999 que fixou a doutrina, constitutiva de jurisprudência, obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.° do Código de Processo Penal).
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho de indeferimento da requerida alteração da qua(i icação jurídica ser substituído por outro que admita a alteração da qualificação jurídica requerida, em virtude do crime imputado ao arguido ser legalmente sancionado com a pena acessória em apreço.

V.Ex.as, porém, melhor apreciarão fazendo como sempre, acostumada Justiça!
Do recurso interposto a final
1. Em primeira instância o arguido (Dionísio Orlando Bonifácio de Ornelas foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152° n° 1 a( a) e n° 2 do Cód. (Penai, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova fiscalizado pela Direcção geral de Rfinserção e Serviços Prisionais (doravante, D. g. (P S. ..), a executar somente no caso de o arguido regressar à Wçgião Autónoma da Madeira e aqui permanecer
2. Após a inquirição da ofendida 'libertina pereira Bonifácio de Orneias em sede de audiência de julgamento, atenta a credibilidade que esse depoimento mereceu ao Ministério Público e a gravidade dos factos então levados ao conhecimento do Tribunas; o Ministério Público requereu a alteração da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação pública deduzida, por forma a que o arguido incorresse, para além do mais já ali imputado, na pena acessória prevista no n.° 4 do art. 152°, do Cód. Penal, na vertente dda proibição de contactos com a vítima e de afastamento da habitação onde a mesma reside e, para tanto, requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no n.° 3 do art. 358° do Cr-PP.
3 . Dada a palavra ao Ilustre Defensor do arguido o mesmo opôs-se à alteração da qualificação jurídica requerida pelo Ministério Público e não requereu prazo para preparação da defesa.
4 . A Mm° ,Julgadora indeferiu, em síntese, a requerida alteração da qualificação jurídica por extemporânea, por violadora dos direitos de defesa do arguido, por não se encontrar alicerçada em factos vertidos na acusação e por se lhe afigurar desnecessária, no caso concreto, a sua aplicação.
5 . Não se conformando com o douto despacho de indeferimento proferido no decurso da audiência realizada no dia 15.03.2016, no sobredito sentido da alteração da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação pública, o Ministério Público do mesmo interpôs oportunamente recurso para o Venerando Tribunal da Wçlação de Lisboa.
6. Foi, entretanto, produzida a douta sentença agora colocada em crise, que não condenou o arguido em pena acessória, como decorrência quer do prévio indeferimento do pedido de alteração da qualificação jurídica dos factos, quer da circunstância de não ter sido alterada, oficiosamente, pela Mm° Julgadora a qualificação jurídica dada aos factos vertidos na acusação (com a consequente concessão ao arguido de prazo para preparação da defesa), até à prolação da douta sentença condenatória.
7. O Ministério Pú6tico mantém, em via disso, o interesse na apreciação do recurso interposto do mencionado despacho inter(ocutório de indeferimento.
8 . Esse interesse mantém-se, e renova-se, dado que, da prova produzida em audiência, decorre que apesar do arguido se encontrar a tra6alhar no estrangeiro desloca-se a esta 1 çgião Autónoma e mantém o livre acesso à ha6itação onde a ofendida reside, por se tratar de um imóvel comum do casal- (Cfr. gravações julgamento sessão de 15.03.2016, testemunha A(6ertina Tlereira Bonifácio de Orneias, 1 a intervenção - parte da manhã, passagem de 13:13 a 13:15); da prova produzida mais resulta que essa habitação se situa em local afastado de outras residências, não sendo audíveis por terceiros os pedidos de socorro da vítima (a testemunha referiu que vive no campo, não há casas próximas - Cfr. gravações julgamento sessão de 15.03.2016, testemunha A(hertina Bereira Bonifácio de Orneias 1 a intervenção - parte da manhã, passagem de 19:50 a 20:09. da prova produzida resulta que o arguido só deixou de contactar telefonicamente com a vítima depois de ter sido convencido por esta que a autoridade judiciária se encontrava, no decurso dos últimos meses, a proceder à audição das chamadas recebidas no te(emóve( da queixosa (isto 4 estava convencido que o te(emóve( da ofendida 'se encontrava sob escuta), por causa da investigação levada a cabo nestes autos; tudo o que a ofendida quer é que o arguido a deixe viver em paz. - (Cfr. gravações julgamento sessão de 15.03.2016, testemunha Aíbertina Tlereira Bonifácio de Orneias, parte da manhã.)
9 . E' manifesto que, se no decurso da audiência de julgamento é requerida a uma alteração da quatficação jurídica dos factos vertidos na acusação e é dado cumprimento ao n. ° 3 do art. 358° do P11, não resultam afectados os direitos de defesa do arguido, nem um ta(peéido é extemporâneo. - Cfr. Assento ri ° 3/2000, de 15.12.1999 e Assento proferido pelo Supremo Tri6unat de Justiça em 7 de Junho de 1995, no processo n.° 47 407.
10. Assim sendo, a única questão a decidir no vertente recurso prende-se em saber se a aptcação da pena acessória prevista no art. 152°. n.° 4 do C penal depende da articulação de factos autónomos para além dos factos su6sumíveis na tip ficação do crime que desencadeia a aplicação da pena principal
11. As finalidades da punição são, como decorre do art. 40 ° do Cód. Penal a protecção de bens jurídicos e a ressocialização do condenado.
12. No caso suójudice, para que possam ser eficazmente satisfeitas as finalidades da punição - a defesa dos bens jurídicos e a ressocialização do condenado - o Ministério Público defende que deve ser aplicada ao arguido a pena acessória prevista no art. 152°, n.°4 do Cód. Penal na vertente de proibição de contactos e afastamento do local da residência da ofendida.
13 . Para desencadear tal aplicação, já que o arguido não requereu prazo para preparação da defesa, basta o acervo factual provado sob os pontos Io a 19 ° dos factos dados como provados na douta sentença conéenatória.
14. Permitir-se que o arguido mantenha o livre acesso à casa onde habita a ofendida e de corri ela contactar, existindo tutela legal que o previna e sancione, é uma decisão merecedora de censura, e com a qual o Ministério Público não se conforma, quando é certo que a ofendida recorreu ao sistema de justiça depois de, nas palavras da mesma, 'ter visto a morte à frente para aqui encontrar uma tutela efectiva dos seus direitos e criar as condições que lhe permitam fazer cessar o estado de agitação e incerteza que o comportamento do arguido lhe foi causando, paulatinamente, durante mais de duas décadas.
15 . Caso se considere que a punição em pena acessória se deve mostrar alicerçada em factos autónomos daqueles que decorrem da condenação na pena principal deve ser proferida decisão de alteração (não substancial) dos factos descritos na acusação, mais se dando como provado que:
1- apesar do arguido se encontrar a trabalhar no estrangeiro mantém o livre acesso à habitação onde reside a ofendida, por se tratar de um imóvel comum do casal
2-essa habitação situa-se em local afastado de outras residências, não sendo audíveis por terceiros os peludos de socorro da ofendida;
3- o arguido só deixou de contactar telefonicamente com a ofendida, sua mulher, depois de ter sido por esta persuadido de que a autoridade judiciária se encontrava, no decurso dos últimos meses, a proceder à audição das chamadas recebidas no seu (da queixosa) telemóvel (isto é, estava convencido que o telemóve( desta 'se encontrava sob escuta) por causa da investigação levada a cabo nestes autos.
16. Foi, no entender da recorrente, desrespeitado o princípio da investigação e da descoberta da verdade material; porquanto o Tribunal recorrido não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução Cega(
17. E elevada a i(zcitude dos factos e deles resultaram para a ofendida consequências sérias, desde togo do foro emociona(
18. São de grau elevado as necessidades de prevenção geral dada a frequência com que este crime vem sendo praticado.
19. No caso, fazem-se sentir de forma particular as necessidades de prevenção especial dado que o arguido e a ofendida não se encontram divorciados e o arguido não demonstrou qualquer conduta reveladora de assunção da sua culpa, nem de arrependimento.
20. Deste modo, afigura-se-nos que tudo ponderado, deverá condenar--se o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida e de proibição de permanecer na habitação onde a mesma reside, pelo prazo de 3 (três) anos, porque é plenamente suportada pela culpa do arguido.
21. Peto exposto, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 152°, n.°4, 40°, n.°1, 71 °, todos do Cód. Penal 20°, n. °s 1 e 5, 27°, n. °1 e 205° da CRP 1°, al. f), 9° n.° 1, 127°, 340°, 358°, n. °s 1 e 3, todos do Cód. Proc. Penal.
Nestes termos e pelos fundamento expostos, deve ser concedido provimento total ao recurso e, em consequência:
A) - Condenar-se o arguido Dionísio Orlando Bonifácio de Orneias, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152°, n. ° 1 al. a) e n.° 2 do Cód. Penal; na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova fiscalizado peca DGRS, a executar somente no caso de o arguido regressar à Região Autónoma da Madeira e aqui permanecer e, na pena acessória prevista no art. 152°, n.°4 do Cód. Penal na vertente de proibição de contactos e afastamento do locar da residência da ofendida, pelo período de 3 (três) anos.
B) Caso se considere que a punição em pena acessória se deve mostrar alicerçada em factos autónomos daqueles que decorrem da condenação na pena principal deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto (alteração não substancial, mais se dando como provado que:
1- Apesar do arguido se encontrar a trabalhar no estrangeiro mantém o livre acesso à habitação onde reside a ofendida, por se tratar de um imóvel- comum do casal;
2-Essa habitação situa-se em local afastado de outras residências, não sendo audíveis por terceiros os pedidos de socorro da ofendida;
3- O arguido só deixou de contactar telefonicamente com a ofendida, sua mulher, depois de ter sido por esta persuadido de que a autoridade judiciária se encontrava, no decurso dos últimos meses, a proceder à audição das chamadas recebidas no seu (da queixosa) telemóvel (isto é estava convencido que o telemóvel desta se encontrava sob escuta) por causa da investigação levada a cabo nestes autos.
Vossas Excelências, porém, melhor apreciarão, fazendo, como sempre, justiça.
Os recursos foram admitidos

Não houve resposta aos recursos interpostos.


O Exm° Procurador Geral Adjunto apôs o seu visto

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência Cumpre decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Para a apreciação da matéria em causa haverá que ter em conta as seguintes incidências processuais:
- O M°P° deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art° 152° n° 1 al a) e n° 2 do Cod. Penal, não tendo feito naquela peça acusatória qualquer referencia à aplicação da pena acessória prevista n° n° 4 do mesmo preceito legal
- No decurso da audiência realizada, em 15/03/2016 e após a audição da ofendida foi interposto pelo M°P° o seguinte requerimento:
O g°'° requer nos termos do art° 358 n°s 1 e 3 que se admita a alteração da qualificação jurídica dada aos factos na acusação, de modo a imputar ao arguido, para tem(fcprática de um crime de violência doméstica agravado p. e p. peto art° 152° n° 1 aC a) do Cod
(Penai também que o mesmo incorre na pena acessória prevista no n° 4 do art° 152°, requerendo para tanto que se notifique a defesa
O requerido foi indeferido pelo despacho recorrido que tem o seguinte teor:
Salvo o devido respeito que é muito, o art° 358° não permite a alteração da qual ação jurídica, o que decorre do art° 358°, desde togo da epígrafe, é a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ou na pronuncia. Ora o M°P° não veio acrescentar nenhum facto donde se possa concluir peta aplicação do direito, essa parte sim requer alteração, razão peta qual o requerimento é inócuo e sem qualquer utilidade para aquilo que se preterufe, razão pela qual vai o mesmo indeferido. Notifique
Findo o julgamento foi proferida sentença na qual se deu como provados os seguintes facto:
1. - No dia 17 de Novembro de I990, o arguido casou com AC6ertina Pereira Bonifácio de Orneias, residindo com a mesma, desde essa data até à actualidade, na Vereda Levada do Norte, late 321, Garachico, em Câmara de Lobos.
2. - Desse casamento nasceu, em 06.11.91, a Lisandra (Domingas Pereira Bonifácio Orneias.
3. - Decorridos 15 dias após o casamento, a queixosa Al6ertina começou a ser agredida fisicamente pelo arguido.
4. - Desde então e até o dia 2 de Novembro de 2014, frequente e repetidamente, todas as semanas, no interior da residência de ambos, o arguido dirigia-se à Alóertina Pereira Bonifácio de Orneias, sempre de modo agressivo e em estado de grande exaltação.
5.- Estando ou não sob o efeito de bebidas alcoólicas, o arguido, sem qualquer discussão ou motivo aparente, dirigia-se à sua mulher proferindo as seguintes expressões: 'andas com outros; és uma prostituta; vou-te matar; sua puta; sua sacana',' caralha':
6. -Ao Congo da relação conjugai; o arguido aproveitando-se da fragilidade emocionare física da queixosa e da sua submissão conjugai agredia-a com socos, bofetadas e pontapés em várias partes do corpo e face.
7. - No dia 2 de Novembro de 2014, o arguido, que se encontrava a(coo(izado, e a libertina Pereira começaram a discutir por causa de uns sapatos.
8. - EE essa discussão, reacendida várias vezes durante o dia, terminou com o arguido, ao. final da tarde desse mesmo dia, a empurrar a queixosa ACbertina Pereira, fazendo com que esta se desequilibrasse e caísse ao chão.
9. - (Depois, o arguido colocou-se em cima do seu corpo, agarrou-a na cabeça e bateu com o lado direito da face no chão duas vezes e em seguida tapou-C& a Boca. Depois largou-a.
10. - Quando a ACóertina Pereira Bonifácio de Orneias se Levantou, o arguido voltou a empurrá-la, fazendo com que caísse ao chão novamente, voltando a pegar-lhe na cabeça e bateu com a face uma vez no chão e tampou-lhe a boca.


11. - Nessa ocasião, a ofendida conseguiu desferirum pontapé na zona dos pés do arguido, tendo o mesmo acabado por mexer com a mão que lhe estava a tapar a boca, aproveitando para lhe desferir -Crie uma dentada num dos dedos da mão do arguido que a libertou de imediato.
12. - A ofendida telefonou à poCcia a fim de pedir ajuda e o arguido dirigiu-se para a cozinha onde foi buscar uma faca.
13. - Depois, o arguido, dirigiu-se á ofendida empunhando a faca de cozinha, ao mesmo que proferia a seguinte expressão 'suou-te matar':
14. - De imediato, a ofendida fugiu para o exterior da sua residência.
15. - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a A16ertina Pereira Bonifácio de Orneias sentiu dores e sofreu equimose da pálpebra superior direita com ligeira tumefacção, conforme relatório médico de fls. 58 e 59 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, Lesões que determinaram um período de doença de três das, sem afectação da capacidade para o trabalho em geral-e para o trabalho profissional'
16. - As condutas do arguido, que desconsideraram e humilharam a ACbertina Pereira Bonifácio de Orneias, foram praticadas, repetida e frequentemente, durante mais de vinte anos.
17. -O arguido agiu daquele modo sempre no interior da residência de ambos.
18. -O arguido, ao agredir e ao proferir as expressões acima descritas, teve sempre a intenção de ofender física e psicologicamente, de perturbar o sentimento de segurança, de desconsiderar e humilhar a Aíbertina Pereira, bem sabendo que todo o seu comportamento se mostrava apto ao efeito pretendido.
19. -O arguido agiu sempre com vontade livremente determinada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
20. - O arguido não tem antecedentes criminais.
21.- O arguido desde
22. - O arguido mantém uma relação muito positiva com a filha comum, a Lisandra, que adora e é correspondido por ela.
23. -A demandante no exercício da sua actividade, prestou cuidados de saúde a Adóertina Pereira Bonifácio de Orneias, que consistiram no atendimento no Serviço de 'Urgência do Centro de Saúde Câmara de Lobos, no dia 2 de Novembro de 2014.
24. - Que importou a quantia, ainda não paga, de € 36, 00(trinta e seis).

Consignaram-se como não provados s seguintes factos
1. -já em outras ocasiões, em circunstâncias em número que em concreto se desconhece, o arguido exi6iu facas à ofendida a fim de intimidar.


O Direito
Tendo sido documentada a prova produzida em audiência de julgamento, os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito ( art.° 428.° do C.P.P. ).
No entanto, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar', sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410° n° 2 do C.P.P..
No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, as questões essenciais que se mostram necessário apurar é o de erro de julgamento e saber se não constando da acusação a pena acessória de proibição de contactos prevista no n° 4 do art° 152° do Cod. Penal, a mesma pode vir a ser requerida no âmbito da alteração da
qualificação jurídica prevista no art° 358° do Cod. Proc. Penal, questão esta que é comum aos dois recursos.
Comecemos por apreciar o erro de julgamento, invocado no recurso interposto da decisão final, deixando para depois a questão da alteração de qualificação jurídica que é comum com o recurso interlocutório
Erro de Julgamento
O recorrente entende que perante a prova produzida, deveria o Tribunal ter dado como provado factos relacionados com a conduta do arguido e que iriam permitir aplicar a pena acessória de inibição de contactos então requerida.
Não pode colher a pretensão do recorrente.
Com efeito, pretendendo-se impugnar a matéria de facto provada, terá o recurso de obedecer aos requisitos e pressuposto previstos no art° 412° do CPP .
Assim:
Nos termos do art° 412° CPP :
3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a)As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do n°2 do artigo 364° devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6. No caso previsto no n°4 o tribunal procede á audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
No caso em apreço o recorrente não satisfaz a exigência do n° 4 citado, pois não indica as concretas passagens das gravações em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa, (remetendo para uma descrição da sua versão e do que se teria ocorrido) uma vez que o que a lei pretende é que o recorrente indique o facto incorrectamente julgado, indique que a prova X impunha decisão diversa e porquê, e diga qual era essa decisão;
O que o recorrente faz, é apresentar a sua versão dos factos, e um resumo do que a ofendida disse
Ora as indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois ... à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das aprovas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso... (cfr. Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, 2002, pág. 37), emitir juízos de censura crítica, face á forma de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto (passível de modificação se, havendo documentação, a prova tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412°, n.° 3, a) e b), - art. 431° b) CPP - aí se impondo a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ( a expressão concreta é nova sendo introduzida pela nova Lei que alterou o CPP, e traduz o que já era Jurisprudência e Doutrina assente).
Assim está a Relação impossibilitada de apreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto - cfr. Ac. R. G. 25/6/07 in www.dgsi.pt, dado que não está em causa apenas uma insuficiência ou deficiência das conclusões, caso em que o Tribunal deveria mandar completar ou corrigir as mesmas - art° 417°3 CPP e ac. STJ de 5/6/08 in www.dgsi.pt/jstj proc. n° 08P1884, - sob pena de ser rejeitado ou não ser conhecido nessa parte (T. C. Ac. n° 140/2004, de 10 de Março, proc. n° 565/2003, DR, II série, de 17 de Abril de 2004

Improcederá pois, nesta parte a argumentação do recorrente. Da alteração da qualificarão jurídica
Comecemos por apreciar o recurso interposto do despacho proferido em audiência de julgamento em que a M° Juiz considerando que o M°P° não tinha invocado quaisquer novos factos que fundamentem a aplicação de tal pena acessória, indeferiu a pretensão do M°P°, tendo condenado o arguido nos precisos termos em que foi deduzida a acusação.
Teremos que no caso em apreço concordar com o recorrente, sendo de referir que o a que aqui está em causa não é a necessidade ou não do cumprimento do estipulado no n° 1 do att° 358° do CPP, ou seja o da comunicação à defesa da eventual alteração da qualificação jurídica, mas ex ante o de saber se o requerido pelo M°P° se enquadra naquele instituto, já que foi este o fundamento do indeferimento.
Para o caso em apreço convirá ter em conta o princípio da comunicação da acusação, a que se referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada (2007), I, 516.
Nos termos deste princípio deve ser dada a conhecer ao arguido, tempestivamente, ou seja, em tempo que lhe permita preparar e organizar uma defesa adequada, a acusação que contra si foi deduzida. Tal significa que ao arguido (através da acusação) deve ser dado a conhecer qualquer facto ou qualquer elemento essencial (momento constitutivo do crime) e acidental (circunstância) de que possa derivar a sua responsabilidade ou um seu agravamento.
Daí decorre sobre a entidade acusatória o dever de fazer constar na peça acusatória, sob pena de nulidade os seguintes elementos ( art° 283° al. a) a g) do Cod. Proc. Penal:
As indicações tendentes à identificação do arguido;
- A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
- A indicação das disposições legais aplicáveis;
- O rol com o máximo de vinte testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.° 2 do artigo 128°, as quais não podem exceder o número de cinco;
- A indicação dos peritos e dos consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
- A indicação de outras provas a produzir ou a requerer; - A data e assinatura
Por sua vez a narração factual e a indicação normativa revem-se de maior importância, já que como se sabe o objecto da acusação delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e, consequentemente, a extensão do caso julgado, sendo que a este efeito se chama a vinculação temática do tribunal, sendo nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia. (art° 379° do CPP)
A vinculação do tribunal, porém, quer no que concerne aos factos descritos na acusação quer no que tange ao enquadramento jurídico dos mesmos ali operado, não é absoluta.

Com efeito, a lei admite que em certos casos e já depois deduzida a acusação se possam vir a ter em conta novos factos ou a constatar que os factos constantes da acusação foram deficientemente ou insuficientemente descritos ou deficientemente ou incorrectamente qualificados, desde que salvaguardadas as garantias de defesa do arguido, a fim de que o processo possa alcançar o seu concreto fim, isto é, a descoberta da verdade e a realização da justiça.
Tal possibilidade encontra-se prevista nos artigos 358° e 359°, do Código de Processo Penal, que estabelecem e regulam a possibilidade de alteração dos factos descritos na acusação e na pronúncia, bem como a alteração da sua qualificação jurídica.
As duas situações distintas quanto à alteração dos factos, referem-se uma, à ocorrência com repercussão relevante no tipo de crime imputado ou nos limites máximos das sanções legais aplicáveis, levando à imputação de um crime diverso ou à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, a outra que à verificação de alteração factual sem aquelas repercussões, no entanto, com relevância para a decisão da causa.
A primeira situação é denominada pela lei como alteração substancial dos factos, prevista artigo 359°, e a segunda como alteração não substancial dos factos, referida no artigo 358°.
A lei prevê ainda, uma situação em que não ocorrendo qualquer alteração factual, possibilita de alteração da qualificação jurídica que na acusação ou na pronúncia se atribuiu aos factos nas mesmas descritos, situação que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos - n.° 3 do artigo 358°.
No caso ora em apreciação não se está perante qualquer alteração factual, pelo que haverá então necessidade desse apurar se estamos face a situação que deva ser considerada de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, a implicar o cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 358°.

Qualificar juridicamente os factos traduz-se em aplicar a lei aos factos, verificar se os mesmos possuem ou não relevância jurídica e em que termos devem ser integrados no respectivo ordenamento.
Em processo penal, ex vi artigos 283°, n.° 3, alíneas b) e c), 308°, n.° 2 e 374°, n.°s 2 e 3°, alínea a) em sede de acusação, de pronúncia e de sentença, a qualificação jurídica dos factos opera-se mediante a indicação das disposições legais que lhes são aplicáveis, indicação que, obviamente, a lei manda se faça a seguir à narração ou descrição daqueles.
No caso vertente verifica-se que, perante os factos articulados na acusação, e aonde o Ministério Público indicou como disposições legais aplicáveis o artigo 252° n° 1 al. a) e n° 2 do Cod. Penal, do Código Penal, em audiência veio requerer a aplicação do n° 4 do mesmo preceito.
Ora, é óbvio que não há correspondência na indicação das disposições legais aplicáveis aos factos feita na acusação e no requerido pelo que dúvidas não restam de que se verifica uma alteração da qualificação jurídica dos factos.
Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa; Alteração não substancial constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformam o quadro factual da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.'
Sobre esta matéria e quanto à consideração de que a aplicação da pena acessória de proibição de contactos, sem que a mesma tenha sido indicada na acusação, remetemos para o que se escreve no Ac. da Rel do Porto de 24/02/2016, Relator Dr. António Gama e que de seguida transcreveremos em parte:
As penas acessórias são verdadeiras penas pelo que a sua aplicação pressupõe e exige que logo na acusação se faça alusão aos preceitos que as consagram, estatuindo-se aliás no art.° 283°, n.°3, al. c) do Código de Processo Penal, que essa omissão constitui nulidade (da acusação). Lida a acusação constata-se que nada refere quanto à aplicação do art.° 152° n.°4 e 5.
Essa omissão não é obstáculo à aplicação da pena acessória, mas essa aplicação só pode ocorrer depois de o juiz fazer a comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, conforme exige o art.° 358°, n.°1 e 3 do Código de Processo Penal, em consonância com o princípio do contraditório e das garantias de defesa, art.° 32° n.° 1 e 5 da CRP, o que também não foi feito, pois, como resulta das actas da audiência de julgamento, a única alteração comunicada ocorreu na audiência de 15.9.2015, e teve a ver com a alteração de factos: factos que teriam ocorrido não em 2.8.2014, mas 2.9.2014.
No caso, no que respeita à pena acessória, não ocorrendo qualquer alteração factual, estamos em situação idêntica à que versou o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 7/2008, que vamos seguir. A omissão de qualquer referência na acusação à possibilidade de aplicação de pena acessória, deve ser considerada como alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, a implicar o cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 358°, quando o juiz entende aplicar a pena acessória, pois a ausência de indicação da disposição legal que a prevê, deve se considerar como integrante de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação.
Apesar de o n.° 3 do artigo 358° aludir apenas a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, essa qualificação jurídica dos factos em sede de acusação não se circunscreve à indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes que aqueles preenchem. Com efeito, a lei - alínea )9 do n.° 3 do artigo 283° Código de Processo Penal - impõe a indicação das disposições legais aplicáveis, ou seja, de todas as disposições legais aplicáveis. Deste modo, para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes, terão de ser indicadas as normas que estabelecem a respectiva punição, ou seja, a espécie e a medida das sanções aplicáveis. Pretende a lei que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico-criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das consequentes respostas punitivas, dando-se assim expressão aos princípios da comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos defesa, este último acolhido no n.° 1 do artigo 32° da CRP. Só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma adequada. É que o arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, que lhe seja dado conhecimento preciso de todas disposições legais que irão ser aplicadas. Por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação, principalmente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o ideário do processo justo e equitativo, de que fala o art.° 6° da CEDH e densificado no art.° 32° da nossa Constituição. A aplicação surpresa da pena acessória na sentença não é compatível com o processo justo e equitativo desenhado na CRP e no Código de Processo Penal.
Estaremos assim perante uma alteração da qualificação jurídica, pelo que deverá o Tribunal a quo admitir a requerida alteração da qualificação jurídica dando-se cumprimento ao estipulado no art° 358° n° 1 do CPP, seguindo-se os demais termos processuais.
Ao não admitir a alteração da qualificação jurídica e ao não pronunciar-se sobre a mesma incorreu o Tribunal a quo numa omissão de pronuncia nos termos do art° 379° n° 1 al. c) do CPP, relativamente e apenas à eventual aplicação_ da pena acessória
Assim sendo é anular a sentença, para que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n°s 1 e 3 do artigo 358.° do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos, de modo a que se possa ponderar de novo, com respeito pelo contraditório e garantias de defesa, a aplicação da pena acessória, o que poderá implicar a necessidade de reabrir a audiência, apenas e só para a decisão desta questão.



III- DECISÃO
Em face do exposto, decidem os Juízes desta Relação na procedência do recurso interlocutório e parcial procedência do recurso da decisão final, e anulando-se a sentença, que padece da nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 379.° do Código de Processo Penal, para que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n°s 1 e 3 do artigo 358.° do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos, com eventual de reabertura da audiência, apenas e só para a decisão desta questão.


Sem custas por o recorrente delas estar isento.
Processado em computador e revisto pela 1° signatário - art. 94 n° 2 do CPP)
Lisboa, 14 de Setembro de 2016