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ACRL de 21-09-2016
Crime de abuso de poder. Elementos objectivos do tipo.
I- A violação dos deveres funcionais é a acção ou omissão do funcionário que fere os deveres a que está adstrito pelo exercício da sua função. A violação dos deveres funcionais é já tutelada por outros crimes. O dever de sigilo é tutelado pelo tipo do artigo 383°, o dever de isenção pelo tipo do crime do artigo 368°, o dever de obediência pelo tipo do artigo 381 ° e o dever de zelo pelo tipo do artigo 385°.
II- Para o artigo 382° sobram as violações de outros deveres funcionais, desde que tenham directa relação com o bem jurídico protegido pelo tipo.
Proc. 5524/09.1 TDLSB-L 1 3ª Secção
Desembargadores: Vasco Rui Freitas - Rui Gonçalves - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
_______ Acordam, em conferência, na 3a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Tribunal de Instancia Local Criminal de Lisboa, Juiz 6, foram submetidos a julgamento os arguidos … e …, devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença que, os absolveu da prática de um crime de abuso de poderes, previsto e punido pelo art. 70° e 74° do DL n° 448/79, de 13 de Novembro, alterado pela Lei n° 19/80, de 16 de Julho pelo DL n° 145/87 e pelo DL n° 205/2009, de 31 de Agosto de que vinham acusados, bem como do pedido de indemnização que contra os mesmo fora formulado pelo Instituo Superior Técnico (doravante IST)
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso M°P° pedindo a sua condenação para o que apresentou as seguintes conclusões:
1. A motivação de direito da sentença recorrida, para acém de indicações gerais de natureza legal e doutrinária, circunscreve-se a duas frases: «Nada foi provado nesse sentido. Aliás, não é indicado qualquer facto de onde se possa retirar que os arguidos com o seu comportamento violaram a autoridade e crediôil Jade do Estado, isto é, do Instituto Superior 2. Tal expressão é simplesmente uma conclusão, pelo que impunha uma explicação que permitisse a sua compreensão. Sem tal explicação não é possível compreender a motivação de direito, o leitor interessado fica com dúvidas insanáveis, o que terá de equivaler a ausência de fundamentação.
3. O Tri6unal a quo violou o dever de fundamentação (art.° 379.° n.° 1, al a), do O'PP, com referência
ao art.° 374.° n.° 2, do C.C.P., pelo que deverá a sentença ser declarada nula e substituída por outra que corrija o vício apontado.
4. Da simples leitura dos factos dados como provados, impunha-se a prova da imputação subjectiva e, consequentemente, a condenação dos arguidos.
5. Da leitura dos factos provados, é claro que os arguidos, sumariamente, sabiam que estavam em regime de dedicação exclusiva e que por tal facto obtinham remuneração superior àquela a que tinham direito
e ainda assim efectuaram trabalho remunerado para entidades privadas durante dez anos, encobriram os rendimentos obtidos através de familiares e de empresa intermediária, quiseram violar o dever de exclusividade e obter beneficio que sabiam ilegítimo.
6. Perante tais factos integradores do elemento objectivo e da quase totalidade do elemento subjectivo impunha-se a prova da imputação subjectiva e a consequente condenação dos arguidos.
7. Da leitura dos factos provados as regras da experiência, a lógica e a razoabilidade dos comportamentos humanos impunham a prova de mais factos, no caso integradores da imputação subjectiva.
8. Verifica-se assim que estamos perante erro notório na apreciação da prova (art.° 410.° n.° 2, al c), do Com) que se impõe corrigir, considerando provados os factos com os n. °s 4 e 5 elencados na sentença como factos não provados e, em consequência, deverão os arguidos ser condenados nos termos constantes do despacho de pronúncia.
9. O bem jurídico protegido com a incriminação do abuso de poder é integridade do exercício de funções públicas pelo funcionário.
10. O Tribunal a quo violou o disposto no art.° 382.° do Código Penai, ao interpretar, por um lado que o bem jurídico protegido é a credibilidade e autoridade do Estado e, por outro lado, que a conduta dos arguidos, ao violarem os deveres de exclusividade para obter remuneração a que não tinham direito, não tesa
o bem jurídico (a conduta dos arguidos viola qualquer que seja o bem jurídico, quer se entenda que é a integridade de funções, quer se entenda que é a credibilidade e autoridade).
11. Ora, atentos os factos provados, os arguidos encobriram rendimentos recebidos de entidade privada, que sabiam não poder receber, esconderam tais rendimentos e trabalho da entidade pagadora, assim obtendo remuneração a que não tinham direito.
12. Tais condutas são susceptíveis de colocar em causa a integridade do exercício de funções públicas.
13. Ainda que se entenda que o bem jurídico protegido é a credibilidade e autoridade do Estado, tais condutas dos arguidos lesaram igualmente o bem jurídico protegido.
14. A credibilulade e autoridade do Estado não se coadunam com o pagamento incorrecto, durante 10 anos, de remunerações a que os arguidos não tinham direito, por factos por estes criados.
15. Um Estado que paga incorrectamente remunerações, que age em erro não é credível e vê a sua autoridade enfraquecida perante a comunidade e perante os seus próprios funcionários.
16. Provaram-se assim factos susceptíveis de configurar a violação do bem jurídico tutelado pela norma, contrariamente ao sustentado pela decisão recorrida, pelo que se impõe a substituição da sentença por outra que condene os arguidos nos termos constantes da pronúncia.
V. Exas, porém, e como sempre, farão justiça!
O recurso foi admitido
Na sua resposta os arguidos defenderam a decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
I. A decisão subjudice - que é muito louvável - , não pode merecer, contudo, a total concordância dos Incorridos e com a mesma não se podem conformar no que se refere aos factos considerados provados, onde, muitos deles o foram, sem prova documental /prct.u testemunhal que os suportasse ou permitisse. Face ao regime legal vigente e perante a justíssima absolvição, fica, nos autos, este registo de magoada discordãncia dos ncorridos.
II. A Acusação deduzida nos presentes autos espelha a violação do princípio da intervenção mínima do direito penar a qual deveria, desde o início, ter cedido perante o procedimento mais adequado que seria o procedimento disciplinar, como a finai; foi reconhecido e justamente decidido.
III. Como ensina o Senhor Professor Taipa de Carvalho ...em teoria, não há imposições constitucionais de criminal.zação : é que, por muito valioso que seja o valor ou 6em jurídico, se houver outros meios, outras sanções (p. ex contra-ordenacionais) que, apesar de menos graves que as sanções criminais (as penas e as medulas de segurança), sejam, segundo o critério do legislador ordinário, adequadas à protecção de tais valores ou bens jurídicos, é a estas que o legislador deve recorrer, nestas hipóteses, não devem, portanto, as condutas, que lesam tais 6ens, ser criminalizadas.
IV. Aliás, esta é a posição expressa do Tribunal Constitucional o qual em acórdão de 1995 (n° 211/95), relatado pela Senhora Professora Maria Fernanda Palma, decidiu que Também o recurso a penas criminais para sancionar infracções puramente disciplinares será ilegítimo, na medida em que não é função do direito penal tutelar 6ens jurídicos funcionais ou elementos de uma ordem jurídica puramente interna. Só bens jurídicos de uma ordem jurídica externa, que exprimem os fins essenciais da sociedade polticamente organizada, podem ser objecto do direito penal.
V. Nos presentes autos, desde a acusação, durante a instrução, mais tarde no julgamento, o Ministério Público quis ignorar a evidência: os factos enunciados na acusação relevariam, inquestionavelmente, do foro disciplinar e nunca penai; conforme melhor leitura do art° 70 do DL 448/79, de 24 de Março, Estatuto da Carreira Docente 'Universitária.
VI. Já era tempo de dizer a César o que é de César, como afinal a sentença recorrida o fez: assim sendo, e sem prejuízo da responsabilidade que aos arguidos caiba noutras sedes, nos presentes autos decide-se a6solveram6os da prática do crime que lhes foi imputado.
VII. Uma sentença estará fundamentada sempre que perante a sua motivação se consiga conhecer as razões do julgador, o que, in casu, à luz do disposto no art°. 374° do C.P.P. se consegue muito bem, sendo por isso, irrepreensível
VIII. Contudo, o Recorrente defende que a douta sentença é nula porque o seu conteúdo é ambíguo e reporta-se apenas à conclusão das premissas. E afirma ainda que O problema é que faltam as premissas e da feitura da sentença impõe-se uma pergunta que tem de ser respondida: como é que se chegou à conclusão acima referida? Por que motivo se concluiu que dos factos provados o bem jurídico não foi violado?
IX As respostas às suas questões são trazidos no texto da sentença cicia nulidade argui: ...pode afirmar-se que o comportamento dos arguidos consubstancia uma violação da autoridade e credibilidade do Estado, tendo sido afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços pela conduta daqueles? Nada foi provado nesse sentido. Aluís, não é indicado qualquer facto de onde se possa retirar que os arguidos com o seu comportamento violaram a autoridade ou credibilidade do Estado, isto é, do Instituto Superior Técnico.
X. douta sentença concluiu um sério e louvável trabalho de indagação que se iniciou na
primeira das sete sessões de julgamento onde teve lugar a produção de prova.
XI. Pronunciou-se sobre todos os factos que foram adegados na acusação, na contestação e ainda sobre aqueles que resultaram da discussão da causa e foram relevantes para a decisão, tendo concluído que não havia sustentação fátua para o preenchimento do tipo penal
XII. Decisão sub judce não padece de erro notório na apreciação da prova, porque não é nem é ilógica, nem irrazoável nem violadora das regras da experiência.
XIII. Vista na sua globalidade - factos provados e não provados, bem como a fundamentação da decisão -, e não apenas nos factos considerados provados como alegado pelo Recorrente percebe-se, claramente, que nenhuma incongruência existe e nenhuma outra conclusão poderia ter sido extraída senão aquela que está expressa na sentença, sendo que esta é muito completa, aluís, quanto à inexistente possibilidade de imputação subjectiva do tipo penal
XIV. Os ora Rçcorridos foram acusados da prática de crime de abuso de poder e desse mesmo crime absolvidos por ter entendido o Tribunala quo que o comportamento dos escorridos não consubstanciou uma violação da autoridade e credibilidade da administração do Estado, não tendo sido afectada a imparcialidade e a eficácia dos seus serviços pela conduta daqueles.
XV. Considerou a sentença que o bem jurídico tutelado pela norma - art°. 382° do CP.- era a
autoridade e credibilidade administração do Estado, entendimento que é secundado por todas a jurisprudência e doutrina dominantes.
XVI. No Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 22.10.2008 é sumariado que São elementos típicos do crime de abuso de poder p.e p. pelo art° 382° do C.P.: o abuso de poderes ou a violação de deveres inerentes ao cargo e a intenção, por parte do agente, de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, ou de causar um prejuízo a outra pessoa.
XVII. São dois os requisitos cumulativos do tipo penal objectivo: o agente do crime ter a qualidade de funcionário e estar dotado de deveres inerentes ou poderes inerentes e próprios da função em causa, como até pelo próprio Dr. Paulo Pinto Albuquerque é entendido: O tipo objectivo consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário.
XVIII. Inerente, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa, é o adjectivo masculino que está por natureza unido, ligado a alguém ou alguma coisa, que tem inerência. Ou seja, significa 'que não se pode separar 'que e,rlste permanentemente e inseparavelmente; 'que pertence intrinsecamente',' que é parte natural -e não pode ser separado de
XIX. Os deveres inerentes às funções dos Recorridos são aqueles que estão consignados no art°. 63° do Estatuto da Carreira Docente 'Universitária e nenhum deles é o de lealdade ou de exclusividade.
XX. O alegado dever de exclusividade é denominado na lei por compromisso de dedicação exclusiva e isso faz toda a diferença porque o compromisso de dedicação exclusiva a que a acusação e a sentença aludem por referência ao artigo 70° do ECDU não é um dever funcional
XXI. Xão existe nenhum dever de autoridade ou credibilidade do Estado que tenha de ser protegido no exercício de funções de docência sob o compromisso de dedicação exclusiva, o qual repete-se não é um dever funcional
XXII. O artigo 382° do C.P. não vive só por si, nem das construções justicialastas que em torno dele se possam conceber.
XXIII. O artigo 382° do C.P. vive de uma identificação remissiva e concretizadora de deveres ou poderes funcionais, inerentes à função desempenhada que possam ter sido violados ou mal usados. Vive do
princípio da reserva de lei que impede normas penais em 6ranco com as inerentes consequências da proibição de analogia incriminadora e da definição de ilícito criminal por simples regulamento , perspectiva pessoaC moral ou ética. Vive, como todo o tipo penai da gravidade objectiva do i(cito (lesão de 6ens jurídicos essências) e do seu relevo ético (prévio)
XXIV. O Tribunal a quo não violou o disposto pelo art°. 382° do C.P. Fez a interpretação correcta da norma desaplicando-a perante os factos por si considerados provados.
XXV. Se o Tribunal da Relação de Lisboa aceitasse a tese do Recorrente, o que se admite por estrito dever de patrocínio e sem conceder, revogando a decisão recorrida por considerar que esta fez errada interpretação do disposto no artigo 382° do Código (Pena( em articulação com o art°. 70° do ECIYL, su6stituindo-a por outra que condenasse os 14corridos, tal sign ficaria, que estaria este Tri6una(a incorrer numa interpretação inconstitucional-da referida norma, o que expressamente e desde já se argui, por violação dos princípios constitucionais da su6sidiariedade do direito penal e da necessidade das penas expressos nos artigos 2 ° e 18°/2 da C« na parte em que dela resultasse uma punição para os Wçcorridos, docentes, que, no exercício destas suas funções, optaram por as desempenhar com um compromisso de dedicação exclusiva, tendo, em simultâneo, auferido outras remunerações a que não tinham direito
XXVI. A sentença recorrida é irrepreensível quanto à sua fundamentação, construção e decisão pelo que deve ser mantida, por ser de elementar
justiça !
O recurso foi admitido
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu parecer subscrevendo a resposta do M°P° junto da 1a instância no sentido da procedência do recurso
Foi cumprido o art. 417° n° 2 do C.P.P., tendo os arguidos apresentado resposta, na qual sustentam os fundamentos apresentados na sua resposta ao recurso
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre apreciar
II FUNDAMENTAÇÃO
Foram os seguintes os factos que na sentença recorrida foram dados como provados:
1. Os arguidos … foram, pelo menos, desde o mês de novem6ro de 2000 até novem6ro de 2010, professores no Instituto Superior Técnico (In), com regime de dedicação exclusiva.
2. O regime de deificação exclusiva impedia os arguidos de desempenhar outro traóallio remunerado, sem comunicação e autorização do IST
3. Enquanto professores em dedicação exclusiva, os arguidos tinham direito a auferir o montante total-do valor fixado para a respectiva categoria.
4. Sem o regime de exclusividade os arguidos teriam direito a auferir vencimento do pessoal docente em regime de tempo integral que corresponderia a dois terços dos valores fixados para as categorias quando em regime de exclusividade.
5. Entre os anos de 1996 e 2000, os arguidos …, no ãm6ito das suas funções no Instituto Superior Técnico e em cola6oração com a EÇDP, desenvolveram e criaram uma aplicação denominada ~In, que se destinava a optimizar o processo de planeamento de redes de distri6uição eléctrica.
6. No dia 24 de Outubro de 2000, os arguidos outorgaram escritura de constituição de associação
denominada Instituto de Optimização Aplicada - IOA (adiante designado IOA), com o estatuto de associação sem fins lucrativos, tendo por objeto social promover a aplicação de programas de otimização a sistemas de engenharia, em especia(a sistemas de energia elétrica, com sede na residência do arguido Luís (Ferreira, na Ima Maria Lalande, n ° 15, 8.° Esq., Lisboa.
7. Entre Outubro de 2000 e Novembro de 2010, … e … auferiram rendimentos provenientes do IOA que foram, num primeiro momento, encobertos através da emissão por Samuel Grave, antigo aluno dos arguidos, de facturas e recibos e, mais tarde, a partir de 2002, através da sociedade C3D - Computer Code CommerceDevelopment - Comércio e Desenvolvimento de Código para Computador, Lda. (adiante C3D) e a partir de 2005, o arguido … acordou com o filho … e o arguido … acordou com o irmão … que estes emitiriam faturas à C3D ou IOA, sendo, no entanto, tais valores recebidos pelos arguidos.
10. Ao não declararem ao IST, como lhes competia, os rendimentos auferido entre 2000 e 2010 e o trabalho desenvolvido os arguidos quiseram e conseguiram ocultar do IST rendimentos que não poderiam obter e assim mantiveram remuneração a que não tinham direito.
11. A gestão quer do IOA quer da C3D foi sendo assegurada pelos dois arguidos desde a criação até pelo menos novembro de 2010.
12. Desta forma, desde Novembro de 2000 até Novembro de 2010, quando cessaram o regime de exclusividade, os arguidos auferiram todos os meses o valor correspondente a um terço do seu ordenado, a que não tinham direito.
13. Os arguidos quiserem infringir o dever de exclusividade a que estavam sujeitos, visando, com isso, obter benefícios patrimoniais que sabiam ser ilegítimos, à custa do erário público, propósito que concretizaram.
14. … entre Novembro de 2000 até Novembro de 2010 auferiu o montante global indevido de €210.101,19, assim discriminado:
Meses 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Jan. 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
Fev. 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 ~7 L45_821 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
4 1. 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70
A1sli 1.~ t. ,74 1 d11~7+i 1AQS,74 L436,G7 1458.,21 1.4.801.590,70
l.wf 40 14J1Z1
Maio M- 1.368,20 14 1.405,74 1.405,74 -26,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
Junho Q68.20 1.405.74 1,405,74 1,405,74 1.436,67 1.45 8,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
1.368,2 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
Acanto 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636, 83
tSet. 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
Out. 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
19,32 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.557,98 1.590,70 1.636,83 1.636,83
Dez. 1.319,32 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.557,98 1.590,70 1.636,83 O
S. férias 0 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.480,08 1.590,70 1.636,83 1.636,83
S. natal 1.319,32 1.368,20 1.405,74 1.405,74 1.405,74 1.436,67 1.458,21 1.557,98 1.590,70 1.636, 83 1.636,83
Total 3.957,#96 19.154,80 19.680,36 19.680,36 19.6 0 36 2 .11 20.414,94 20.954,82 22.269,8022.915,62 21.278,19
15. … entre .Novembro de 2000 até Novembro de 2010 auferiu o montante global-indevido de €159. 724,62, assim discriminado:
Meses 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
IF-936,2961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Fev. 936,24 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Março 6,24 J 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Abril .36,24 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Maio 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Junho 936,24 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Julho 936,24 961,82 1.035,81 1.035,81 1.0 58,60 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Agosto 936,24 1.035,81 1.035,81 1.035,81 1.159,41 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
936,24 1.035,81 1.035,81 1.035,81 1.159,41 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
Out. 936,24 1.035,81 1.035,81 1.035,81 1.159,41 1.176,80 1.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
936,24 1.035,81 1.035,81 1.035,81 459,41 1.171.194,45 1.219,54 1.254,90 1.364,02
9aa. 9x2,66 41162+4 1...035t31 1.D'35,81 1al355$I 1.139,41 1.176,60 L.114,4ü 1.219,54 1.254,90 0
S. fé 1.035,81 1.035,81 1.058,60 1.176,80 9,54 1.254,90 1.364,02
3.saRSl /prct.2.,66 936,24 1nQ11$1 141 $1 1.114.S,R1 L159,41 1.1?6,140 1194,45 1219,54 1.22543 1.564,02
otal 2.707,98 13.107,36 13.909,42 14.501,34 14.50 25,26 75,20 16.722,30 17.073,56 17.568,60 17.732,26
Mais se provou que:
16. O arguido … não tem antecedentes criminais no seu CRC.
17. É casado, vivendo com a esposa, o filho e um enteado.
18. Faz parte do quadro de professores do IST sendo um profissional reputado entre os seus colegas.
19. O arguido … não tem antecedentes criminais no seu CRC.
20. É casado, vivendo com a esposa e tem três filhos.
21. É um profissional reputado, sendo professor do IS7 depois de feito parte da sua carreira no estrangeiro.
22.0 IST recebeu do IOA até 16 de Setembro de 2014 a quantia de €416132, 60, tendo o último pagamento sido realizado emAbrilde 2010.
Consignaram-se como factos não provados
1. Os arguidos quiserem infringir o seu dever de lealdade.
2. Quando o projecto DPlan se encontrava em fase de conclusão, os arguidos Luís Ferreira e Pedro Carvalho, apercebendo-se do potencial económico da aplicação, elaboraram um plano para contornar regras impostas pelo seu regime de exclusividade que impedia a obtenção de outra remuneração, através da dissimulação dos rendimentos e venda do DPlan por terceira entidade.
3.0 objectivo da criação do IOA era permitir que o valor da facturação resultante da venda do projecto DPLan fosse contabilizado no IOA, evitando a perda do regime de exclusividade e consequente perda da remuneração respectiva.
4. Beneficio que sabiam decorrer directa e necessariamente do exercício das funções públicas de docência universitária por si exercidas e da convicção, por tal facto tacitamente gerada no IST, de que os arguidos se encontravam efectivamente em dedicação exclusiva.
5. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
6. O DPlan foi vendido a uma terceira entidade.
7. Desde o ano 2000, o IOA celebrou contratos pelos quais cedeu o licenciamento e prestou serviços de manutenção relativos ao Alan, recebendo como contrapartida pagamentos, o que ocorreu, designadamente com a EDINFO DP, Electricidade dosAçores, S.A., EEM - Empresa de Electricidade da Madeira, Bandeirante (Brasil, Bels Zao (Rússia), cuja faturação emitida pelo IOA perfez até 2010 um montante global superior a €3.194.114,17 (IVA incluído).
A motivação foi explicada desta forma:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência, analisada à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, nos termos do art. 127° do Cr-PP (Foram ouvidas as testemunhas ….
Numa apreciação geral cumpre salientar terem as testemunhas deposto de forma isenta e objectiva, distinguindo com precisão os factos de que tinham conhecimento directo daqueles em que ta(não suceda.
A única excepção foi o depoimento de …, antigo aluno do IST e colaborador do IOA. Esta testemunha foi o autor da denúncia que está subjacente aos presentes autos. Das suas palavras resultou que assumiu ta(posição para se vingar dos arguidos, uma vez que entende que tinha direito a um valor monetário pela sua saída do IOA, montante que nunca lhe foi entregue. Por outro lado, também disse ao Tribunal que não tinha encetado diligências judiciais para obter os valores a que considera ter direito. Admitiu ainda que denunciou os arguidos não apenas junto de diversas instituições, mas também face aos seus vizinhos de rua, enviando e-maifs e cartas. Estas circunstâncias obrigam o Tribunal a encarar de forma cautelosa as declarações que o mesmo prestou. Tanto mais que o passar dos anos não mitigou os sentimentos da testemunha para com os arguidos. É certo que declarou nada ter contra eles quando perguntado aos costumes, mas no decurso do seu depoimento foi visível a animosidade que ainda hoje lhes vota. A testemunha apresentou-se ao Tribunal como uma peça vital do IOA e do desenvolvimento do CD Plan,
estando convicta de que os arguidos o exploraram nada lhe dando em troca. Todavia, a sua versão dos factos nessa matéria não se provou. E se é certo que parte das suas declarações é coincidente com a demais prova produzida, não pode deixar de notar-se que atribuiu a qualquer dos arguidos as piores intenções e falhas de carácter. Aliás, chegou mesmo a afirmar que não gostava de pessoas como o arguido ….
… explicou que em 1998 começou a fazer trabalho de final de curso com …. Fez um interface no final de 1998, falou-lhe de uma rotina de optimização em janeiro de 1999. De acordo com as suas declarações … achou o seu trabalho interessante e propôs-lhe trabalhar com uma bolsa do IST, o que veio a suceder. Importa referir que da análise objectiva deste facto logo se começa a concluir que a testemunha, ao contrário do que crê, não foi explorada, pois que dentro das possibilidades que tinha, … procurou assegurar-lhe uma fonte de subsistência. … afirmou que para tirar o DPlan do IST foi criado o IOA através de um contrato que o transfere para este último.
Confirmou que … e … nunca trabalharam para o IOA apenas sendo pessoas que recebiam o dinheiro e o entregavam aos arguidos, a fim de estes beneficiarem de regime fiscal mais favorável; uma vez que podiam fazer uso do regime de facturação simplificado. Aliás, a própria testemunha admitiu que chegou a emitir recibos em seu nome e entregar o dinheiro aos arguidos, o que mais tarde deixou de poder fazer. A testemunha insistiu que os arguidos tentaram disfarçar o DPlan até do ponto de vista informático. Quanto à sua própria situação confessou que até 2004 sentiu-se condicionado por ser aluno de … pelo que aceitava passar as facturas. Este facto não mereceu credibilidade ao Tribunal. A testemunha apresentou-se ao Tribunal como uma pessoa desenvencilhada e, refira-se, sem qualquer resquício de reconhecimento dos seus próprios actos ilícito, máxime junto da administração tributária. Não surge como uma pessoa condicionada ou condicionável
Foi ouvido …, reitor da Universidade de Lisboa, sendo também colega dos arguidos no departamento de engenharia electrotécnica. O mesmo confirmou que os arguidos até à presente data não repuseram os valores recebidos do IST devido ao regime de exclusividade. já ... disse ao Tribunal não ter conhecimento concreto do que seja o IOA. Quanto ao Alan esclareceu que ouviu falar do mesmo e que sabe que se trata de um programa de computador. … trabalhou no IOA de 2007 a 2014. Explicou que a gestão era feita por …, não sendo os arguidos presença regular no IOA. Reconheceu que tirava dúvidas de natureza científica com os arguidos. … trabalhou no IOA de 2001 a 2015. Fez um depoimento que se reputa credível ainda que marcado pela solidariedade para com os dois arguidos. Admitiu que nunca viu (…) a trabalhar no IOA. Explicou que os projectos no referido instituto eram introduzidos por vezes pelos arguidos e outras vezes pelos colaboradores. No entanto, acabou por reconhecer que os primeiros tinham a última palavra. Foram ainda ouvidos …, casados entre si e responsáveis pela contabilidade do IOA. Das suas declarações resultou que eram estranhos ao IOA, apenas aí se deslocando para ir buscar os papéis necessários ao desenvolvimento da sua actividade. Depuseram de forma vaga, apenas reconhecendo que por vezes aquela documentação era entregue por ….
… é professor do IST e desde 2012 seu presidente, tendo ocupado antes disso o lugar de vice-presidente (desde 2009). Depôs de modo circunstanciado e claro, explicando que existem diversos institutos no Técnico que fazem trabalho de investigação e empresarial análogo ao levado a cabo pelo IOA. A informação que prestou em audiência foi completada pela informação que fez chegar aos autos e que se encontra a fls. 1319. Aí se referem como associações privadas sem fins lucrativos com participação do Técnico o Instituto de Engenharia Mecânica (criado em 1992), o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (criado em 1980), o Instituto de Telecomunicações (criado em 1992), entre outros. A testemunha referiu que o IOA segue filosofia análoga não tendo, porém, participação do IST.fâra-se que esta afirmação (a de que o IOS segue filosofia análoga) não foi confirmada por mais nenhum elemento de prova. Foi até contrariada por … que disse ao Tribunal que o tipo de apoio que o IOA dava aos clientes não tinha comparação com o dos indicados institutos, pois lufava até com questão muito mais rotineiras e simples da área da informática.
… admitiu que inicialmente não reconheceu o potencial do DPlan. Disse que viu duas vezes … em reuniões em que os arguidos faziam demonstrações do DPlan, não lhe dando especial importância. Refira-se que … já havia dito ao Tribunal que … não simpatizava com ele, o que também foi evidente no depoimento prestado. O próprio arguido … confirmou isso mesmo ao Tribunal todavia, não se vê que essa antipatia de … crie dúvidas quanto à objectividade do depoimento prestado, até pelo seu carácter circunscrito.
… explicou ao Tribunal-que teve conhecimento do projecto DPlan em concreto no âmbito deste processo. Confrontado com o contrato de fls. 6 e seguintes admitiu que o mesmo tem um objecto um pouco vago do ponto de vista da engenharia. Quando se lê o que são rotinas de computação, explicou, isso nada diz. Do mesmo modo, a cláusula das obrigações do IST também não esclarecem nada. Todavia, a testemunha deixou claro que o contrato em apreço não é excepcional sendo consentâneo com a prática do tempo em que foi feito, numa época em que o IST não tinha o quadro e técnicos, designadamente juristas, de que entretanto se dotou. Esta testemunha foi ainda perguntada quanto ao carácter e carreira dos arguidos. Disse conhecê-los há cerca de 20 anos, sendo que o arguido … conhece há mais tempo. Afirmou que os dois arguidos são professores competentes e dedicados à docência, quer na vertente do ensino, que na da investigação. … é também professor do IST, conhecendo … há cerca de 30 anos e … há 15 anos. Recordou ao Tribunal que os mesmos tinham sido objecto de uma denúncia há vários anos atrás, não se recordando, contudo, do nome do denunciante. Na sua perspectiva a denúncia não alterou o modo como os arguidos são vistos na comunidade cientifica.
Os arguidos prestaram também declarações no final da produção de prova. … teve um depoimento longo e emocionado, recordando os motivos que o Cevaram a criar o …. Explicou que viveu durante vários anos nos Estados tinidos da América, na zona de S. Francisco, tendo aí assistido à interligação possíve(entre a indústria e a universidade na criação de projectos. Foi esse o modelo inspirador do IDA. O arguido … esclareceu que o IST não prestava o tipo de traóaihos que o IOA fazia, nem poderia fazê-lo, considerando que se trata de uma escola. Aluís, como acima se escreveu isso também foi enfatizado por …, salientando que o IOA prestava um acompanhamento quase dúírio aos clientes, mesmo em questões menores de informática. Aluís, essa incapacidade do IST providenciar por tais serviços foi confirmada pelo actual reitor daquela instituição. De acordo com o arguido … tendo o arguido … feito o mestrado num tema interessante, o D PLan surgiu como o suporte prático dessa vertente cientifica. Admitiu ter procurado que a EM tivesse interesse no projecto, mas tal-não sucedeu de forma efectiva. Na altura, recordou, o Prof … disse-lhe que o melhor seria fazer uma empresa. Todavia, e conforme o arguido recordou com emoção espontânea ao Tribunal estava fortemente influenciado pela experiência norte-americana em … e queria fazer algo com utilidade social -e não a pensar no lucro. Importa sublinhar que ao conferir credibilidade a este desiderato o Tribuna! não se baseia apenas nas declarações do arguido, mas também no próprio modo como o mesmo perspectivou a divisão de rendimentos entre ele, o arguido … e os demais colaboradores. A propósito de … disse ao Tribunal que o escolheu por ele (.) não entrar no figurino ( ..). Reconheceu que tiveram uma empatia quase imediata o que o levou a tentar ajudar …, que podia não ser um excelente aluno, mas era alguém vivo e inteligente. Disse ainda que o mesmo tinha grande talento como programador. Explicou-lhe que iam constituir uma associação e que não era ele (arguido) quem ia mandar, mas que no projecto em questão iam ganhar o mesmo. Sobre as declarações de … o arguido considerou que boa parte delas eram fantasias e mentiras. Desde logo explicou que aquele nunca conseguiu perceber que não era sócio mas sim um associado, uma vez que o IOA não é uma empresa. O …-não percebe isso e acho que o arguido é o chefe e que ele - …- tinha 30/prct.. A testemunha, segundo o arguido, criou a fantasia de que era uma mais-valia extraordinária ao projecto. Confundiu o sucesso do projecto com a sua intervenção. No que diz respeito à evolução da testemunha … o arguido explicou ainda que aquele apenas terminou o curso por insistência sua. Como acima se disse o arguido admitiu mesmo que … tinha má vontade para com …. Quanto a este disse também que se foi verificando um afastamento gradual acentuado a partir de 2000 quando … veio trabalhar para o IOA. Chegaram a uma situação em que o … não ia trabalhar e quando estava fisicamente no IOA não estava a desenvolver as suas tarefas. Isso Cevou a que o próprio arguido … lhe sugerisse um afastamento por cerca de seis meses, o que não sucedeu. Em vez disso, … saiu do IOA e encetou a denúncia dos arguidos quando se apercebeu de que os mesmos não lhe iam entregar o dinheiro a que se julga com direito. Este arguido mostrou-se magoado com a postura de … em quem foi evidente para o Tribunal que se reviu. Aliás, o arguido disse ao Tribunal que mesmo depois de o ouvir a depôr em audiência não podia evitar continuar a gostar dele. Pedro Carvalho revelou-se mais contido e circunspecto nas suas declarações. Confirmou o que foi relatado por …, tendo ainda salientado o modo como o este processo o tem afectado, sentindo-se humilhado pela posição processual-que tem e reflexos da actuação de … incluindo estar agora a ser julgado no âmbito destes autos.
A prova das condições pessoais dos arguidos assentou nas suas declarações, as quais são credíveis, pelo modo como detalhado e espontâneo como forma prestadas. A ausência de antecedentes criminais assentou no CRC dos arguidos atempadamente junto aos autos.
Para além da prova testemunhal-e das declarações do arguido o Tribunal ponderou ainda a prova documental junta aos autos, examinada criticamente e objecto de contraditório. Desde logo no que tange ao facto dos arguidos terem beneficiado do estatuto de exclusividade na carreira docente, sendo remunerados de harmonia com essa situação.
Também se provou que os dois arguidos criaram o IOA. O que não se demonstrou é que essa criação tenha sido feita com o objectivo indicado pelo Ministério Público (O objectivo da criação do IOA era permitir que o valor da facturação resultante da venda do projecto DPLan fosse contabilizado no IOA, evitando a perda do regime de exclusividade e consequente perda da remuneração respectiva). Desde logo porque o D Plan não se vende, pela sua natureza. Por outro lado, porque a formulação genérica adoptada nas cláusulas é idêntica à de outros contratos da época, como foi salientado por …, actual reitor da universidade de Lisboa. Ou seja, não pode retirar-se da redacção do contrato (sendo certo que nem se provou que foram os arguidos que o redigiram) aquela intenção de defraudar o Técnico, indicada no despacho de acusação. Por outro lado, importa recordar que o IOA celebrou contratos com o IST tendo-lhe entregue €416 132, 60 (fls. 726). Mas da celebração de tais contratos também resulta um outro facto: a verificação de que os arguidos não se esconderam atrás do IOA pois que assinaram os contratos com o IST em sua representação. Importa reforçar que sendo certo que os arguidos continuaram a receber os valores de exclusividade não pode concluir-se que o objectivo da criação do IOA tenha sido esse, como consta da acusação/pronúncia. Nenhuma prova foi feita de que os arguidos tinham essa intenção. Sendo certo que de facto nunca puseram fim ao regime de exclusividade de que beneficiavam. Revelou ainda a prova documental de fls. 170 a 77, 335 a 339, 728 e seguintes (contrato administrativo de provimento entre o IST e …, com dedicação exclusiva) e fls. 737 e seguintes (documentação de contratação de …). Consta dos autos múltipla documentação que constitui os anexos. Tais documentos em nada relevaram nesta fase, sendo certo que são documentos de natureza particular e relatórios da AT Os primeiros, pela sua natureza careceriam de ser contextualizados por outros tipo de prova, por exemplo, testemunhal que não surgiu. Os segundos estão relacionados com as vicissitudes destes autos e são melhor esclarecidos pela leitura do despacho de arquivamento que precede o Cóelo acusatório confirmado em instrução.
O Direito
Tendo sido documentada a prova produzida em audiência de julgamento, os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito ( art.° 428.° do C.P.P. ).
No entanto, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo
recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar', sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410° n° 2 do C.P.P.2.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
a) Vício de erro notório na apreciação da prova.
b) Vício de falta ou deficiente fundamentação.
c) Erro de direito
Cumpre apreciar:
a) I)o vício de erro notório na apreciação_ da prova
A invocação que o recorrente faz deste erro-vício e a que alude a al. c) do n° 2 do art. 410° do C.P.P. é perfeitamente despropositada e infundada.
A sindicância da matéria de facto pode obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão (desta, e não do julgamento) - de conhecimento oficioso -, que podem constituir fundamento do recurso mesmo nos casos em a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito como expressamente permitido no n° 2 do art. 410° do C.P.P.
Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito ( insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a
fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova ), terão de ser ostensivos e
passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida (sem recurso a
quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Centraremos a nossa atenção, em primeiro lugar, no erro notório na apreciação da prova, vício que foi invocado nas conclusões do recurso e que frequentemente (e o presente recurso não é excepção) é confundido com o erro de julgamento, e que também nada tem a ver com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência que o recorrente entenda serem as correctas .
Este vício verifica-se quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida .. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.
Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
A notoriedade do erro exigida pela lei traduz-se numa incongruência que há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)
Ora do texto da decisão recorrida não evidencia qualquer erro dessa natureza, e nem o recorrente concretiza em que passo da mesma ele pretensamente se verifica. Todos os factos provados e não provados se harmonizam, não se detecta qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum e não foi valorada qualquer prova proibida.
A julgadora explicitou com clareza quais os motivos que sustentaram a versão dos factos apurados, não se aferindo ter ocorrido qualquer valoração indevida, sendo que nada há a apontar como supra se referiu quanto aos reconhecimentos efectuados e modo como foram valorados.
Invoca o recorrente que perante a matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 4 , 7, 10, 11, e 13 14 de 15, não poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado os factos 4 e 5 da matéria de facto não provada, isto é os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que relativamente ao benefício auferido ..sabiam decorrer directa e necessariamente do exercício das funções públicas de docência universitária por si exercidas e da convicção, por tal facto tacitamente gerada no IST, de que os arguidos se encontravam efectivamente em dedicação exclusiva.
Ora da análise da decisão recorrida não se afere qualquer ilogismo no raciocínio efectuado pela julgadora, explicitando a mesma com clareza a analise efectuada:
Também se provou que os dois arguidos criaram o IOA. O que não se demonstrou é que essa criação tenha sido feita com o objectivo indicado pelo Ministério Público (O objectivo da criação do IOA era permitir que o valor da facturação resultante da venda do projecto DPlan fosse contabilizado no IOA, evitando a perda do regime de exclusividade e consequente perda de remuneração respectiva).
E no sentido de afastar a imputação subjectiva aos arguidos, e o seu fundamento refere o Tribunal a :
Desde logo porque o DPlan não se vende, pela sua natureza. Por outro lado, porque a formulação genérica adoptada nas cláusulas é idêntica à de outros contratos da época, como foi salientado por …, actual reitor da 'Universidade de Lisboa. Ou seja, não pode retirar-se da redacção do contrato (sendo certo que nem se provou que foram os arguidos que o redigiram) aquela intenção de defraudar o Técnico, indicada no despacho de acusação. Por outro lado, importa recordar que o IOA cele6rou contratos com o IST tendo-lhe entregue 416 132,00 ouros (fls 726). Mas da celebração de tais contratos tam6ém resulta um outro facto: a verificação de que os arguidos não se esconderam atrás do IOA pois que assinaram os contratos com o IST em sua representação. Importa reforçar que sendo certo que os arguidos continuaram a receber os valores de exclusividade não pode concluir-se que o objectivo da criação do IOA tenha sido esse, como consta da acusação/pronuncia.
Não se afere assim da sentença recorrida o vício invocado pelo que falece este argumento recursorio
b) Do vício de falta ou deficiente fundamentação.
Como é sabido, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, que devem obedecer aos requisitos enumerados no art. 374° do C.P.P.
Quanto à fundamentação, deve a mesma conter, sob pena de nulidade ( cfr. al. a) do n° 1 do art. 379° do C.P.P. ), a especificação dos factos provados e não provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, com realce para aqueles em que assentou a convicção do tribunal, sendo ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”.
Os motivos de facto que fundamentam a decisão, aludidos no n° 2 do preceito em referência, não são nem os factos provados ( thema decidendum ) nem os meios de prova (thema probandum ) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova. (...)
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz (...). E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.
Exige-se, pois, que o tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Isto não significa que o tribunal tenha de analisar minuciosa e exaustivamente todas as provas produzidas, nem que haja de as transcrever (porque para isso serve a documentação das declarações)9, bastando que exteriorize de forma clara e inequívoca o raciocínio que seguiu na formação da convicção, assim demonstrando que não procedeu a uma ponderação das provas arbitrária, ilógica, contraditória ou violadora das regras da experiência comumlo
Lendo a motivação da decisão recorrida, verificamos que o tribunal fundamentou suficientemente os alicerces em que fez assentar a sua convicção, de forma que se pode
considerar cumprido o desiderato legal.
Devendo a motivação espelhar com clareza são as razões pelas quais se reconheceu credibilidade a uma versão dos factos isso é perfeitamente perceptível através do raciocínio claramente explicitado naquela parte da decisão, no qual não vislumbramos qualquer incorrecção e que, ao invés, traduz uma análise lógica e coerente de todos os meios de prova produzidos e valorados.
O recorrente alega que da leitura da sentença, designadamente quanto aos motivos de direito, não é perceptível o motivo que conduziu à decisão proferida, tendo esta apenas formulado um juízo conclusivo, sem qualquer fundamentação prévia ou posterior que sustentasse tal conclusão.
Não tem razão o recorrente.
Com efeito na sentença, na decisão de direito, identifica o tipo de ilícito imputado aos arguidos, procede à análise do bem jurídico tutelado, do conceito de funcionário dada a natureza de crime específico próprio, e após fazer referencia aos deveres e normas violadas, explicita com clareza o motivo porque considera não verificado o ilícito em causa:
Aos arguidos é imputada a violação dos deveres de lealdade e de exclusividade. Quanto ao primeiro não é sequer indicada norma jurídica que tenha sido em concreto infringida. No que ao dever de exclusividade diz respeito é indicada a violação dos arts. 70° e 74°, ambos do DL n° DL n° 448/79, de 24 de Março, que disciplina o Estatuto da Carreira Docente. O art. 70° especifica o conceito de dedicação exclusiva. Aí se estatui no n°1 que se consideram em regime de dedicação exclusiva os docentes referidos no art.2° do mesmo diploma, os leitores, os docentes convidados e os professores visitantes em regime de tempo integral que declarem renunciar ao exercício de qualquer função ou actividade renumerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal O n°2 do indicado preceito estabelece as consequências da infracção ao indicado compromisso, as quais se consubstanciam na obrigação de reposição das importâncias efectivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação exclusiva, para além de eventual responsabililade disciplinar.
já o n°3 do indicado preceito esta6e(ece as situações em que o rece6imento de remunerações não consu6stancia violação. As quantias indicadas nos autos como tendo sido o6tidas pelos arguidos não se integram em qualquer das alíneas.
O art. 74° do indicado preceito legal diz respeitos aos vencimentos e remunerações.
Os arguidos estavam vinculados ao dever de exclusividade no exercício da sua função docente. Não podiam, assim, receber outras remunerações, com excepção das indicadas no n°3 do art. 70° indicado (Estatuto. Como resulta dos autos - desde logo das declarações de Samuel grave que confirmou que efectivamente declarou à Administração Tri6utária como suas quantias que entregou aos arguidos - tais quantias foram sendo rece6idas.
No entanto, poderá daí concluir-se terem praticado o crime de que vêem acusados e pronunciados? São os factos provados su6sumíveis ao art. 382° do Código Penal?
Desde já se antecipa que a resposta é negativa.
E mais à frente:
No caso dos autos podem existir indícios de ilícito disciplinar.
Mass pode afirmar-se que o comportamento dos arguidos consubstancia uma violação da autoridade e credibilidade da administração do Estado, tendo sido afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços pela conduta daqueles? Nada foi provado nesse sentido. Aliás, não é indicado qualquer facto de onde se possa retirar que os arguidos com o seu comportamento violaram a autoridade e credibilidade do Estado, isto é, do Instituto Superior Técnico.
Assim sendo, e sem prejuízo da responsabilidade que aos arguidos caiba noutras sede, nos presentes autos decide-se absolver ambos da prática do crime que lhes foi imputado.
Donde se conclui pela não verificação do vício apontado. c) Erro de direito
O recorrente alega em síntese que tendo em atenção os factos dados como provados, designadamente os factos 2, 3, 4, 7, 10, 13, não se alcança por que motivo se concluiu que o bem jurídico não foi violado, considerando que oTribunal a quo violou assim o disposto no art.° 382.°, do Código Penal, ao interpretar, por um lado que o bem jurídico protegido é a credibilidade e autoridade do Estado e, por outro lado, que a conduta dos arguidos ao violarem os deveres de exclusividade para obter remuneração a que não tinham direito não lesa o bem jurídico.
Sobre tal matéria refere-se na decisão recorrida:
“Aos arguidos foi imputada a prática do crime de abuso de poder, ilícito previsto e punido pelo art. 382° do Código (Penai com referência aos arts. 70° e 74°, ambos do DL n° 448/79, de 24 de Março. O Ministério Público pede ainda a condenação dos arguidos na pena acessória prevista no art. 67° do Código Penal bem como a perda de vantagens nos termos acima indicados.
Prescreve o art. 382° do Código Penal O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, beneficio ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber porforça de outra disposição legar
O bem jurídico protegido pela incriminação é a autoridade e credibilidade da administração do Estado ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços pela conduta dos seus funcionários. Estamos, assim, perante um crime específico próprio, porquanto a responsabilidade penal pressupõe a existência de uma especifica qualidade do agente. Tal qualidade é a de funcionário importante ter em atenção o conceito penalmente relevante que é o decorrente do art. 386° do Código Penal Aí se estatui:
1. Para efeito da lei penala expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma
actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
2. Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
“(…)
Aos arguidos é imputada a violação dos deveres de lealdade e de exclusividade. Quanto ao primeiro não é sequer indicada norma jurídica que tenha sido em concreto infringida. No que ao dever de exclusividade diz respeito é indicada a violação dos arts. 70° e 74° ambos do DL n° DL n° 448/79, de 24 de Março, que disciplina o Estatuto da Carreira Docente. O art. 70° especifica o conceito de dedicação exclusiva. Aí se estatui no n°1 que se consideram em regime de dedicação exclusiva os docentes referidos no art.2° do mesmo diploma, os leitores, os docentes convidados e os professores visitantes em regime de tempo integral que declarem renunciar ao exercício de qualquer função ou actividade renumerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal. O n°2 do indicado preceito estabelece as consequências da infracção ao indicado compromisso, as quais se consubstanciam na obrigação de reposição das importâncias efectivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação exclusiva, para além de eventual responsabilidade disciplinar.
Já o n°3 do indicado preceito estabelece as situações em que o recebimento de remunerações não consubstancia violação. As quantias indicadas nos autos como tendo sido obtidas pelos arguidos não se integram em qualquer das alíneas.
O art. 74° do indicado preceito legal diz respeito aos vencimentos e remunerações.
Os arguidos estavam vinculados ao dever de exclusividade no exercício da sua função docente. Não podiam, assim, receber outras remunerações, com excepção das indicadas no n°3 do art. 70° indicado Estatuto. Como resulta dos autos - desde logo das declarações de Samuel Grave que confirmou que efectivamente declarou à Administração Tributária como suas quantias que entregou aos arguidos - tais quantias foram sendo recebidas.
No entanto, poderá daí concluir-se terem praticado o crime de que vêem acusados e pronunciados? São os factos provados suósumíveis ao art. 382° do Código Penal.
Desde já se antecipa que a resposta é negativa.
Recordemos as coordenadas em que assenta a tarefa interpretativa.
Os traços característicos da chamada teoria clássica da interpretação jurufica, hoje com largo acolhimento, são conhecidos. Com fundas raízes históricas e com 6ase numa formulação largamente tributária do jurista alemão T. von Savigny aquela teoria parte da tetra da lei (elemento gramatical), ainda que nele não se esgote. Com efeito, são também reconhecidos como elementos a ter em conta na interpretação jurídica o elemento histórico (traduzido na necessidade de levar em conta a própria história do direito, as circunstâncias jundico-sociais conducentes ao aparecimento do preceito interpretando, bem como os trabalhos preparatórios), o elemento sistemático (expressão do reconhecimento da coerência intrínseca do (Direito, entendido como um sistema em que as normas são expressão de um pensamento unitário) e elemento racional ou te(eo(ógico (consubstanciado na averiguação da ratio (egis, ou seja, na compreensão da razão de ser da lei a interpretar, do fim que através dela se pretendeu atingir).
Na tarefa interpretativa relevante para o objecto dos autos não pode deixar de ter-se presente a natureza específica do Direito Penal. A este propósito, cremos actual a lição de Eduardo Correia, em Direito Criminal, I, 1971, pág. 12: Há pois que considerar o direito criminal não apenas como um conjunto de disposições secundárias sancionadoras, mas como conjunto de normas autónomas que impõem sanções e ao mesmo tempo proíbem ou impõe condutas, em vista da protecção de certos e determinados valores jurídicos: os valores jurtdaco-criminais. Por outras palavras: ao direito criminal pertence não só a parte da norma que contém a sanção, mas ainda a parte que contém o preceito proibitivo ou impositivo. Daí que se ponha, em primeiro lugar, determinar quais os valores o direito crimina(quer proteger com as sanções criminais; uma vez isto feito, a sua avaliação deve fazer-se do ponto de vista do direito que as estabelece, e portanto, do direito criminal e não de qualquer conjunto de normas - civis, administrativas, fiscais, etc. - exteriores a ele. Só assim ganhará, como deve ganhar, dignidade material.
E continua o Ilustre (Professor. Certo que a ilicitude traduz-se sempre numa desobediência ao Estado e, por conseguinte, nesta medida a ilicitude criminal não se distingue da civil administrativa, disciplinar, etc. E pode justamente considerar-se esta ideia através do princípio da unidade da ordem jurídica. Este princípio, porém, não pode nunca ultrapassar o plano formal e não pode pois impedir que se distinga, materialmente, uma ilicitude especificamente criminal criada autonomamente nos tipos legais de crime em atenção a especiais valores protegidos ou ao especial modo de protecção.
No caso dos autos podem existir indícios de ilícito disciplinar:
Mas pode afirmar-se que o comportamento dos arguidos consubstancia uma violação da autoridade e credibilidade da administração do Estado, tendo sido afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços pela conduta daqueles? Nada foi provado nesse sentido. Aliás, não é indicado qualquer facto de onde se possa retirar que os arguidos com o seu comportamento violaram a autoridade e credibilidade do Estado, isto é, do Instituto Superior Técnico.
Subscrevemos por inteiro as considerações tecidas.
No crime de abuso de poderes, o bem jurídico é a autoridade e credibilidade da administração do Estado ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus servidores, sendo que pressupõe que …o agente investido de poderes públicos, actue com violação dos deveres funcionais que sobre si impendem, sacrificando o interesse público para satisfação de finalidades ou interesses particulares que se venham a traduzir num beneficio ilegítimo para si ou para terceiro ou num prejuízo para outra pessoa .
Também releva para o caso o Ac. do STJ, citado pelos recorridos aonde se sustenta
que: No crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais.
Do exposto forçoso será de concluir que se exige para o ilícito em causa que o agente
do crime tenha a qualidade de funcionário e que tenha actuado com violação dos deveres funcionais ou poderes funcionais próprios da função em causa.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque A violação dos deveres funcionais é a acção ou omissão do funcionário que fere os deveres a que está adstrito pelo exercício da sua função. A violação dos deveres funcionais é já tutelada por outros crimes. Assim, o dever de sigilo é tutelado pelo tipo do artigo 383°, o dever de isenção pelo tipo do crime do artigo 368°, o dever de obediência pelo tipo do artigo 381 ° e o dever de zelo pelo tipo do artigo 385°. Para o artigo 382° sobram as violações de outros deveres funcionais, desde que tenham directa relação com o bem jurídico protegido pelo tipo.
Ora no caso em apreço, aos deveres inerentes às funções dos recorridos são aqueles que estão consignados no art°. 63° do Estatuto da Carreira Docente Universitária (DL 448/79, de 19 de Novembro, na sua redacção vigente):
a) Desenvolver permanentemente uma pedagogia dinâmica e actualizada;
b) Contribuir para o desenvolvimento do espírito cri- tico, inventivo e criador dos estudantes, apoiando -os e estimulando -os na sua formação cultural, científica, profissional e humana;
c) Orientar e contribuir activamente para a formação científica, técnica, cultural e pedagógica do pessoal docente que consigo colabore, apoiando a sua formação naqueles domínios;
d) Manter actualizados e desenvolver os seus conhecimentos culturais e científicos e efectuar trabalhos de investigação, numa procura constante do progresso científico e técnico e da satisfação das necessidades sociais;
e) Desempenhar activamente as suas funções, nomeadamente elaborando e pondo à disposição dos alunos materiais didácticos actualizados;
f) Cooperar interessadamente nas actividades de extensão da escola, como forma de apoio ao desenvolvimento da sociedade em que essa acção se projecta;
g) Prestar o seu contributo ao funcionamento eficiente e produtivo da escola, assegurando o exercício das funções para que hajam sido eleitos ou designados ou dando cumprimento às acções que lhes hajam sido cometidas pelos órgãos competentes, dentro do seu horário de trabalho e no domínio científico -pedagógico em que a sua actividade se exerça;
h) Conduzir com rigor científico a análise de todas as matérias, sem prejuízo da liberdade de orientação e de opinião consagrada no artigo seguinte;
i) Colaborar com as autoridades competentes e com os órgãos interessados no estudo e desenvolvimento do ensino e da investigação, com vista a uma constante satisfação das necessidades e fins conducentes ao progresso da sociedade portuguesa;
j) Melhorar a sua formação e desempenho pedagógico.
Ora, no caso em apreço, não só os deveres violados pelos recorridos e imputados pela acusação não se inerem no âmbito do preceito citado, como e como se refere na decisão recorrida, não se identifica a norma legal que tipifica o dever de lealdade violado.
Quanto ao dever de exclusividade, ter-se-á que referir, conforme aliás referem os recorridos na sua resposta que o compromisso de dedicação exclusiva a que a acusação e a sentença aludem por referência ao artigo 70° do ECDU não é um dever funcional, não sendo caraterizador, definidor ou tipificador da função de docentes universitários que exercem.
Continuando a citar os recorridos Não existe nenhum dever de imparcialidade ou de eficácia pública, aqui entendida enquanto manifestação da actividade do Estado, que tenha de ser protegido no exercício de funções - destas funções de docência - em exclusividade.
Repare-se que o compromisso de exclusividade, não impede os docentes universitários de desenvolver outras actividades e que às mesmas seja atribuída uma compensação, conforme se afere do art° 70° do Dec-Lei n° 205/2009 de 31/08
Como tal e conforme concluiu a decisão ora sindicada, a eventual violação do princípio da dedicação exclusiva, nunca poderá originar constituir um ilícito penal subsumível no art° 382° do Cod. Penal, mas quanto muito uma responsabilidade disciplinar, conforme aliás o n° 2 do art° 70° do Dec-Lei n° 205/2009 de 31/08 claramente o refere.
Improcede assim este argumento recursório não havendo reparos a fazer à decisão recorrida
III- DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto e manter na totalidade a decisão recorrida.
Sem custas.(art° 4° n° 1 do R.C.P.)
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