Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - Sentença de 12-05-2016   Ofensa à integridade física simples. Dispensa de pena.
Em situações em que o agente retribui agressão de que foi vítima e se verifica a atenuação da ilicitude da sua conduta com fundamento na desculpação em virtude da especial situação emocional desencadeada pela provocação que a primeira ofensa corporal traduz pode o arguido ser dispensado da pena, no caso do crime de ofensa á integridade física simples.
Proc. 440/14.8 GASXL.L1 9ª Secção
Desembargadores:  Guilherme Castanheira - - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam na 9.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO:
No nuipc 440/14.8 GASXL.L1, que correu termos na Comarca de Lisboa, - Instância Local do Seixal - Secção Criminal - J3, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, perante tribunal singular, o arguido S.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, datada de 9-12-2015, que decidiu:
- absolver o arguido S. da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152. 0, n.° 1, alínea a), e n.° 2, do Código Penal, de que se encontrava acusado;
- alterar a qualificação jurídica dos factos provados e condenar o arguido Samuel Ferreira pela prática de um crime de ofensa à integridade física ,simples, p. e p. pelo artigo 143.° n. ° 1, do Código Penal, numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros).

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, formulando, conclusivamente, a pretensão de ser dispensado da pena em que foi condenado, por, em síntese, os factos provados conterem, em si, os pressupostos para a aplicação do disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 143. 0, do Código Penal, com preenchimento dos requisitos da figura jurídica da retorsão, designadamente diminuta ilicitude do facto, escassa extensão dos danos causados, ocorrência dos mesmos em clima de exaltação/surpresa, não pretensão da ofendida de qualquer reparação relativa a tais danos, e inserção sócio profissional do arguido, sem antecedentes criminais.

Respondeu à motivação o Ministério Público, concluindo:
1 - O arguido afirma que a ilicitude é diminuta quando da douta sentença resulta que a mesma é mediana;
2 - Contudo não veio indicar qualquer ponto concreto de
dissonância na prova que implicasse alteração quanto a esta conclusão;
3 - Sendo que a razão de convicção do tribunal está perfeitamente
explicitada;
4 - Mas mais, a questão da retorsão foi devidamente apreciada e afastada em termos que se consideram bem ponderados;
5 - Diz -se:(..) não se encontram verificados os pressupostos para a dispensa de pena vertidos no artigo 143. 0, n.° 3, alínea b), do Código Penal, já que não se pode considerar haver equiparação em termos de gravidade e uma compensação entre os actos de um e os de outro, sendo os do arguido claramente mais graves, não ficando com tal asseguradas as finalidades da punição.
Pelo exposto, pugnamos pela manutenção da decisão recorrida'.

Neste Tribunal, a Ex.a Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, formulando, datado de 11 de Abril de 2016, parecer no sentido de o arguido ser dispensado da pena, dando-se integral provimento ao recurso - cfr. fls. 286 a 288.
Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.°, n.°2, do Código de Processo Penal, e proferido despacho preliminar, foram colhidos os necessários vistos.
Teve, de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:
1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Mediante o presente recurso, o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior a questão de dever ser dispensado da pena imposta.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:
a) O Tribunal declarou provados os seguintes factos (transcrição):
1) O arguido e M. casaram no dia 18 de Maio de 1997, e depois de residirem em Santa Marta de Corroios, fixaram residência na Rua …, no Seixal;
2) Fruto dessa união, nasceu em 29-11-1996 a filha B.;
3) No ano de 2008/2009, M. ouviu dizer por parte de um familiar que o arguido mantinha uma relação extraconjugal, o que provocou deterioração do relacionamento entre o casal, sendo que também o arguido tinha manifestações de ciúmes quanto a ela, sendo frequentes as discussões entre eles por estes motivos;
4) No quadro de tais discussões, o arguido costumava dirigir a M. as seguintes expressões: És uma puta, és velha, má mãe, tens a mania que és melhor que as outras, na rua tenho melhores, tenho verdadeiros aviões humilhando-a com estas expressões;
5) O arguido passou também a acusar M. de andar envolvida em termos amorosos com vários homens, nomeadamente com o patrão, atingindo-a na sua honra e consideração;
6) No decurso das discussões, o arguido disse, pelo menos, numa ocasião, a M.: Tás farta, atira-te da ponte 25 de Abril abaixo;
7) No quadro de tais discussões, que tanto um como outro começavam, também M. insultava o arguido, chegando a tomar a iniciativa a esse respeito, apodando-o de chulo, pedófilo, parasita, tal como lhe diz que ele quer é andar com cadelas, com putas, e que anda a passear o esqueleto;
8) Numa dessas discussões, no dia 28 de Fevereiro de 2010, por M. estar desagradada com o arguido e com o facto de não utilizar um veículo automóvel que em 2007 lhe havia oferecido, atirou ao chão uma motorizada daquele e, a seguir, cortou um dos pneus de tal viatura, ao que o arguido, perante tal comportamento, a apodou de maluca e lhe deu um empurrão numa das mãos, para a afastar do pneu, o que motivou que ela, por estar agachada, se desequilibrasse e caísse;
9) Em virtude dessa queda, M. sofreu traumatismo craneoencefálico e da face, com epitaxis e fractura dos ossos próprios do nariz, lesões que foram causa necessária e directa de 10 dias de doença, com igual período de incapacidade;
10) Em data não apurada de 2011, M. falava na sala ao telefone com o seu irmão, momento em que o arguido chegou e, dirigindo-se-lhe, por estar desconfiado que ela mantinha um relacionamento amoroso com o patrão, tirou-lhe o telemóvel que ela tinha no bolso do roupão que vestia, e como ela lhe segurou a mão que agarrava esse objecto, o arguido desferiu-lhe dois empurrões no peito, o primeiro dos quais a fez bater com as costas numa bancada e o último cair, saindo de casa em poder de tal aparelho, dizendo que eram provas de adultério com o seu patrão;
11) Nesse mês de Dezembro de 2012, M. descobriu que o arguido, em 14-12-2012, fora pai de L., furto de um relacionamento extraconjugal com D., de 22 anos, o que piorou o relacionamento conjugal;
12) No dia 10 de Setembro de 2014, cerca das 21H2O, na residência do casal, gerou-se uma discussão por causa de umas mensagens trocadas durante o dia por ambos os cônjuges, e por M. entender que o arguido não repreendia a,flha de ambos;
13) No decurso dessa contenda, M. entrou no quarto onde o arguido estava e chamou-o de cobarde, tal como ante o facto dele estar sentado na cama, lhe desferiu um empurrão, colocando-lhe as mãos no peito;
14) A seguir, o arguido desferiu a M. uma bofetada, que a atingiu na boca, tendo um dos lábios ficado a sangrar, e um pontapé que a atingiu na coxa esquerda;
15) Em virtude dessa conduta, M. sofreu escoriação e edema do lábio inferior, toracalgia e traumatismo da coxa esquerda, lesões que foram causa directa e necessária de 3 dias de doença, com um de incapacidade;
16) Numa outra ocasião, porque o arguido lhe tinha .!irado as chaves da porta do quarto onde ela dormia, e corno ele estava no quarto dele com a porta fechada, e se negou a dar-lhe as chaves do quarto dela, ela arrombou a porta do quarto dele;
17) O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, querendo dirigir a M. as expressões supra referidas, bem como lesar a sua integridade física, com os empurrões e

pancadas que desferiu no seu corpo, ,o que logrou alcançar;
18) O arguido estava ciente de que praticava actos proibidos e punidos por lei e tinha liberdade para se determinar de acordo com tal. Mais se provou que.
19) Actualmente, o arguido e M. continuam a viver na casa de morada de família, mas fazendo vidas separadas;
20) O arguido trabalha como agente da PSP, auferindo mensalmente cerca de € 1100,00;
21) O arguido vive com M., na casa de morada de família, fazendo divisão das despesas, e com a filha de ambos, suportando no pagamento do empréstimo contraído para a aquisição de habitação a quantia mensal de 600,00;
22) O arguido suporta ainda o pagamento da pensão de alimentos a outro filho menor, no valor mensal de 120,00 a € 150, 00, e por ter prestado a garantia de ,fiança a um terceiro, está actualmente a suportar uma renda no valor mensal de €180, 00;
23) O arguido não tem antecedentes criminais.

b) O Tribunal declarou, não provada, com relevância para a decisão, toda a factualidade que não se compagina com a supra descrita,designadamente que:
- o arguido tenha desferido no dia 1-03-2010 ou 28-02-2010, uma bofetada na cara de M., bem como dois pontapés, pelo facto de não gostar de ser confrontado por aquela quanto a alegados relacionamentos extraconjugais;
- o arguido tenha dito no decurso das discussões com a ofendida que há-de chegar uma altura que nem os cães te pegam bem como que tenha sido mais do que uma vez que o arguido lhe disse para se atirar da ponte abaixo,'
- em data não apurada de 2011, quando o arguido retirou o telemóvel à ofendida, que lhe tenha dado uma pancada na boca'.


c) Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida:
O tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto, valorando as declarações do arguido e da prova testemunhal produzidas na audiência de julgamento, e a prova documental constante dos autos, nos termos que se passam a expor.
Se a prova se revelou linear quanto ao vertido nos primeiros 2 parágrafos da acusação, até porque o arguido os confessou, e a ofendida os confirmou, já quanto a muitos dos factos vertidos na acusação acerca do relacionamento entre o arguido e M. o tribunal foi confrontado com versões contraditórias, uma avançada pelo arguido, negando a maioria dos comportamentos que lhe foi atribuída, e outra exposta pela ofendida, imputando-lhe tais factos, mas que até acabou por assumir também ela ter adoptado comportamentos de agressividade física e verbal para com o arguido.
Também se nos afigurou ter ressaltado, quer das declarações do arguido, quer dos depoimentos de M., quer da filha de ambos, Beatriz Ferreira, que o relacionamento do casal há já vários anos que se pauta pela conflitualidade, por ciúmes mútuos e que tal ainda persiste, mesmo vivendo na mesma casa e fazendo vidas separadas, denotando-se claramente a animosidade que têm um para com o outro.
Contudo, ante as fragilidades das declarações do arguido e a consistência e sinceridade evidenciadas nas palavras de M., afigurou-se-nos que a versão que claramente mereceu credibilidade e prevalência foi a desta última, até porque não escamoteou os aspectos negativos da sua própria actuação.
Vejamos.

No que respeita às declarações do arguido, as mesmas pautaram-se por um tom algo nervoso, deixando claramente transparecer querer justificar e minorar alguns comportamentos que assumiu ter adoptado para com M., e que a negação que fez de outros foi de forma forçada, recorrendo a descrições confusas no que lhe respeitava, e de forma recorrente desviando a atenção de si para actos que atribuiu à ofendida, vitimizando-se e refutando situações que outros dados de prova até, para além do relato da ofendida, cabalmente comprovaram.
Assim, em síntese, o que o arguido alegou foi o seguinte:
- a sua relação com M. teve problemas logo no início, alegando que tal se deveu ao facto dela nunca se ter desligado do ex-marido, sendo que ainda em 1998 acabou encontrar tal senhor debaixo da cama deles em sua casa, ou seja, apressando-se em querer desde logo justificar os ciúmes que pudesse ter sentido da esposa e actos daí decorrentes, mas dizendo que depois encerraram este assunto e até mudaram de casa, tendo em vista começar de novo;
- no que respeita aos factos que constam da acusação como tendo sucedido em Março de 2010, negou que os tivesse praticado, alegando que era verdade que sempre houve desconfianças um do outro, mais até da parte dele, bem como que a partir de 2007 havia discussões com este fundamento que se intensificaram a partir de 2010, mas não bateu em M., nem sequer se apercebeu que a mesma tivesse padecido das lesões que estão delicadas no parágrafo 5.° da acusação, o que teria notado necessariamente caso tivessem ocorrido, até porque se ausentaria de casa poucas noites por motivos profissionais,
- mais, mesmo confrontado com a documentação clínica proveniente do Hospital Garcia de Orta de fls. 84 a 86, da qual consta que a esposa apresentava à observação nesse hospital no dia 1 de Março de 2010 traumatismo da face e fractura dos ossos próprios do nariz, ou seja, lesões numa parte do corpo claramente visível, manteve a posição de que nada vira e de que nada se apercebera;
- voltando ao mesmo tipo de postura, tornou a desviar a atenção para actos que imputou a M., dizendo que nesse mesmo ano de 2010 ele descobriu umas mensagens dela para o patrão, e tal conduziu ao aumento das discussões do casal, mas limitando-se ele a chamar-lhe a atenção quanto às horas de chegada a casa, e a questioná-la porque é que chegava mais tarde e nada mais;
- negou que dirigisse a M. as expressões que estão elencadas na acusação, e que a acusasse de manter relacionamentos com outros homens, a não ser com o patrão e devido à tal situação das
mensagens, ou seja, acabando por confessar parcialmente o alegado no parágrafo 6.° da acusação;
- quanto ao sucedido no ano de 2011, mencionou que, efectivamente, que numa dada ocasião, se apercebeu quando se encontrava na sua casa que M. se encontrava a falar ao telefone com o seu irmão, mas parecia estar a focar a sua atenção no seu telemóvel, o que ele achou estranho, e questionou-a então a esse respeito, sendo que, ao vê-la colocar esse aparelho no bolso do roupão, resolveu retirar-lho, para ver o que é que realmente se passava, o que fez, mas sem que lhe tivesse desferido qualquer empurrão,
- mais disse que levou então esse telemóvel para a rua, para tentar ver o seu conteúdo, e que M. o seguiu, o que o levou a concluir que algo de grave o aparelho continha, mas ela não o conseguiu apanhar e ele acabou por ler ali as mensagens, sendo que quando regressou a casa e ali deparou com militares da GNR à porta e os bombeiros, sem que para tal houvesse justificação;
- no que respeita a afinal o mesmo ter tido um filho fora do casamento, o arguido confessou que o que consta do parágrafo 10.° corresponde à verdade (o que impõe a conclusão que os ciúmes da ofendida algum fundamento tiveram nesse período...), alegando que se encontrava vulnerável, que não mantinha relacionamento sexual com a esposa, dormindo em quartos separados desde 2010, e que foi esta última que acabou por descobrir esta situação, sendo que a partir de então o seu relacionamento ainda piorou mais, aumentando as discussões em que tal era invocado por ela;
- relativamente ao constante do parágrafo 11. 0, ou seja, o que aconteceu em 10-09-2014, referiu que o descrito na acusação não corresponde à verdade, porque o que sucedeu foi uma discussão entre M. e a filha, tendo ele ido para o quarto, para não se envolver, e trancou até a porta;
- foi então M. que se lhe dirigiu, abrindo a porta com uma chave de fendas, após o que lhe disse seu cabrão, não és capaz de chamar a atenção à tua filha! e investiu para ele, atirando-lhe algo em cima que já não conseguia precisar, e lhe desferiu um pontapé nos testículos, e ele nada lhe fez;
- já noutra ocasião, anterior a estes factos, M. lhe tinha batido e até atirado com um cinzeiro, só não o atingindo porque a filha que estava a assistir, se colocou à frente, ao passo que ele nunca lhe bateu (esquecendo-se certamente do que sucedera no tal episódio do carro, em Dezembro de 2012...),'
- numa discussão que tiveram M. atirou-lhe as motos que ele tinha, e que eram de colecção, para o chão, aparecendo uma delas riscada, ora dizendo que ela própria lho tinha contado e que depois já não era assim, tal como lhe cortou os pneus de um carro que ela até lhe tinha oferecido em 2007, e que lhe riscara o carro que ele próprio comprara;
- também houve uma outra situação, a que a sua filha assistiu, há uns 4 anos atrás, em que M. começou a discutir com ele pelo mero facto dele ter cumprimentado a esposa de um amigo no centro comercial Colombo, e também quando chegaram ao carro, ela deu-lhe uma chapada, ao que ele parou o carro e lhe abriu a porta para sair, o que ela fez;
- actualmente continuam a ter uma relação de conflito, ainda que vivendo na mesma casa, mas dormindo em quartos separados e cada um deles pagando as suas contas, sendo que a esposa o continua a provocar, tendo a sensação que quer é que ele reaja.
Por sua vez, M. apresentou uma versão dos acontecimentos em muitos pontos diversa, também com um discurso emocionado, e em geral pareceu-nos mais autêntica, pois não se coibiu de assumir a adopção de uma série de comportamentos de agressividade física e verbal para com o arguido, e que não tinha medo do mesmo, em vez de se vitimizar.
O que M. contou foi o seguinte:
- começou a viver com o arguido em condições análogas às dos cônjuges e ao fim de dois anos casaram em 18-05-1997, tendo a filha B. nascido antes, em 29-11-1996;
- inicialmente tiveram alguns problemas e divergências, havendo ciúmes de parte a parte, sendo que em 2000 ela se sentia fragilizada e se aproximou do ex-marido, tendo este ido a sua casa, o que desagradou ao arguido, e nessa altura pensaram até em divorciar-se, mas depois resolveram dar mais uma oportunidade ao relacionamento;
- os problemas ressurgiram há uns 6 anos atrás, em 2008, 2009, quando ela veio a saber pelo próprio irmão do arguido que este mantinha um relacionamento amoroso com uma amiga da família, de nome Etelvina, tendo-o ela confrontado com tal, mas ele negou sempre, e ela resolveu ultrapassar essa situação, porque gostava do arguido, mas continuaram as discussões entre ambos, e assumindo que as faltas de respeito eram recíprocas;
- relativamente aos acontecimentos de Março de 2010, que efectivamente só focou ao ser questionada sobre se alguma vez o arguido a tinha alguma vez magoado no nariz, fez uma descrição dos mesmos diversa do que consta alegado na acusação, tendo assumido que, na altura, estava a pagar um carro que oferecera ao arguido, e que ele usava, mas ela não, tendo que andar a pé, o que a deixou zangada (e, portanto, ao contrário do que consta da acusação não enquadrou directamente esta contenda em nenhuma situação de ciúmes);
- admitiu então que deu um encontrão numa das motas do arguido, a qual caiu ao chão e a seguir foi cortar um dos pneus do carro que oferecera ao arguido, sendo que, como se posicionou de joelhos para o fazer, o arguido, quando surgiu e a quis afastar do carro ao se aperceber do que ela estava a fazer, acabou por lhe dar um encontrão com a mão, o que a fez cair e magoar-se no nariz, acabando por sangrar dessa parte do corpo;
- também admitiu que, na altura apodou o arguido de cobarde e lhe disse que as coisas não iam ficar assim, e depois foi ao hospital, mas não sustentou que o arguido lhe tenha dado alguma bofetada ou dois pontapés em tal situação;
- quanto ao que sucedeu em data não apurada de 2011 (parágrafo 8. ° da acusação), referiu que o seu patrão, por engano, lhe enviou para o telemóvel umas mensagens, tendo-a ela até confrontado com tal (mas estranhamente não apagou tais mensagens..., alegando que queria era fazer tal confronto), e o arguido, que andava desconfiado, um dia em que ela estava a falar com o irmão dele no telefone fixo de casa, chegou-se junto dela e tirou-lhe o telemóvel que ela guardava no roupão;
- ela tentou recuperar o telemóvel, segurando a mão do arguido para lho retirar, e foi então que o arguido a empurrou, colocando-lhe as mãos no peito, fazendo-a embater com as costas na bancada da cozinha, mas como ela investiu contra ele outra vez, o arguido voltou a empurrá-la e foi aí que ela se desequilibrou e caiu, tendo-se ela a seguir levantado e ido no encalço dele que a voltou a empurrar, e acabou por se ir embora, metendo-se dentro do carro, sendo que nunca lhe devolveu o telemóvel;
- em virtude deste comportamento do arguido ficou com dores nas costas e chegou a ir ao hospital;
- depois continuaram as discussões entre ambos, sendo que no quadro das mesmas, o arguido lhe chamava de velha, má mãe, puta, maluca, limitada, tal como lhe dirige as seguintes expressões: Tens a mania que és boa. Tenho aviões na rua. Não me queres dar filhos eu faço na rua e numa ocasião disse-lhe para se atirar da ponte, se não estava satisfeita;
- assumiu, todavia, que no quadro das discussões também ela insulta o arguido, não tendo medo dele e sempre o enfrentou, confessando que ela, tal como ele, também faz a conversa descambar, apodando-o de chulo, pedófilo, parasita, tal como lhe diz que ele quer é andar com cadelas, com putas, e que anda a passear o esqueleto;
- foi depois que descobriu, também em Dezembro de 2012, que o arguido tinha um filho de um relacionamento com uma rapariga, ainda a criança não tinha um ano, e que a sua filha já conhecia o irmão, sendo que o arguido, quando ela inicialmente o confrontou, não o negou e mencionou que até desconfiava que o filho não fosse dele;
- resolveu tentar ultrapassar a situação, e o filho do arguido chegou até a ir a casa deles, tendo ela tratado bem do menor, mas como o arguido começou a manifestar receio por ela ficar sozinha com a criança, sem qualquer justificação para tal, ela acabou por lhe dizer para não levar mais o menino lá a casa;
- como continuaram a ter desentendimentos, foram-se afastando cada vez mais, deixando de dormir juntos, limitando-se a viver na mesma casa e a dividir as despesas, o que ainda perdura na actualidade;
- quanto ao sucedido em Setembro de 2014, que mencionou ser a última grande discussão que tiveram, contou que houve uma troca de mensagens nesse dia com o arguido, até por causa da filha de ambos e à noite voltaram a discutir um com o outro com esse fundamento, por ela achar que o arguido não repreendia a filha, mormente quanto a não realizar as tarefas domésticas;
- admitiu que entrou no quarto do arguido e lhe disse que ele era um cobarde (negando que o tivesse apodado de cabrão), e quando ele estava sentado em cima da cama e o empurrou, colocando-lhe as mãos peita, ao que ele lhe desferiu a seguir uma bofetada, que a atingiu na boca, tendo um dos lábios ficado a sangrar, e um pontapé numa das pernas, tendo ela depois ido receber tratamento hospitalar;
- ante a invocação do arguido de que ela antes lhe tinha até arrombado a porta do quarto, alegou que tal sucedeu numa outra altura, e sem ter a ver com a filha B., porque o arguido lhe tinha tirado as chaves da porta do quarto onde ela dormia, e como ele estava no quarto dele com a porta fechada, e se negou a dar-lhe as chaves do quarto dela, ela arrombou a porta do quarto dele;
- depois do episódio de Setembro de 2014 ainda tentou novamente a reconciliação com o arguido, mas não foi possível, por entender que existe já uma falta de respeito muito grande, não conseguindo comunicar um com o outro e limitam-se a discutir,
- ao contrário do invocado pelo arguido, não padece de nenhuma patologia psiquiátrica, a não ser de depressão, tendo a primeira depressão surgido na sequência do decesso da sua mãe e da irmã, há uns 6 anos atrás, e a segunda sendo mais recente, na sequência de ter descoberto que o arguido tinha o tal filho fora do casamento, sentindo-se rebaixada em virtude dos comportamentos do mesmo e que não vale nada.
Ora, analisando este depoimento, o que ressalta das palavras de M. é que a sua relação com o arguido sempre se pautou por uma desconfiança recíproca, que motivou a adopção de posturas de agressividade de um para com o outro, e que com única excepção para a situação do telemóvel, em data não apurada de 2011, todas as restantes situações em que a mesma invoca que o arguido a agrediu fisicamente, foi na sequência dela também o ter feito já antes contra ele, ou contra objectos de sua propriedade, e não tendo propriamente o arguido a iniciativa da contenda física, mas antes ela, mormente por motivos de ciúmes.
Mais ressalta que também que as contendas entre o casal eram motivadas por ambos, ou seja, não tendo M. um papel passivo no seu quadro, igualmente despoletando a discussão, pedindo satisfações ao arguido, sendo capaz de tomar a iniciativa de o empurrar ou de lhe bater com urna mala, ou de o insultar e lhe dirigir expressões de conteúdo humilhante, corno que estando numa posição de paridade com o mesmo em termos de conflito, apenas se denotando que, quanto às consequências em termos físicos os actos do arguido assumiram para ela maior gravidade.
E este relato feito por M. foi corroborado por outros dados probatórios, designadamente:
- Pelo depoimento de C., militar da GNR, que apesar de revelar um conhecimento muito circunscrito dos factos, de forma isenta, pela sua objectividade, e até porque só contactou com esta situação em virtude das suas funções, nos contou que foi ele quem procedeu à recolha da queixa apresentada por M., em Setembro de 2014. Destarte, o que se extraiu deste depoimento foi que se encontrava no serviço de atendimento ao público, quando M. se apresentou no posto da GNR de Fernão Ferro, a chorar, trémula, apresentando um corte no lábio, e queixando-se de que tinha sido agredida pelo marido, tendo ele depois efectuado a elaboração do auto de notícia, que é que figura nos autos a fls. 3 a 6. Ora, a forma como este militar da GNR descreve o próprio estado de M., de que estava abalada emocionalmente e com marcas físicas compatíveis com o alegado pela mesma como tendo sido feito pelo arguido quanto à sua pessoa, mormente o desferir-lhe uma bofetada na cara, sustenta que o alegado pela ofendida como tendo sucedido em 10-09-2014 corresponde à verdade;
- Pelo auto de notícia mencionado no anterior parágrafo, de fls. 3 a 6, no qual C. consignou que no dia 10-09-2014, quando se encontrava no Posto da GNR de Fernão Ferro, no atendimento ao público, a ofendida ali se apresentou pelas 23H15, destroçada e visivelmente abalada, com um corte no lábio inferior, queixando-se de que o arguido lhe tinha desferido uma bofetada e um pontapé numa das pernas, no interior da sua residência, na sequencia de terem discutido. Mais consta desse auto que foi necessário fazer intervir o INEM (conforme fls. 13), por a ofendida ter entrado em pânico, e que posteriormente a ofendida reportou que os problemas do casal já remontavam a data anterior, mormente por ter descoberto em Dezembro de 2012 que o arguido tinha um filho de outra mulher, e que o arguido utilizava a filha para a magoar, tendo a mesma manifestado o desejo de procedimento criminal contra o arguido;
- Pela documentação clínica proveniente do Hospital Garcia de Orta, de fls. 22 a 24, quanto ao atendimento de urgência feito a M., que ali deu entrada no dia 11-09-2U14, pelas 00H15, queixando-se a mesma de ter sido agredida com uma bofetada na face e um pontapé na coxa esquerda, tendo sido constatado que a mesma apresentava escoriação do lábio inferior com edema local, e dor à palpação da coxa, sendo o diagnóstico de saída, em investigação contusão da coxa e da anca, ou seja, lesões claramente compatíveis com a forma como a ofendida disse ter sido agredida;
Pelo auto de exame médico delis. 44 e 45, no qual a senhora perita médica consignou que a ofendida, face às lesões elencadas na documentação clínica mencionada no anterior parágrafo no lábio e ao traumatismo na coxa, bem como toracalgia, sofreu 3 dias de doença, um dos quais com incapacidade para o trabalho;
- Pela cópia da certidão do assento de nascimento de L. delis. 64 e 65, da qual se retira que o mesmo é filho do arguido e de Dionilde da Conceição Torella, tendo o mesmo nascido no dia 14-12-2012;
- Pela documentação clínica de fls. 84 a 90, sendo que de fls. 84 a 86, a mesma se reporta ao atendimento de urgência feito à ofendida no Hospital Garcia de Orta, no dia 1-03-2010, pelas 12h01, queixando-se de que no dia anterior tinha sido vítima de agressão, apresentando a mesma traumatismo crânio-encefálico e da face, com epitaxis, bem como escoriação ao nível do punho, cotovelo esquerdo e joelho direito, e ainda fractura dos ossos próprios do nariz, o que é compatível também com a forma como a mesma relatou ter estado na origem de tais lesões - o ter sido afastada do pneu do carro pelo arguido, acabando por cair. Já a restante documentação clínica, de fls. 87 a 90, não tem qualquer tipo de relevo para os factos objecto dos autos, na medida em que o episódio de 12-11-2010 tem como fundamento uma queda acidental e a segunda, de 9-08-2011, reporta-se a dor torácica após discussão com familiar;
- Pelo auto de exame médico de fls. 94, no qual a senhora perita médica concluiu que quanto às lesões mencionadas na documentação clínica referente ao dia 1-03-2010, as mesmas foram produzidas por objecto contundente ou actuando como tal e importaram 10 dias de doença, com igual período de incapacidade laboral.
Por fim, refira-se que o depoimento de B., filha do arguido e de M., não se revelou capaz de abalar a consistência do depoimento da sua mãe em conjugação com os dados probatórios supra elencados, pois demonstrou uma clara parcialidade em prol do pai, centrando-se em descrever episódios de agressividade da mãe e colocando sempre o arguido como uma vítima daquela, ao mesmo tempo que alegou não ter presenciado os episódios constantes da acusação,como sendo ela a única a despoletar as situações de confronto, mas sem grande emotividade, e só depois quando questionada acabou por assumir a adopção de alguns actos desta índole da parte do pai e sempre numa postura muito defensiva. Acresce ainda que, nem sequer descreveu algumas das situações alegadas pelo arguido da mesma forma.
Destarte, o que B. invocou foi o seguinte:
- sempre houve problemas com os pais, sendo a mãe que, por vezes, acusa o pai de traições (como se fosse algo estranho uma esposa ficar desagradada com o facto do marido ter um filho de uma outra mulher na constância do matrimónio...), ora discute por as tarefas domésticas que estão atribuídas ao arguido e a ela não serem cumpridas, quando também a mãe nem sempre cumpre com as que lhe estão afectas;
- sendo-lhe então pedido que descrevesse alguns episódios em concreto, mencionou que presenciou uma situação em que foram ao centro comercial Colombo, os pais se cruzaram com umas pessoas amigas e a mãe acusou o pai de ter um relacionamento com a senhora no caminho para casa, perdurando a discussão ao longo do mesmo, e chegando a mãe a apodar o pai de cabrão, mas negou que tivesse batido no pai, ao contrário do que o arguido alegou;
- outra situação, foi quando estavam na cozinha, em casa, e havendo uma discussão entre os pais, M. agarrou num cinzeiro em pedra que estava no corredor, com o qual se preparava para bater no arguido, o que não chegou a suceder, por ela se ter posto de permeio entre eles;
- quanto ao que os pais diziam um ao outro no decurso de tais discussões, não o concretizou, mencionando somente que a mãe insiste com o arguido, o qual só por vezes lhe responde, mandando-a calar, dizendo que já chega, e noutras vezes vai-se embora;
- assumiu que chegou a ver a mãe, a dada altura, com uma ferida no lábio mas não sabia o que a havia causado, nunca tendo presenciado o seu pai a agredir a sua mãe, só que, depois alegou ter assistido à discussão entre os pais do dia 10-9-2014, dizendo que nesse dia, a mãe ralhou com ela depois dela ter chegado do treino, e a dada altura entrou dentro do quarto do seu pai, dizendo que ele era um cabrão, que não fazia nada;
- mais disse que M. agrediu o pai com a mão na zona da perna (note-se a manifesta contradição com o arguido que invocou que a esposa lhe desferiu foi um pontapé nos testículos), mas aquele nada lhe fez;
- houve também outra situação em que a sua mãe, no quadro de uma discussão com o seu pai, foi buscar uma faca de serrilha e lhe cortou os pneus de um carro, porque não queria que fosse usado;
- questionada se nunca tinha assistido a uma situação de ciúmes do arguido para com a sua mãe, acabou por dizer que o seu pai tinha chegado a acusar a sua mãe de manter um relacionamento com o patrão, há uns 3 anos atrás, mas não assistiu àquele a retirar-lhe telemóvel nenhum, só sabendo o que M. lhe contou a este respeito.
Tudo sopesado, o tribunal entendeu que este depoimento de Beatriz Ferreira careceu de fiabilidade, nem sequer sustentando devidamente o alegado pelo arguido e, por conseguinte, não logrou abalar a credibilidade que o depoimento de M. granjeou e que foi escorado pelos demais dados de prova já supra referidos.
E por conseguinte considerou que os factos vertidos na acusação (com excepção para o evento mencionado no parágrafo 9. °, face ao supra exposto quanto à aplicação do principio do ne bis in idem), estavam demonstrados praticamente na totalidade, com as precisões que resultaram do depoimento de M. e que foram devidamente comunicadas à defesa do arguido, nos termos do artigo 358.° do Código de Processo Penal, somente não se tendo demonstrado que:
- tenha sido no dia 1-03-2010 que o arguido levou a cabo actos que desencadearam a queda de M. ao solo, mas sim no dia 28-02-2010, pois na documentação clínica delis. 84 a 86, resulta que naquela primeira data a ofendida se deslocou ao hospital, mas referindo que os actos de agressão ocorreram na véspera dessa ida;
- o arguido tenha desferido no dia 1-03-2010 ou 28-02-2010, uma bofetada na cara de M., bem como dois pontapés e pelo facto de não gostar de ser confrontado por aquela quanto a alegados relacionamentos extraconjugais, pois nenhum dado de prova, nem sequer as próprias declarações da ofendida o sustentaram;
- o arguido tenha dito no decurso das discussões com a ofendida que há-de chegar uma altura que nem os cães te pegam pois a ofendida não o sustentou, nem nenhuma outra prova, bem como que tenha sido mais do que urna vez que o arguido lhe disse para se atirar da ponte abaixo, ante o próprio depoimento daquela;
- em data não apurada de 2011, quando o arguido retirou o telemóvel à ofendida, que lhe tenha dado uma pancada na boca, pois o arguido negou-o e M. também não o sustentou.
Por fim, quanto às condições pessoais e de vida do arguido e da ofendida, o tribunal considerou as suas declarações, e quanto aos antecedentes criminais do primeiro, o tribunal valorou o certificado de registo criminal junto aos autos.


3. Apreciação dos fundamentos do recurso:
Observa-se dos autos que inexistem (nem, de resto, foram invocados) quaisquer dos vícios previstos no n.° 2, do artigo 410.°, do Código de Processo Penal, bem como que não se impugna a matéria de facto dada como provada/não provada.
No relativo à pretensão jurisdicional formulada pelo recorrente, note-se que, a propósito, se escreve em sede da sentença revidenda não se poder
considerar o desvalor do resultado muito relevante, pois tal importou 3 dias de doença para aquela, com um de incapacidade para o trabalho (com o desvalor da acção a ter-se por repartido em dois actos - uma bofetada e um pontapé), ter agido o arguido na sequência da ofendida estar a discutir com ele, irromper pelo quarto onde estava, e desferir-lhe um empurrão, ao mesmo tempo que o apodava de cobarde, estar o arguido está bem integrado socialmente, pois trabalha como agente da PSP, angariando dessa forma o seu sustento, e goza de apoio familiar, vivendo com a filha do casal, continuarem, actualmente, o arguido e Maria Madalena Ferreira continuam a viver na casa de morada de família, mas fazendo vidas separadas, ser o arguido pessoa de condição económica algo modesta, auferindo mensalmente cerca de € 1100, 00, repartindo as despesas com a ofendida, entre elas o pagamento de empréstimo contraído para a aquisição de habitação, no valor mensal de € 600, 00, a que acresce que o arguido suporta ainda o pagamento da pensão de alimentos a outro filho menor, no valor mensal de €120 a € 150, 00, e por ter prestado a garantia de fiança a um terceiro, está actualmente a suportar uma renda no valor mensal de € 180,00, não ter o arguido antecedentes criminais, e não se encontrarem verificados os pressupostos para a dispensa de pena vertidos no artigo 143. ° n.° 3, alínea b), do Código Penal, apesar do arguido adoptar estes comportamentos, quando foi a ofendida que, em primeiro lugar, o insultou e desferiu um empurrão por, nos termos genéricos que dali constam, não se poder considerar haver equiparação em termos de gravidade e uma
compensação entre os actos de um e os de outro, sendo os do arguido claramente mais graves, não ficando com tal asseguradas as finalidades da punição, tudo por, invocadamente, se ter em atenção que são altos os índices de criminalidade da região, e que este tipo de crime assume uma frequência algo elevada, mesmo considerando-se que as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir neste caso são algo reduzidas, tudo levando a crer que estes actos surgiram num circunstancialismo muito específico, mais concretamente a forte conflitualidade existente em sede de rotura conjugal.
O Código de Processo Penal dispõe, no seu artigo 40.°, que a
aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, e, no artigo 71.°, n.° 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção .
Em sede da medida concreta da pena há que ponderar como parâmetros a culpa, a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma moldura de prevenção, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e a prevenção especial.
Assim, para lá da prevenção especial positiva e sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa -, a função primordial da pena consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sendo que a culpa, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
É neste contexto de circunstâncias, envolventes e envolvidas, que,neste Tribunal, se explana, com adequação, no parecer formulado pela Ex.a Procuradora-Geral Adjunta:
O art° 143. 0, n.° 3, ai. b), do C. P., estabelece que, em caso de condenação pelo crime de ofensa à integridade física simples, o tribunal pode dispensar da pena quando o agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor, sendo requisitos da sua aplicabilidade os constantes no n° 1 do artigo 74., do Código Penal: a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas; b) O dano tiver sido reparado; e, c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.
Apreciando a actuação do arguido, vemos que ficou provado que a queixosa entrou no quarto onde o arguido estava - onde se refugiou, pois ficou provado que os factos aconteceram no decurso de uma contenda entre ambos - e ao mesmo tempo que o chamava de cobarde, desferiu-lhe um empurrão. Acto contínuo, o arguido reagiu, dando-lhe uma bofetada e um pontapé que determinaram 3 dias de doença à queixosa, sem sequelas.
Tudo se passou, como está amplamente demonstrado na decisão em crise, num quadro de intensa conflitualidade conjugal, recheada de agressões verbais e físicas, mútuas.
Como fica espelhado, nunca a superioridade física do arguido foi impeditiva do comportamento guerreiro da vítima, razão porque e sempre se agrediam mutuamente, por palavras, acções e danos.
E só isso e por isso, se compreende que a vítima, bem ciente da superioridade física do arguido, tenha ido atrás dele, entrado no quarto onde o encontrou sentado na cama, e o tenha apelidado de cobarde e empurrado.
A reacção instintiva do arguido à agressão, não é manifestamente desproporcional, embora ilícita, sendo muito difícil, num quadro de desvario emocional, reflectido na matéria de facto, escolher criteriosamente as ofensas que corresponderiam a uma equivalência na agressão. O arguido respondeu, num quadro emocional, acto contínuo, retorquindo como pôde à agressão de que estava a ser vítima.
E aqui é que teremos de discordar da decisão pois temos para nós que quer a culpa, quer a ilicitude se revelam diminutas. Pelo quadro conflitual em que foram produzidas as agressões - o arguido retirou-se da contenda e foi a vítima que foi ter com ele, perpetuando-a -, pelas diminutas lesões corporais, pela ausência de sequelas, pelo bom comportamento do arguido, por consistirem em resposta a agressão.
Como é referido no Ac. n° 258/13.5PBLMG. C1, do TRC, de 16/12/2015 Para se poder falar em retorsão é preciso que o agente se limite a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física. A atenuação da ilicitude da conduta do agente encontra fundamento na desculpação em virtude da especial situação emocional desencadeada pela provocação que a primeira ofensa corporal traduz (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 1, pág. 221).
Especial situação emocional que obriga à justa ponderação da existência de excesso ou desproporção excessiva e indesculpável na retorsão. Não foi manifestamente o caso, até porque e não podemos ignorá-lo, os homens e as mulheres não se exprimem, nesta matéria, de maneira idêntica!
Assentando a retorsão num princípio de resposta a ofensa à integridade física praticada pelo arguido encontra-se numa relação causal com a ofensa de que fora vítima, tendo ocorrido entre as mesmas pessoas e no mesmo acto , e mostrando-se verificado o carácter imediato da reacção do agente, necessário para se poder falar em retorsão , in Ac da Relação do Porto de 10/10/2012, proferido no Proc. n.° 1112/10. 8PHMTS.P1, sendo a proporcionalidade e equivalência apenas elementos determinantes para avaliar se a resposta excedeu, dentro do quadro avaliado, uma resposta admissível.
E que, como se assinala, o acto de retorquir supõe, por um lado, uma acção imediata determinada por aquela a que o recorrente respondeu, e para lá de ser, ou não, da mesma natureza, e da, ao menos aparente, divergência de interpretação do conceito em Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, em anotação ao artigo 143.° (quando menciona que a alínea b), do n.° 3, se reporta a situações nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do/a ofendido/a) por menção ao expresso por Leal Henriques e Situas Santos, in Código Penal Anotado (quando o aferem às situações em que o agente retribui agressão de que foi vítima).
Ou seja, considerando-se a natureza e intensidade dos factos/ilicitude/culpa em presença, nos termos, conjugados, dos artigos 74.0, n.°s 1 e 3, e 143.°, n.° 3, alínea b), do Código Penal, haverá que dispensar o arguido, S., da pena imposta nos presentes autos, inexistindo obrigação de o recorrente ter de indemnizar aquela M. e/ou de ter de lhe efectuar qualquer reparação, na qual, de resto, a mesma, como se assinala na sentença, manifestou não ter interesse.

III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso, dispensando-se o arguido da pena imposta.
Notifique.
Lisboa, 2016.05.12.
(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o 1.° signatário)