Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 12-05-2016   Liberdade Condicional. Pressupostos materiais. Prevenção Especial.
I-A concessão da liberdade condicional depende não só da verificação dos requisitos formais, mas também dos pressupostos materiais.
II- Verificando-se que o arguido/ recluso não regista, em meio prisional, sanções disciplinares, não foi condenado por outros crimes, antes ou depois daquele cuja pena cumpre, e assumiu a prática do crime, verificam-se os pressupostos materiais para que lhe seja concedida a liberdade condicional.
Proc. 1727/14.5TXLSB-D.L1 9ª Secção
Desembargadores:  Calheiros da Gama - Antero Luís - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
1. Por decisão de 11 de dezembro de 2015 da Mma. Juíza do Juiz 6 do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa (antigo 4° Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa), não foi concedida (aos 2/3 da pena) a liberdade condicional ao condenado A., que também usa S., natural da Guiné-Bissau, onde nasceu 10 de maio de 1968, e de que é cidadão, melhor id. nos autos, recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, a cumprir, no âmbito do proc. n.° 140/07.5JAFUN, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro.
2. A. inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
A- Os pressupostos formais e materiais enumerados na sentença recorrida aconselham decisão diferente, ou seja, a concessão da liberdade condicional ao recluso A..
B- A maioria dos pareceres expressos nos autos, e inclusive os pareceres referidos na Acta da Reunião do Conselho Técnico, são igualmente favoráveis à concessão da liberdade condicional.

C- Sendo certo que estes pareceres (Serviço de Vigilância e Segurança e Área do Tratamento Penitenciário), bem como dos Serviços de Educação, delis. 213 a 275, são os que melhor conhecem o recluso, pelo acompanhamento diário dentro do E.P..
D- Com a situação factual supra descrita, a denegação da liberdade condicional e renovação da instância daqui a um ano, é manifestamente injusta.
E- O recluso A. é cidadão estrangeiro, natural da Guiné-Bissau, condenado num contexto de transporte de produto estupefaciente, declarando que o seu projecto futuro passa pelo regresso ao seu país de origem onde refere ter a sua vida pessoal, profissional e habitacional organizada.
F- Contrariamente ao decidido, seria mais sensato, salvo o devido respeito, proceder em analogia com o regime estabelecido no arte. 188°-A, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade para cidadãos estrangeiros condenados em pena acessória de expulsão;
G- A sentença recorrida, denegando a liberdade condicional ao recluso A. e 'forçando-o a cumprir praticamente toda a pena, já que o T.E.P. somente o reapreciará nos finais de 2016, viola os mais elementares princípios de justiça (efr. pressupostos formais e materiais e respectivos pareceres), e, designadamente, o artigo 61°, n° 3, do Código Penal.
Devendo, por isso, ser revogada, como requerido, a bem da Justiça. (fim de transcrição).
3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 34.
4. O Ministério Público na 1.a instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento (cfr. fls. 36 a 44).
5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs o seu visto e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo recluso (cfr.
fls. 115).
6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.°, n.° 2, do Código
de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.
7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver
razões para a rejeição do recurso.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
A questão colocada no recurso é, em síntese, a de que existem condições que permitem fazer um prognóstico individualizado favorável à reinserção social do condenado, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional.
2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que, na parte que ora releva, é do seguinte teor:
Posto isto, revertendo ao caso, cumpre verificar dos pressupostos acima enunciados.
/)ns pressupostos formais
O recluso cumpre a pena de 4 anos e 6 meses de prisão à ordem do proc. 140/O7.5JAFUN, da 1 ° Varas de Competência Mista do Funchal, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21°, n. ° 1, do DL 15/93, de 22.01.

Foi efectuado o cômputo nos seguintes termos:
- Início do cumprimento: 07.10.2014 (havendo a descontar o período de privação da liberdade entre 20.05.2007 até 31.03.2009);
- Meio da pena: 27.02.2015;
- Dois terços da pena: 27.11.2015;
- Termo da pena: 27.05.2017.

Mostram-se verificados os pressupostos formais para a reapreciaçao da liberdade condicional, uma vez que o recluso já cumpriu dois terços da pena e declarou aceitar a sua eventual libertação condicional.


Dos pressupostos:
Considerando a análise conjugada dos elementos existentes nos autos, em especial a certidão da decisão condenatória, o CRC, a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a acta da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o parecer da Sr.a Directora do EP, o relatório da DGRS e o relatório dos SEE do EP, pode dar-se como demonstrado o seguinte quadro factual:
1.Não regista antecedentes criminais;
2.E o segundo de seis irmãos germanos, os quais residem na Guiné, tal como os seus filhos;
3. Completou o 6° ano de escolaridade, na Guiné e, com cerca de 18 anos de idade, começou a trabalhar no comércio e autonomizou-se;
4. Em 2001 imigrou para Portugal, conseguindo regularmente trabalho como armador de ferro, profissão que exerceu até ficar desempregado, algum tempo antes de estar preso,
5. Assume o crime, que justifica com necessidades económicas, decorrentes da situação de desemprego;
6.Em meio prisional, não regista sanções disciplinares;
7.Encontra-se integrado laboralmente desde 14 de Maio de 2015;
8.Não frequenta o ensino;
9. Não está integrado em nenhuma actividade sócio cultural ou qualquer outro programa específico;
10.Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena;
11.Em meio livre, pretende ir viver com uma prima, em Lisboa;
12.Não tem projecto concreto de trabalho, pretendendo procurar emprego na área da construção civil.

Do quadro factual supra traçado e da consideração articulada dos pareceres do Conselho Técnico e do Ministério Público, resulta que não se mostram verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional.
Com efeito, e pese embora o percurso prisional do recluso comece a denotar alguma evolução, sobretudo ao nível do aumento de competências com a sua integração a nível laboral desde 14 de Maio de 2015, revela ainda fraca consciência crítica relativamente ao crime por si praticado, que desculpabiliza com necessidades económicas decorrentes da situação de desemprego (cfr. auto de audição) - situação que, ao que tudo indica, se mantém, pois o recluso não tem qualquer projecto concreto de trabalho -, o que deixa facilmente antever, pese embora a verbalização (fácil) de arrependimento em sede de audição, que continua a necessitar de consolidar a sua motivação e de desenvolver estratégias de resolução de problemas e adequação às normas sociais, importando ainda trabalhar as suas capacidades reflexivas e consequenciais para em meio livre ser capaz de se integrar e se abster da prática de actos ilícitos.
A este propósito, escreveu-se no relatório da DGRSP (contrariando os SAEP - que, diga-se, pese embora tenham emitido parecer favorável, não deixaram de referir que o recluso parece ter tomado consciência do desvalor da sua conduta deixando pois antever algumas reservas neste particular), que o arguido Continua a manifestar reduzido juizo-crítico e auto-análise e a apresentar dados contraditórios sobre o apoio no exterior, pelo que ... continua a necessitar de realizar uma reflexão e interiorização mais assertiva e consolidada quanto à assumpção e valorização dos factos cometidos, sem a qual dificilmente alterará condutas menos adaptadas socialmente o que se mostrou corroborado pela consciência crítica ambivalente demonstrada em sede de audição.
Reforçando o que acima se deixou dito, a par de tudo isto há ainda que enfatizar que não beneficia de qualquer apoio exterior verdadeiramente consistente (de notar que existe contradição por parte do recluso em relação ao seus projectos de vida, mesmo no que tange ao local onde irá viver, se tivermos em conta o referido no auto de audição e o apurado, junto do próprio, pelos DGRSP (cfr. relatório respectivo, rubrica Inserção sócio familiar'), a que acresce a já referida falta de perspectivas laborais concretas, persistindo, pois, ainda mais tendo em conta as motivação do crime (grave) que praticou (e no qual teve uma participação, activa, como decorre do acórdão condenatório), fortes factores de risco e de perigo de reincidência.
Importa ainda fazer notar que nunca beneficiou de medidas de flexibilização da pena, não tendo, assim, ainda, sido testado o seu comportamento em meio livre, o que no caso assume particular relevância, considerando a personalidade e fragilidades reveladas pelo recluso. Entendendo-se, pois que, nesta fase de execução da pena com termo previsto para 27.05.2017, há que observar o arguido durante um período mais alargado de tempo, consolidar o seu percurso prisional (começou há relativamente pouco tempo a trabalhar), testá-lo, se para tal estiverem reunidos os pressupostos necessários, em meio livre, com vista a poder aferir-se, com a certeza e segurança exigíveis, que, quando em liberdade, mesmo em contextos adversos, não cometerá novos crimes e se comportará de forma socialmente responsável.
Tudo para concluir, que os factos acima referidos, o tipo de crime cometido, a sua motivação, a forma como foi praticado e o juízo crítico ambivalente manifestado em relação ao mesmo, evidenciam ainda a necessidade de consolidação do percurso prisional do recluso, com vista a uma efectiva consciencialização do desvalor da sua conduta e da sua reinserção, dado permanecerem factores de risco de reincidência.
Nas palavras de Jescheck (Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, págs. 1152 e 1153), o tribunal deve correr um risco prudente, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que é manifestamente o caso dos autos.
Por tudo isso, por ora, não pode ser concedida a liberdade condicional. (fim de transcrição).

Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.

O legislador neste marco da pena, cumpridos que estão 2/3 (dois terços), abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o/a condenado/a já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, aos dois terços da pena temos apenas como requisito a expectativa de que o condenado em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja a tónica é colocada na prevenção especial, na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no respeitante aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes (art.s 40.° e 42.° do Cód. Penal).
Dito isto, começaremos por lembrar aqui, por um lado, que a finalidade das penas é reintegrar, ressocializar e recuperar o condenado para a sociedade, ou seja, dito de outro modo, a visão filosófica e sociológica do fim das penas procura devolver o homem ao meio social, para que este retorne os caminhos dos valores humanistas e éticos, e, por outro lado, que estes pressupostos também acompanham os fins que se visam com a medida de liberdade condicional.
Assinale-se também que:
1° - A liberdade condicional não é in casu de aplicação automática;
2° - O instituto da liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta prisional, é, sim, uma modificação da pena de prisão, configurando-se como uma sanção não jurisdicional, tal como a suspensão da pena ou o regime de prova;
3° - A liberdade condicional é concedida na presunção de que a pessoa reúne condições de prognose de bom comportamento, criando-se uma cautelosa fase de transição entre uma longa prisão e a plena liberdade, período durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão, e só a prova de que está definitivamente prejudicada a possibilidade do libertado condicionalmente recobrar o sentido de orientação social poderá conduzir a considerar ilidida a referida presunção.

O Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português - Parte Geral II. As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pp. 538 e 539, defende que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» - no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade, ou seja, no sentido da liberdade condicional dever ser tendencialmente entendida nos quadros da prevenção especial.
Vd. também com interesse Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, 17a edição (2005), a págs. 227/230, designadamente, quando, a dado passo (anotação 2. ao art° 61 °), refere que o Prof. Ivar Strahl (um dos autores do Cód. Penal sueco de 1965) justifica a liberdade condicional com a ideia de que a colaboração do
preso em liberdade antes de terminado o prazo de cumprimento da pena, sujeito a vigilância e sob ameaça de cumprir o resto da pena no caso de mau comportamento, exerce pressão sobre ele, completando assim a sua reinserção social, isto especialmente nos casos de prognóstico sombrio. E mais adiante (anotação 4. ao mesmo artigo 61°): A proximidade de uma libertação definitiva e incondicional, a par da exigência do condicionalismo da al. a) do n° 2, aconselham que mesmo com algum risco remoto no que respeita à defesa da ordem jurídica e da paz social se faça a experiência da liberdade condicional que é também um meio seguro do Estado não largar inteiramente mão do condenado. (fim de transcrição).
Como doutamente se expendeu na decisão ora recorrida, em sede da sua fundamentação de direito, aliás, em sintonia com o que reiteradamente já deixámos consignado noutros processos (vd., entre outros, n/acórdãos de 30 de Janeiro de 2013, 30 de Outubro de 2014 e 22 de Julho de 2015, proferidos, respetivamente, nos processos n.°s 778/11.6TXLSB-H.L1, 3317/10.2TXLSB-L.L1 e 6600/10.3TXLSB-0-L1:
Sob a epígrafe Finalidades das Penas e das Medidas de Segurança, estabelece o n. ° 1 do art. 40. ° do Código Penal que a aplicação de penas ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade .

Por seu turno, dispõe o art. 42. ° n. ° 1 do mesmo Código que a ... execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes .
Sublinhe-se que o nosso Código Penal contempla um sistema punitivo alicerçado no entendimento de que a pena deve visar a proteção dos bens jurídicos - prevenção geral positiva - e a reintegração do agente na sociedade - prevenção especial positiva.
A liberdade condicional é uma medida de flexibilização da pena de prisão que visa criar um período de transição entre a reclusão prisional e a liberdade definitiva, durante o qual o condenado possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, enfraquecido por efeito da prisão e, assim, atingir uma adequada reintegração social, satisfazendo-se o preceituado no supra citado art. 40. ° n. ° 1 do Código Penal (cfr. n. ° 9 do Preâmbulo do Dec.-Lei n° 400182, de 23 de Setembro, e A. M. de Almeida Costa Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português in boletim da Faculdade da Universidade de Coimbra, Vol. LXV, 1989, págs 433 e 434).
Como refere ainda Figueiredo Dias (in obra citada a págs. 529-30, 5534), a 'f
nalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre - e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal - visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele .
Sobre o instituto da liberdade condicional regem, em termos substantivos, os artigos 61. ° a 64. ° do Código Penal onde, a par de uma liberdade condicional facultativa, se consagra uma liberdade condicional necessária, esta consagrada no n. ° 4 do art. 61. 'do Código Penal. (fim de transcrição).
In casu a apreciação da liberdade condicional ter-se-á de fazer
com referência aos 2/3 da pena, já atingidos em 27 de novembro de 2015.
Sendo que, como resulta dos autos, o recorrente prestou,
oportunamente, consentimento à concessão do regime de liberdade condicional.
Atento o disposto no art. 61.°, n.°s 1 e 3 do C. Penal, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando este der o
seu consentimento e se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses se for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Quanto aos requisitos de ordem formal não se questiona que os mesmos se mostram preenchidos, a questão coloca-se, assim e tão-só, quanto à verificação ou não dos pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional a A..
O mencionado juízo de prognose, a que teremos de atentar, depende do conhecimento tanto quanto possível perfeito das grandezas que condicionam o comportamento criminoso: a individualidade humana com todas as suas incógnitas e o mundo social com todos os seus imprevistos. A previsão da conduta futura do indivíduo delinquente (prognose criminal individual) deve assentar na análise dos seguintes elementos:
a) As concretas circunstâncias do caso;
b) A vida anterior do agente;
c) A sua personalidade;
d) A evolução desta durante a execução da pena de prisão.
No caso em apreço, o recorrente, como se disse, atingiu em 27 de novembro de 2015 os 2/3 da pena de prisão em que foi condenado, pelo que a liberdade condicional facultativa pode ter lugar se ela se revelar adequada às necessidades de prevenção especial. A concessão da liberdade condicional, na situação em apreço, está dependente de requisitos materiais em que se acentuam apenas razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social.
Para aferir da verificação de tal requisito, há que ter em atenção as repercussões que o cumprimento da pena estão a ter na personalidade do condenado A. e que podem vir a ter na sua vida futura.
Deste modo, para além da vontade subjetiva do condenado, é, inquestionavelmente, relevante a capacidade objetiva de readaptação demonstrada pelo recluso, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da restituição à liberdade, o que só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, adote um comportamento socialmente responsável, do ponto de vista criminal.
Assim, não será tão decisivo o bom comportamento institucional durante a reclusão' (que no caso concreto até se verifica, pois em meio prisional, como provado, não regista sanções disciplinares), mas os índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior (em que releva não registar antecedentes criminais) e posterior à sua condenação (embora não frequente o ensino - tem de habilitações o 6° ano de escolaridade - e, apesar de não estar no EP integrado em nenhuma atividade sócio cultural ou qualquer outro programa específico, encontra-se integrado laboralmente desde 14 de Maio de 2015), bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da pena de prisão, em que ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena, assumindo o crime, embora justificando-o com necessidades económicas, decorrentes da situação de desemprego.
Assim, independentemente da relevância de quaisquer disposições manifestadas pelo recluso, aquilo que deverá guiar o Tribunal na sua decisão serão os elementos de prova, necessariamente mais objetivos, provenientes da análise efetuada pelos serviços e instituições competentes a respeito da efetiva evolução desse mesmo recluso durante o período de execução da pena de prisão, desde logo no que se refere à sua atitude face ao crime cometido e às suas reais perspetivas de efetiva inserção social, tendo para além do mais em conta as características do crime por si praticado, que in casu foi o de tráfico de estupefacientes2. Se bem que a gravidade do tipo de crime cometido pelo arguido não releva
1. Pois «o meio prisional - enquanto organização de vida auto-imposta ao recluso - não emula perfeitamente o meio social livre, em que, para além do auto-sustento, o indivíduo tem que auto-controlar todas as componentes da sua actividade e os impulsos que lhe subjazem».
2. Foi dado por assente, no acórdão proferido no proc. 140/07.5JAFUN, em 19 de fevereiro de 2009 (transitado em julgado em 21 de julho desse mesmo ano), que o condenou à pena que ora cumpre, que: No dia 20 de Maio de 2007, domingo, pelas 15h15m, o arguido Samba Baldê chegou ao aeroporto da Madeira, no voo N1209, da PGA - Portugália, proveniente de Lisboa. À chegada ao aeroporto, o arguido Samba Baldé foi abordado por inspectores da Policia Judiciária e conduzido até à sala desta Policia, onde depois de despir as calças se constatou que o arguido trazia consigo, escondidas dentro das cuecas, três embalagens em plástico, duas deforma oval, contendo no total 506,5 gramas de cocaína (peso bruto) e a outra deforma cúbica, contendo no interior 516,6 gramas de heroína (peso bruto) (fis. 1383 e 339, 347). Pelo transporte do produto estupefaciente até esta RAM,, o arguido iria receber a quantia de e 2.000, 00 (dois mil euros). (cfr. factos provados sob os n.°s e 32 a 32).

Enquanto tal nesta sede (o regime da liberdade condicional não está excluído quanto a alguma categoria de crimes). Aliás, a pena em que o recorrente foi condenado (4 anos e 6 meses de prisão) situa-se muito próximo do mínimo da moldura abstrata correspondente (quatro anos) não pode dizer-se que a gravidade do crime seja reveladora de uma personalidade propensa à prática futura de outros crimes.
Tal como resulta dos autos, quer o Ministério Público quer o Conselho Técnico por maioria (cfr. ata da reunião de fls. 22), entidades envolvidas neste processo para eventual concessão de liberdade condicional ao recluso Alassana Baldé, deram parecer desfavorável. Importa, porém, salientar, que nesse órgão e sessão emitiram parecer favorável o Chefe do Serviço de Vigilância e Segurança do EP e o Responsável para a área do tratamento penitenciário. Por outro lado, importa também sublinhá-lo, se é certo que em sede de Conselho Técnico reunido em 27 de novembro de 2915, como resulta da referida ata da reunião de fls. 22, a Coordenadora da equipa dos serviços de reinserção social deu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao recluso Alassana Baldé, não é menos verdade que, em sentido contrário, isto é favoravelmente, se havia pronunciado a Técnica de reinserção social da DGRSP (Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) que elaborou e subscreveu o relatório de fls. 11 a 13 vo, remetido aos autos em 2 de outubro de 2015, em que no final do mesmo conclui
existir condições de reinserção social compatíveis com a eventual concessão de liberdade condicional (sic)3.
Acresce que, em termos de relatórios prévios também o de fls. 18 a 20, datado de 7 de outubro de 2015, elaborado e subscrito por Técnica dos SAEP da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, se pronunciou favoravelmente quanto à concessão de liberdade condicional a Alassana Baldé.
3. Naquele relatório na frase, em letra de imprensa, constante de fls. 13 v°: Face ao exposto, consideramos que continuam a existir condições de reinserção social compatíveis com a eventual concessão de liberdade condicional. aparece entrelinhado, em letra manuscrita a lápis, entre as palavras continuam a e existir, a palavra não seguida, entre parêntesis, da palavra lapso. Porém, nos moldes em que tal entrelinha está elaborada, sem qualquer devida ressalva, podendo ser facilmente eliminada e desconhecendo-se a sua autoria, como se imporia, não tem para nós qualquer valor.

É certo que Tribunal de Execução das Penas não está, contudo, vinculado aos referidos pareceres técnicos. Porém, não pode deixar de os considerar na sua avaliação, bem como deve ter presente da inexistência de unanimidade.
Quanto às exigências da prevenção especial e ao prognóstico relativo à prática futura de crimes pelo recorrente, entende a decisão recorrida que essas exigências e esse prognóstico impõem a recusa da concessão ao recorrente do regime de liberdade condicional.
A decisão recorrida fundamenta esta sua conclusão na
necessidade de consolidação do percurso prisional do recluso, com vista a uma efectiva consciencialização do desvalor da sua conduta e da sua reinserção, dado permanecerem factores de risco de reincidência
perante o que, no entender do Tribunal a quo, evidenciam os factos
acima referidos, o tipo de crime cometido, a sua motivação, a forma como foi praticado e o juízo crítico ambivalente manifestado em relação ao mesmo .
Seja como for, é de salientar, a este propósito, que o regime do Código Penal em apreço se satisfaz, para a concessão de liberdade condicional, com um prognóstico favorável quanto à prática de futuros crimes pelo condenado, não exige alguma especial e benévola caraterística de personalidade, ou alguma adesão moral e interior do recluso à pauta de valores que está na base do ordenamento jurídico. Essa adesão é desejável, pois a internalização da norma é sempre obviamente preferível à sua simples observância formal e externa, mas não exigível, pois o direito penal situa-se num âmbito distinto do da moral (ver, a este respeito, entre outros, Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária, Coimbra Editora, 2000, pgs. 52 a 63).
Assim sendo, não se afigura que no caso vertente, seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado revele deficiente avaliação crítica e alguma desresponsabilização face ao crime, sendo certo ele não deixou de o assumir e de manifestar arrependimento (atente-se que na sua audição - vd. auto de fls. 23 - disse estar arrependido e consciente das
consequências do crime de tráfico de droga, para a saúde das vítimas),
se dessa sua postura não resulta que há perigo de ele vir a cometer novos crimes.
Tal como, para se concluir que há perigo da prática de futuros crimes, não é relevante per se que qualquer condenado revele uma personalidade infantil e imatura. O que in casu nem sucede.
Na perspetiva que agora releva, relativa ao prognóstico da prática de futuros crimes, há que considerar que o recorrente não tem outras condenações e que assume o crime mostrando arrependimento, circunstâncias que apontam no sentido do caráter ocasional da prática do crime que levou à sua condenação.
E embora não decisivo como supra já afirmámos, também é relevante o bom comportamento prisional do recorrente. É certo que o bom comportamento (no sentido do respeito pelas normas vigentes) em contexto prisional não assegura necessariamente o bom comportamento em meio livre e sem hetero-controlo. Mas o regime de liberdade condicional (que representa uma transição entre o controlo próprio do meio prisional e a ausência de controlo própria da liberdade definitiva e que está sempre sujeito a revogação) justifica-se precisamente por isso.
Não deixa de ser, também, relevante o apoio familiar de que o recorrente beneficia no exterior, aparentemente da mulher e de uma prima, residente na Falagueira - Amadora, sendo que Recebe visitas regulares como deixou consignado nos autos a Diretora do Estabelecimento Prisional.
Atente-se que o ora recorrente vive em Portugal desde 20014, ou seja há mais de 15 anos, e nosso país apresentou, de 2002 a 2006, regularmente a Declaração de Rendimentos (com excepção de 2004); sendo os rendimentos declarados os seguintes: (...)5.
Verifica-se, deste modo, o pressuposto referido na alínea a) do n.° 2 do artigo 61.° do Código Penal.
Destarte, tudo visto e ponderado, merece, pois, o recorrente beneficiar do regime de liberdade condicional, sendo que o que ora se decidirá em nada contraria a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria pelo seu Acórdão n.° 14/2009, de 21 de novembro de 2009.
A não ser assim, na prática, e voltando apenas o recorrente a ver reapreciada a sua situação aos 5/6 da pena, acabaria por cumprir a quase integralidade da pena em efetiva reclusão, sendo que não é isso que a lei
4. Como igualmente provado sob o n.° 115 do citado acórdão proferido no proc. 140/07.5JAFUN.
5. Idem sob o facto provado n.° 97, devendo atentar-se que o acórdão em causa foi proferido em 19 de fevereiro de 2009 estabelece.

III - Decisão

Tudo visto e ponderado, decide-se conceder provimento ao recurso e, nessa conformidade, revoga-se a decisão recorrida determinando-se que o recorrente A. beneficie do regime de liberdade condicional, relativamente aos 2/3 da pena de prisão já cumprida, com as seguintes condições:
- residir em morada certa a fixar pelo tribunal, que o condenado deverá indicar ao ser libertado ou no prazo máximo de 72 horas;
- aceitar a tutela da equipa de Reinserção Social da DGRSP;
- dedicar-se à procura ativa de emprego e, uma vez este obtido, dedicar-se ao trabalho com regularidade; e
- manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.
Não há lugar a custas (artigo 153/prct. a contrario, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
Notifique e comunique, de imediato, ao Tribunal de Execução das Penas de Lisboa.
Passem-se mandados de soItura, para imediata libertação do condenado A. (salvo se a prisão se dever manter por outro processo) remetendo-os, com cópia da presente decisão, à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) para o seu cumprimento.
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por catorze páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exm° Juiz Desembargador Adjunto - art. 94.°, n.° 2 do CPP)
Lisboa, 12 de maio de 2016
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