I- A conclusão de que os factos referidos no requerimento de recusa de juiz apresentada pelo arguido têm objectiva e persistentemente o intuito de prejudicar o requerente, não pode por si só justificar o requerimento de recusa, visto que.
II- O simples receio ou temor de que o juiz no seu subconsciente já tenha formulado um juízo sobre o thema decidendum, não pode servir de fundamento para a recusa deste. Há que demonstrar e provar elementos concretos que constituam motivo de especial gravidade.
Proc. 122/13.8TELSB-AH.L1 5ª Secção
Desembargadores: Cid Geraldo - Ana Sebastião - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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PROC. 122/13.8TELSB
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
1. - No âmbito do processo nuipc 122/13.8TELSB, a correr termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) veio o arguido J… requerer, nos termos dos artigos 43.° e seguintes do Código de Processo Penal, a recusa do Sr. Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) Dr. C… por considerar a intervenção do mesmo no referido processo suspeita de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, vistos os motivos, sérios e graves, indicados no seu requerimento de recusa.
São, segundo o requerente, os seguintes:
“…
1.
Ao longo dos já mais de três anos por que dura este processo, evitou o Requerente apresentar este requerimento. Tinha, para tanto, fundamentos bastantes, que ainda subsistem. Não o fez, porém, por entender que os agravos que foi sofrendo - com o apoio cúmplice do Senhor Dr. C…, o investido Juiz das Liberdades e das Garantias, à violência e à injustiça que lhe foram sendo dirigidas - não poderiam sobrelevar o respeito que lhe devem merecer os Tribunais do seu Pais, o mesmo respeito que motivou, em Novembro de 2014, logo que soube da detenção de um dos seu melhores amigos e do seu motorista, a regressar imediatamente a Portugal e a disponibilizar-se formalmente - por e-mail e telefonicamente, através do seu advogado para se apresentar e prestar todos os esclarecimentos necessários às competentes autoridades, judiciárias.
2.
Entretanto, na noite de 7 de Setembro, a estação de televisão SIC transmitiu uma entrevista do Senhor Dr. C… (ou um monólogo apoiado, do Senhor Dr. C…). no decurso do qual o Senhor Juiz comunicou ao País factos que entendeu relevantes e interessantes da sua vida pessoal mas também, e para o que aqui interessa, as considerações e insinuações que considerou apropriadas acerca do Requerente e acerca deste processo - não sendo de presumir em Vossa Excelência a extraordinária ingenuidade de acreditar no propósito enunciado, de não referência a casos concretos (cfr. transcrição particular da citada entrevista).
3.
Na entrevista, a pretexto de transmitir as suas recordações de infância, a sua vocação sacerdotal, as suas hipotecas, as horas extraordinárias e os fins de semana a ganhar algum dinheiro, o Senhor Juiz agora recusado dedicou-se a falar do Requerente e deste Processo, de que ele é o Juiz titular.
- Em primeiro lugar, fixando um quadro moral de referência, que ele ocupa com os seus valores (a modéstia, a austeridade, o trabalho honrado, que lhe não deixa tempo para estudar, escrever livros, frequentar seminários, que lhe permitiriam progredir na carreira, que inculca como um luxo para outros, a que ele se não pode permitir, as boas contas que cultiva), e do qual exclui o Requerente, por contra posição de dados transmitidos publicamente ao longo do processo e supostamente geralmente adquiridos como certos (a vida luxuosa, em Paris e arredores);
- E, em segundo lugar, a partir do campo comparativo de valores morais e sociais que escolheu como espaço de debate, assacar ao Requerente, como judicialmente assentes e comprovados, os males e culpas que bem entendeu,
4.
Apesar de ser evidente, e ser unânime o entendimento de ser ao Requerente que o Senhor Juiz sempre se referiu e quis referir, apontou-o e nomeou-o por uma única vez - e foi a única pessoa que nomeou durante a entrevista - como causador da perda de rendimentos, dele e dos Juízes, em geral: os primeiros cones nas remunerações dos Juízes foi o primeiro Governo do Engenheiro J… ;
5.
Afirmou, sem lhe ser perguntado e a despropósito, ter o Requerente dinheiro em contas de amigos, através da formulação oblíqua de ele não as ter: não tenho amigos no sentido de pródigos e não tenho dinheiro em nome de amigos, não tenho contas bancárias em nome de amigos
6.
Ou seja, apela a factos (falsos) propalados a partir do processo e que transmite como assentes e comprovados, violando grosseiramente o seu especial dever, como juiz, de ser imparcialidade, de avaliação objetiva, isenta e descomprometida da prova e de respeito pelo princípio da presunção de inocência, para por essa forma declarar o Requerente publicamente culpado, até por saber que, depois de tanta devassa, de tão exaustivo varejo, nem um único elemento probatório, um só documento, um só depoimento, uma só declaração, tenha surgida a comprovar tais asserções, erigidas em elemento essencial e indispensável na construção das imputações dirigidas ao Requerente, e também, na sua difamação - na verdade, bem pelo contrário: todos os meios de prova produzidos na investigado - depoimentos de arguidos, declarações de testemunhas, documentação bancária e demais documentação apreendidas buscas, escutas telefónicas e demais meios e diligências de vigilância - demonstram inequivocamente que o Requerente não tem e nunca teve dinheiro ou contas bancárias em nome de amigos; não haver razão para quaisquer suspeitas.
7.
Além disso, muito gravemente (pelo menos no entender do Requerente), entendeu o Senhor Juiz na dita entrevista distribuir por todos os setores da sociedade ameaças surdas, em nome da sua prodigiosa memória, por referência à informação que recolheu e arquivou no exercício das suas funções, assinalando que a memória e as informações só não o tornam perigoso, como, admite, poderia ser, por apenas se dispor a usar esses recursos para o bem e não para o mal, deixando os decisores económicos, empresariais e políticos e os Juízes dos Tribunais Superiores à mercê dos valores do bem e do mal por que o Senhor Juiz se entenda pautar e da sua boa ou má vontade, administrada arbitrariamente, de se quedar no bem ou de se dedicar ao mal:
- Eu conheço muita da realidade económica de alguns, de alguns negócios, de algumas operações bancárias, de algumas decisões políticas, de algumas decisões jurisprudenciais, até atrevo-me o dizê-lo, o que se passa nos bastidores delas, de qualquer uma deste, deste leque, de facto eu conheço muita realidade. E verdade, não nego que conheço muita realidade.
- Podia ser muito perigoso, mas, sabe, eu sou um grande cultor, parece um chavão, da lei moral de Kant, que diz sensivelmente isto, age de uma forma tal que queiras que os outros criam em relação a ti da mesma maneira.
8.
Nesta conversa exclusiva que decidiu ter com a SIC para ser divulgada e editada em horário nobre da cadeia televisa como maior share, como Grande Entrevista e Reportagem Especial. o Senhor Juiz C…e chumbou o teste subjetivo de imparcialidade, dando mostras, como deu, de um interesse pessoal na presente causa e de preconceitos sobre o seu mérito.
9.
Torna-se evidente, assim, que a intervenção do Senhor Juiz recusado corre o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade nos termos e para os efeitos do artigo 43° n° 1 do Código de Processo Penal:
- Por se tratar de Juiz no exercício efetivo de funções jurisdicionais, o que, sem diminuir o seu direito à expressão, que o Requerente lhe reconhece e respeita como não viu respeitado o seu direito pelo Senhor Juiz, que o impediu, ilegalmente (conforme judicialmente declarado) de dar uma entrevista determina, porém, limites impostos pela Constituição, pelas Leis e pelos Tratados, pelos deveres de reserva e de respeito pela presunção de inocência;
- Por se tratar do Juiz que determinou a detenção do Requerente, já se disse que ilegalmente, e determinou e manteve, sem factos e sem provas, a sua prisão preventiva por mais de dez meses;
- Pela circunstância excecional de se tratar do Juiz que desde há doze anos é o único Juiz de Instrução nos mais importantes e mediáticos processos da Justiça portuguesa, em inquéritos cujos prazos máximos legais de duração há muito se esgotaram, mas que prosseguem sem fim nem limites à vista;
- Por se tratar do Juiz que decretou e manteve a prisão preventiva e outras medidas restritivas da liberdade de pessoas que, como o Requerente, continuam sujeitas a esses inquéritos e a essas medidas, sem acusação,
- Por se tratar do Juiz que, há anos, autoriza e valida a devassa da vida do Requerente e das pessoas, vivas e mortas, que a investigação supõe alguma vez que, de perto ou de longe, com ele se relacionaram;
- Por se tratar de um Juiz apontado como suspeito, e não só pelo Requerente, de gerir, de acordo com a sua agenda própria, a divulgação mediatizada de factos e elementos do processo em segredo de justiça, sempre em prejuízo do Requerente;
- Por se tratar de entrevista divulgada 1 semana antes da data anunciada pelo Ministério Público para encerramento do presente inquérito e quando se avolumam os indícios de esse prazo ser, como os anteriores, uma vez mais violado - ao que acorre por antecipação o Senhor Juiz dizendo: Q facto de alguns segmentos desse trabalho de justiça de levarem mais tempo a apresentar resultados, não é sinónimo de que a justiça não funcione.
- Por se tratar de entrevista gravada em momento coevo com a subida ao Tribunal da Relação de um recurso em que o Requerente, denuncia uma decisão do Senhor Juiz, de manutenção de medida de coação restritiva da sua liberdade, tomada sem qualquer ponderação dos meios de prova dos indícios invocados na promoção do Ministério Público para que irrestritamente remete (pura e simplesmente, o Senhor Juiz não teve materialmente tempo), mas confirmando e validando, no caso, que existem indícios de que o dinheiro encontrado em contas bancárias do Engenheiro C… pertence ao Requerente.
- Pela circunstância de ser uma entrevista à SIC a quem praticamente havia sido concedido, em paralelo com o Correio da Manhã, o exclusivo da detenção do Requerente, no dia 21 de novembro de 2014, e cujos jornalistas adjudicados ao tratamento noticioso destes processos são assistentes nos autos.
10.
Que foi ao Requerente que o Senhor Juiz sempre se quis referir e sempre se referiu é reconhecido por todos os comentadores, de todos os setores políticos, que intervêm no espaço público e que reconhecem, por esse modo, ter o Senhor Juiz manifestado um interesse pessoal e direto na causa e preconceitos contra o Requerente que subjazem ao processo a que preside.
11.
Esse interesse pessoal e direto, que o Senhor Juiz recusado manifestou na transmissão pública de factos do processo (não apenas não confirmados, mas contrariados, pela prova produzida), na expressão da convicção pessoal e privada do Senhor Juiz da culpa do Requerente convicção formada à margem (e ao arrepio) do processo e dos procedimentos legalmente devidos , revela-se, ainda, ainda na absoluta falta de autonomia, no já aludido seguidismo, do Senhor Juiz relativamente ao Ministério Público e ao OPC, na violação sistemática da reserva do Juiz, no acolhimento automático e acrítico das promoções do Ministério Público, deixando sem fundamento autónomo os seus despachos.
12.
A cada promoção que defere, a cada requerimento que indefere (conforme o promovido), o Senhor Juiz invariavelmente limita a fundamentação da decisão à remissão para a promoção do Ministério Público, que sempre dá por reproduzido, à qual se arrima, à qual se agasalha, em que se estriba, a qual corrobora, embora sempre acrescentando monotonamente, apelando à fé, que o faz não por falta de ponderação própria e autónoma , mas por simples economia processual e remetendo sempre, a propósito, para o quadro admitido pelo próprio Tribunal Constitucional (vide Ac. do TC de 30-07-2003, proferido no PP 485/03, publicado no DR de II serie de 04-02-2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13-10- 2004, proferido no Pº 5558/04-3)
13.
Montra, este, de que se valeu para tudo e para todas as questões, desde as mais simples, em que a remissão até se poderia justificar, até às mais complexas, mais gravosas e que mais reclamam, sob pena de grosseira ilegalidade, o exercício efetivo do poder jurisdicional, como foi, muito designadamente, o caso da aplicação ao arguido da medida de prisão preventiva (fls. 8.004).
14.
E assim, num processo que já leva mais de 30 mil folhas, em 76 volumes (os conhecidos do arguido), em apenas 3 (três) vezes, o Senhor Juiz agora recusado se afastou - sempre em desfavor do Requerente - de uma promoção do Ministério Público:
- a primeira, a fls. 7.977, para complementar a evidentemente vazia e inepta indiciação proposta pelo Ministério Público para o crime de corrupção imputado ao Requerente, identificando, aí autonomamente, um ato concreto (que continua a ser o único, embora sem valor algum, como tal identificado);
- a segunda, a fls. 7.989, para insistir na manutenção dos chamados negócios de transmissão dos direitos sobre jogos de futebol na matéria dita indiciada contra o Requerente, contrariando o que havia promovido o Ministério Público, a fls. 7933;
- e a terceira a fls. 8.003, para duvidar se não pecariam por defeito as medidas de coação, de entre as quais a prisão preventiva de três dos arguidos, propostas pelo Ministério Público.
15.
Os autos apontam iniludivelmente não existir a aventada ponderação própria e autónoma do Senhor Juiz como resulta, mais do que indiciado, plenamente comprovado, nas decisões dadas no seguimento das promoções do Ministério Público.
Cf; como exemplo (apenas um dos muitos que se encontram disponíveis nos autos) a situação documentada fls. 29.758 e seguintes:
- surge documentada a entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal, às 15 horas e 25 minutos do dia 8 de Julho de 2016, dos volumes 64, 65, 69, 75 e 76 do autos, contendo, o último deles, a promoção delis. 29.737 a fls. 29.748, do Ministério Público, dizendo respeito a indícios relativos à investigação de negócios da Portugal Telecom, referida ao Relatório da Investigação, de fls. 29.585 a fls. 29.736, remetendo para documentação diversa e para outros meios de prova constantes de apensas não enviados ao Senhor Juiz;
- esse expediente todo mostra-se concluso ao Senhor Juiz às 16 horas e 40 minutos desse dia 8 de Julho ao Senhor Juiz (fls. 29.759) e foi logo despachado (a fls. 29.761) em conformidade com o promovido.
É manifesto ser materialmente impossível em 1 hora e 15 minutos que o Senhor Juiz tenho podido ler e ponderar todo aquele acervo documental, parte do qual nem lhe foi disponibilizado, ajuizar o seu conteúdo e, em consciência concluir como conclui, decidindo: Corrobora-se o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que, os factos acima narrados suscitam, de forma fundada, a suspeita de que o Grupo GES aceitou realizar pagamentos indevidos de forma a obter decisões que lhe foram favoráveis ao nível da gestão e dos investimentos e participações na Portugal Telecom, tendo realizado, através de entidades da sua esfera, pagamentos que vieram a beneficiar o arguido J… e administradores da PT, factos, aliás, nunca antes imputados ao Requerente, que como eles nunca foi confrontado.
16.
Vale a pena salientar aqui que este seguidismo, que se indicia na nula fundamentação efetiva dos seus despachos pelo Senhor Juiz agora recusado, acabou, finalmente, por ser detetado e reconhecido pela Relação de Lisboa, depois de incessantemente denunciada em recursos pelo aqui Requerente: por Acórdãos de 17 de Maio de 2016, no Processo n° 324/14.OTELSB-Sl 1-5, da 3ª Secção, e de 7 de Julho de 2016, no Processo 324/14.OTELSB-R11, da 9ª Secção, os Senhores Juízes Desembargadores V… e R… e F… e G…, respetivamente decidiram anular os despachos do Senhor Juiz C…, ali recorridos, por falta de fundamentação porquanto, entenderam:
Este procedimento, de remeter para a promoção do Ministério Público, com justificação em economia processual e atestando que não ocorre por falta de ponderação própria da questão é prática de tal modo repetida em processos do tribunal recorrido que nos chegam para apreciação de recursos, que já começa a ser visto como despacho tabelar, incompatível com o juízo crítico e pessoal que é exigível a um despacho judicial, proferido nos termos art.202, da Constituição da República Portuguesa.
Ao tribunal incumbe assegurar a defesa de direitas e interesses legalmente protegidos, no caso Interesses patrimoniais relevantes (n22, do citado art.202, da CRP). do que os destinatários poderão não ficar suficientemente convencidos com a simples adesão do julgador aos argumentos da parte, por dal poderem resultar dúvidas sobre a independência constitucionalmente garantida (art.203, CRP),
Por outro lado, tal procedimento suscita, ainda, dúvidas sobre a efectiva garantia de um processo equitativo (art.20, n°4, CRP}, o qual pressupõe, no âmbito jurisdicional, Igualdade de armas, ou seja, paridade de condições entre as partes que reclamam justiça, o que não acontece quando o julgador adere acriticamente posição de uma das partes, segundo as suas palavras ... à qual me arrimo..., deixando sem resposta os argumentos aduzidos pela parte contrária.
17.
Em suma, essa Relação, por força da insistente e indiscreta repetição, acabou por concluir como sempre o Requerente ao mesmo propósito reclamou: que o expediente a que o Senhor Juiz recusado sistematicamente recorre (assim acontece em cerca de 99/prct. dos casos), de fundamentar por remissão, representa na verdade falta da fundamentação devida, em termos de tal procedimento suscitar, ainda, dúvidas sobre a independência do Julgador e sobre a efetiva garantia de um processo equitativo.
Poderá o Requerente dizer, arrimando-se à sabedoria popular, que vai fazendo o seu curso pelos Tribunais, que tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia deixa lá a asa.
18.
Este inquérito, em que notoriamente intervém o Senhor Juiz recusado, foi autuado em 19 de Julho de 2013, portanto, já há mais de 3 anos, para não falar das investigações que precederam a sua, formal instauração.
19.
Antes e depois, a este e aquele pretexto, à medida desta e daquela oportunidade, ao sabor deste e daquele impulso, sempre com autorização do Senhor Juiz recusado, por recurso a todos os meios, foi o Requerente investigado, foi a sua vida, pessoal, _familiar, social e política, escrutinada, devassada, vasculhada, sem limite algum.
20.
Em 21 de Novembro de 2014, foi o Requerente detido, ainda na manga do avião em que regressava ao País, para além do mais, por um invocado perigo de fuga, sendo especialmente nítido que essa detenção, ordenada pelo Senhor Magistrado recusado, desde logo porque inútil mas também porque infundamentada com omissão de factos relevantes (cf fls. 8.272 e segs.) - constituiu violência arbitrária e ilegal .
21.
E, em 24 de Novembro, condenado pelo mesmo Senhor Juiz a uma pena de prisão de duração indeterminada, dita preventiva, tão pouco de nenhuma utilidade processual legítima (porque usada para substituir a inexistente prova de culpa do Requerente e para concitar contra ele o ódio e o descrédito), que durou por mais 10 meses, a que se seguiram novas situações de restrição da sua liberdade.
22.
Decorrido este tempo todo, corridos e violados todos os prazos legalmente e judicialmente fixados, o não encerramento do inquérito, a ensaiada eternização administrativa do abuso, sem sombra de iniciativa do Senhor Juiz para lhe pôr cobro, mostram que o objetivo prosseguido se resumiu ao resultado alcançado: interferir no processo político, eleitoral e não só; privar dos direitos políticos e civis o Requerente; contribuir para a venda de papel dos jornais amigos, em contrapartida da louvaminha e da promoção de Magistrados, designadamente do agora recusado; a afirmação, subversiva, de poderes judiciários sobre os demais poderes da República.
23.
Ao longo deste tempo todo, o Requerente viu-se alvo de uma campanha de difamação de dimensão inaudita, visando a sua destruição pessoal, social e política, protagonizada por alguns órgãos de comunicação, com origem e inspiração em fontes do processo , cujos responsáveis o Senhor Inspetor Coordenador Dr. P… identificou como só podendo ser ele próprio, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto Dr. J… e o Senhor Juiz agora recusado (cf fls. 3535, 4.061, 4.428 e, sobretudo, 15.440); aliás, em um outro episódio anterior, o Senhor Doutor C… foi formalmente apontado, desde logo pelo Requerente, mas com base em outros elementos de prova, como o principal suspeito).
24.
E o certo é que ao longo de todo o tempo por que dura a forçada intervenção do Requerente neste processo, nunca o Senhor Juiz agora recusado manifestou a mais leve sombra de interesse, de vontade, de iniciativa, de, ao menos refrear, muito menos para lhe pôr cobro, a cópia de atropelos aos direitos dele, de defesa, à presunção de inocência, à dignidade e à integridade.
Em suma, em momento algum do processo. o Senhor Juiz Dr. C… agiu como o Juiz das Liberdades e das Garantias, antes interveio corno apoio e do lado da investigação e da acusação, num seguidismo ilimitado das posições e promoções do Ministério Público, estas, por seu turno, as mais das vezes, reproduzindo as propostas do órgão de Polícia Criminal, na circunstância, da Direção de Braga da Autoridade Tributária.
Mostrou sempre, como for manifesto na entrevista, que neste processo não é, não quer ser, não sabe ser, um juiz neutro e imparcial.
25.
Dispõe o número 1 do artigo 432 do Código de Processo Penal que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de se considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua Imparcialidade.
Os factos trazidos pelo Requerente em suporte do que requer constituem esse motivo sério e grave:
- Pela incerteza em que coloca a isenção e as motivações dos Senhores Juízes dos Tribunais Superiores quando julguem os seus recursos e. por isso, o seu direito ao recurso não sendo de excluir, sem crer, que possam ser movidos pelo medo de retaliações com que o Senhor Juiz (que, de acordo com o que afirmou provocatoriamente na entrevista, conhece o que se passa nos bastidores de decisões jurisprudenciais) possa reagir a decisões que lhe sejam adversas.
- E porque, em suma, a autoridade do Dr. C… como Juiz ficou corrompida e a sua legitimidade enquanto Juiz de Instrução neste processo colapsou,
TERMOS EM QUE,
Por correr o risco de ser considerada suspeita, vistos os motivos, sérios e graves, indicados, de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, deve ser recusada a intervenção do Senhor Juiz Dr. C… neste processo.
O Mmo. Juiz a quo, em cumprimento do art. 45°, n° 2 CPP pronunciou-se sobre o requerido.
Foram colhidos os vistos.
2. Analisados os autos, consideramos existir fundamento para recusa do requerimento, sem necessidade de realizar qualquer diligência de prova.
Antes de nos debruçarmos sobre o caso concreto, vamos começar por contextualizar a questão em termos jurídicos.
O objecto do incidente de recusa é constituído pela apreciação objectiva sobre a imparcialidade do julgador.
Corno é sabido, e de acordo com o art. 43°, n° 1 CPP a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
O incidente da recusa apresenta-se, assim, como um expediente que visa impedir a intervenção de um juiz em determinado processo quando existam razões sérias e graves susceptíveis de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, sendo que esta é urna exigência específica de urna decisão justa, despida de quaisquer preconceitos ou pré juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afectadas pela decisão.
Relembre-se que, já na Antiguidade, urna das quatro características de um juiz consistia em decidir com imparcialidade, paralelamente a ouvir com atenção, responder com sabedoria e pensar com prudência.
A lei não define o que deve entender-se por motivo sério e grave, mas deixa claro que ele terá de ser adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, isto é, a seriedade e gravidade das razões invocadas para fundamentar a desconfiança sobre a imparcialidade do juiz terão que ser apreciadas e valoradas à luz do senso e da experiência comuns, a fim de apurar se há justificações objectivas para o incidente de recusa (ver, neste sentido, Ac. da Relação de Coimbra, de 10/7/1996, C.J. IV, páginas 62 e 63, Ac. do S.T.J, de 6/11/1996, C.J. 1I1, página 187, Ac. do S.T.J., de 16/5/2002, rec. IP4914, www.dgsi.pt). Corno sublinhou o Tribunal Constitucional, A imparcialidade do juiz pode ser vista de dois modos, numa aproximação subjectiva ou objectiva. Na perspectiva subjectiva, importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro intimo em determinada circunstância, esta imparcialidade presume-se até prova em contrário. Mas esta garantia é insuficiente; necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must also be seen to be done. Deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos. - Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 935/96, citado no Acórdão n.° 186/98 (TC), DR n.° 67/98, Série I-A, de 20 de Março de 1998.
No caso em apreço, no requerimento de recusa apresentado, o requerente fundamenta a existência de motivos sérios e graves adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Senhor Juiz Dr. C…:
• em primeiro lugar, no facto de este, na entrevista que concedeu à estação de televisão SIC, ter feito considerações e insinuações acerca do requerente e acerca do processo dando mostras de um interesse pessoal na presente causa e de preconceitos sobre o seu mérito gerando, assim, desconfiança sobre a sua imparcialidade;
• em segundo lugar, na absoluta falta de autonomia do Senhor Juiz relativamente ao Ministério Público e ao OPC, na violação sistemática da reserva do Juiz, no acolhimento automático e acrítico das promoções do Ministério Público, demonstrando que, em momento algum do processo, o Senhor Juiz Dr. C… agiu como o Juiz das Liberdades e das Garantias, antes interveio como apoio e do lado da investigação e da acusação, num seguidismo ilimitado das posições e promoções do Ministério Público, ficando, assim corrompida e a sua legitimidade enquanto Juiz de Instrução neste processo.
Posto isto, podemos concluir, como faz o requerente, ser inegável que, no seu conjunto, os factos acima apontados têm objectiva e persistentemente o intuito de prejudicar o requerente, dando mostras de um interesse pessoal na presente causa e de preconceitos sobre o seu mérito?
Vejamos:
A jurisprudência tem assinalado que a seriedade e a gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas.
Analisando o requerimento apresentado e, na parte que faz referência repetida a uma discordância sobre a forma corno são fundamentadas as decisões ou sobre o sentido em que são apreciados os indícios, não encontramos ali descrita qualquer situação com potencialidade para predispor o Senhor Juiz visado a desfavorecer o requerente, tanto mais que se trata de decisões que foram sujeitas a vários recursos que conduziram, na esmagadora maioria dos casos, à confirmação das decisões recorridas, por via dos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores.
Na verdade, não basta a simples discordância jurídica em relação aos actos processuais praticados por um juiz, que podem conduzir à impugnação processual; não basta um puro convencimento subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que se verifique a suspeição, tendo de haver urna especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de suspeição.
É que do uso indevido da recusa pode resultar a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
Neste sentido, cfr. Acórdão do S.T.J de 27-05-1999, proc. n.° 323199):
(4) - A regra do n.° 2 do art. ° 43. ° do CPP, agora introduzida pelo DL 59/98, de 25-08. só adquire sentido, como do próprio contexto do artigo dimana, se o fundamento da recusa que nele se contempla se apoiar nos mesmos pressupostos - os da existência de motivo sério e grave - que alicerçam aquele que se define no n.° 1 do referido normativo. (5) - É precisamente a imprescindibilidade desse motivo sério e grave que faz não só avultar a delicadeza desta matéria, como leva a pressentir que, subjacente ao instituto da recusa, se encontra a necessidade (e a conveniência) de preservar o mais possível a dignidade profissional do magistrado visado e, igualmente, por lógica decorrência e inevitável acréscimo, a imagem da justiça em geral, no significado que a envolve e deve revesti-la. (6) Por isso é que, determinados actos ou determinados procedimentos (quer adjectivos, quer substantivos) só podem relevar para a legitimidade da recusa que se suscite, se neles, por eles ou através deles for possível aperceber - aperceber inequivocamente - um propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro. (7) - As meras discordâncias jurídicas com os actos processuais praticados ou com a sua ortodoxia, a não se revelar presciente, através deles, ofensa premeditada das garantias de imparcialidade, só por via de recurso podem e devem ser manifestadas e não através de petição de recusa; Ac. do STJ de 29-06-2000, proc. n.° 943-B198: (1) – O fundamento básico de recusa de juiz consiste em o mesmo poder ser considerado suspeito, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. (2) - Para a sua correcta processualização, haverá, no entanto, que alegar sempre factos concretos que possam alicerçar tal desconfiança e indicar as normas legais aplicáveis que fundamentam a recusa; Ac. Do S.T.J de 1610512002, 3914101-5:
(4) - A simples discordância jurídica em relação aos actos processuais praticados por um juiz, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos de impugnação processual, não pode fundar a petição de recusa. (5) - Se o recorrente se limita objectivamente a invocar simples discordâncias jurídicas e a partir dai, sem desenvolver qualquer esforço probatório ou argumentativo, concluiu que o Senhor Juiz recusado se colocou decidida e decisivamente, do lado da sua Colega proponente da acção em causa, em seu favorecimento manifesto, denunciando claramente com esses despachos a especial afinidade, afeição e amizade, assim a grande intimidade entre o Juiz e o requerente, é de indeferir a pedida recusa.; Acs. de 9.12.2004, proc. n.° 4308104-5 e proc. n.° 4540/04-5 e de 27.1.05, proc. n.° 139105-5: (1) A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32. º, n.º 9 - nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”). (2) Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz também garantidos constitucionalmente (art. °s 203.° e 216. °), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. (3) A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade com base na intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fira dos casos do art. 40. ° do CPP. (4) A simples discordância jurídica em relação aos actos processuais praticados por um juiz, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos de impugnação processual, não pode fundar a petição de recusa, pois não basta um puro convencimento subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que se verifique a suspeição. Tem de haver uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de suspeição, pois do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do Juiz Natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.
Posições que se compaginam igualmente com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e jurisprudência sobre ela tirada, no sentido de que a imparcialidade, corno exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, corno ausência de qualquer prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão.
Na verdade, o TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz. As dúvidas sobre a imparcialidade no plano objectivo apenas se poderão suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe no processo funções ou pratique actos próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade; não integrando qualquer destas hipóteses o caso em que o juiz exerce no processo uma função puramente judiciária, integrada tanto processualmente como institucional mente na mesma fase para a qual o sistema nacional de processo penal lhe atribui competência. (cfr. Ac. do STJ de 13-01-1998, proc. n.° 877/97, citado no Ac do S.T.J. de 27-04-2005, Proc. 05P909, Relator Simas Santos).
Impõe-se, assim, que ao lançar mão de um acto tão extremo corno é o da recusa de um determinado e identificado Juiz que se apresentem motivos objectivos, sérios e graves adequados a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Até porque a recusa de um juiz é um acto relevante e grave, com fundamento na suspeita sobre a idoneidade do julgador, principio básico e inerente à judicatura e todo aquele que infundadamente questiona a imparcialidade de juiz fere direitos de personalidade.
Ora, o requerente limita-se a invocar simples discordâncias jurídicas susceptíveis de tratamento adequado a nível processual, e a fazer referência a decisões de recurso proferidas noutros processos e na especulação sobre uma alegada capacidade de influenciar as decisões dos tribunais superiores.
Porém, no contexto deste incidente - que não visa aferir do acerto das decisões processuais do Sr. Juiz de que se socorre o arguido, mas sim apurar do seu relevo em sede de recusa - aquelas decisões não demonstram, só por si, a existência do necessário motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade.
Por outro lado, ao alegar a susceptibilidade de condicionamento das decisões dos tribunais superiores, o requerente pretende lançar contra esses decisores um juízo de suspeição, pondo em causa a capacidade de decisão com autonomia por parte dos tribunais superiores. Mas, não concretiza qualquer facto ou circunstância que não seja do puro domínio das meras conjecturas pessoais, sem apoio externo em factos objectivos ou actuações externas susceptíveis de revelar projecções com aptidão suficiente para quebrar a presunção da imparcialidade subjectiva.
Por último, deverá salientar-se que, nos presentes autos, o Senhor Juiz Dr. C…, não preside ao processo. O inquérito é da exclusiva competência do Ministério Público, que preside a essa fase processual - art.° 262° e ss. do CPP -- apenas cabendo ao Sr. Juiz visado, as competências cometidas pelo art.° 269° do CPP, nomeadamente a de validar as detenções, aplicar as medidas de coacção, validar as buscas e as escutas, isto é, fiscalizar se o processo está a decorrer de urna forma legal e pouco mais na fase do inquérito. Depois de uma eventual acusação, a decisão sobre se o processo tem prova bastante para o julgamento, não será feita por ele.
Em suma, não demonstra o requerente, nem resulta minimamente do seu requerimento, que se verifica motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz, limitando-se o requerente a alegar divergências jurídicas e a enunciar depois, sem fundamento adequado, posições de princípio sobre o seu significado.
Quanto às insinuações acerca do requerente e acerca do processo, feitas na entrevista que concedeu à estação de televisão SIC, que, segundo o requerente, dão mostras de um interesse pessoal na presente causa e de preconceitos sobre o seu mérito gerando, assim, desconfiança sobre a sua imparcialidade, deverá ponderar-se no seguinte:
Alega o requerente que, na entrevista concedida à estação de televisão SIC, o Sr. Juiz visado afirmou, sem lhe ser perguntado e a despropósito, ter o requerente dinheiro em contas de amigos, através da formulação obliqua de ele não as ter: não tenho amigos no sentido de pródigos e não tenho dinheiro em nome de amigos, não tenho contas bancárias em nome de amigos, apelando a factos (falsos) propalados a partir do processo e que transmite como assentes e comprovados, violando grosseiramente o seu especial dever, como juiz, de imparcialidade, de avaliação objetiva, isenta e descomprometida da prova e de respeito pelo principio da presunção de inocência, para por essa forma declarar o requerente publicamente culpado.
Porém, a pretendida insinuação ou formulação oblíqua de que o juiz visado, ao afirmar que não tinha dinheiro em contas de amigos, pretendeu referir-se ao requerente, no sentido de que o requerente tem dinheiro em contas de amigos, fazendo um pré juízo quanto à sua culpabilidade no processo, não passa de puro domínio das meras conjecturas pessoais, sem apoio nas expressões utilizadas, susceptíveis de revelar projecções com aptidão suficiente para quebrar a presunção da imparcialidade subjectiva.
A entrevista consubstancia um percurso de vida referente às circunstâncias da sua vida pessoal, familiar e patrimonial bem como do seu percurso profissional, pretendendo o juiz visado, quando se refere às horas extraordinárias e os fins de semana para ganhar algum dinheiro, fazer uma contraposição entre a sua pessoa e a de terceiros, fazendo a comparação a outras formas de detenção de riqueza, de forma oculta, que são apontados, em sede de tipologia, por diferente literatura, e com as quais o juiz tem sido confrontado em muitos processos. Ou seja, pretendeu, tão-só significar que os seus rendimentos são aqueles que estão à vista e em seu nome e que não lançou mão de qualquer forma de ocultar outros rendimentos, de que efectivamente não dispõe.
Em nosso entendimento, as expressões não tenho amigos no sentido de pródigos e não tenho dinheiro em nome de amigos, não tenho contas bancárias em nome de amigos, utilizadas e proferidas pelo Senhor Juiz C…, na parte referente às circunstâncias da sua vida patrimonial, não visaram assacar ao requerente, como judicialmente assentes e comprovados, os males e culpas que bem entendeu, nem são demonstrativas da evidência do entendimento de ser ao requerente que o Senhor Juiz visado se estava a referir.
Antes, consubstanciam um desabafo do Senhor Juiz visado, perante os cortes salariais sofridos desde 2010, de que não dispõe de outros rendimentos senão daqueles que estão à vista e em seu nome, não tendo como objectivo qualquer ataque pessoal ou qualquer alusão directa ao comportamento do requerente pois, em momento algum o Sr. Juiz C… afirmou (...) ter o requerente dinheiro em contas de amigos.
Não vislumbramos nenhum pré juízo condenatório, nem violação grosseira do especial dever, corno juiz, de ser imparcial na avaliação objetiva, isenta e descomprometida da prova, nem de violação do respeito pelo princípio da presunção de inocência, uma vez que a alegada insinuação carece de demonstração.
Na verdade, insinuar significa dar a entender alguma coisa, sem a mencionar diretamente, de modo subtil e hábil.
Ora, quando o Sr. Juiz visado refere que não tenho amigos no sentido de pródigos e não tenho dinheiro em nome de amigos, não tenho contas bancárias em nome de amigos, que necessidade tinha em referir-se ao requerente, insinuando (isto é, dando a entender) que o requerente tem dinheiro em contas de amigos, quando, corno é público e notório, foi o próprio requerente quem, através da comunicação social justificou os meios de fortuna com a prodigalidade de amigos?
Não estão, assim, demonstradas, circunstâncias que possam revelar a quebra da imparcialidade subjectiva, que, sendo do foro íntimo do juiz, tem de ser presumida até prova em contrário.
O melindre do requerente, não pode constituir fundamento plausível sério e justificadamente grave que inculque, sem qualquer reserva, dúvida sobre a imparcialidade do Sr. Juiz visado.
A conclusão de que os factos referidos no requerimento de recusa do requerente J… têm objectiva e persistentemente o intuito de prejudicar o requerente, porque carregada de subjectivismo, não pode por si só justificar o requerimento de recusa, visto que, o simples receio ou temor de que o juiz no seu subconsciente já tenha formulado um juízo sobre o thema decidendum, não pode servir de fundamento para a recusa deste. Há que demonstrar e provar elementos concretos que constituam motivo de especial gravidade (Ac. Re]. Coimbra, de 92.12.2, CJ 5/92-92).
É que, corno alerta Maia Gonçalves (CPP Anotado, 9 edição, p. 163), os motivos de suspeição são menos nítidos do que as causas de impedimento, podendo ser, por isso, fraudulentamente invocados para afastar o juiz.
Por isso se justifica que haja uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de suspeição, pois, de outro modo, estava facilmente encontrado o meio de contornar o princípio do juiz natural.
3. - Em face do exposto, porque infundado, indefere-se o pedido de recusa formulado pelo arguido J…. Pagará este a soma de 5 UC's (art. 45°, n° 5 CPP).
Cid Geraldo
Ana Sebastião