Ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 199° n.° 1 al. a) desse Código com o art. 4º al. a) da Lei n.° 50/2007. de 31 de agosto é possivel, em sede de medida de coação, suspender do exercício de funções jogadores de futebol profissional indiciados pela prática dos crimes de corrupção ativa e de associação criminosa no fenómeno desportivo.
Proc. 819/16.0JFLSB 5ª Secção
Desembargadores: João Carrola - - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam, em conferência, na 5a Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
No inquérito 819/16.OJFLSB que para efeitos jurisdicionais corre termos na Ia Secção de Instrução Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, na sequência de primeiro interrogatório a que foram submetidos diversos arguidos, foi proferido despacho judicial que, por relação aos arguidos H..., L..., P..., A..., D..., A..., J... e R..., decidiu quanto às medidas de coacção (na parte relevante):
Nos termos em que acima se referiu, quanto aos jogadores do Oriental e do Oliveirense, encontra-se ,fortemente indiciado nos termos acima descritos, que estes praticaram o crime de corrupção passiva e associação criminosa no desporto, p.p. nos arts. 8° e 11.° da Lei 50/2007.
Concorda-se, no entanto, parcialmente com a defesa, quando afirma que no caso vertente a medida de caução não deve ser aplicada e concorda-se ainda que a medida de suspensão do exercício de funções não deve ser aplicada, embora por razões diversas das que foram invocadas.
Apesar de ter terminado o campeonato, não é de excluir não só que os arguidos possam continuar a actuar no âmbito do futebol profissional como se considera que existe o perigo evidente de procurarem ocultar a sua actuação, concertando estratégias e condutas para obstar à recolha de prova e à sua manutenção, sendo justificada a pretensão do Ministério Público de cessar os contactos entre os arguidos que se conhecem e que não jogam na mesma equipa.
Assim e com fundamento no disposto no art. 204.° al. b) do CPP, os arguidos jogadores de futebol do Oriental e do Oliveirense devem aguardar julgamento sujeitos à medida de proibição de contactos com todos os arguidos identificados no processo, com excepção daqueles que integrarem a sua equipa.
No que concerne à caução, considera-se que a mesma não irá proteger qualquer das finalidades visadas pelo art. 204.º do CPP (raciocínio que desde já se declara aplicável a todos quantos o Ministério Público requereu a sua aplicação), pelo que esta não será aplicada.
Quanto à suspensão do exercício de funções, o futebol profissional é uma actividade privada e não se afigura que os arguidos possam ser interditados da sua prática, sem prejuízo de sanção disciplinar que lhes seja aplicada pela
Liga de Futebol Profissional, nos termos dos arts. 199.° do CPP e 4.º da Lei 5012007, uma vez que apenas os dirigentes podem ser proibidos do exercício da profissão, al. c) da referida norma.
Nestes termos, determino que todos os arguidos:
- aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos a proibição de contactos entre si, com excepção dos respectivos seus colegas de equipa ...
Inconformado com a não aplicação a estes arguidos da promovida suspensão do exercício de funções, veio o M.° P.° recorrer de tal despacho nesse concreto segmento, concluindo da motivação de recurso:
1. No douto despacho em crise (fls. 1276 a 1298) e a final do primeiro interrogatório
judicial de arguidos detidos, a Mma. Juiz de Instrução Criminal considerou
fortemente indiciada a prática, pelos arguidos jogadores de futebol H…, L…. P..., A...., D..., A.... J... e R..., de crimes de corrupção ativa e de associação criminosa no fenómeno desportivo, p. e p. respetivamente pelos arts. 9° n.° 1 e 11 ° da Lei n.° 50/2007.
2. Mais reconheceu, a nosso ver, existir quanto a todos perigo de continuação da atividade criminosa, quando refere (a fls. 1291. penúltimo parágrafo), apesar de ter terminado o campeonato, não é de excluir (...) que os arguidos possam continuar a actuar no ãmbito do futebol profissional. como à data se tinha de pressupor. sendo que, atualmente. nada se conhece em contrário.
3. Por entender que quanto à suspensão do exercício de funções, o futebol profissional é uma actividade privada e não se afigura que os arguidos possam ser interditados da sua prática, sem prejuízo de sanção disciplinar que lhes seja aplicada pela Liga de Futebol Profissional, nos termos dos arts. 199° do CPP e 4° da Lei 5012007, uma vez que apenas os dirigentes podem ser proibidos do exercício da profissão, al. c) da referida norma (fls. 1291 e 1292), a Mma. Juiz de Instrução Criminal apenas sujeitou tais arguidos à medida de coação de proibição de contactas.
4. Porém, não se exige uma interdição definitiva do exercício de profissão/função/atividade para a aplicação da medida de coação de suspensão do mesmo. pelo que tal outrossim pode ocorrer quanto está em causa. a final. uma pena acessória de suspensão desse exercício (cfr. art. 4° al. a) da Lei n.° 50/2007, de 31 de agosto, in casu de participar nas I e II ligas portuguesas de futebol profissional), naturalmente temporária, a exemplo do que se verifica, aliás, sempre com a pena acessória de proibição (v.g. no art. 66° do Código Penal).
5. Note-se que a pena acessória de suspensão de participação em competição desportiva (de 6 meses a 3 anos), a que poderão ser sujeitos os aludidos arguidos jogadores (fortemente indiciados da prática dos crimes de corrupção passiva e associação criminosa no fenómeno desportivo), tem um limite temporal máximo 3 vezes superior ao limite mínimo (1 ano) da de proibição do exercício de funções de dirigente desportivo.
6. Não obstante a diversidade de nomen iiiris (proibição, suspensão, interdição e inibição), materialmente as penas/sanções acessórias de suspensão do exercício de profissão/função/atividade. consagradas no Código Penal, na Lei n.° 50/2007. de 31 de agosto, no Código dos Valores Mobiliários ou no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), têm a mesma natureza e admitem, todas, a sujeição dos agentes à medida de coação prevista no art. 199° n.° 1 al. a) do Código de Processo Penal.
7. A Mma. Juiz de Instrução Criminal não a aplicou, no douto despacho em crise e aos referidos arguidos, porquanto, salvo o muito e devido respeito, interpretou erradamente o que resulta da conjugação do disposto no art. 199° n.° 1 al. a) desse Código com o art. 4o al. a) da Lei n.° 50/2007. de 31 de agosto.
8. Por conseguinte e ao invés, a correta interpretação conjugada dessas normas não só autoriza como impõe a sujeição dos arguidos jogadores de futebol H…, L…, P..., A.... D..., A..., J… e R... à medida de coação de suspensão de participação nas I e 11 ligas profissionais nacionais de futebol, por se mostrar, como se continua a mostrar. adequada. necessária e proporcional a acautelar identificado perigo de continuação da atividade criminosa, nos termos dos arts. l o al. m), 191°, 193°, 200° n.° 1 al. d) e 204° al. c) do CPP, e art. 4o al. a), 8o e 1 lo da Lei n.° 53/2007, de 31 de agosto.
A este recurso vieram responder, concluindo, os arguidos:
1. A… que, por a medida de coacção proposta violar o disposto nos artigos 199.°, n.° 1, alínea a) e 204.° do CPP, deve o recurso apresentado ser jugado improcedente mantendo-se a decisão impugnada.
2. L… que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
Admitido o recurso, neste Tribunal foi pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborado parecer em que, aderindo às motivações de recurso, se manifesta no sentido da procedência do mesmo.
Dado cumprimento ao disposto no art.° 417° n.° 2 CPP, apenas arguido R… veio responder a tal parecer, manifestando o entendimento que o recurso deve ser considerado improcedente.
11.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
A questão posta no recurso diz respeito apenas ao segmento do despacho recorrido que decidiu não aplicar aos arguidos jogadores de futebol - H..., L…, P..., A..., D..., A..., J... e R... - como medida de coacção a suspensão do exercício de funções nos termos dos art.°s 199.° do CPP e 4.° da Lei 5012007 de 31.08.
Fundamenta-se, como se infere do despacho recorrido, o indeferimento da promoção do M.° P.° naquele sentido, em dois argumentos: i) ser o futebol profissional uma actividade privada e ii) apenas os dirigentes podem ser proibidos do exercício da profissão, nos termos da al. c) da referida norma (art.° 4°).
Com o devido respeito pela interpretação seguida pela Mma. JIC, a solução seguida não tem qualquer suporte legal.
Nos termos do art.° 199° CPP:
I - Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida de coacção, a suspensão do exercício.
a) De profissão, função ou actividade, públicas ou privadas;
(...)
sempre que a interdição do respectivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado.
Do corpo do preceito agora invocado resulta fixado o primeiro dos requisitos formais - crime imputado punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos - o qual, no caso de que nos ocupamos, se mostra verificado face à pena que cabe aos crimes imputados, em co-autoria, aos arguidos em
questão: penas de 1 a 5 anos de prisão, seja por crime de crime de associação
criminosa no fenómeno desportivo, p. e p. pelo art.° 11° da Lei n.° 5012007, de 31 de Agosto seja por crimes de corrupção passiva no fenómeno desportivo, p. e p. pelo art.° 8° daquele diploma legal.
Na parte final da al. a) citada claramente é prevista a admissibilidade de a suspensão e funções incidir sobre funções privadas, contrariamente ao que se mostra seguido no despacho recorrido, pelo que nesse aspecto concreto nenhum obstáculo formal se põe à medida em questão.
Quanto ao segundo dos fundamentos eleitos no despacho recorrido como impedindo a aplicação da medida, só podemos entender essa posição corno resultado de uma leitura demasiado positivista do preceito em questão. Na verdade, a utilização da expressão Proibição do exercício de profissão, função ou actividade, pública ou privada (destaque nosso) inserta na al. c) do art.° 4° da Lei 5012007, apesar de ser susceptível de aplicar apenas a dirigente desportivo, técnico desportivo, árbitro desportivo, empresário desportivo ou pessoa colectiva ou entidade equiparada não tem, nas suas consequências para o visado, grande diferença quando comparada com a suspensão referida na alínea a) do mesmo preceito Suspensão de participação em competição desportiva por um período de seis meses a três anos.
Em ambos os casos trata-se sempre de uma restrição temporária de direitos [mais gravosa no caso da al. e)] e como aspectos diferenciadores, para além da qualidade dos destinatários, apresenta apenas o âmbito de aplicação da limitação que é imposta ao visado: no caso da al. a) essa restrição dirige-se unicamente à competição desportiva em que a agente desenvolve essa actividade - como se menciona na al. g) do art.° 2° da Lei em questão - e, no caso da al. e), a restrição implica a profissão ou actividade no seu todo, independentemente do local ou instituição em que a mesma se poderia virtualmente exercer.
Destes considerandos retiramos como conclusão que a correspondência exigida na parte final do corpo do n.° 1 do art.° 199° CPP [sempre que a
interdição do respectivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado] se verifica independentemente de a pena acessória, passível de ser decretada em caso de condenação a final, constituir uma proibição ou uma suspensão, já que na sua essência, todas elas se revelam como uma restrição legitima e constitucionalmente admitida do exercício de direitos, ou seja, a interdição referida no preceito processual penal abrange a suspensão e a proibição, enquanto graduações distintas no seu âmbito de aplicação, pessoal e objectiva, de interdição de actividade ou funções.
Problemática diferente será a relativa à apreciação - de certo modo suscitada nas respostas ao recurso apresentadas pelos arguidos - da adequação e proporcionalidade dessa medida de coacção ou das consequências que o respectivo decretamento pode representar para a vida profissional dos visados. Acontece que esses concretos aspectos não estão postos em causa no recurso nem o despacho recorrido teve essa dimensão decisória pelo que nos encontramos impedidos de pronunciar sobre essa concreta questão, sob pena de
excesso de pronúncia que constituiria nulidade nos termos do arL° 379° n.° 1 al. c) CPP.
III.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelo M.° P.°, revogando-se o despacho recorrido no segmento relativo à não aplicação aos identificados arguidos da medida de coacção prevista no art.° 199° que deverá ser substituído por outro que se pronuncie sobre a mesma, em termos de avaliar dos requisitos do art.° 193° para a sua aplicação, fixação temporal e, face ao tempo entretanto decorrido, com observância do disposto no art.° 212°, todos do CPP.
Sem custas.
Feito e revisto pelo 1° signatário.