Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 21-12-2016   Arma proibida. Conceito. Concretas características do objecto.
Não é pelo nome dado ao objecto, bastão ou moca, que o mesmo é ou deixa de ser classificado como arma. São as características específicas de tal objecto, sem aplicação definida, sem que o arguido justifique a sua posse e a sua potencialidade para ser utilizado como arma de agressão, independentemente de o arguido o destinar a esse fim, que nos ajudam a apurar os elementos tipificadores do crime de detenção de arma perigosa.
Proc. 913/15.5SGLSB.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Jorge Raposo - Margarida Ramos de Almeida - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Proc. 913/15.5SGLSB.L1
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO
R..., filho de José Manuel de Lemos Raimundo e de Olinda Lopes Constantino Rosa, nascido em 08-03-1973, natural da freguesia de Nossa Senhora do Pópulo [Caldas da Rainha], divorciado, taxista, e com residência na Rua …, n° 11, 1° Cave Dto. …, Mem Martins,
foi julgado em processo abreviado e, a final, condenado pela prática em 13.9.2015 em autoria e sob a forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do artigo 86°, n° 1, alínea d), da Lei n° 5/2006 de 23/02, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de €400,00 (quatrocentos euros).
Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Nao podem ser dados como provados os seguintes factos constantes da matéria assente: O referido objeto é um bastão, vulgo moca', /..
O arguido previu e quis ter consigo a descrita moca, apesar de conhecer as suas características, de não a destinar ao exercício de qualquer actividade e de saber que era adequada a produzir graves lesões físicas se usada como instrumento de agressão, sabendo, ainda, que era proibida a sua detenção.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei>
2. Está verificada a insuficiência da matéria de facto para a decisão - pois, o thema probandum não foi devidamente escalpelizado e indagado pelo douto tribunal a quo.
3. Temos uma decisão condenatória assente em matéria de facto insuficiente; já que, sem se conhecer - em sede de discussão da causa - sobre em que circunstancias o objecto aparece naquele veículo, sobre as características do referido taco de basebol, se tem aplicação definida (de um uso normal e regular quotidiano até representarem um qualquer perigo) condena-se o arguido.
4. Também em relação ao taco de basebol não procurou, de nenhuma forma, saber o tribunal a quo, se o arguido teria na sua posse tal objecto, a titulo acidental, somente porque conduzia um veiculo onde o mesmo havia sido deixado esquecido por algum passageiro, ou ali deixado por um colega, se a título da prática de desporto, como elemento decorativo, ou até para puro divertimento pessoal - uma vez que estamos a referir-nos a um objecto que facilmente se encontra à venda em qualquer superfície comercial, em lojas de lembranças e souvenirs e até em lojas de brinquedos para crianças.
5. Está pois, em nosso entender verificado o vício a que se refere o artigo 410.° n.° 2 al. a) do CPP, um dos vícios da matéria de facto, que consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis, e que impede que sobre a matéria da causa seja proferida uma decisão segura.
6. A delimitação processual traçada, e tematicamente vinculada pelos termos da acusação, e os factos que o tribunal julgou provados dentro de tais limites, permitindo aceitar a tipicidade (detenção de um objecto com as características assinaladas), nao são suficientes para a revelação externa da ilicitude (a nao justificação da posse), nem a ausência de justificação se pode inferir, por presunçaao, de outros factos provados.
7. Nao pode ser considerado uma arma para os efeitos dos art.° 86.°, n.° 1 al.° d), 2.°, n.° 1 al.° f), 3.°, n.° 1 e 2 al.° f) e 4.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23-2 (Regime Jurídico das Armas e Munições), por ser objecto comummente destinado à prática de desporto, decoração, diversão - um taco de basebol - que é sem dúvida um objecto com aplicação definida, pois que arma não é.
8. Para que a detenção de qualquer «engenho» ou «instrumento» possa ser considerada detenção ilícita de arma é necessário que aqueles não tenham «aplicação definida», que «possam ser usados como arma de agressão» e que o seu portador «não justifique a sua posse».
9. Aqui, falha logo o primeiro pressuposto.
10. Por outro lado, nao se trata, obviamente, de «instrumento construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão».
11. Por fim, o «taco de basebol» também não pode ser confundido com um «bastão» - conceito este que também está expressamente definido na lei.
12. Ao tribunal a quo impunha-se que determinasse e fornecesse um quadro factual lógico, que permitisse a compreensão do circunstancialismo que torna compreensível o cometimento de um crime.
13. A prova trazida aos autos, quanto muito criaria dúvida na convicção do julgador e deveria por essa raiaso o mesmo ser absolvido em observância ao princípio in dubio pro reo.
14. Violou pois o douto tribunal a quo o disposto no artigo 127.° do CPP, ultrapassando os limites do princípio da livre apreciação de prova.
15. Violou também o douto tribunal o princípio in dubio pro reo, inscrito no artigo 32.° n.° 2 da CRP.
16. Impunha o principio in dubio pro red' a absolvição do ora recorrente.
Pelo exposto, salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá o Venerando Tribunal da Relação conceder provimento ao presente recurso e em consequência revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida. Só a assim se fazendo a costumada justiça!
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:
1. Não se mostra verificado o alegado pelo recorrente no que respeita à falta de fundamentação da matéria dada como provada;
2. Não se verificou qualquer erro na valoraçdo de prova, tratando-se o objeto em crise, efetivamente, de uma arma proibida.
3. Inexistiu qualquer violação do princípio in dublo pro reo.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida, será por vós feita, como sempre, a costumada e desejada Justiça.
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, ssutentando:
O arguido impugna matéria de facto fixada, alegando a existência do vício previsto na alínea a) do n° 2 do art. 410° do CPP; violação do art. 127° do CPP, ultrapassando os limites do princípio da livre apreciação da prova: violação do princípio in dúbio pro reo
Em sede de impugnação de matéria de direito, alega:
- não poder ser considerado [o objeto apreendido] uma arma (...) por ser um objeto comumente destinado à prática de desporto, decoração, diversão - um taco de basebol - que é sem dúvida um objeto com aplicação definida, pois que arma não é
No âmbito da referida impugnação de matéria de facto, alega o recorrente que o tribunal não considerou as declarações prestadas pelo arguido, vindo indicado no recurso o período temporal em que o mesmo prestou depoimento em audiência, e sendo transcritas três linhas de tal depoimento.
Desde logo cabe dizer que se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto fixada por alegado erro de julgamento, no tocante às declarações por si prestadas em audiência, incumbia-lhe dar cumprimento às imposições contidas nos n° 3 e 4 do art. 412° do CPP, transcrevendo todo o depoimento por si prestado para que o tribunal de recurso pudesse aferir se tal prova imporia uma decisão distinta daquela que foi proferida.
Como se constata do teor do recurso interposto, tal não sucedeu, pelo que terá de considerar-se improcedente a pretendida impugnação alargada da matéria de facto.
Mas uma vez que se procedeu à audição de tal depoimento, sempre se salientará ter o arguido referido em audiência, indicando a sua profissão de motorista de taxi por conta de outrem, que trabalhava naquele carro há um mês e que quando começou a andar com o carro o bastão sempre esteve lá no cantinho do carro. Sabia que aquilo lá estava, por ter lavado o carro, e que por ter tido que usar e tirar ferramenta do carro, teve que tirar o bastão que estava na porta de trás, tem umas redes e aquilo sempre lá esteve.
Quando na sentença se dá como provado que o arguido detinha no interior do veículo o bastão apreendido e examinado a fls. 5/8, que outra utilidade não tem se não a agressão, como resultou das próprias declarações do arguido, o recorrente apenas poderia impugnar a matéria de facto fixada nos termos do art. 412° n° 3 e 4 do CPP, o que claramente não fez.
O recorrente faz afirmações - na conclusão 4 do recurso, por exemplo, que apenas poderia demonstrar terem ocorrido, ou terem sido omitidas pelo tribunal, caso tivesse procedido à aludida impugnação alargada da matéria de facto. Como não o fez, alega então a existência do vício previsto na alínea a) do n° 2 do art. 410° do CPP, fora das condições previstas em tal preceito.
Tendo o tribunal dado como provada toda a factualidade descrita na acusação pública de fls. 53, não se vê que ocorra tal vício na sentença ora sob recurso.
Questão distinta é afirmar que aquela materialidade fática não preenche os elementos constitutivos do crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86° n°1-d) da Lei 5/2006 de 23.02,por ser um obieto comumente destinado à prática de desporto, decoração, diversão - um taco de basebol - que é sem dúvida um objeto com aplicação definida, pois que arma não é.
O objeto apreendido encontra-se examinado a fls. 7/8 dos autos, sob a designação de bastão de madeira- moca: o objeto é usualmente utilizado como arma de agressão, sendo a sua disponibilidade imediata, obtida instantaneamente por uma só mão de empunhadura. Detém, assim capacidade de impossibilitar que o visado da agressão tenha a possibilidade de se defender, incapacidade essa provocada pela rapidez em que a arma fica disponível.
A simples empunhadura caracteriza o tom ameaçador e intimidaria do bastão descrito (...) tendo capacidade letal contra a vida ab inicio, e contra a integridade física.
Em face das características do objeto apreendido, com realce para existência de tal empunhadura, não se vê como tal objeto pudesse ser considerado para a prática de basebol, como afirma o recorrente.
Em síntese, perante as aludidas características do objeto apreendido, conjugadas com as declarações prestadas pelo arguido em audiência, afigurando-se ter o tribunal valorado acertadamente a prova produzida, considera-se que a matéria de facto fixada se encontra corretamente subsumida à imputação ao arguido do crime de detenção de arma proibida p. p. pelo art. 86° n° 1-d) da Lei 5/2006 de 23.02, sendo adequada a medida da pena aquele aplicada.
Pelo exposto, acompanhando ainda os fundamentos aduzidas na citada resposta do M°P° em Ia instancia, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência do recurso interposto.
Não foi apresentada resposta.
Foi cumprido o disposto no art. 417° n°2 do Código de Processo Penal.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428° do Código de Processo Penal) e, no caso em apreço o Recorrente manifestou o propósito de interpor recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403° e 412° do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questóes de conhecimento oficioso (art. 410° n° 2 do Código de Processo Penal).
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1. Reapreciação da matéria de facto e violação do princípio In dublo pro reo
2. Qualificação jurídica
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada e a respectiva fundamentação (resultantes da audição da sentença efectuada pelo relator) na parte com relevância para a boa decisão das questóes que se colocam:
Factos provados (os factos constantes da acusação que aqui se transcrevem):
No dia 13 de Setembro de 2015, pelas 05h10, na Avenida bom Carlos I, em Lisboa, o arguido, transportava consigo no veículo, ligeiro de passageiros, táxi, que conduzia, matricula 34-MR-55 trazia consigo um bastão de madeira, sem marca, e com os dizeres Espanha- arte sol y playa,
O referido objeto é um bastão, vulgo moca, construído em madeira envernizada e em bom
estado de conservação, tendo 45 cm de comprimento por 4,2cm de diâmetro numa extremidade e 4cm de diâmetro na outra. Na zona de empunhadura encontra-se definida por sulco e furada de modo a fazer passar pela mesma um cordel atado com um nó com o objetivo de permitir envolver o pulso de quem o empunhe, o tamanho da empunhadura é adequada ao manuseamento com uma só mão.
O arguido previu e quis ter consigo a descrita moca, apesar de conhecer as suas características, de não a destinar ao exercício de qualquer actividade e de saber que era adequada a produzir graves lesões físicas se usada como instrumento de agressão, sabendo, ainda, que era proibida a sua detenção.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(segue-se a factualidade provada atinente aos antecedentes criminais e à situação sócio-económica e familiar do arguido)
Não existe matéria de facto não provada
Fundamentação:
As declarações do arguido ...
A versão do age no que à matéria de facto diz respeito foi ainda corroborada pela testemunha V... que descreveu as condições de tempo e lugar nas quais procedeu à apreensão do objecto aqui em causa tendo o Sr. Agente da PSP dito que o arguido logo no local assumiu a posse do mesmo no interior do referido veículo.
O tribunal considerou o auto de apreensão de fls. 5/6, exame e avaliação de fls. 7/8 e CRC de fls. 77 e 78.
Adiante, na sentença proferida esclarece-se:
(...) Uma vez que detinha no interior do veículo um objecto que outra utilidade não tinha que senão a agressão ... aliás como resultou espontaneamente das próprias declarações do arguido que demonstrou ter essa noção de que está em causa um objecto que é proibido.
Mais à frente, a propósito da qualificação do crime esclarece que
O crime é abstracto, em que a mera posse, independentemente da propriedade e não sendo necessária a utilização basta para a condenação
Dizendo também, em sede de determinação da medida da pena:
O arguido assumiu aqui a sua conduta espontaneamente, a conduta objectiva e consequentemente a subjectiva da acusação demonstrando espontaneamente que tem consciência da ilicitude da sua conduta.
1. Reapreciação da matéria de facto e violação do princípio indubio pro reo
Pese embora a posição assumida pela Ex.ma Srª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação, consideramos que, embora de forma incipiente, o Recorrente respeita minimamente os requisitos do art. 412° n° 3 e 4 do Código de Processo Penal a que deve obedecer a impugnação ampla da matéria de facto, bastando-se a lei com a indicação das passagens concretas em que se funda a impugnação, o que fez. Porém, pode e deve o tribunal ouvir a prova produzida na dimensão que considerar adequada para a boa decisão das questões colocadas.

Traçando os contornos gerais do regime de apreciação da impugnação ampla da matéria de facto dir-se-á que a censura quanto à forma de formaçao da convicção do tribunal nao pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque nao houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão1. No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme dos Tribunais da Relação: Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se estiver alicerçada apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida.
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório
Essa apreciação livre da prova nao pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da liberdade para a objectividade.
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.
Assim, a livre convicção nao pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicçao possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Assim, ao tribunal de recurso cumpre verificar se o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, todavia sem esquecer que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.
No que diz respeito à intenção do arguido, conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreiras, se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior sao, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Por isso, importa recorrer a regras de experiência para se aferir ou nao da intenção criminosa e da consciência da ilicitude epara extrair os elementos confirmativos da sua verificação da matéria fáctica dada como provada.
Relembrados estes princípios na análise do recurso sobre a matéria de facto, vejamos, então, a prova produzida.
Começa-se por salientar que os fundamentos invocados pelo Recorrente para proceder à impugnaçao ampla da matéria de facto pecam do defeito de se limitarem a querer substituir de forma simplista a convicção e a livre apreciação da prova pelo Tribunal pela sua própria convicção declarada, de acordo com os interesses que defende. Limitam-se, aliás, a invocar partes das declarações do arguido que, no seu entendimento, lhes sao favoráveis sem a preocupaçao de explicarem porque é que a valoraçao da prova fundamentada efectuada pelo Tribunal a quo nao se deve manter. Ou seja, limita-se a procurar a aludida inversão da posição das personagens do processo e a substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão, como aliás salienta a Ex.mª Srª. Procuradora-Geral Adjunta ao lembrar que decorre das próprias declarações do arguido decorre que o bastão apreendido outra utilidade nao tem se nao a agressão.
Como questao prévia, regista-se que o Recorrente, apesar de não invocar expressamente a insuficiente fundamentação da sentença recorrida, critica a análise crítica da prova efectuada, que poderia corresponder à nulidade por omissão de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 374° n° 2 e 379° n° 1 ai. a) do Código de Processo Penal.
Tendo presente que o arguido foi julgado em processo abreviado, nos termos do art. 389°-A n° 1 ai. a), aplicável por força do disposto no art. 391°-F do mesmo Código, a sentença basta-se com a indicação sumária dos factos provados e nao provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas.
Ora, como se constata da audiçao da sentença proferida oralmente (art. 389°-A n° 1 do Código de Processo Penal) e da supra efectuada transcrição parcial, esse exame crítico encontra-se plenamente realizado tendo em atenção que neste tipo de processos é suficiente o exame crítico sucinto e face à suficiente coincidência objectiva entre as declarações do arguido e a restante prova - donde o tribunal concluiu pela assumpçao pelo arguido da factualidade de que vinha acusado também na sua vertente subjectiva, como decorre da transcrição supra.
A interposição do recurso impõe, porém, uma mais detalhada análise da prova produzida.

Apesar da impugnação da matéria de facto pelo Recorrente assentar essencialmente em segmentos do que declarou, a clara sustentação da factualidade assente decorre de uma análise do depoimento da testemunha inquirida, cuja credibilidade encontra suporte nos elementos processuais constantes dos autos.
Porém, começando pelas declarações do arguido, é relevante consignar que o mesmo declarou ter consciência da ilicitude da sua conduta quando declarou que não vou dizer que nao sei que aquilo é considerado uma arma e que sabia que detinha (no táxi) o objecto em causa, quando disse, demonstrando conhecimento, que aquilo já andava lá há mais de um mês e tal.
É certo que nas declarações prestadas o arguido também procurou de alguma forma eximir-se de responsabilidade, quando disse que o agente policial que o abordou quase o obrigou a dizer que era seu e quando disse que aquele objecto era de um colega seu que trabalhava naquele carro e que o tinha deixado lá.
Porém, estas declarações não podem deixar de ser absolutamente descredibilizadas quando se analisa a coerência interna e externa e a isenção do depoimento da testemunha de acusação, Vítor Ramos. Diz esta testemunha, que quando estava em patrulhamento foi chamado a uma ocorrência porquanto um casal tinha chamado a polícia por ter sido ameaçada por um motorista de táxi, quando estava no seu interior. Chegado ao local deparou com um casal atormentado que lhe explicou que o arguido os tinha (para além do mais) ameaçado com uma espécie de bastão, descrevendo as suas características. Dirigindo-se ao arguido e ao táxi, encontrou na interior da mala o objecto apreendido, junto ao casaco do arguido, tendo este reconhecido que era seu mas dizendo que não tinha ameaçado o casal com esse objecto. Este depoimento tem correspondência com os elementos existentes nos autos (auto de notícia e despacho de arquivamento de fls. 27 por os ofendidos nao terem apresentado queixa pelo crime de ameaça no prazo legal de 6 meses). Da análise destes elementos probatórios constata-se que não foi por acaso que o objecto foi encontrado no táxi conduzido pelo arguido e a resposta à pergunta sobre como é que os ditos ofendidos sabiam as características do dito objecto só tem uma resposta possível, de acordo com as regras da experiência: porque o viram na posse do arguido (sendo certo que este disse nas suas declarações que o dito artefacto nao era acessível pelos passageiros, ao contrário do que sugere na motivação).
Por isso, a decisão recorrida, respeitando a limitação do objecto do processo definido pela acusação, perante tão profusa e evidente prova, deu como assente a detenção daquele artigo pelo arguido. Não cuidou de saber, nem podia, atendendo aos limites definidos pela acusação, se aquele objecto foi utilizado em qualquer agressão ou ameaça.
Assim, não merece qualquer censura a apreciação da matéria de facto efectuada na decisão recorrida.

Do supra exposto decorre já que nao foi violado o princípio in dublo pro reo.
O tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo (que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos), porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do juízo de censura do arguido e da intenção com que actuou.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos.
Ora, a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum. Assim, não pode concluir-se que essa mesma prova gera factos incertos, nem que implique dúvida razoável que determine o afastamento da valoração efectuada pelo tribunal. Consequentemente, não há fundamento para alterar a decisão de facto recorrida que é lícita e válida.
2. Insuficiência da matéria de facto para a decisão
O Recorrente invoca também o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Na sua perspectiva, o thema probandum não foi devidamente escalpelizado e indagado pelo tribunal a quo, sendo a matéria de facto insuficiente por não ter conhecido em que circunstancias o objecto aparece no veículo, sobre as características do taco, se tem aplicação definida, mormente se a posse de tal objecto é acidental (porque conduzia um veiculo onde o mesmo havia sido deixado esquecido por algum passageiro, ou ali deixado por um colega) e se era destinado à prática de desporto, como elemento decorativo, ou até para puro divertimento pessoal.

Estabelece o art. 410° n° 2 do Código de Processo Penal que o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Decorre da própria letra da lei que o vício deve resultar do texto de decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (art. 410° n° 2 do Código de Processo Penal). Assim, importa salientar que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Existe o vício previsto na alínea a) do n° 2 do art. 410° do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas. Dito de outro modo:
quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando nao foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão.

No caso dos autos, da leitura do texto da sentença, por si só ou conjugada com o senso comum, não resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto os factos provados permitem a consumpção às regras legais, a sua qualificação jurídica e a decisão sobre se tais factos consubstanciam a prática do crime em apreço.
O que o Recorrente parece pretender é criar dúvidas sobre as indagações prévias à fixação da matéria de facto. Estas, como se viu supra nao têm razão de ser e, aliás, ouvida e analisada a prova, resulta claro que todos os aspectos pertinentes foram devidamente indagados e a factualidade provada respeita o que resulta dessa indagação com as limitações impostas pela acusação que define o objecto do processo e o thema probandum.
De qualquer forma, a matéria de facto, tal como ficou assente, é suficiente para a decisão:
Assim, é bastante ter ficado assente que o arguido detinha o referido objecto, nao sendo exigível ir mais além na indagação das circunstâncias em que o objecto aparece no veículo até para não prejudicar o arguido e ultrapassar os limites definidos pelo objecto do processo (i); as características do taco estão fixadas na matéria de facto (ii); que se tratava de um objecto sem aplicação definida e portanto que nao era destinado à prática de desporto, como elemento decorativo, ou até para puro divertimento pessoal também resulta incontroversamente da factualidade (nao destinava esse objecto ao exercício de qualquer actividade, como ficou assente) (iii).
Analisada a sentença recorrido nao se vislumbra o aludido vício.
3. Qualificação jurídica
Será que a acusação, definidora do thema probandum contém todos os elementos do tipo de forma bastante para fundamentar uma condenação.
Nos termos do art. 3° n° 2 aI. g) da Lei 5/2006 de 23.2 com as alterações da Lei 17/2009 de 6.5, são armas, munições e acessórios da classe A (...) g) quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão.
E, nos termos do art. 86° n° 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23.2 com as alterações da Lei 17/2009 de 6.5:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, (...) ou por qualquer meio (...) usar ou trouxer consigo:
d) (...) armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador nao justifique a sua posse (...) bastão, (...) quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, (...), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
Resulta da conjugação das duas normas referidas que o essencial para qualificar a detenção como proibida o facto de se tratar de engenho ou instrumento sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse ou construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão, sendo a referência a bastão (como a arma branca dissimulada, a faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, aerossóis de defesa bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas, artigos de pirotecnia) meramente exemplificativo.
A descrição do objecto em causa (e se necessário fosse, a sua fotografia constante do exame de fls. 7 e 8) afasta a possibilidade de considerar que se trata de um taco de basebol ou para qualquer prática desportiva, atendendo às dimensões e ao cordel atado com um nó com o objectivo de permitir envolver o punho, sendo o tamanho da empunhadura adequado ao manuseamento com uma só mão; bem assim, a dureza do material em que é construído (madeira) também nao permite que se considere que se trata de um brinquedo ou objecto destinado ao divertimento pessoal; por fim, a sua utilização como elemento decorativo também resulta afastada pela natureza do local onde se encontrava. Também é evidente que não estamos perante objeto com a função de arrimo, encosto, amparo, bengala para apoio, designadamente bengalas, varas, cajados, cabos de enxada, bordões dos peregrinos de Santiago.
Concordamos com a jurisprudência que considera que não é pelo nome dado ao objecto, bastão ou moca, que o mesmo é ou deixa de ser classificado como arma. São as características específicas de tal objecto, sem aplicação definida, sem que o arguido justifique a sua posse e a sua potencialidade para ser utilizado como arma de agressão, independentemente de o arguido o destinar a esse fim, que nos ajudam a apurar os elementos tipificadores do crime de detenção de arma perigosa.
E, tal como no referido acórdão, temos de concluir que no caso dos autos, na concreta situação em apreço estamos perante um objecto em que as suas características apontam que tem uma aplicação definida: a sua utilização como objecto ou arma de agressão. O referido instrumento foi construído exclusivamente com o propósito de ser utilizado como arma de agressão.
A posse ou detenção do referido objecto ou instrumento visa a utilização como arma de agressão, não sendo necessária a sua utilização efectiva para ser cometido o crime.
Consequentemente, praticou o arguido, ora Recorrente o crime que lhe foi imputado, não merecendo censura a sentença recorrida.
III DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por R... e, em consequência, em manter integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. (art. 513° n° 1 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 21 de Dezembro de 2016
(elaborado, revisto e rubricado pelo relator e
assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)
Jorge Raposo
Margarida Ramos de Almeida