Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 21-12-2016   Contra-ordenação da Inspecção Regional das Actividades Económicas. Nulidade da decisão. Reenvio para a autoridade administrativa.
1- Embora se reconheça a autonomia do processo contra-ordenacional, não pode negar-se a sua vincada aproximação aos institutos e soluções do processo penal e, também aqui, a fundamentação deve exercer uma função de legitimação, interna e externa. A sua falta ou manifesta insuficiência não pode deixar de ser sancionada com a nulidade da decisão administrativa.
2- Sendo a fonte do vício a decisão condenatória a exigência de fundamentação refere-se, não só aos factos que materializam a contra-ordenação, mas também às circunstâncias relevantes para a determinação da medida da sanção (seja a sanção principal, seja a sanção acessória).
3- Não estando preenchidos esses requisitos, a decisão é nula.
4- Constatada a nulidade o destino do procedimento contra¬ordenacional não deve ser o arquivamento, mas deve a declaração de nulidade corresponder à anulação dos actos inválidos e à devolução do processo à autoridade administrativa para sanação dos vícios.
Proc. 3115/16.0T8FNC.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Nuno Ribeiro Coelho - Ana Paula Grandvaux - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo 3115/16.0T8FNC.L1
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de contraordenação instaurado pela Inspecção Regional das Actividades Económicas foi a arguida L... - Distribuição de Produtos Alimentares , S.A. condenada pela prática das contra-ordenações, previstas e punidas pelos Art.°s 58.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 28/84 de 20 de Janeiro (géneros
alimentícios com falta de requisitos) e pelos Art.°s. 3.0, n.° 2, e 4.°, do Regulamento (CE) n.° 852/2004 de 29 de Abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à falta de asseio e higiene, numa coima única de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
Não se conformando com esta decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação para o Tribunal da Comarca do Funchal.
Neste Tribunal foi proferida decisão que decidiu dar provimento ao recurso, declarando nula a decisão administrativa e ordenado o oportuno arquivamento dos autos.
Inconformada com esta decisão, o Ministério Público recorre, por sua via, para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação que:
Da validade da decisão proferida pela autoridade administrativa e da obrigatoriedade, nos termos da lei, da sua manutenção nos seus precisos termos
1. Ao contrário do que entendem a sociedade arguida e o Tribunal A Quo sobre a presente matéria, verificamos que a decisão da autoridade administrativa ora apontada como sendo nula enuncia correcta e cabalmente os factos observados no estabelecimento comercial da arguida aquando da inspecção aí realizada, quer na sua componente objectiva quer subjectiva.
2. Com efeito, e para além do mais, refere-se em tal decisão que a sociedade arguida sabia, ou pelo menos tinha a obrigação de saber, que sobre ela impendia a obrigação de ter e manter o seu estabelecimento em perfeitas e rigorosas condições de higiene, bem como de que não podia expor para venda géneros alimentícios impróprios para consumo e que, ao não o ter feito, agiu negligentemente infringindo as normas aí elencadas.
3. Desta exposição, mais bem concretizada na decisão administrativa de fls. 58 e 59 destes autos, que aqui damos por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, resulta claro, para além da correcta enunciação do elemento objectivo dos tipos legais em apreço, o acto de negligência imputado à sociedade arguida, o qual consistiu na violação/omissão dos deveres de cuidado que se prendiam com a obrigação da manutenção do estabelecimento em causa em perfeitas e rigorosas condições de higiene e com a obrigação de não vender produtos fora do prazo de validade dos mesmos, condições estas que a arguida manifestamente não assegurou.
4. Como tal, e compaginando tal conteúdo decisório com as exigências de fundamentação aplicáveis em direito contra-ordenacional decorrentes do art. 58° do R. G. C. O. nos termos que supra concretizamos, toma-se quanto a nós claro que a decisão da autoridade administrativa está neste prisma correcta e suficientemente fundamentada permitindo à sociedade arguida perceber perfeitamente quais os factos que lhe são concretamente imputados, e dos quais poderá querendo, defender-se, quer no domínio do preenchimento do elemento objectivo dos tipos legais de contra-ordenação cujo cometimento lhe é assacado, quer no domínio do preenchimento do elemento subjectivo destes mesmos tipos legais.
5. Logo, ao contrário do que erroneamente concluem a sociedade arguida na sua impugnação e o Tribunal recorrido na sua decisão, não poderá dizer-se, neste domínio, que a decisão da autoridade administrativa está ferida de qualquer invalidade (mormente nulidade) por insuficiência descritiva dos factos atinentes aos elementos objectivo e subjectivo dos tipos de contra-ordenações em causa.
6. Nem se diga, como a sociedade arguida e o Tribunal recorrido também equivocamente apontaram como sendo outro dos vícios da decisão recorrida entroncado na demais alegada insuficiência narrativa, que a decisão da autoridade administrativa foi completamente omissa quanto à pessoa física que enquanto tal actuou em nome e no interesse da pessoa colectiva (vicio este que, a verificar-se, traduziria uma insuficiente alegação dos factos constitutivos do elemento objectivo dos tipos legais contra-ordenacionais ora em causa).
7. É que neste parâmetro resulta plenamente claro, quer do próprio teor da decisão, quer, sobretudo, da sua conjugação com o auto de notícia delis. 15 e 16, assim como com os autos de apreensão, selagem, arrolamento e exame pericial delis. 1 e seguintes e com o relatório delis. 54 destes autos que a autoridade administrativa identificou de forma clara e completa como representante da pessoa colectiva (sociedade arguida), H..., o gerente do estabelecimento comercial onde OS factos ocorreram (ou seja a loja da sociedade arguida sita na Rua do Gorgulho, Funchal), que ali exercia as suas funções profissionais em nome e no interesse da sociedade arguida.
8. Assim, resulta da conjugação entre o conteúdo deste auto de notícia e da decisão condenatória proferida pelo I.R.A.E. que os actos omissivos imputados à pessoa colectiva aqui em questão (a sociedade arguida) decorrem, no plano da realidade física e palpável, da conduta omissiva desta pessoa física (o antedito gerente) e das pessoas que naquela loja trabalhavam sob o seu comando, sem que, sublinhe-se, tenha sido recolhido qualquer tipo de indício que esta representante da pessoa colectiva ou qualquer dos funcionários que ali laborava estivesse, com as omissões observadas, a agir de forma arbitrária sob o desconhecimento da pessoa colectiva ou contra as instruções desta.
9. Ademais, o referido gerente também interveio no plano da representação directa e imediata da sociedade arguida perante as autoridades fiscalizadoras que às instalações da mesma se deslocaram aquando da ocorrência com a qual se iniciaram os presentes autos. Nesta senda, o aludido representante da pessoa colectiva não só consentiu a busca realizada no local, mas também prestou todos os esclarecimentos vertidos no auto de notícia antedito e acompanhou os inspectores do I.R.A.E. nas diligências ali realizadas, o que também fez, repita-se, na qualidade de representante da pessoa colectiva em crise - a sociedade arguida - e agindo em nome e no interesse da mesma.
10. Neste passo, constatamos que na decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa há referências directas, explícitas e precisas quer ao auto de notícia atrás referido, quer às fotografias, relatórios e exame pericial atrás igualmente indicados, pelo que se toma perfeitamente clara qual a identidade da pessoa física que, enquanto tal, actuou em nome e no interesse da pessoa colectiva e permite imputar e centrar nesta última a responsabilidade contra¬ordenacional que lhe cabe.
11. Desta forma, dadas as circunstâncias expostas, e tendo em consideração que não deve confundir- se o plano criminal com o plano contraordenacional, como nos parece que a arguida e o Tribunal A Quo confundem, reiteramos ser nosso parecer que a decisão contra-ordenacional proferida pelo LR.A.E. de fls. 58 e 59 destes autos, conjugada com os elementos processuais e probatórios para os quais a mesma directa e expressamente remete, deve ser julgada válida não só niateriahnente mas também formal e processualmente.
12. Isto significa, portanto, que a sociedade arguida deverá ser condenada pela prática das contra- ordenações que lhe foram imputadas e no montante da coima única que lhe foi aplicada.
13. Andou mal, portanto, o Tribunal recorrido, ao ter julgado nula a decisão administrativa condenatória proferida nestes autos, tendo, com tal decisão/sentença, violado frontalmente, por errada interpretação, o disposto no art. 58° do R. G. C. O., mais precisamente o conteúdo do n° 1 deste preceito, quer em si mesmo considerado, quer na sua articulação e interpretação harmonizada com arts. 58°, n° 1, alínea a), do Decreto-Lei n° 28/84 de 20 de Janeiro e 3o, n° 2, e 4°, do Regulamento (CE) n° 852/2004 de 29 de Abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, já que a correcta interpretação destas normas e sua aplicação ao caso vertente impunha a manutenção da condenação aplicada à sociedade arguida na fase administrativa.
14. Sem embargo, importa paralelamente frisar que, embora no seu despacho/sentença de fls. 131 a 138, o Tribunal A Quo não tenha respondido directamente às demais questões suscitadas na impugnação judicial apresentada pela arguida a fls. 93 e seguintes cremos que, também nesta sede, nenhuma razão assiste à sociedade arguida, como se extrai das alegações e respostas específicas por nós devolvidas contra essas mesmas questões no nosso parecer de fls. 112 a 122, que aqui damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, pelo que nada pode, salvo melhor opinião, infirmar o conteúdo, o sentido e o alcance da decisão administrativa condenatória de fls. 58 e 59 nos termos nela aí plasmados.
15. Como tal, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa:
x) - deverá, por um lado, e em primeiro lugar, revogar a decisão proferida a fls. 131 a 138 pelo Tribunal recorrido, substituindo-a por uma outra que declare válida a decisão administrativa constante de fls. 58 e 59;
xx) - e, por outro, consequentemente, uma vez que dispõe de todos os elementos necessários à prolacção de uma decisão de fundo sobre o objecto dos autos, não deverá ordenar a baixa do processo à primeira instância para nova apreciação dos factos e questões suscitadas (cfr. aris. 426°. n.° 1 e 431°. n.° 1, ai a) Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicáveis ao processo conlra¬ordenacional por força do disposto no art. 41°, n° 1. do R. G. C. O.) mas deverá, ao invés, desde já apreciar e decidir tais factos e questões e, em conformidade com o que aqui propugnarmos, ratificar integralmente o conteúdo e sentido da decisão administrativa de fls. 58 e 59 destes autos, condenando, assim, a sociedade arguida pela prática das contra-ordenações que lhe foram imputadas', aplicando-lhe, nesta conformidade, a coima única já definida na antedita decisão administrativa.
Caso assim não se entenda, e mesmo admitindo a eventual nulidade da decisão administrativa atrás referida defendemos, subsidiariamente, o seguinte:
16. A decisão judicial em crise, ao limitar-se a dar provimento ao recurso da sociedade arguida/recorrente, determinando o arquivamento dos autos face à nulidade da decisão contra¬ordenacional proferida pela autoridade administrativa, violou, por errada interpretação o disposto nos arts. 41°, 58°, 62°, 63° e 64° do RGCO e, bem assim, a articulação legal dos mesmos com o disposto nos arts. 118°, 120°, 122°, 374° e 379°, do Código de Processo Penal.
17. A correcta interpretação e aplicação de tais normativos tem os fundamentos, o sentido e o alcance por nós descrito e defendido na motivação do presente recurso, com as concretas consequências daí decorrentes para o caso vertente igualmente enunciadas na mencionada motivação que aqui damos por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.
18. Com efeito, a decisão da autoridade administrativa que aplique uma coima ou outra sanção prevista para unia contra-ordenação tem de ser fundamentada conforme resulta dos requisitos impostos pelo art. 58° do R. G. C. O. em confronto com a correspondente norma do Código de Processo Penal. o art. 374° deste diploma legal.
19. A falta ou manifesta insuficiência de fundamentação constitui nulidade da decisão administrativa, nos termos do disposto nos arts. 374°, n° 2 e 379°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, por remissão do art. 41°, do R. G. C. O., a suprir pela autoridade administrativa.
20. O Tribunal não pode impedir a autoridade administrativa de renovar o acto nulo por vícios procedimentais, e simplesmente determinar o arquivamento dos autos sem qualquer consequência.
21. Mediante a nulidade da decisão administrativa, o tribunal deve declarar e ordenar a remessa dos autos à autoridade administrativa competente para sanação do vício e consequentemente prolação de nova decisão devidamente fundamentada.
22. Não pode esquecer-se que o único acto processual inválido observado foi apenas a decisão administrativa final e que quanto ao resto do procedimento contra-ordenacional tramitado pela autoridade administrativa nenhuma anomalia foi detectada.
23. Não podemos, portanto, como o Tribunal A Quo fez incorrectamente, tomar um mero acto pelo todo, e, no fundo, sacrificar definitiva e irremediavelmente o conteúdo pela forma, ao arrepio do que obriga a correcta leitura das normas legais indicadas em 16.
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser integralmente provido conforme o ora requerido.
A arguida, nas suas alegações de resposta ao recurso, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-geral adjunta junto desta Relação, pronunciou-se em consonância com a procedência do recurso apresentado pelo Ministério Público.

II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.° 119.°, n.° 1; 123.°, n.° 2; 410.°, n.° 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
No que respeita a este recurso de sentença que conheceu de uma impugnação judicial de uma decisão administrativa de contraordenação há que atender, todavia, à especificidade do Art.° 75.°, n.° 1, do DL 433/82 de 27/10 (RGCOA), que nos diz que em sede contra¬ordenacional esta instância conhece, em regra, da matéria de direito e, salvo os casos previstos no Art.° 410.°, n.° 2, do Código do Processo Penal, está vedado a este Tribunal sindicar o julgamento em matéria de facto.
Tendo em conta este contexto normativo, o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente e pela recorrida, são duas as questões em apreciação: (i) se a decisão de contraordenação da Inspecção Regional das Actividades Económicas se encontra efectivamente ferida de nulidade nos moldes suscitados pela decisão do tribunal recorrido; e (ii) se mesmo existindo essa nulidade o destino do procedimento contra-ordenacional deveria ser o arquivamento ou se, ao invés, deveria a declaração de nulidade corresponder à anulação dos actos inválidos e à devolução do processo à autoridade administrativa para sanação dos vícios.

III. FUNDAMENTAÇÀO
É do seguinte teor a decisão recorrida, com referência aos factos, à sua fundamentação e também qualificação jurídica, com vista a aquilitar da bondade dos fundamentos deste recurso:
=CLS=
O Ministério Público e a recorrente não se opuseram a que a decisão fosse proferida por despacho. Cumpre, assim, proferir o despacho a que alude o art° 64°, n°s 2 e 3, do DL n° 433/82, de 28/10. 1.- Relatório
No âmbito do presente processo, foi a sociedade arguida L...- Distribuição de Produtos Alimentares, SA, condenada na coima única de 750,00, pela prática de uma contra-ordenação, prevista no art° 58°, n°1, ala) do DL n° 28/84, de 20/1 (géneros alimentícios com falta de requisitos) em concurso real, com a prática de uma contra-ordenação, prevista no art° 3°, n° 2 e 4° do Regulamento da (CE) n° 852/2004, de 29/4 (falta de asseio e higiene) e puníveis, respectivamente, na alínea a) do n°1 do artigo 6° do DL n° 113/2006 de 12 de Junho e o n° 1 do mencionado artigo 58° do DL n° 28/84.
No seu requerimento de impugnação judicial, alega, entre outras questões, a nulidade da decisão administrativa, por omissão dos requisitos contidos no artigo 58.° do RGCOC, designadamente, por omissão de factos susceptíveis de caracterizar a imputação subjectiva da infracção.
Trata-se de questão prévia, cuja procedência obsta à apreciação do mérito da decisão administrativa, no que concerne à verificação das contra-ordenações e medida das coimas aplicadas, razão pela qual, aplicando o disposto no artigo 338.°, n° 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto nos artigos 41 e 66°, do RGCOC se passará ao conhecimento da mesma.
A) - Questão prévia.
Da nulidade da decisão administrativa
Dispõe o art° 58° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.° 433/82 de 27/10, com a redacção introduzida pelo DL n.° 244/95 de 14/09 (além das indicações mencionadas no n° 3, que aqui, podemos ignorar, não obstante, a alegada omissão das mesmas):
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação do arguido;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Os requisitos supra enunciados visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, permitindo-lhe aquilatar nomeadamente a sustentação probatória da decisão.
Do confronto da norma citada com a correspondente norma do processo penal (artigo 374°, do Cód. Proc. Penal) extrai-se a conclusão de que a decisão da autoridade administrativa segue, basicamente, a estrutura da sentença penal.
No entanto, dada a natureza de tal decisão - que com a remessa dos autos transmuta-se em acusação, a jurisprudência - com a qual concordamos - refere que, em sede de fundamentação não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial, como por exemplo, não é exigível a enumeração dos factos não provados, a fundamentação pode ser feita por remissão para algumas peças do processo, (neste sentido, vide, Ac. da RL de 19.02.13, em www.dgsi.pt).
A fundamentação, tal como está estabelecida no art° 58.° do referido diploma, será, pois, suficiente desde que justifique as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas [art. 358.°, n.° 1, alíneas b) e c)] -, é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e,
consequentemente, impugnar tais fundamentos.
Não tem havido unanimidade, quer na doutrina, quer na jurisprudência, acerca da qualificação do vício decorrente da inobservância dos requisitos formais exigidos pelo artigo 58.°, n.° 1, do RGCO. Para uns, trata-se de uma nulidade, a arguir pelo interessado ou de Conhecimento oficioso (cfr., v.g., Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., págs. 387/390; Acs. do STJ de 21-09-2006 proc. n.° 06P3200; da Relação de Évora de 17-10-2006, proc. n.° 2194/06-1; da Relação de Lisboa de 28-04-2004, proc. n.° 1947/2004-3; da Relação do Porto de 27-02-2002 e 24-02-2010, proc. n.° 0111558 e 10798/08.2TBMAL.P1, respectivamente, todos publicados no em www.dgsi.pt). Para outros, de mera irregularidade (a titulo meramente exemplificativo, António Beça Pereira, em Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2007, págs. 115/116; Acs. da Relação do Porto de 15-03-2006, proc. n.° 0443636; da Relação de Évora de 15-06-2004, publicados no sitio acima indicado, e da Relação de Lisboa, in CJ, tomo V, pág. 144).
Efectivamente, o RGCO não contém qualquer disposição onde esteja prevista a consequência processual para a preterição dos requisitos elencados no artigo 58.°, provindo a aludida controvérsia dessa vacuidade.
Entendemos, todavia, como Simas Santos e Jorge de Sousa (ob. cit., pág. 387), não se vislumbrar que a necessária aplicação subsidiária das normas do processo criminal (cfr. art. 41.° do RGCO) possa levar a outra solução senão a de considerar que a decisão administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58.° do RGCO está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.°, n.° 1, ai. a), do CPP.
Face ao exposto, cabe, pois, apreciar se a decisão administrativa recorrida preenche os requisitos enunciados no artigo 58. ° do RGCOC e, em caso negativo, qual a consequência processual dessa omissão.
A decisão recorrida encontra-se plasmada a fls. 58 a 59v° dos autos.
Quanto aos factos imputados à arguida ai se refere que, nas circunstâncias de tempo (com excepção da hora, desconhecendo-se, assim, se o estabelecimento estava aberto ao público), modo e lugar ali referidos, foi realizada uma inspecção de fiscalização a um estabelecimento de supermercado denominado Pingo Doce, da propriedade da arguida, tendo sido detectado:
- Na secção de armazenamento situada na cave do estabelecimento, mais precisamente na câmara de refrigeração, existiam quatro sacos de plástico transparente, contendo frangos temperados, da marca Sodiprave, com a menção na rotulagem consumir até 28/12/2015.
Na secção de pastelaria/ padaria existiam três bolos, mais conhecidos por troncos de Natal, com cerca de 1 Kg. cada, com a menção na rotulagem consumir até 28/12/2015
Num equipamento de refrigeração situado na secção de take-away se encontravam dois pré-embalados de cebola inteira com a menção na rotulagem consumir até 28/12/2015 .
Na secção de armazenamento do estabelecimento, mais concretamente nas zonas de acesso às câmaras de refrigeração e de preparação de hortofrutícolas, o pavimento encontrava-se com falhas e acumulação de sujidades, as paredes com tinta a descascar e ferrugem nas protecções das paredes.
No que diz respeito à imputação subjectiva, não basta que o agente da infracção tenha praticado as condutas que o legislador quis criminalizar e as tenha praticado da forma que no tipo legal de contra-ordenação estão previstas. E necessário mais alguma coisa para que ao agente possa ser imputada a prática de uma contra-ordenação. E necessário que o agente tenha praticado os factos com conhecimento de que a sua conduta é proibida e, mesmo assim, tenha intenção de a praticar actue com dolo - ou, pelo menos, tenha praticado a conduta típica com inobservância do dever de cuidado a que por lei está obrigado - com negligência.
Por outro lado, dirigida uma decisão contra uma pessoa colectiva apenas, como é o caso dos autos, dela terá que figurar, inelutavelmente, a identificação ou ao menos a menção de concretos órgãos ou representantes seus que tivessem agido ou deixado de agir indevidamente, pois disso depende a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva,
Ora, como se constata, a decisão da autoridade administrativa, foi completamente omissa, quer quanto à pessoa física que enquanto tal actuou em nome e no interesse da pessoa colectiva, nem tão pouco se as pessoas responsáveis pelo asseio e higiene e pela validade dos produtos agiram segundo as ordens ou instruções da arguida e no interesse desta.
Por outro lado, a decisão administrativa posta em crise, não faz qualquer indicação ou descrição dos factos considerados provados ou não e que integram os elementos subjectivos do tipo.
Com efeito, só em sede de aplicação do direito é que a decisão faz referência ao elemento subjectivo do tipo, enquadrando-o na figura da negligência, desconhecendo-se, por falta de factualidade apresentada, se a culpa da recorrente traduz uma conduta negligente ou dolosa.
A exigência de fundamentação refere-se, não só aos factos que materializam a contra-ordenação, mas também às circunstâncias relevantes para a determinação da medida da sanção (seja a sanção principal, seja a sanção acessória) e não descortinamos onde está satisfeita essa exigência.
A consequência processual da falta de tal requisitos constitui inevitavelmente uma nulidade da decisão administrativa por aplicação do disposto no 374°, n° 2 e 379°, ambos do Código de processo Penal, aplicável ex vi artigo 41°, n° 1 do RGCO e 61° do DL n° 433182.
Esta nulidade é insanável e de conhecimento oficioso (art° 119° do Código de Processo Penal).
Não nos podemos ainda esquecer que este Tribunal funciona como instância de recurso face às decisões administrativas.
Em conformidade com o disposto no artigo 380°, n° 1 do Código de Processo Penal a sanação ou correcção de vícios da sentença só pode ocorrer fora dos casos previstos no número anterior, isto é, fora dos casos previstos no artigo 379° do Código de Processo Penal,
Significa isto que, na falta de fundamentação de facto, a sentença administrativa não pode, oficiosamente ou a requerimento, ser objecto de correcção.
Citando o Ac. da Rel, de Guimarães, refere o já citado, Ac. da Rel, de Lisboa (19.02.13) : Se os factos descritos na decisão condenatória da entidade administrativa não constituírem contra-ordenação, ou forem insuficientes para a condenação, então, em caso de recurso de impugnação judicial será inevitável a absolvição. É que o juiz não pode ir em socorro de quem fixou os factos imputados, limando-lhe ou contornando-lhe as deficiências.
Do regime aplicável ao processo de contra-ordenação não emerge qualquer norma que permita ao Tribunal reenviá-lo à entidade administrativa que proferiu a decisão impugnada, ou proferir decisão anulatória.
Conforme resulta do artigo 64° do RGCO o Tribunal apenas pode ordenar o arquivamento do processo, ou absolver o recorrente, ou manter ou alterar a condenação, implicando, qualquer uma destas três últimas situações o conhecimento do mérito da causa.
Resta, por isso, ordenar, face à nulidade da decisão administrativa, o arquivamento dos autos. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões de recurso.
II - Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal:
- Declarar nula a decisão administrativa e, consequentemente, ordeno o oportuno arquivamento dos autos,
Sem custas, por ter obtido provimento.
Após trânsito, comunique à IRAS, nos termos do disposto no art° 70°, n° 4 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro.
21.09.16

Importa analisar, agora, cada um dos fundamentos suscitados pelo recorrente, sabendo-se, porém, que nos termos do Art.° 75.°, n.° 1, do DL 433/82 de 27/10 (RGCOA), em sede contra-ordenacional esta instância conhece, em regra, da matéria de direito e, salvo os casos previstos no Art.° 410.°, n.° 2, do Código do Processo Penal, está vedado a este Tribunal sindicar o julgamento em matéria de facto.
(i) Se a decisão de contraordenaçâo da Inspecção Regional das Actividades Económicas se encontra efectivamente ferida de nulidade nos moldes suscitados pela decisão do tribunal recorrido.
Comecemos então por debruçar sobre os pressupostos da alegação do Ministério Público neste seu recurso, analisando se a decisão recorrida apreciou devidamente do teor da decisão administrativa contra-ordenacional, ao considera-la nula por falta de fundamentação.
Cumpre apreciar deste primeiro conjunto de argumentos do recurso interposto pelo Ministério Público.
Dita o citado Art.° 58.°, n.° 1, do RGCO que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter. a) A identificação dos arguidos, b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; e c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.
Depois, sabe-se que cumprido o disposto no Art.° 62.° do mesmo Regime Geral, a decisão da autoridade administrativa converteu-se em acusação, pelo que tendo esta sido recebida pelo M° Juiz a quo, a questão que agora vem colocada a este tribunal, como vimos, consiste, em indagar da omissa fundamentação respeitante aos diversos elementos respeitantes (como o elemento subjectivo) da contraordenação aplicada à arguida.
Ora, pelo que se constata da leitura da decisão administrativa, não se pode deixar de concluir que nela não existe uma satisfatória e suficiente fundamentação no que respeita:
1. à identificação ou ao menos a menção de concretos órgãos ou representantes da arguida que tivessem agido ou deixado de agir indevidamente, pois disso depende a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva;
2. à indicação ou descrição dos factos considerados provados ou não e que integram os elementos objectivos e subjectivos do tipo (com a descrição das circunstâncias de tempo e de lugar entendidas corno razoáveis);
3. à referência factual ao elemento subjectivo do tipo, enquadrando-o na figura da negligência, desconhecendo-se, por falta de factualidade apresentada, se a culpa da recorrente traduz uma conduta negligente ou dolosa; e
4. à referência a outras circunstâncias relevantes para a determinação da medida da sanção.
Mesmo que se admita a fundamentação da decisão administrativa por remissão para outras peças processuais como o auto de notícia, com base no Art.° 125.° do Código de Procedimento Administrativo, e nos Art.°s 307.°, n.° 1, 313.°, n.° 1, alínea a), e 425.°, n.° 5, do CPPenal, a verdade é que essa mesma remissão não suplanta os problemas de falta de descriminação destes elementos fundamentais e que acima foram tomados como omitidos pela decisão jurisdicional recorrida.
Por outro lado, mesmo que se tenha entendido que não se impõe aqui uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem para a sentença penal, no Art.° 374°, n.° 2, do CPPenal, a verdade é que os elementos atrás salientados e considerados omitidos não deixam dúvidas sobre o acerto da decisão do tribunal a quo quanto à sinalização do aventado vício de falta de fundamentação.
Este nível de razoabilidade ou de exigência que se deve atribuir à fundamentação de uma decisão administrativa contra-ordenacional, deverá também ser ponderada em consideração do seu próprio regime legal específico e da sua notoriedade material e sancionatória. Neste ponto, discordamos com a posição assumida pelo Ministério Público no processo contra-ordenacional e no seu recurso, pois se define como atentatória dos direitos de defesa da arguida e desestruturante do objecto do processo nos seus elementos essenciais.
Conclui-se, assim, que tal decisão não está fundamentada ou, no mínimo, é manifestamente insuficiente a fundamentação, pelo que não satisfaz a exigência prevista no Art.° 58.°, n.° 1, do RGCO.
Como se encontra dito nas peças de alegações do recurso, é questão controvertida saber qual a consequência do não cumprimento, pela autoridade administrativa, da exigência de fundamentação da decisão condenatória.
Não tem quanto a nós razão a corrente jurisprudencial e doutrinal que defende a natureza de mera irregularidade processual da falta de fundamentação da decisão contra¬ordenacional da autoridade administrativa e que só pode, por isso, ser arguida perante a autoridade que a proferiu (nesse sentido, António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2001, nota 4).
Ao invés, em consenso com a posição majoritária, defendemos que a falta de fundamentação dessa decisão da autoridade administrativa constitui nulidade sanável, nos termos dos Art.°s 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, ex vi do Art.° 41.°, n.° 1, do RGCO (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Lisboa: UCE, em anotação 9 ao artigo 58.°, pp. 241, onde cita abundante doutrina e jurisprudência no mesmo sentido).
Embora se reconheça a autonomia do processo contra-ordenacional, pelas razões atrás expostas, não pode negar-se a sua vincada aproximação aos institutos e soluções do processo penal e, também aqui, a fundamentação deve exercer uma função de legitimação, interna e externa. A sua falta ou manifesta insuficiência não pode deixar de ser sancionada com a nulidade da decisão administrativa.
Por outro lado, a fonte do vício é a decisão condenatória e por isso, salvo o devido respeito, não colhe o argumento de que se equipara a uma sentença uma decisão administrativa transformada em acusação.
Como já tivemos oportunidade de fazer notar, fundamentação sumária ou de menor profundidade que aquela que o Art.° 374.43, n.° 2, do CPPenal impõe para a sentença em processo penal não pode confundir-se com falta ou manifesta insuficiência da fundamentação e, com todo o respeito devido pela opinião expressa na decisão recorrida, não lobrigamos onde estão especificados os factos sobre a descrição da conduta contra-ordenacional, a gravidade da infracção cometida e sobre o grau de culpa da arguida, a que se alude nas alegações de recurso.
A exigência de fundamentação refere-se, não só aos factos que materializam a contra-ordenação, mas também às circunstâncias relevantes para a determinação da medida da sanção (seja a sanção principal, seja a sanção acessória) e não descortinamos onde está satisfeita essa exigência.

Pelo que se considera improcedente o primeiro dos fundamentos de recurso apresentado.

(ii) Se constatada a nulidade em apreciação o destino do procedimento contra-ordenacional deve ser o arquivamento ou se, ao invés, deveria a declaração de nulidade corresponder à anulação dos actos inválidos e à devolução do processo à autoridade administrativa para sanação dos vícios.
Alega o Ministério Público, aqui recorrente, que a proceder a existência da aludida nulidade da decisão contra-ordenacional, mesmo assim a decisão do tribunal a quo não deveria ter determinada o arquivamento dos autos.
E, na verdade, julgamos que o Ministério Público tem razão neste seu outro fundamento, isto porque a declaração de nulidade da decisão contra-ordenacional não tem as consequências que o tribunal a quo retirou na sua decisão.
Com efeito, é nosso entender que, sendo a decisão administrativa nula, tal nulidade teria como consequência a remessa do processo de contra-ordenação para a autoridade administrativa.
Neste sentido, os Acs. desta Relação de Lisboa de 28/4/2004, 14/10/2004 e de 19/2/2013, processo n.° 854/11.5TAPDL.L1.5, disponível em bttp:!/www.dgsi.pt,; da Relação de Évora de 4/4/2004, de 3/12/2009 e 22/4/2010,
processo n.° 2826/08.TBSTR.E1, disponível em http://www.dgsi.pt, e da Relação de Coimbra, de 12/7/2011, processo n.°
990/10.5T2OBR.C 1, disponível em http://www.dgsi.pt.
Bem diversa é a solução propugnada por outra corrente jurisprudencial, com a qual não concordamos, defendendo-se a absolvição, pura e simples, do arguido, como no acórdão da Relação de Lisboa, de 17/6/2003 (Sendo a decisão omissa de factualidade provada quanto ao elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional imputado à ora recorrente, não poderia esta ter sido sancionada, impondo-se a respectiva absolvição), no acórdão do STJ de 29/10/2007 (...não constam da decisão da entidade recorrida quaisquer elementos que permitam imputar os factos a título de dolo ou de negligência, necessários à caracterização e integração do elemento subjectivo, como elemento indispensável à natureza e integração de uma infracção com consequências sancionatórias. Não estando integrados os elementos da tipicidade da contra-ordenação referida pela decisão administrativa a consequência terá de ser a absolvição) e no acórdão da Relação de Guimarães, de 7/5/2010 (Se os factos descritos na decisão condenatória da entidade administrativa não constituírem contra-ordenação, ou forem insuficientes para a condenação, então, em caso de recurso de impugnação judicial, será inevitável a absolvição. É que o juiz não pode ir em socorro de quem fixou os factos imputados, limando-lhe ou contornando-lhe as deficiências).
A tese da sanação do vício da nulidade é a mais consistente, na verdade.
O facto de, no caso, a decisão sob recurso ser um despacho (como tal é designado no Art.° 64.° do RGC-O) não constituirá obstáculo a essa solução, pois que, do ponto de vista substancial, trata-se de uma verdadeira sentença, um acto decisório que conheceu a final do objecto do processo.
Sucede que o tribunal, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, pode declarar a nulidade da decisão administrativa impugnada e ordenar a remessa dos autos à autoridade administrativa competente para sanação do vício, assim Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 263). Se bem que a propósito do Art.° 79.° do RGIT (preceito que, no que para o caso interessa, é idêntico ao artigo 58.° do RGC-O), também Simas Santos e Lopes de Sousa (em Contra-ordenações - Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6. ed., 2011, pág. 431-432), defendem que na sequência da declaração de nulidade por falta de requisitos legais de aplicação de coima (...) o processo não é necessariamente extinto, devendo ser praticados os actos necessários para que ela deixe de existir, não impedindo que venha a ser proferida nova decisão, em substituição da anterior (...), desde que a nulidade que afectava a primeira possa ser sanada na nova decisão. O desaparecimento jurídico do acto nulo e dos actos que dele dependam com repetição do acto anulado (se ele não estiver sujeito a prazo que tenha expirado) é a regra generalizada do nosso ordenamento jurídico, como pode ver-se pelos artigos 201.°, n.° 2, e 208.° do C. P. Civil, e artigo 122.°, n.°s 1 e 2, do C. P. Penal.
Na verdade, o Art.° 122.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do Art.° 41.°, n.° 1, do RGCO, obriga a que A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição (...). Ou seja, qualquer nulidade de que a decisão administrativa padeça, determinaria o reenvio dos autos para a entidade administrativa, com a subsequente prolação de nova decisão administrativa expurgada daquele vício, e não o arquivamento dos autos, tal como se entendeu na decisão recorrida.
Caso se conclua pela existência de alguma nulidade, a sentença recorrida, ao decidir pelo arquivamento dos autos e ao não ordenar o reenvio para a entidade administrativa, violou desse modo o Art.° 122.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do Art.° 41.°, n.° 1, do RGCO.
Ora, já concluímos que a decisão administrativa é nula e o tribunal recorrido deveria ter declarado essa nulidade e determinado a remessa dos autos à autoridade administrativa para suprir o vício, procedendo, assim, este outro fundamento do recurso interposto pelo Ministério Público.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, concedendo provimento ao mesmo, revogando á despacho recorrido na parte em que procede ao arquivamento dos autos, devendo o tribunal recorrido remeter os autos entidade administrativa decisora (Inspecção Regional das Actividades Económicas) para que profira decisão isenta de vícios que afectem a sua validade, nomeadamente por falta de fundamentação nos moldes acima expostos e definidos na mesma decisão jurisdicional recorrida.

Sem custas, em face do provimento da nulidade da sentença recorrida.

Notifique-se.

Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.° 94.°, n.° 2, do CPPenal).
Lisboa, 21 de Dezembro de 2016
Nuno Coelho
Ana Paula Grandvaux