Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 05-04-2017   Violência doméstica. Reapreciação da matéria de facto. Depoimento de menor. Reparação do dano.
I - Foi o arguido quem tentou condicionar a menor ao silêncio, convencendo-a de que ele iria ser preso se ela prestasse depoimento - coisa que ele sabe não ser verdade, porque uma pena nunca é resultado de um depoimento (quanto muito é resultado de toda uma actividade probatória que, no caso, estava longe de se restringir ao depoimento da menor).
II - No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber (art° 412°/3 e 4, do CPP): - Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados - o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou, mais ainda, de todos os factos considerados provados; - Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação - o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n° 4 do art° 412°/CPP).
III - A sujeição ao ambiente humanamente degradável que a que o arguido votou a ofendida, durante 17 anos, no interior do lar que é por natureza, um lugar de paz e realização pessoal, e na frente dos filhos, revela-se uma actuação seriamente censurável, sendo que essa especial censura se tem que reflectir na medida da pena, que nunca poderá ser equivalente ao mínimo legal.
IV - Impor como reparação de um dano de saúde mental permanente durante 17 anos a quantia de 1.500,00€ só se compreende a nível da simbologia. A correcção do montante, a fazer-se, seria sempre pela imposição de um valor superior e não inferior ao causado.
Proc. 1832/14.8PGALM.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Augusto Lourenço - Maria da Graça Santos Silva - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo n° 1832114.8PGALM.L1.L1

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:

1- Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido J..., solteiro, gráfico, nascido a 10/01/1974, em Lisboa, filho de L… e de M…, residente na Rua …, …, 2825 C… foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica na forma agravada, p. e p. pelo artigo 152°/1-b), 2 e 4, do Código Penal:
- Na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, que compreende a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
- Na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida S..., incluindo o seu afastamento da residência e do local de trabalho desta, salvo no que for estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais quanto aos três filhos menores de ambos, M…, D… e L…, durante o período de dois anos e dez meses, devendo, para tanto a DGRS colher o consentimento da ofendida S... a fim do seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
- A pagar à ofendida S... a quantia de mil e quinhentos euros, nos termos previstos pelo artigo 21°/ 1 e 2, da Lei 112/2009, de 16/09 e 82.°-A do Código de Processo Penal (CPP).

0 arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:

I. A sentença em reapreciação enferma de erro na apreciação da prova, não tomou em consideração a prova produzida, encontrando-se ferida de nulidade por omissão e contradição, impondo-se a sua Anulação, Reforma e Substituição.
II. 0 Arguido tendo verificado que a menor, em sede de inquérito, prestou depoimento acompanhada da ofendida e, sem que se entenda bem, de Advogado (seu ou da ofendida) não identificado nos autos, bem como verificando que não foi assegurado que a mesma prestava um depoimento livre e esclarecido, requereu a nulidade de tal depoimento em sede de contestação, opôs-se à sua repetição em Julgamento, tendo em audiência de Julgamento, Acta de 29.11.2016, requerido que o depoimento fosse prestado sem a presença da ofendida, devendo o Tribunal aferir a capacidade da menor para depor, se necessário, por via de perito ou técnico que a acompanhasse.
Ill. O Tribunal a quo veio a indeferir a arguição apenas na sentença, tendo, também em audiência de Julgamento entendido ouvir a menor e entendido que inexistiam motivos para colocar em causa o esclarecimento e capacidade da menor e recusado a avaliação por perito ou acompanhamento por técnico especializado ou que o depoimento fosse prestado sem a presença da ofendida.
IV. Tendo assim a menor, uma vez mais, prestado depoimento na presença da mãe, tendo manifestado a tal não se opor, mas sem a presença do Pai. Tendo o Tribunal a quo valorado o depoimento da menor e com este, e apenas com este e um sms, corroborado a versão da ofendida.
V. Ora, sucede que a menor foi advertida, sob pena de nulidade nos termos do artigo 134 ° n ° 2 do CPP, antes do seu depoimento, que poderia recusar depor uma vez que do seu depoimento poderia resultar a condenação do seu Pai.
VI. Ora ouvindo essa Veneranda Relação o depoimento da menor (desde logo, atento o registo vocal da menor, ficarão com a sensação que tal registo, nesta circunstância, não é normal, a não ser que a menor tenha tomado qualquer tipo de substância calmante) verão que a Menor, M..., Acta de 29.11.2016, esclareceu o Tribunal que achava que devia falar - min 1, sendo que, no final do seu depoimento - min 25 a menor, veio a esclarecer, que, a final, apenas havia prestado depoimento porque a sua mãe (a ofendida) lhe havia explicado que o seu Pai não iria ser preso e, por isso, podia dizer isto, porque gosta do seu Pai.
VII. E, sabendo a menor, como deveria saber, sendo para tal que serve a advertência sob pena de nulidade, que com o seu depoimento poderia o seu pai apanhar uma pena de prisão efectiva, teria prestado depoimento? Resulta claro que não teria prestado depoimento, pois apenas o prestou na convicção (criada pela ofendida) de que o seu Pai não seria preso. Logo inexiste depoimento livre e esclarecido, antes depoimento condicionado e em erro criado e controlado pela Ofendida e mantido pelo Tribunal. Mais, o Tribunal, aqui chegado e ouvida tal declaração pela menor, no limite, teria de ter esclarecido que o arguido poderia ser preso, voltando a perguntar à testemunha se queria, ainda assim, prestar depoimento. O que não fez.
VIII. Se a opção da testemunha deve decorrer de uma decisão informada, como bem refere o Tribunal Constitucional, importa igualmente que a entidade competente para receber o depoimento se assegure que aquela opção resulta de uma decisão livre. O que o Tribunal não fez, nem antes nem depois de ouvir esta frase da boca da menor, pelo que a advertência feita equivale a advertência não feita, porque não entendida pela menor, sancionada com a nulidade do depoimento.
IX. A nulidade decorre do n.° 2 do artigo 134. ° do CPP uma vez que o não entendimento da advertência, como foi o caso, por ter ficado a testemunha convicta de que o seu depoimento não podia nunca levar á prisão do Pai, tem de ter os efeitos da omissão da advertência, conduzindo à nulidade do depoimento.
X. Por outro lado, o depoimento não foi prestado de forma livre mas mediante promessa (legalmente inadmissível) de não prisão do Pai, o que conduz à nulidade prevista no artigo 126° n° 2 ai. e) do CPP
XI. Ou, assim não se entendendo, não pode o depoimento prestado ter qualquer valor probatório pois foi prestado de forma, não livre nem esclarecida, mas sob forte pressão, influência e controlo da ofendida, como a menor revelou.
XII. A intervenção da autoridade judiciária, motivando que a testemunha deva depor, constitui em si mesma uma intromissão nos direitos do menor, o que impõe protecção adequada, necessitando de consentimento da menor para ser utilizado, não tendo tal sido consentido pela menor uma vez que não se apercebeu da possibilidade de prisão, o que implica a nulidade nos termos do artigo 126 ° n ° 3 do CPP.

XIII. Mais, na falta de disposição específica do CPP, atento o disposto no artigo 123 ° do CC quanto à capacidade, apenas excepcionado por disposição em contrário, importa aplicar o regime legal que decorre dos artigos relevantes da Lei n° 93/99, de 14 de Julho, em especial o artigo 26° n° 1 in fine e n 2 e 27°.
XIV. O que não se mostra cumprido nos autos, o que determina, também, a impossibilidade de utilização daquele meio probatório nos termos do artigo 126° n° 2 al b) do CPP
XV. Ora a menor, em vez de prestar depoimento sem a mãe, ofendida, na sala, prestou o depoimento com a presença da sua mãe, mas sem a presença do seu pai. Sendo manifesto que o seu depoimento não foi prestado de forma livre (estando a ofendida na sala) e não foi prestado de forma esclarecida uma vez que prestou depoimento apenas por estar convencida que o seu pai não iria preso. Logo a diligência, deveria ter sido efectuada nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas, como prevê o art. 26. °, n.° 1, da Lei n.° 93/99, colmatando, tanto quanto viável, mormente através de acompanhamento, de técnico habilitado (art. 27. ° da mesma Lei), o depoimento.
XVI. Motivos pelos quais deverá ser considerado o depoimento da menor nulo, ou, assim não se entendendo, deverá o mesmo ser afastado de qualquer força probatória atentas as condições em que foi prestado.
XVII. Ora, ficando sem qualquer efeito o depoimento da menor M..., resta apenas a versão dos factos da ofendida sem qualquer suporte em qualquer outra prova, carecendo os autos de qualquer outra prova documental ou testemunhal no sentido dos factos trazidos pela ofendida.
XVIII. Motivos pelos quais os factos provados em 3 a 6 e 10, 13 e 14, deverão, desde logo ser considerados não provados ou, assim, não sendo, claro ficará que se trata de prova e condenação, apenas, com o depoimento da ofendida S..., Acta de 29.11.2016 (e 1 sms com uma ofensa, que poderia determinar crime de injúrias, sendo falsa a ofensa, nada mais existindo nos autos), contrariado pelo depoimento do arguido, Acta de 21.11.2016 e de todas as testemunhas, como melhor se demonstrou na Motivação.
XIX. Desde logo importa ter presente que os presentes autos começam com uma queixa da ofendida no dia 30.12.2014, ver fls. 3 dos autos, em que nenhum episódio de violência é relatado, antes a ofendida tendo chamado a polícia por o arguido ter entrado na sua casa (que é, a final, de ambos) para ir buscar a sua roupa. Ora, manifestamente não é crível que uma vítima de violência doméstica durante 17 anos, apresente queixa pela primeira vez, depois da saída de casa do arguido e num dia em que nenhum episódio de violência ocorreu. Não foi, claro está, o medo de violência que a moveu mas sim assegurar que ficava com a moradia do casal que apenas o arguido estava e está a pagar (documento 2 junto com a contestação) e cuja divisão judicial pediu.
XX. Mais, a ofendida quando preenche pela primeira vez o documento de tis. 9 dos autos ali esclarece que nunca o arguido lhe apertou o pescoço, para depois em Julgamento afirmar como verdadeiro, minuto 60 do depoimento, o que, sem que se entenda, veio a ser dado por provado pelo tribunal a quo como factos 4 e 5.
XXI. Mais, sempre se diga que confrontada a ofendida com esta contradição, logo correu o tribunal a quo a acudir a ofendida, interpretando aquele documento de forma mais favorável à ofendida e não de acordo com o princípio do in dúbio pro reu a que está obrigado. Motivo pelo qual não poderia o facto descrito em 5 ter sido considerado provado nem, ao menos nessa parte, o facto 4.
XXII. Com efeito, a ofendida e os 3 filhos do ex-casal residem na casa de morada de família, propriedade do arguido e da ofendida. Casa essa de onde o arguido saiu no final de 2014, no mesmo dia, de aniversário da ofendida, 26.11.2014, em que descobriu que esta se encontrava com um amante, nada tendo levado nesse dia. Neste sentido, além do depoimento do arguido, Acta de 21.11.2016, Gravação min 28, bem como o depoimento de A..., min 4 e 30 e M..., min 6 e min 11, Acta de 6.12., que confirmaram ao tribunal que no dia 27.11.2014, de manhã, um dia depois, a ofendida entrou na empresa e ofendeu e gritou com o arguido, nada este tendo respondido, dito ou feito.
XXIII. Facto aquele que apenas foi dado como provado em 7, tendo o tribunal a quo dado por provado que o arguido agarrou a queixosa pelo braço, o que foi desmentido pelo Arguido Acta de 21.11.2016, Gravação min 26 e pela testemunha N..., Acta de 6.12.2016, min 2:30.
XXIV. Tendo ambos e a própria ofendida, no seu Depoimento, Acta de 29.11.2016, confirmado que a ofendida deixou o local para ir buscar as crianças e regressou depois ao local. Ora caso o arguido a tivesse agarrado pelo braço, como se afirma, não lhe teria permitido que se ausentasse do local. Sendo apenas verdade que o arguido, no dia 26.11.2014, descobriu e acusou a ofendida de se encontrar naquele local como um amante, motivo pelo qual saiu de casa nesse mesmo dia.
XXV. Sustenta o Tribunal a quo que o depoimento de N... foi ensaiado porque a testemunha sabia o dia (26.11.2014) de cor, o que aponta para a sua falta de credibilidade, a que acresce o facto de não saber onde se tinha deslocado com o arguido para ir tirar medidas. Ora se tal depoimento fosse ensaiado, sempre seria de esperar que também tivesse sido ensaiado o local onde se tinham deslocado. Bem como o facto de saber a data de cor não significa que tenha havido ensaio, sendo normal que o arguido tenha recordado à testemunha o dia em que os factos aconteceram (dia de aniversário da ofendida), não resultando daí ser o seu depoimento falso.
XXVI. Mais o tribunal afirma de inusitado o facto de a testemunha N... ter afirmado, gravação min 4:50 e 6:30, que a ofendida saía de um apartamento alugado pelos polícias para ter sexo com raparigas. Ora inusitado significa anormal, entendendo o tribunal não merecer tal facto qualquer credibilidade, como se existisse interesse em alguém inventar uma história deste tipo com polícias e apartamentos alugados para sexo para afastar a sua responsabilidade criminal. Não bastaria um vizinho? Fértil imaginação a das testemunhas e arguido. Sendo que esta versão foi também confirmada pelo arguido que, naturalmente, não se sente muito à vontade para a contar, minuto 26 e ainda pelo Pai do arguido, L..., Acta de 6.12.2016, que disse em tribunal não querer falar sobre o Polícia que lhe deu cabo da família, gravação min 9:30.
XXVII. Motivos pelos quais deverá o facto 7 quanto ao aperto no braço ser considerada não provado. Devendo ainda ser considerado provado o facto O, bem como os factos M e N.
XXVIII. Mais o tribunal a quo, dando como provado que a casa é propriedade dos dois (estando pendente no mesmo Tribunal o processo de divisão de coisa comum), emite depois um juízo de censura por o arguido ter naquela casa, sua e por si paga, uma viatura sua, na sua garagem, quando o próprio Tribunal afirma, na sua motivação, que pela testemunha M... foi afirmado que o pai colocou aí o carro pouco antes de os progenitores se separarem, contradição que não se poderá manter.
XXIX. Bem como emite um juízo de censura sobre o arguido por este se deslocar à sua própria casa, sem o consentimento ou conhecimento da ofendida. Não se vendo de onde decorre a necessidade de um comproprietário ter de pedir autorização ao outro para ir a sua casa, que paga sozinho, buscar roupas suas, colocar ou retirar o seu carro ou ver os seus filhos Com efeito o Tribunal a quo não deu como provado, devendo, que é o Arguido quem suporta a casa (Documento 2 junto com a Contestação). 0 que, com a compropriedade dada por provada, afasta os factos, ou pelo menos a censurabilidade, como descritos nos factos 8,9 e 11 dados como provados. Motivo pelo qual não se poderá manter provado o facto n° 11.
XXX. Ora o Tribunal a quo deu especial relevo ao depoimento da ofendida, afastando o do arguido, bem como os de todas as suas testemunhas, sustentando a falta de isenção de todas. Quando, na verdade, o que aconteceu foi o arguido ter descoberto a relação extra conjugal da ofendida, já depois de esta se recusar a dormir consigo.
XXXI. O que levou ao colapso do casal e, mais, levou a que a arguida simulasse uma baixa médica por não aguentar na empresa a vergonha do episódio do apartamento alugado pelos Polícias para fazer sexo. Tudo como resulta do depoimento de A... min 4 e 30, min 6 e min 7 e min 9 e min 12 e M... ao min 4 e min 9, Acta de 21.11.2016, que afirmam nunca ter existido violência, antes tendo-lhe sugerido que metesse baixa, uma vez que trabalhava na empresa do arguido e de seu Pai, o que aquela fez. Inexistindo qualquer fundamento para considerar a baixa originada por quaisquer maus tratos, antes aquela tendo sido uma desculpa da ofendida para não se confrontar com o arguido, o seu sogro e todos os Colegas de trabalho que ficaram a saber da sua relação extra-conjugal, como resulta do depoimento de L... ao min 9:45. Motivos pelos quais sempre o Tribunal a quo deveria ter dado por provados os factos descritos de 1 a P.
XXXII. E nem uma palavra se encontra por parte do tribunal para dois factos provados. Desde logo a tentativa de agressão da ofendida ao arguido com uma faca, como resulta do depoimento da ofendida gravado a Ih e 13 min do depoimento bem como do depoimento de L..., Pai do arguido, gravado ao min 4 e 50 segundos.
XXXIII. Com efeito, quem teme e vive aterrorizada não empunha uma faca contra o arguido. Da mesma forma que quem teme e vive aterrorizada não grita e ofende o arguido no local de trabalho em frente aos Colegas, como resulta do depoimento de A... min 4 e 30 segundos e M... min 6 e min 11, Acta de 6.12.2016, tendo estas testemunhas e L..., a min 8:40, contrariado as afirmações da ofendida S... a minuto 52 do seu depoimento em que esta afirma que a A… e o Pai do arguido sabiam das agressões. Motivo pelo qual sempre estes factos deveriam ter sido julgados provados, ou, assim não sendo, sempre deveriam ter sido levados em conta em sede de motivação para afastar a punibilidade do arguido, na medida em que a ofendida não teme o arguido, inexistindo qualquer situação de controlo da ofendida pelo arguido. Sendo assim manifesto que não poderiam resultar provados os factos 3 a 6e10a15.
XXXIV. Mais o arguido, a min 11 e a testemunha L..., min 17:42 e min 26, referiram que a ofendida passava a noite a trocar sms, de onde resulta que a mesma não ia para o quarto da menor com medo, mas sim para manter contacto com a sua relação extra-conjugal. Devendo por esse motivo ser dado por não provado quanto consta do facto 6. Acresce a isto que a ser verdade que o arguido tem um problema de álcool como a ofendida tentou fazer crer ao Tribunal, não teria a ofendida celebrado o acordo junto com a contestação como Documento 5, permitindo às crianças passar dias e noites inteiras com alguém que as conduz alcoolizado, a não ser que se entenda que a mãe pouco se importa com as crianças, uma vez que até as deixa de noite sozinhas em casa (fls. 66 dos autos). Factos estes confirmados pelos depoimentos do arguido gravado ao minuto 32 e de L... ao min 10:40, e que levaram à apresentação de queixa- crime pelo arguido a correr termos sob o n° de processo 841/15.4PGALM e confirmado nos autos a fls 66 pela ofendida. Motivo pelo qual deveria o Tribunal a quo ter dado o facto P como provado.
XXXV. Mais pela ofendida (e pela menor) foi afirmado que ligavam para o Avô ou sogro para vir intervir e que o arguido cessava os episódios de violência com a chamada do pai, o que foi desmentido pelo próprio L..., Acta de 6.12.2016 e depoimento gravado a min 4. Motivo pelo qual não poderiam ser dados por provados os factos constantes de 3 a 5 e 10 a 14.
XXXVI. Acresce que o tribunal deu ainda por provada uma agressão no dia de aniversário da menor, sendo que a testemunha R..., Acta de 6.12.2016, min 2:30, Pai de uma amiga da menor, que esteve na festa, disse ao Tribunal que a sua filha nada lhe havia contado a esse propósito como consta da Gravação do depoimento.
xxxVII. Acresce a isto que em tantos anos de violência inexiste uma ida ao hospital ou uma, uma só testemunha de qualquer agressão ou qualquer marca ou ferimento da ofendida, tendo a ofendida em sede de inquérito indicado o seu Pai para prestar depoimento a fls. 33 e tendo este afirmado que nunca viu ou se apercebeu de quaisquer agressões, da mesma forma que não se provaram quaisquer factos relativos a armas constantes da queixa da ofendida, tendo sido ordenadas Buscas que nada apuraram, por nada poderem apurar, tudo como consta dos autos e Despacho de Arquivamento.
XXXVIII. Bem como tais factos foram afastados pelo depoimento da actual companheira do arguido que depôs no sentido de este não consumir álcool ou ser agressivo - Acta de 6.12.2016, C... a min 4 do depoimento. Não podendo o Tribunal a quo ter dado por provados os factos constantes de 3 a 7 e 10 a 14.
XXXIX A prova efectuada, no limite, por ficar muito longe da certeza que uma condenação de um pai de família, sem antecedentes criminais, respeitado e socialmente integrado, sem episódios de agressividade ou violência em toda a sua vida, necessita, fica muito além da dúvida razoavelmente permitida. Vindo assim o arguido condenado por factos que não ocorreram e que foram Accionados em audiência pela ofendida. Assim, atenta a prova efectuada em Audiência de Julgamento, ou a falta da mesma, o Tribunal a quo, sempre teria de ter concluído pela absolvição do arguido, no limite, em respeito ao princípio do in dubio pro reu.
XL. Termos em que o Tribunal errou na apreciação da prova produzida em audiência, violando o disposto no princípio da presunção de inocência e in dubio pro reu, devendo os factos 3 a 7 e 10 a 14 ser julgados não provados e provados os factos Ia S.
XLI. 0 Tribunal a quo condenou o arguido numa pena de 2 anos e dez meses de prisão, que suspendeu quanto à sua execução. O que fez considerando, no essencial a ligeireza com que o arguido perpetrou as agressões e o facto de ter negado os factos que lhe vinham imputados, a necessidade de prevenção geral e a desnecessidade de prevenção especial.
XLII. Ora não de vislumbram nos autos sinais da ligeireza afirmada pelo tribunal a quo, utilizada pelo tribunal a quo para graduar a culpa do arguido de forma a encontrar a medida da pena. Por outro lado, o Tribunal afirma inexistirem razões de prevenção especial.
XLIII. Ora estabelece o art. 40°, n° 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o n° 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Prevenção e culpa são, portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.
XLIV. Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71 ° do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n ° 2 do art. 71 ° do C. Penal).
XLV. Assim, não fez o tribunal recorrido a devida apreciação dos critérios do artigo 71 ° do C.P., antes optando por considerações sobre a ligeireza da actuação do arguido que não sustenta nem resultam da matéria provada e, agravando a pena porque o arguido não confessou os factos, negando-os.
XLVI. Mais, sustenta o Tribunal a quo a medida da pena nas necessidades de prevenção geral, que, com o devido respeito, não podem fundamentar a pena aplicada sob pena de o recorrente não ser visto como um ser autónomo titular de direitos, mas como afirma A. Barrata em La Teoria delia prevenzione integrazione, in Dei Delliti e deite Pene, ano II (1984), n ° 1 p. 5 e ss. o bode expiatório através de cujo sacrifício se realiza a representação da ordem existente e o restabelecimento da segurança de todos os cidadãos numa normalidade, na qual o sujeito humano- e não só o papel de punido-é um elemento funcional e não um fim.
XLVII. Termos em que a pena a aplicar ao arguido nunca poderá conduzir à aplicação de uma sanção superior ao mínimo legal que, no limite, sempre satisfaz suficiente e adequadamente as necessidades de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente. Inexistindo motivo para a aplicação de sanção acessória uma vez que inexiste prova nos autos de existir perigo de continuação da actividade criminosa, devendo por esse motivo ser revogadas as sanções acessórias aplicadas.
XLVIII. O Tribunal a quo condenou o arguido numa indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de 1.500,00 € à ofendida. Indemnização que o Tribunal arbitrou sem qualquer critério que permita ajuizar da justiça da aplicação de tal medida indemnizatória em alternativa a outra.
XLIX. Ora, como se sustentou, inexistem quaisquer danos sofridos pela ofendida, inexiste qualquer prova nos autos quanto a danos físico e inexiste prova nos autos quanto a danos morais, não demonstrando o documento de fls 32 qualquer estado imputável ao arguido, motivo pelo qual não pode o facto 12 manter-se como provado, antes tal servindo apenas para a ofendida não mais se apresentar na empresa da família para não se confrontar com todos os que sabiam da sua relação extraconjugal.
L. Motivos pelos quais, inexistindo dano demonstrado nos autos, deverá ser revogada a condenação em indemnização pela qual o arguido vem condenado.
Nestes e nos melhores termos de Direito Doutamente supridos por V. Exas. se requer seja declarada revogada, porque viciada quanto à decisão de facto e de direito, a sentença proferida substituindo-se a mesma por Acórdão que absolva o arguido do crime pelo qual vem condenado, ou, assim não se entendendo revogue ou reduza a pena, indemnização e sanções acessórias pelas quais vem condenado.».
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos:
« I) A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo devendo a mesma ser mantida na íntegra.
II) 0 arguido, nas conclusões, que apresenta no requerimento de recurso, não especifica, as provas que devam ser renovadas, apenas limitam-se a extrair dos autos parte dos depoimentos das testemunhas e a tentar dar-lhes uma interpretação diversa da que foi feita pelo Tribunal para concretização dos factos considerados provados.
III) Não o fazendo, e incumprindo com tais exigências legais, porque se mostra ostensivamente violado o disposto no artigo 412. °, n. ° 3, do C.P.P., não deve o recurso ser conhecido na vertente da impugnação da matéria de facto.
IV) Os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, bem como toda a documentação junta aos autos, foram apreciados livremente pelo julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, art. 127. °, do C.P.P., mostrando-se a mesma apreciação devidamente fundamentada em sede da Douta Sentença recorrida.
V) A matéria de facto dada como provada nos autos é suficiente para impor a condenação ao arguido pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152°, n.° 1, alínea b), n.° 2,e n. ° 4, do Código Penal.
VI) Na Douta Sentença, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71. °, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
VII) As penas impostas ao arguido, 2 anos e 10 meses, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, salvaguardam a sua dignidade humana em função da medida da culpa e realizam eficazmente a necessária protecção dos bens jurídicos.
Vlll) Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a protecção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar que é a acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
IX) Quanto à validade do depoimento da menor M..., decorre do regime instituído pelo n.° 2, do artigo 131. °, do Código de Processo Penal que a autoridade judiciária apenas deverá sindicar da aptidão mental da pessoa para prestar testemunho - através da realização de exame pericial sobre a personalidade da mesma - se tiver equacionado que existem razões para duvidar da credibilidade da testemunha, designadamente por esta se encontrar afectada por psicopatologias da personalidade que inquine a credibilidade do seu depoimento.
Por outro lado, diversamente do que é defendido pelo arguido a não realização de exame pericial à personalidade da testemunha, nos termos e para os efeitos do n. ° 2, do artigo 131. °, do Código de Processo Penal não consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do n.° 2, do artigo 126 °, do mesmo diploma legal.
Com efeito, sem necessidade de explicações adicionais, o método proibido de prova plasmado na alínea b), do n. ° 2, do artigo 126°, é reservado para os casos mais graves e vexatórios da dignidade da pessoa humana, como aqueles que consubstanciam tortura, coacção ou ofensa à integridade física e moral das pessoas, através da perturbação da sua capacidade de memória ou de avaliação, não podendo, por esta razão, a não realização de exame pericial à personalidade da testemunha, que aliás se encontra na livre disponibilidade da autoridade judiciária que preside à sua inquirição, consubstanciar o método proibido de prova descrito na alínea b) do n.° 2 do artigo 126. °, do Código de Processo Penal, apenas reservado para as situações em que seja obtida prova, designadamente depoimento testemunhal, com recurso a administração corporal de substâncias ou a técnicas capazes de adulterar a capacidade de memória ou de avaliação da testemunha.
Face ao exposto, e concordando com o plasmando na douta sentença, entendemos que não se mostra verificada a nulidade invocada pelo arguido quanto ao depoimento de M... constante do auto de inquirição de fls. 77 a 79, em sede de inquérito.
X) A mãe da testemunha M... aquando do depoimento permaneceu no fundo da sala não tendo tido qualquer intervenção, sendo que as declarações por esta prestadas, foram livremente apreciadas pela Mma. Juiz a quo, nos termos do disposto no art. 127. °, do C.P.P..
XI) Por outro lado, a Mma. Juiz a quo, como se verifica da ata da audiência de discussão e julgamento, fls. 261, proferiu despacho fundamentado ao abrigo do disposto no art. 352°, n.°1, do C.P.P., para determinar o afastamento do arguido da sala aquando do depoimento da testemunha M....
Terminado o depoimento, quando o arguido regressou à sala de audiências, foi-lhe sumariamente comunicado o que se passou na sua ausência, vide ata fls. 363.
Cumpridos que foram todos os formalismos legais, outra solução não se afigura, ao contrário do pretendido pelo arguido, senão considerar válido e eficaz, porque isento de qualquer nulidade ou irregularidade, o depoimento da testemunha M....
Pelo que deve o presente recurso ser considerando improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida.».
Nesta instância, a Exma Procuradora-Geral Adjunta acompanhou os termos da contra-motivação.

II- Questões a decidir:
Do art° 412°I1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (1), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (2).
As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são:
- Nulidade do depoimento da testemunha M...;
- Impugnação do provado e não provado;
- Excesso da pena;
- Inexistência de dano indemnizável.


III- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. Durante 17 anos, o arguido viveu com S... em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, fixando residência na Rua Luís de Pina, lote 12, em Almada, estando separados desde finais de 2014, data em que o arguido saiu de casa.
2. Desse relacionamento nasceram M..., em 31-12-2002, D..., em 21-05-2007 e F..., em 07-10-2010.
3. Desde o seu início, que o relacionamento entre o arguido e a ofendida foi pautado por discussões, durante as quais o arguido apelidou a ofendida de puta vaca, a acusou de andar com outros homens e lhe disse que a ia matar, que lhe dava um tiro e que a ia enterrar viva.
4. Ao longo do relacionamento, o arguido bateu na ofendida com chapadas, murros e puxões de cabelos, empurrões, pontapés e apertões de pescoço.
5. Em data não concretamente apurada do ano de 2011, durante a noite, o arguido quando se encontrava na cozinha com a ofendida agarrou na tampa de um candeeiro de plástico e com força encostou a mesma ao pescoço da ofendida, empurrando-a contra o lavatório da cozinha, causando-lhe dores, o que fez diante de M... que, em acto contínuo, se colocou entre o pai e a mãe, pedindo ao pai para parar.
6. Em datas não concretamente apuradas do ano de 2014, a ofendida foi dormir para o quarto da filha M..., quando o arguido chegou a casa, sob o efeito do álcool, com medo de ser agredida.
7. No dia 26-11-2014, o arguido encontrou a ofendida em Vale Flores, em Almada e com força, agarrou-a pelo braço, ordenando-lhe que a mesma permanecesse naquele local e acusando-a de estar em casa de um amante.
8. Após a separação, o arguido continuou a entrar na antiga casa de morada de família, sem o conhecimento e consentimento da ofendida.
9. No dia 30-12-2014, durante a tarde, o arguido entrou na antiga casa de morada de família, sem o consentimento da ofendida, dirigiu-se ao quarto onde a mesma dormia e retirou das gavetas e armários todas as suas roupas e atirou-as para dentro de outra divisão da casa, após o que S... mudou a fechadura da porta de entrada.
10. No dia 31-12-2014, por ocasião do 12.° aniversário de M..., o arguido foi à antiga casa de morada de família e gritou com a ofendida e puxou-lhe os cabelos com força, na presença dos filhos e de uma amiga da filha mais velha.
11. Em data não concretamente apurada e com o propósito de saber se a ofendida está ou não em casa, o arguido colocou na garagem da casa de morada de família um veículo automóvel, trancado e sem bateria, obrigando a ofendida a estacionar o veículo por si conduzido na via pública.
12. A ofendida S... encontra-se actualmente desempregada e a partir de Janeiro de 2015 sofreu de incapacidade temporária para a actividade profissional, em consequência dos conflitos com o arguido.
13. Ao agir da forma descrita, o arguido J... aproveitando-se da sua superioridade física, quis e representou exercer violência sobre o corpo da ofendida S..., sua ex-companheira e mãe dos seus filhos, o que fez no interior da casa de morada de família, ofendendo-a no seu corpo e saúde, causando-lhe sofrimento físico e psicológico, o que logrou.
14. 0 arguido ao dirigir à ofendida as expressões acima aludidas quis e representou causar-lhe medo e inquietação, ofendê-la na sua honra e consideração, com o propósito conseguido de a fazer temer pela sua vida, de a diminuir como pessoa, afectar a sua auto-estima e assim vergá-la à sua vontade, o que também conseguiu.
15. 0 arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente de que a sua conduta é proibida e punida por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
16. 0 arguido desempenha funções de gráfico na Tipografia Lobão, pelas quais aufere a retribuição mensal de €1.300.
17. 0 arguido encontra-se obrigado a entregar a quantia de € 100 mensais por cada um dos seus filhos menores, num total de € 300.
18. Vive em casa própria da companheira, pela qual não paga renda.
19. Concluiu o 12.° ano de escolaridade.
20. 0 arguido não regista antecedentes criminais averbados ao seu certificado de registo criminal.
21, Pela apresentação n.° 28 de 12-01-2006 foi inscrita a favor de J... e S... a aquisição, por compra, do prédio urbano correspondente ao lote 227, na Rua …, no Feijó, inscrito na matriz sob o n.° 4145-P.
Factos não provados: Não se provou que:
A. Que nas circunstâncias aludidas em 3), o arguido disse à ofendida que lhe ia partir os cornos;
B. Em data não concretamente apurada do ano de 2012, durante a noite, o arguido após ter chegado a casa tarde e sob o efeito do álcool apertou o pescoço da ofendida e encostou-a à parede do quarto, apenas cessando com a sua conduta com a intervenção de M..., que se colocou entre a mãe e o arguido, tendo a ofendida fugido para o quarto da filha;
C. Em data e hora não concretamente apurada, o arguido disse à filha M... que tinha uma arma e que se fosse preciso matava a mãe, o que esta contou à ofendida que ficou com medo;
D. Em dia e hora não concretamente apurados, em Dezembro de 2014, o arguido discutiu com a ofendida, quando esta chegou a casa e desferiu-lhe murros nas costas, tendo a ofendida fugido para a rua, o que fez diante de Daniela Lobão e M..., tendo esta última se colocado uma vez mais à frente do pai para que este parasse de bater na ofendida;
E. Alguns dias após, em local e hora não concretamente apurados, o arguido disse à ofendida que
lhe iria dar um tiro e que iria dar um tiro no seu amante, o que fez diante das filhas menores;
F. Que nas circunstâncias aludidas em 8), o arguido agiu com o propósito de bater na ofendida e a
chamou de puta e vaca e lhe disse que a ia matar e procurou homens ou sinais da sua presença;
G. No dia 30-12-2014, pelas 19h00, o arguido voltou a tentar entrar na antiga casa de morada de família, tendo sido impedido pela ofendida;
H. Que nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 10) o arguido apelidou a ofendida de vaca e puta;
I. A ofendida recorreu a créditos e gastou dinheiro do casal em cirurgias estéticas;
J. A ofendida perdeu o interesse no arguido, deixou de partilhar o mesmo quarto com ele e disse-lhe que este já não a interessava;
K. A ofendida deixou de preparar e tomar refeições com o arguido, não tendo o arguido jantar;
L. A ofendida trazia comida do restaurante em quantidade certa para a própria e para os seus filhos;
M. A ofendida passava a noite no quarto da filha, agarrada ao telemóvel, a trocar sms;
N. Os factos aludidos em J), K), L) e M) levaram à deterioração da relação entre o arguido e a ofendida;
O. No dia 26-11-2014, a ofendida admitiu ao arguido, que se encontrava acompanhado de um amigo,
que tinha estado com o seu novo companheiro num prédio situado em Vale Flores Almada;
P. 0 arguido foi informado que a queixosa saía de noite deixando as crianças em casa sozinhas,
tendo o arguido voltado, por esse motivo, à casa de morada de família, após pedir autorização;
Q. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 10), o arguido limitou-se a ir a casa levar
um presente, tendo saído logo que a queixosa o começou a insultar;
R. 0 veículo que se encontra na garagem é do arguido e está estacionado na sua garagem desde que aquele residia na antiga casa de morada de família, estando avariado, não tendo o arguido possibilidades de o reparar;
S. A queixosa nunca temeu o arguido, nem nunca fez qualquer vontade ao arguido, antes persistindo na sua conduta de acabar com a relação, o que conseguiu.

IV- Fundamentação probatória:
O Tribunal a curo iustificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«(...) Assim, importa sublinhar que este Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica, ponderada e global da prova produzida em audiência de julgamento e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida (cfr. artigo 127.° do Código de ProcessoPenal).
(...) No caso sub judice, o Tribunal atendeu essencialmente ao depoimento da ofendida S... Marfins, na medida em que esta depôs com clareza, objectividade, descrevendo de forma pormenorizada a sua relação de 17 anos com o arguido. Na verdade, a ofendida S... relatou os factos de forma emocional, denotando sofrimento, o que conferiu genuinidade e credibilidade ao seu depoimento. Nesta senda, relatou que viveu em comunhão de leito, mesa e habitação, durante 17 anos com o arguido, tendo-se pautado tal relação, desde o seu início, pela existência de conflitos entre o casal, provocados pelo ciúme exacerbado do arguido e que culminavam em episódios de violência física por parte do arguido sobre a ofendida e, bem assim, de violência psíquica, considerando que aquele a apelidava de puta, vaca, ameaçando-a que caso esta tivesse alguém a matava, que a enterrava viva, sendo que no fim de tal relacionamento a atemorizava dizendo que lhe daria um tiro.
Ademais, contribuiu ainda para a credibilidade do depoimento da ofendida a circunstância de esta evidenciar que consegue distinguir a postura do arguido enquanto pai e enquanto companheiro, uma vez que por aquela foi dito de forma peremptória e imparcial que aquele nunca bateu nos filhos, assegurando, inclusivamente, que o Zé Luís parava de bater, caso a Marta [filha mais velha de ambos] se pusesse entre nós(sic).
Ademais, as declarações da ofendida foram corroboradas pela prova documental junta aos autos, o que incrementou a veracidade e a credibilidade da sua versão, aliada à circunstância de ter sido confirmada pelo depoimento de M..., filha do casal, que assistiu a episódios de violência descritos nos autos e os confirmou, apresentando uma versão homogénea e consistente com as declarações da sua mãe.
Pelo contrário, o Tribunal afastou, absolutamente, as declarações do arguido e a sua versão dos factos, atentas as inverosimilhanças que se assinalarão e, bem assim, a circunstância de as mesmas não terem respaldo em outros meios de prova, mormente de cariz objectivo. Com efeito, o arguido negou a prática de quaisquer actos de violência sobre a ofendida, afirmando que foi sempre tudo normal, até ao ponto que ela começou a gastar montes de dinheiro em operações de estética/roupas/ a sair durante o dia e a chegar tarde. Assim, o arguido deixou perpassar a ideia de que a responsabilidade pelo término da relação é exclusiva da ofendida, lançando, frequentemente, suspeitas acerca da fidelidade de S..., o que evidenciou, no entender deste Tribunal, a personalidade possessiva e desconfiada, ressaltando o ciúme e controle que denotava sobre aquela, ao longo da relação e após a separação. Neste conspecto, pelo arguido foi dito que na presente data consegue verificar facilmente se o namorado da ofendida se encontra na antiga casa de morada de família, porquanto foi por este afirmado que é fácil saber se ele (o namorado de S...) lá está ou deixa de lá estar ... porque o carro deixa de estar à porta, o que evidencia que até à presente data o arguido possui sentimentos de controlo sobre a sua ex-companheira, considerando que a fónica do seu discurso se centraliza no actual namorado da ofendida e na circunstância de este frequentar a antiga casa de morada de família.
Por outro lado, na nossa perspectiva, a versão dos factos do arguido não surgiu corroborada por qualquer outro meio de prova que merecesse credibilidade, na medida em que as testemunhas por este arroladas - a saber C… [antigo vizinho do casal, não o sendo há 6 anos], C… [actual companheira do arguido], N… [actual funcionário da Tipografia Lobão, empresa do pai do arguido], A… [actual funcionária da Tipografia Lobão], M… [actual funcionária da Tipografia Lobão], R… [amigo do arguido], M… (irmão do arguido] e L... [pai do arguido] - não denotaram conhecimento directo e pessoal sobre os factos descritos em sede de acusação, considerando que a sua larga maioria ocorreram na privacidade do lar/casa de morada de família, longe de olhares e da presença de terceiros e por outro lado, algumas destas testemunhas, em particular C…, A…, M… e L... não se afiguraram imparciais, atenta a especial relação que têm com o arguido, o que as impediu de apresentar uma postura imparcial. Em particular, C…, actual companheira do arguido, A…, funcionária da Tipografia Lobão e antiga colega de trabalho da ofendida, não tendo à presente data relação com a mesma e L…, pai do arguido, denotaram, ao longo dos seus depoimentos sentimentos de animosidade para com a ofendida, depondo de forma emocionalmente comprometida, o que em nada contribuiu para a sua credibilidade. Destaca-se a este propósito as contradições de alguns dos depoimentos das aludidas testemunhas, em especial de A... que, se por outro lado, afirmou que não tinha conhecimento da existência de quaisquer problemas conjugais entre a ofendida e o arguido devido à circunstância de a S... ser reservada e nunca lhe ter contado qualquer episódio, por outro, afirmou que ouviu a mesma dizer que já estava farta e que se queria ir embora, ao que a testemunha a interpelou no sentido de lhe dizer Onde é que vais com os teus 3 filhos?. Nesta sede, cumpre ainda destacar o depoimento de L..., pai do arguido, que contrariou a versão apresentada pela ofendida, afirmando que nunca teve conhecimento de qualquer episódio de violência entre o seu filho e aquela, negando que a ofendida tenha em algumas ocasiões fugido para sua casa em consequência de agressões perpetradas pelo arguido [contrariando a versão coincidente da própria ofendida e da filha do casal, M..., que atestou ao Tribunal que a sua mãe lhe chegou a dizer se o teu pai me começar a bater ligas para os teus avós], deixando no entanto perpassar a expressão enigmática que Eu era sempre pela S..., não sabendo explicar ao Tribunal o motivo de tal afirmação. Por outro lado, o próprio pai do arguido assumiu uma postura de controlo sobre a ofendida afirmando que sabia da existência de mensagens trocadas entre S... e outro homem, quando por aquela era utilizado o telemóvel da empresa, o que em nada contribuiu para que o Tribunal lograsse efectuar um juízo de isenção, imparcial e fidedignidade, no que ao seu depoimento conceme.
Feitas estas considerações de índole geral, vejamos, em detalhe, como os diversos meios de prova contribuíram para a formação da convicção (positiva e negativa) do Tribunal.
Quanto aos factos vertidos em 1), 2), 21) e 12) os mesmos resultaram demonstrados com base nas declarações da ofendida S... como também, e essencialmente, pela, prova documental junta aos autos a saber certidões de nascimento a fls. 57, 162 e 163, certidão de registo predial de fls. 208 a 210 e relatório de fls. 32.
No que tange aos factos vertidos em 3) e 4) a sua demonstração positiva resultou do depoimento da ofendida S... que atentas as razões supra aduzidas mereceu a credibilidade do Tribunal e, que nessa medida, descreveu com clareza e objectividade tal factualidade de forma consonante com a acusação, assegurando de forma especialmente expressiva que ao longo do seu relacionamento que ele (o arguido) agredia-me como se fosse um homem, era com murros/pontapés, afirmando a este propósito que caso a ofendida gritasse, em consequência das agressões que lhe eram infligidas, o arguido ainda lhe batia mais. Ademais, pela testemunha foi dito que nunca foi ao Hospital, porquanto tinha medo do arguido, o que se afigura compreensível, considerando que as mais das vezes são as próprias vítimas de violência doméstica que escondem de terceiros, seja por medo ou por receio, a situação pela qual estão a passar. Ademais, e em particular quanto à factualidade vertida em 3), a mesma surge demonstrada das sms juntas aos autos de fls. 49 verso, donde resulta que o arguido enviou mensagens escritas à ofendida S..., apelidando-a de puta, o que corrobora as declarações desta última.
Relativamente aos factos descritos em 5), 6), 8), 9) e 10) os mesmos surgiram demonstrados com base nas declarações da ofendida, que os confirmou de forma essencialmente consonante com o descrito em sede de acusação e, bem assim, no depoimento da testemunha M..., na medida em que esta última descreveu tal factualidade de forma espontânea. Na verdade, a ofendida descreveu de forma escorreita e objectiva que em data que não conseguiu precisar, durante o ano de 2011, o arguido encostou uma tampa de plástico ao seu pescoço, tendo com tal movimento ocasionado que a mesma se inclinasse para cima do lavatório. Esclareceu ainda que no momento em que a filha M... entrou na cozinha, o arguido parou com a sua conduta, dizendo, a este propósito de forma espontânea uma coisa que ele nunca fez foi bater nos miúdos...mesmo bêbado. E quando a filha chegava ele parava de me bater. Tal episódio foi confirmado pela testemunha M..., que atestou que o pai terá empurrado a mãe, pelo pescoço, com uma tampa daquelas que protegem da luz. Nessa sequência, foi ainda atestado pela ofendida S... que durante o ano de 2014 dormiu várias vezes no quarto da sua filha M..., o que surgiu, uma vez mais, confirmado por esta última, que de forma genuína e voluntária afirmou que eu sentia que a minha mãe estava com medo. Vinha dormir para o pé de mim. (sic), dizendo ainda que o pai se metia mais(sic) com a mãe, quando chegava bêbado. Mais esclareceu a ofendida que mesmo após a separação o arguido continuou a entrar, sem o seu consentimento e conhecimento, na antiga casa de morada de família, descrevendo no que a este aspecto se refere os episódios descritos em 9) e 10), que sucederam após a ruptura do casal. Assim, pela ofendida foi dito que no final de Dezembro de 2014 o arguido foi à antiga casa de morada de família e após ter entrado no quarto do casal retirou as roupas de S... do armário, o que aliás surgiu confirmado pelo teor das sms trocadas entre esta e a sua filha M..., transcritas de fls. 47. Referiu ainda que no dia de aniversário da M…, em 31 de Dezembro de 2014, o arguido foi até à antiga casa de morada de família e iniciou uma discussão com a ofendida, durante a qual lhe terá puxado os cabelos, em frente dos seus filhos. Tal episódio foi uma vez mais confirmado pela testemunha M..., filha do casal, à data com apenas 12 anos de idade, que com sofrimento visível atestou que o pai, no dia do seu aniversário, puxou os cabelos à mãe, dizendo que, nesse momento, se encontravam presentes os seus irmãos e uma amiga.
Ora, em face de tais declarações o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em considerar provados os factos supra enunciados, com base no relato da ofendida e da testemunha M…. Nesta sede, cumpre não olvidar que as declarações do arguido foram afastadas pelo Tribunal pelas razões acima mencionadas.
No que tange ao facto descrito em 7) o mesmo achou-se demonstrado com base uma vez mais no depoimento da ofendida S..., atendendo a que por esta foi dito que no dia do seu aniversário - em 26 de Novembro de 2014 - se deslocou até casa de uns amigos em Vale Flores e que, assim que saiu de tal residência para ir buscar os seus filhos à escola, foi confrontada pelo arguido, que lhe estaria a fazer uma espera tendo-lhe dito Não sais daqui, eu quero ver quem é o teu amante. Cumpre sublinhar que as declarações do arguido, a este propósito, foram absolutamente afastadas, atenta a inverosimilhança e inconsistência da sua versão. Nesta sede, pelo arguido foi afirmado que se encontrava em Vale Flores acompanhado pelo seu colega Nuno, quando avistou o carro da ofendida junto a um prédio e resolveu esperar pela saída da mesma. Nessa sequência, afirmou que quando viu a ofendida, se dirigiu até à mesma, questionando-a sobre o que ela estaria ali a fazer, tendo S... acabado por lhe admitir que estava na casa do amante, um polícia, que era amigo do casal. Cumpre referir que o arguido não revelou um depoimento escorreito a este propósito, tendo sido, ademais, sugestionado pelo seu Defensor para esclarecer a profissão do alegado amante da sua ex-companheira, como forma de justificar que aquela o terá ameaçado de levar um tiro nos cornos, o que em nada contribuiu para a credibilidade da sua versão. Por outro lado, o depoimento de N..., testemunha arrolada pelo arguido, revelou-se no que a este episódio conceme, absolutamente construído e ensaiado, de forma a corroborar a versão do arguido, apresentando, contudo, incoerências internas. Com efeito, pela testemunha foi afirmado com excessiva precisão [o que é revelador, em nosso entender, de um discurso ensaiado], que no dia 26 de Novembro de 2014 foi com o arguido tirar umas medidas a uma loja, em serviço e que ao avistarem o carro da ofendida, ali ficaram à sua espera, por solicitação de J.... Mais afirmou a testemunha que «pelas 18h45 a S... saiu de um prédio e eles tiveram uma conversa...e eu não ouvi o que se estava a falar. Só ouvi falar de um nome Manel», contrastando, no entanto, a precisão da testemunha em contextualizar o dia e a hora do alegado episódio com a circunstância de não saber explicar qual o nome da loja a que se deslocou, acompanhado do arguido, alegadamente para tirar medidas, o que se afigura contraditório e inexplicável. Assim sendo, o depoimento de tal testemunha não foi tido em consideração pelo Tribunal atentas as razões explanadas, a que acresce a circunstância de N... ter afirmado de forma inusitada que a casa onde a ofendida se encontrava é uma casa onde os polícias têm sexo com raparigas:.
Por seu turno, o facto vertido em 11) deu-se como positivamente demonstrado com base nas declarações da ofendida S..., atenta a credibilidade que lhes foram conferidas. Ademais, o Tribunal não deu qualquer acolhimento à versão do arguido, quando por este foi afirmado que não colocou o seu veículo automóvel na garagem da antiga casa de morada de família, com o propósito de vigiar e controlar a ofendida, afirmando, pelo contrário, que o mesmo aí se encontra desde que ambos coabitavam, uma vez que pela testemunha M... foi afirmado que o pai colocou aí o carro pouco antes de os progenitores se separarem.
No que se refere à prova dos factos que consubstanciam os elementos subjectivos e conhecimento da ilicitude da sua conduta, vertidos nos pontos 13), 14) e 15) o Tribunal considerou-os demonstrados em decorrência das regras do senso comum e da normalidade da vida, face à forma como as agressões foram levadas a cabo pelo arguido e, bem assim, ao teor das expressões proferidas. Relativamente a estes concretos pontos da matéria de facto há-que mencionar que reportando-se os mesmos ao foro interno do agente, a sua prova há-de resultar não de prova directa, mas de prova indiciária, exceptuando os casos em que haja confissão.
Com efeito, os factos provados acima mencionados em 3) a 11) levam-nos a concluir, com elevado grau de certeza e para além de qualquer dúvida razoável face às mencionadas regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida, que ao agir da forma descrita, sobre a sua companheira, com quem vivia em comunhão de mesa, leito e habitação, apelidando-a de puta e vaca e, bem assim, intimidando-a, molestando-a fisicamente, através de empurrões, pontapés, murros e apertões de pescoço, o arguido representou e quis causar-lhe dor, rebaixá-la, humilhá-la e amedrontá-la, pretendendo assim afectar, como efectivamente afectou, o seu bem-estar físico e psíquico, o que fez de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Relativamente às condições pessoais do arguido, tal como vertidas em 16), 17), 18) e 19), as mesmas acharam-se demonstradas com base nas declarações do próprio, atenta a ausência de prova em sentido contrário.
No que tange à inexistência de antecedentes criminais tal como plasmado em 20) o mesmo resulta do certificado de registo criminal junto aos autos de fls. 192.
No que se refere aos factos descritos em A), 8), D), E), F), H) os mesmos colheram a sua demonstração negativa em virtude da versão dos acontecimentos narrada pela ofendida S... Marfins, em sede de audiência, divergir da versão que sobre os mesmos é feita na acusação.
0 Tribunal reputou de não provados os factos referidos em C), G), K) e L), por não ter sido feita qualquer prova quanto aos mesmos, em sede de audiência final.
Por fim, relativamente aos factos vertidos em 1), J), M), N), 0), P), Q), R) e S) os mesmos surgiram indemonstrados, considerando a falta de credibilidade da versão do arguido pelos motivos supra explanados».
V- Fundamentos de direito:
1- Da nulidade do depoimento da testemunha M..., menor e filha do arguido e da ofendida:
Entende o recorrente que o depoimento da referida testemunha menor é nulo porque não foi livre nem esclarecido, uma vez que ela disse, no seu decurso, que apenas havia prestado depoimento porque a mãe lhe tinha explicado que o pai não iria preso, coisa que a ofendida não podia garantir e porque o depoimento foi prestado na presença da mãe. Invoca como fundamento de nulidades o disposto nos art°s 126°12-e), 126°/3 e 126°/2-b) do CPP.
Como o arguido bem fez constar do intróito do seu recurso, ele reporta-se unicamente à sentença proferida nos autos.
A questão emergente do facto de a M… ter deposto na presença de sua mãe, a ofendida, foi decidida por despacho proferido na audiência, despacho esse com autonomia funcional relativamente à referida sentença, do qual o arguido não recorreu. A questão mostra-se, pois, decidida com trânsito em julgado, pelo que este Tribunal não se pronunciará sobre a mesma.
A questão da pretensa nulidade de depoimento, por o mesmo não ter sido livre nem esclarecido, foi construída a partir da consideração de que a M… terá afirmado que apenas tinha prestado depoimento porque a mãe lhe tinha explicado que o pai não iria ser preso.
Ouvida a gravação, verifica-se que a contextualização da questão não tem a carga que o recorrente lhe quer colocar, de determinação pela ofendida da prestação de depoimento à menor, mas antes pelo contrário. 0 que a Marta contou, entre o mais, foi que o pai lhe tinha dito que ele «ia ser preso se eu fosse dizer isto», mas que a mãe lhe explicou que ele não ia ser preso e «é por isso que eu consigo dizer isto porque eu também gosto do meu pai».
O que resulta deste depoimento é que foi o arguido quem tentou condicionar a menor ao silêncio, convencendo-a de que ele iria ser preso se ela prestasse depoimento - coisa que ele sabe não ser verdade, porque uma pena nunca é resultado de um depoimento (quanto muito é resultado de toda uma actividade probatória que, no caso, estava longe de se restringir ao depoimento da menor). Mais resulta que a actuação da mãe se limitou a desfazer tal condicionamento, que o arguido gerou, explicando-lhe que o pai não ia ser preso em consequência do seu depoimento - explicação que se impunha. O que a M… explicou ao Tribunal foi que perante esta dicotomia de informação ela resolveu depor, salientando que, não obstante o que disse também gosta do pai.
0 que resulta deste excerto do depoimento é que a menor se mostrava esclarecida sobre as consequências do seu depoimento e que, contrariando a vontade do pai, resolveu depor, no exercício da sua liberdade de acção. Tal esclarecimento às consequências do seu depoimento foi, aliás, longamente prestado pelo Tribunal à testemunha, conforme da gravação do início do seu depoimento se pode ouvir, sendo que lhe foi dito e repisado que tinha a possibilidade de se recusar a depor e foi-lhe explicada a lógica subjacente a tal possibilidade, ao que ela respondeu «eu acho que devo falar».
Ou seja, ao contrário do que o recorrente pretende, indicia-se um depoimento livre, espontâneo e esclarecido.
Perante a ausência de características de falta de liberdade e/ou esclarecimento do depoimento da menor, resta a consideração de que as questões levantadas pelo recorrente não têm qualquer cabimento fáctico, o que as remete à improcedência.

2- Da impugnação do provado e não provado:
O recorrente, mediante a invocação de omissão, contradição, factos incorrectamente julgados, insuficiência de prova para a condenação e exigência de decisão diversa, limita-se a uma impugnação do dos pontos 3 a 6, 7, 10 a 15 do provado e O, M, N, 1 a P do não provado.
Fá-lo, contudo, na pressuposição de que o depoimento da testemunha Marta fique sem efeito, o que de todo não tem fundamento. Consequentemente, decaindo o pressuposto básico dessa impugnação a mesma revela-se improcedente.
Mas, ainda que assim não fosse, o resultado sempre seria o mesmo.
É que o arguido não cumpriu sequer os ónus formais de que depende a reapreciação da prova. A formulação válida de um pedido de reapreciação depende, sempre, do cumprimento de requisitos de forma e de substância.
No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber (art° 412°13 e 4, do CPP):
- Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados - o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou, mais ainda, de todos os factos considerados provados;
- Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação - o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n° 4 do art° 412°/CPP).
Ora, manifestamente, o recorrente não individualiza os factos que pretende impugnar. Aliás, ao longo da motivação ora diz que impugna uns, ora diz que impugna outros (confronte-se os pontos 26, 45, 51, 53, 60, 65, 73°, 77 e 82 da motivação) e remete-se para outros ainda que não constam do rol sucessivo que vai apresentando dos factos que pretende ver alterados (por exemplo, não inclui os ponto 7 e 8 do provado no rol da impugnação, mas refere-os no decurso dela). Não individualiza os factos nem não faz menção a quaisquer concretas passagens da gravação em que funda a impugnação, limitando-se a remeter o Tribunal para minutos tais e tais da gravação, sem que diga, com precisão, o que foi referido pelas testemunhas a tais tempos de gravação.
Em face do exposto, resta a declaração da improcedência da impugnação.
3- Do excesso de pena:
Entende o recorrente que a pena aplicada é excessiva e desadequada porque o Tribunal a quo considerou que perpetrou as agressões «com ligeireza», facto que não sinaliza nos autos, que não confessou os factos e ponderou razões de prevenção geral, o que atenta contra a sua dignidade humana e contra o disposto no art° 40°/2, do CP.
0 Tribunal recorrido fundamentou a fixação da medida concreta da pena nos seguintes termos: «Deste modo, militam contra o arguido, os seguintes factores:
- o grau de ilicitude é elevado, sendo de ponderar a ligeireza com que o arguido perpetrou as agressões físicas e as agressões psicológicas, através de insultos e ameaças de morte, na pessoa da ofendida, sua ex-companheira e mãe dos seus três filhos, ao longo de 17 anos de relacionamento, sendo a vítima pessoa fisicamente mais fraca e sobre quem tinha um especial dever de cuidar e proteger;
- o grau de culpa é elevado, uma vez que o arguido actuou com dolo directo;
- as necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a frequência com que vêm ocorrendo crimes de violência doméstica, perturbando fortemente as relações familiares e a paz social, bem como, a circunstância da prática deste tipo de ilícito encerrar a perpetuação de um ciclo vicioso entre gerações [filhos que assistiram a episódios de violência doméstica entre os progenitores tendem, com frequência, a repetirem tais actos de agressão, na vida adulta], o que deve ser combatido com veemência.
- o arguido negou os factos e culpabilizou exclusivamente a ofendida pelas desavenças do casal, manifestando não ter interiorizado o desvalor da sua conduta.
Por seu turno, militam a seu favor:
- as necessidades de prevenção especial afiguram-se diminutas uma vez que o arguido não regista antecedentes criminais;
-a circunstância de o arguido se encontrar inserido social e profissionalmente.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, na forma agravada, de uma pena concreta de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.».
Na verdade, o significado atribuído à palavra ligeireza não é de todo evidente. Contudo, percebe-se que a qualificação se reporta à repetição dos actos de agressão e à consideração da multiplicidade de actos que eles revestiram: «as agressões físicas e as agressões psicológicas, através de insultos e ameaças de morte». E, analisado o provado não podemos deixar de concordar que a multiplicidade das actuações e a manutenção das mesmas durante todo um relacionamento de 17 anos revela uma forte intensidade danosa e, paralelamente, uma culpa intensa mantida por extensíssima duração temporal.
Em face da intensidade da culpa manifestada, não se entende como possa o recorrente argumentar que ela é inferior à pena aplicada, sendo esta imerecida e justificável apenas por fundamentos de prevenção geral. Antes pelo contrário: face a uma actuação como a descrita nos autos, verifica-se que, contrariamente ao que refere o acórdão recorrido, as necessidades de prevenção especial são intensas porque o arguido manteve o mesmo comportamento delituoso durante 17 anos. Ou seja, a ausência de registo criminal de condenações não corresponde, no caso, manifestamente, a uma ausência de actividade criminosa, mas antes pelo contrário, temos um crime que se perpetua durante 17 anos. Ao que há que acrescentar que não se vislumbram sinais de inflexão na determinação ao crime por parte do agente, atenta a postura em julgamento do arguido, de negação dos factos.
A pena mínima aplicável é de dois anos de prisão. A aplicação, no caso, de uma pena de dois anos e dez meses é mais do que justificada. Se censura possa merecer não é pelo excesso mas por defeito.
A sujeição ao ambiente humanamente degradável que a que o arguido votou a ofendida, durante 17 anos, no interior do lar que é por natureza, um lugar de paz e realização pessoal, e na frente dos filhos, revela-se uma actuação seriamente censurável, sendo que essa especial censura se tem que reflectir na medida da pena, que nunca poderá ser equivalente ao mínimo legal.
Não encontramos, pois, fundamento para alterar a pena aplicada.
Reclama ainda o recorrente pela revogação das penas acessórias por não haver perigo de continuação criminosa.
Tal fundamento, no entanto, não resulta dos autos.
Conforme consta da sentença recorrida, «considerando a natureza deste tipo de ilícito e bem assim o modo e o período temporal da sua execução aliada à circunstância de a separação do arguido e da ofendida não ter inibido aquele primeiro de se abster da prática de actos violentos sobre esta última, uma vez que continuou a importunar a vítima, insultando-a, forçoso é concluir que existe elevado risco de o arguido poder vir a praticar outros factos susceptíveis de ofender a saúde (física e psíquica), a honra e consideração de S... Marfins, termos em que se mostra justificada a aplicação ao arguido de uma pena acessória de proibição por qualquer meio de contactos com a ofendida, o que incluirá o afastamento da residência e do local de trabalho da vítima, salvo no que se mostrar estritamente necessário para o exercício das responsabilidades parentais dos seus três filhos menores».
Mostrando-se a fundamentação exarada correspondente ao provado temos que se verificam os pressupostos da aplicação das penas acessórias fixadas, que se mostram justificadas, adequadas e proporcionadas aos fins visados de prevenção especial.

4- Da inexistência de dano indemnizável:
Entende o recorrente que a indemnização fixada, ao abrigo do art° 21°12, da Lei 112/2009, não é devida porque não há danos físicos nem morais sofridos pela ofendida e porque não há fundamento para a sua quantificação.
Manifestamente, o recorrente ignora que a simples qualificação dos seus actos como crime de violência doméstica pressupõe a existência de danos morais na esfera da ofendida, conforme aliás da sentença recorrida bem consta.
É a reparação desse dano que está em causa, o que determina a sua manutenção.
No que concerne à justificação do quantitativo fixado, o que se verifica é que ele é meramente simbólico. De facto, impor como reparação de um dano de saúde mental permanente durante 17 anos a quantia de 1.500,00€ só se compreende a nível da simbologia. A correcção do montante, a fazer-se, seria sempre pela imposição de um valor superior e não inferior ao causado.
VI- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 ucs.

Lisboa, 05/ 04/2017
(A.Augusto Lourenço)
(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva)