I - O facto de o assistente ser uma figura pública do futebol internacional, tal não significa que tenha alienado ou abdicado, do direito à reserva da privacidade/intimidade da vida privada e familiar.
II - Qualquer pessoa, não se excluindo as figuras públicas, têm o direito de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso à respetiva área
Proc. 8080/12.0TDLSB.L1 3ª Secção
Desembargadores: Conceição Gomes - Carlos Almeida - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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PROC 8080/12.OTDLSB. L1
Acordam em Conferência, na 3ª Secção Criminal do
1. RELATÓRIO
1.1. Na Instancia Local de Lisboa - Juízo Criminal 1 - foram julgados em
processo comum singular n° 8080/12.OTDLSB os arguidos O…, E..., A..., N..., J... e N..., devidamente identificados nos autos, e, por sentença de 14N0V16 foi decidido:
A. Absolver os arguidos , E... e A..., da prática do crime
de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.° 1, al. b) e d) e 197.°, al. b) do Código Penal e artigos 30.° e 31.° da Lei de Imprensa, em concurso aparente com o crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.° do Código Penal, pelo qual vinham pronunciados.
B. Condenar o arguido N... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.° 1, al. d) e 197.°, al. b) do Código Penal e artigos 30.°, n.° 1 e 31.°, n.° 1 da Lei de Imprensa, na pena de 85 dias de multa, à razão diária de €8,00, perfazendo a multa global de €680,00;
C. Condenar o arguido J... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.0 1, al. b) e 197.°, al. b) do Código Penal e artigos 30.°, n.° 1 e 31.°, n.° 1 da Lei de Imprensa, na pena de 85 dias de multa, à razão diária de €15,00, perfazendo a multa global de €1.275,00;
D. Condenar o arguido N... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192°, n.° 1, aI. b) e 197.°, ai. b) do Código Penal e artigos 30.°, n.° 1 e 31.°, n.° 1 da Lei de Imprensa, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de €8,00, perfazendo a multa global de €800,00;
E. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por C... e condenar, solidariamente, os demandados N..., J..., N..., A... e C..., SA a pagar ao demandante a quantia de €8.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão e até integral e efetivo pagamento, absolvendo-os do demais peticionado;
F. Absolver os demandados O... e E... do
pedido de indemnização civil contra eles formulado.
1.2. Inconformados com a sentença dela interpuseram recurso os arguidos
A..., N..., J... e N..., que motivaram
concluindo nos seguintes termos:
«1 - Nos termos do artigo 192.° do CP, pratica um crime de devassa da vida privada
quem: sem o consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual b) Captar, fotografar, filmar ou divulgar imagens das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos e d) Divulgar factos relativos à vida privada ou doença grave de outra pessoa.
2 - Conforme foi dado como provado pelo Tribunal á quo ; o Assistente é uma figura pública do futebol internacional e foi vencedor, por inúmeras vezes, dos principais prémios ligados a esta modalidade; sendo as vidas dos jogadores de futebol como o assistente acompanhadas por milhões de adeptos; o assistente publica fotografias suas, tiradas em espaços públicos e privados, nas redes sociais e participa em inúmeras campanhas publicitárias (cfr. factos provados constantes dos pontos 39 a 42 da sentença recorrida).
3 - Considerando os factos provados e o inegável estatuto de figura pública do Assistente, o mesmo está sujeito a uma autêntica compressão da sua intimidade, tal como esta é entendida tanto pela generalidade das pessoas como pelo nosso ordenamento jurídico, reduzindo-a a certos e determinados actos, nomeadamente, aqueles que contendem com a sua vida sexual.
4 - Logo, ao apreciar factos como aqueles que temos em diante neste caso, não pode o Tribunal limitar-se a reconduzir ao normativo legal, aplicando-o cegamente, devendo antes interpretar a norma, tendo devidamente presentes as circunstâncias do caso concreto, que são bem diferentes daquelas que, à partida, estariam em causa, caso nos tivéssemos a referir ao homem médio. Até porque, neste caso, não só não é isso que a sociedade procura, como também, para o próprio Assistente, a sua intimidade não representa aquilo que vem plasmado na lei que a define.
5 - A Jurisprudência tem aplicado a chamada teoria dos três graus ou das três esferas ; de criação jurisprudencial alemã como critério para aferir do grau de privacidade, que deve ser conferido a cada situação
6 - É um facto assente que “a divulgação da imagem e aspetos da vida privada de figura pública (..) não pode ser aferida pela mesma bitola de exigência e rigor que é utilizada para um qualquer cidadão anónimo e desconhecido, constituindo (..) o preço, por vezes indesejável, da fama e exposição públicas (Ac Relação de Lisboa de 15/03/07)
7 - Contudo, A sua densidade e extensão são decisivamente influenciadas pelo estatuto do portador concreto, pela sua maior ou menor exposição aos holofotes da publicidade. Quer isto dizer que, o grau de proteção do direito individual, varia consoante a conduta em causa, e a esfera concreta que tal atuação alcance ou afete.
8 - Ora, considerando o estatuto do Assistente, e a sua relação (ou falta dela) com a reserva da vida privada, concretamente definidas nos pontos 39 a 42 da matéria de facto provada da sentença recorrida, é indiscutível que a atuação em análise se aproxime da 'esfera da publicidade; sendo a proteção desta, evidentemente, menos intensa, que aquela que pretende salvaguardar o núcleo da esfera intima.
9 - É indiscutível que a vida do Assistente, designadamente as suas férias, enquanto figura pública que são do interesse dos leitores da imprensa cor-de-rosa
10 - Será ainda de relembrar que, os relatos em causa, como bem se pode compreender, são desprovidos de qualquer juízo valorativo, relativamente àquilo que, em tom ligeiro e bastante superficial,, foi descrito naqueles textos. Mais ainda, note-se que as acções que mereceram relato, mais não representam do que condutas típicas de qualquer
pessoa que, encontram-se de férias de verão, decida passar uns dias com a família, num local como o Gerês, situação que em si mesma, também não poderá ser considerada estranha à grande maioria das pessoas.
11 - De facto, atenta a notoriedade do Assistente, não só em especifico no Jornal C..., como em qualquer outro jornal, ou revista, tanto de natureza nacional, como internacional, vêm constantemente tais sujeitos referidos ou retratados.
12 - Em termos gerais e segundo Manuel da Costa Andrade, A proibição das práticas de devassa obedece em primeira linha aos interesses da pessoa. Trata-se de assegurar ao indivíduo o domínio sobre a sua esfera privada e, por vias disso, um espaço de isolamento e de auto-determinação resguardo contra as intromissões e injunções da sociedade e do Estado. A privacidade/intimidade é, univocamente, um bem jurídico pessoal Mas a sua tutela resulta também em vantagens ou funções para o sistema social. Ela opera como um mecanismo de isolamento”:. muitas violações das normas não abalam a sua estabilização e as construções alternativas da realidade não ameaçam a plausibilidade da construção social dominante.
13 - Ora, tendo presente o princípio da tipicidade em que assenta o nosso sistema jurídica penal, impõe-se, agora, uma abordagem do tipo objetivo e subjetivo em que se expressa aquela norma. Relativamente ao tipo objetivo, naturalmente se destaca desde logo o princípio da subsidiariedade (ou ultima ratio) em relação às vítimas que não merecem tutela penal ou dela não carecem. Assim sendo, impõe-se a questão de determinar preliminarmente se o Assistente merece tutela penal ou dela carece.
14 - Ora, Para que um determinado facto ou vivência pertença à privacidade pertença à privacidade/intimidade e goze da correspondente tutela jurídica (nomeadamente penal) terá de responder cumulativamente tanto às exigências de uma vontade-de-reserva como às de um interesse-de-reserva. Estas ultimas impondo uma redução significativa do âmbito da privacidade/ intimidade penalmente protegida.
15 - Ora, o Assistente tem plena noção da sua notoriedade e do interesse de que é alvo, por parte de centenas de milhares de pessoas, não se coibindo de publicar fotografias suas, quer em locais públicos, quer em locais privados, nas mais variadas situações do seu quotidiano (cfr. documentos juntos pelos Arguidos na sessão de julgamento de dia 7 de Setembro de 2016).
16 - Por outro lado, não é clara a existência de um interesse-de-reserva em relação a publicações como a que aqui está em apreciação. Antes pelo contrário, desde logo, porque as publicações em causa não divulgam factos que sejam relativos à esfera íntima do Assistente, tal como se demonstra pela mera análise das notícias em causa nos presentes autos.
17 - Assim, sendo que exigências em referência, têm de se verificar cumulativamente, certo é que, não se verificando qualquer uma delas no caso concreto, concluímos que uma condenação dos Arguidos pela prática do crime de devassa da vida privada, põe necessariamente em causa o princípio da subsidiariedade do direito penal.
18 - Tendo em atenção o facto de o relato em causa nos artigo jornalísticos que deram origem a estes autos não ter um conteúdo passível de conferir à imagem do Assistente qualquer conotação negativa, nem revelar factos que já não tivessem sido introduzidos pelo próprio ou por outros meios de comunicação social, não se pode afirmar que as publicações em análise tenham produzido uma lesão efectiva da privacidade do Assistente.
19 - A menção de que alguém que toma banhos de piscina quando esse alguém tem piscina na sua casa de férias, não poderá representar mais do que o resultado natural disso mesmo, não podendo referências dessa índole ser interpretadas no sentido de configurar um atentado á intimidade de alguém. As imagens em causa não têm força de expressão, não estando com isso orientadas para devassar a vida privada do Assistente.
20 - De qualquer forma, nos termos do n.° 2 do artigo 192.° do CP: O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.
21 ”A imprensa - rectius as pessoas que atuam no exercício da liberdade de imprensa (artigo 38. ° da Constituição da República Portuguesa) - figura entre os destinatários privilegiados da justificação a coberto da prossecução de interesses públicos e legítimos.
22 - Pelo que, no caso concreto, verifica-se a existência de uma causa de exclusão da ilicitude o que conduz, necessariamente á absolvição dos Arguidos.
23 - Por último, não obstante a suficiência dos argumentos já expostos para determinar a não-verificação de uma conduta criminosa, sempre se deverá tecer algumas considerações adicionais também de não menor relevo para a apreciação do caso.
24 - Segundo a lição de GERMANO MARQUES DA SILVA, na esteira da boa doutrina que nos guia neste campo, todo o Direito Penal tem por base o denominado princípio da subsidiariedade. Na sua lição, explica o professor que O princípio da subsidiariedade pode ser concebido em duas diversas acepções. Em sentido restrito, o recurso ao direito penal é injustificado ou supérfluo quando a tutela do bem jurídico for eficaz mediante sanções de natureza não penal; (..) Importa considerar que a vulgarização da intervenção penal enfraquece a força preventiva do direito penal, pois os seus preceitos são então geralmente considerados obrigatórios em razão da pena e não da sua necessidade para tutela de interesses que não são fundamentais para a vida em comunidade e consequentemente a sua violação não acarreta a reprovação social que constitui componente importantíssima da prevenção criminal. Acresce que a própria extensão do direito penal contribui para a sua ineficácia, por serem proporcionalmente mais os crimes que ficam impunes, o que contribui também para a mais frequente violação dos comandos penais na expectativa de impunidade, enfraquecendo dessa forma ainda a função preventiva do direito penal
25 - No mesmo douto sentido, atenda-se ainda ao que nos diz FIGUEIREDO DIAS, defendendo que 'A violação de um bem jurídico-penal não basta por si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade. Nesta precisa acepção o direito penal constitui, na verdade, a ultima ratio da política social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiária. A limitação da intervenção penal acabada de referir sempre, de resto, do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, que faz parte dos princípios inerentes ao Estado de Direito. Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não-penal, se revelem insuficientes ou inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição do excesso. Tal sucederá, p. ex., quando se determine a intervenção penal para protecção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis.
26 - Também o Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo 15722/10.OTDPRT.P1: O direito penal, atento o ancoramento que o mesmo tem na actual narrativa constitucional, não é um fim em si mesmo, mas antes um sistema normativo ao serviço da convivência e das necessidades humanas no âmbito de um Estado Democrático (..). Assim, tomando como referência o princípio da dignidade da pessoa humana (..) e a directriz decorrente do princípio constitucional da intervenção mínima (..) tanto a definição normativa do crime, como a subsequente estatuição de uma reacção penal, apenas encontram justificação se estiver em causa a protecção de um bem jurídico-penal. Deste modo podemos constatar que a nossa constitucional da intervenção mínima da tutela penal, o que passa por conferir uma natureza fragmentária ou subsidiária ao direito penal. Por isso essa protecção apenas deve surgir nos casos de flagrante ruptura ou interrupção da convivência social entre os cidadãos, surgindo como uma resposta do ordenamento jurídico de ultima ratio - as penas e as medidas de segurança não são os únicos meios de protecção da sociedade mas apenas o seu ultimo expediente - e com caracter fragmentário - devendo apenas exercer-se na medida do necessário para essa tutela. A propósito também se alude ao princípio constitucional da proporcionalidade, enquanto limite dos limites da necessidade das penas, da subsidiariedade, da última ratio, da fragmentariedade e da intervenção mínima, da ofensividade e da exclusiva função de protecção dos bens juridico-penais.
27 - Diz-nos assim que o princípio da intervenção mínima do direito penal, atendendo à sensibilidade da natureza das suas sanções, deve ser o mais condicionada possível, ficando guardada para casos de particular gravidade que justifiquem a intervenção punitiva do Estado.
28 - Conforme se verificou nos presentes autos, o Assistente é uma figura pública, jogador de futebol internacional, sendo a sua vida, à semelhança da vida de outros jogadores de futebol, seguida por milhões de adeptos. Por outro lado, é o próprio assistente que publica fotografias suas, quer em espaços públicos, quer em espaços privados, nas redes sociais.
29 - Os factos que alegadamente consubstanciam o crime em causa nos presentes autos correspondem à divulgação de duas notícias que relatam as férias do Assistente na sua casa do Gerês, divulgando fotos das mesmas, nada que não tenha já sido feito quer pelo próprio Assistente e pela sua família, e ainda por outra imprensa, mesmo a imprensa internacional, conforme comprovam os documentos juntos pelos Arguidos na audiência de julgamento realizada no dia 7 de Setembro de 2016.
30 - Por todas estas considerações, sem prejuízo de todas as outras já tecidas e por si mesmas válidas e bastantes, se deve concluir ainda pela inadequação da sanção penal no caso aqui em apreço, tendo o tribunal a quo incorrido numa violação da norma contida no artigo 18° 2 da Constituição da República Portuguesa.
31 - Devendo, consequentemente os Arguidos serem absolvidos, alterando-se em conformidade a decisão recorrida, e consequentemente devendo os mesmos ser absolvidos da indemnização arbitrada ao Assistente.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a Sentença que condenou os Arguidos por outra que os absolva do crime praticado só assim se fazendo JUSTIÇA!!!
1.3, Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público e do Assistente
pronunciando-se pela improcedência do recurso, concluindo o Assistente nos
seguintes termos;
a) A Decisão recorrida é uma decisão correcta e devidamente fundamentada, razão pela qual deve ser integralmente mantida.
b) Aliás, o Recurso está votado ao insucesso, seja porque não foi impugnada a decisão da matéria de facto (e da mesma resultam factos que não permitem outro desfecho que o da manutenção da Decisão recorrida), seja porque os Recorrentes não arguiram qualquer dos fundamentos previsto no artigo 410°, n° 2, do Código de Processo Penal, seja ainda porque, juridicamente, a Decisão a quo é inatacável,
c) Acresce que, quando à condenação cível, os Recorrentes nada dizem, à excepção da última linha da conclusão 31., não tendo invocado um único fundamento para a sua alteração, pelo que não se pode concluir de outro modo que não seja a da manutenção também dessa parte da Decisão a quo.
d) Como se disse, os factos provados, que não foram impugnados pelos Recorrentes (não tendo estes sequer procurado alterar a decisão da matéria de facto), impõem a manutenção da Decisão a quo, uma vez que dos mesmos resulta inequívoca a prática do crime por que vêm condenados (veja-se, por serem especialmente impressivos, os factos provados 19. a 21., respeitantes ao elemento subjectivo).
e) Por outro lado, os Recorrentes não invocaram qualquer vício da Decisão a quo, nomeadamente qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou qualquer erro notório na apreciação da prova.
O Finalmente, e entrando no objecto do Recurso apresentado pelos Recorrentes (delimitado pelas suas conclusões), a verdade é que toda a argumentação apresentada se centra em dois vectores: (i) a inexistência de um direito a privacidade do Recorrido; e (ii) o carácter de ultima ratio do Direito Penal, que, por esse motivo, não deve ser aplicado ao caso dos presentes autos
g) Ora, nenhum dos argumentos apresentados pelos Recorrentes merece acolhimento.
h) Em primeiro lugar, conforme tem sido decidido uniformemente pelos Tribunais nacionais (e internacionais), também as figuras públicas têm direito à privacidade, sendo este um direito que, desde logo, corresponde ao último reduto do right to be /et alone ou, na formulação do Tribunal Constitucional «a última e inviolável área nuclear da liberdade pessoal».
i) Ou seja, o Recorrido, ainda que seja figura pública, não abdicou da sua privacidade, tendo o direito de decidir quem, e em que termos, pode tomar conhecimento ou ter acesso a espaços, eventos ou vivências pertinentes à respectiva área de reserva. Tal, foi, aliás, expressamente referido pelo Tribunal a quo quanto aos factos provados 39. a 42.
j) Acresce que, não obstante tal ter sido inaceitavelmente omitido pelos Recorrentes, in casu, estamos perante eventos ocorridos dentro da propriedade privada do Recorrido, entre família e amigos próximos, longe dos olhares de terceiros (ou assim achava o Recorrido).
k) E mais grave ainda, a segunda notícia, publicada a 25 de Julho de 2012, ocorreu já depois de o Recorrido ter expressamente condenado a primeira notícia, publicada a 24 de Julho de 2012, e ter solicitado o fim da devassa da sua privacidade.
l) Os Recorrentes sabiam, perfeitamente, que aquele era o momento em que o Recorrido queria estar longe de olhares indiscretos, como aliás bem resulta do corpo das duas notícias publicadas, com constantes menções a «calmaria, «formas discretas», conversas privadas», etc.
m) E, pois, evidente que no caso que ora nos ocupa houve, efectivamente, urna devassa da vida privada, que atingiu o seu auge com a invasão de um espaço íntimo do Recorrido, através do recurso a teleobjectivas, captando imagens e acontecimentos à traição.
n) Em segundo lugar, mas intimamente ligado ao agora afirmado, não podemos deixar de referir que é exactamente para casos como o dos presentes autos que o Direito Penal deve ser chamado: casos em que a devassa atinge níveis inaceitáveis, não poupando, sequer, aqueles que se encontram descansadamente no interior da sua propriedade.
o) Se é certo que o Recorrido já sofre por não poder, em público, fazer tudo quanto o comum cidadão faz, retirar-lhe também a possibilidade de estar em paz e em privado dentro de sua casa, é ferir, no seu ponto mais crítico, o direito à reserva da vida privada, carecendo assim da tutela penal, a que, bem, o Tribunal a quo recorreu.
p) Aliás, note-se que os Recorrentes N... e J..., em sede de Relatório elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a fls. (..,) e (..), assumiram, ambos, a ilicitude das suas condutas.
q) Perante o exposto, não resta outra solução para os presentes autos do que a manutenção da condenação dos Arguidos e Recorrentes pelo crime que praticaram, bem como no pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ IMPROCEDER O RECURSO APRESENTADO PELOS RECORRENTES, MANTENDO-SE NA INTEGRA A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO».
1.4. Nesta Relação a Fxm° Procuradora Geral Ad junta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso na vertente criminal, acompanhando quer os fundamentos aduzidos em 1° Instancia na Resposta do Ministério Público, quer do assistente à motivação de recurso.
1.5. Foi cumprido o art. 417°, do CPP.
1.6. Foram colhidos os Vistos legais.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
A) Da pronúncia por remissão para a acwsação pública:
1. O arguido O... é jornalista e titular da carteira profissional n.° 2383, exercendo à data de 24 e 25 de Julho de 2012 o cargo de Director do Jornal Correio Manhã, detido pela sociedade comercial P... - Imprensa Livre SA. - actualmente C..., SA -, com sede no Arruamento D à Rua José Maria Nicolau, n.° 3, em Lisboa.
2. O arguido E... é jornalista e titular da carteira profissional n.° 7894,
exercendo à data de 24 e 25 de Julho de 2012 o cargo de Director-Adjunto do jornal referido em 1.
3. O arguido A... é jornalista e titular da carteira profissional n.° 1973,
exercendo à data de 24 e 25 de Julho de 2012 o cargo de Director-Adjunto do jornal referido em 1.
4. O arguido N... é jornalista e titular da carteira profissional n.° 9441.
5. O arguido J... é jornalista e titular da carteira profissional n.° 6614.
6. O arguido N... é repórter fotográfico e à data de 24 e25 de Julho de 2012 possuía o título provisório de estagiário n.° TPE 119.
7. No dia 24.07.2012, o Jornal referido em 1. publicou uma notícia, da autoria de N..., com o título R... estreia mansão do Gerês. CR7 goza férias com I..., o filho, a mãe e as irmãs.
8. O corpo da notícia transmitia o seguinte No Gerês: Descanso, R… e I… inauguram mansão. Craque chegou ontem. à tarde acompanhado de toda. a família. C… está de férias ,no Gerês.
Depois de uma temporada em Saint-Tropel (França), Phuket (Tailândia) e Merano (Itália), o craque rumou ontem ao início da tarde, à calmaria do Norte para desfrutar alguns dias de descanso na companhia da namorada, I…, do filho, C…, da mãe, D…, e das irmãs K... e E.... Esta foi a primeira noite do clã A... na luxuosa mansão. De forma discreta, R... e a família percorreram as águas da barragem da caniçada de barco. Já com os fatos de banho vestidos, chegaram por volta das 13h00m, e atracaram a embarcação junto às rochas de acesso à moradia. Depois correram em direcção à piscina. Cristiano, de 27 anos, foi o primeiro a mergulhar, seguiu-o a namorada. D... ficou para trás com C.... Durante a tarde a família refugiou-se no interior da casa.
9. Tal notícia vem acompanhada de duas fotografias de C... a tomar banho no chuveiro da sua piscina, e de uma fotografia de I..., namorada do assistente, a subir as escadas dentro da propriedade do assistente, com a seguinte legenda C... aproveitou para se refrescar no chuveiro, I... seguiu-o.
10. Tal notícia vem ainda acompanhada de várias fotografias do interior da propriedade do assistente, com o título Luxo, estas foram as primeiras férias do clã A... na moradia do Gerês.
11. A referida notícia vem ainda acompanhada de uma fotografia de D…, mãe do assistente, do filho e sobrinho deste, no interior da propriedade, com a legenda D..., a matriarca da família foi a última a dirigir-se para a piscina. C... esteve sempre ao seu colo e por fim de uma fotografia da família do assistente a chegar à referida propriedade, com a seguinte legenda Família percorreu as águas da barragem da caniçada de barco. Chegaram por volta das 13 horas.
12. Todas as referidas fotografias, incluindo a fotografia de capa do referido jornal, foram da autoria do arguido N....
13. No dia 25.07.2012, o Jornal referido em 1. publicou uma notícia de capa, igualmente da autoria do arguido N..., com o título J... visita R... na mansão. Família de C… diverte-se no Gerês, acompanhada de uma fotografia com a imagem do assistente e de J..., no jardim da referida casa do Gerês.
14. O corpo da notícia transmitia o seguinte No Gerês: visita, Agente vai à mansão, J... visitou, ontem, C... na sua luxuosa mansão no Gerês. O empresário passou o dia com o croque do R..., de 27 anos, e tiveram até tempo para uma longa conversa privada, no jardim da moradia com vista para a Caniçada. Pelo segundo dia consecutivo o clã A… passou o tempo delato de banho e dedicado em exclusivo à piscina. Quem mais se tem divertido no coração da serra do Gerês é o pequeno C..., que sempre que não está na piscina percorre o enorme jardim com as braçadeiras nos braços, à procura do pai, ou da avó, D…. Ontem, a namorada do jogador, I... Shayk, foi a única que se resguardou no interior da moradia. A modelo russa, de 26 anos, terá aproveitada para descansar, nestes que são os últimos dias com C... - que regressa ao trabalho no final desta semana.
15. A referida notícia vem acompanhada de duas fotografias do assistente acompanhado de J..., com as legendas J... e C... conversam no jardim e A conversa entre o jogador e o empresário foi privado. Ambos gesticularam muito enquanto falavam e de uma fotografia do filho do assistente, com a seguinte legenda Filho C... tem aproveitado a piscina, sempre com braçadeiras, e ainda duas fotografias, uma fotografia da mãe e outra da irmã do assistente, com a seguinte legenda A família A... tem aproveitado o bom tempo e a piscina, e apenas têm usado fatos de banho.
16. As referidas fotografias, incluindo a fotografia de capa do referido jornal, foram da autoria do arguido J....
17. Tais fotografias do assistente, da sua namorada, mãe, irmãs, filho, sobrinho e amigos foram tiradas quando este se encontrava com a sua família, no interior da sua propriedade.
18. Acresce que tais fotografias foram tiradas sem o consentimento do assistente nem dos seus familiares e amigo.
19. Ao agirem do modo descrito quiseram os arguidos N..., J... e N... captar, publicar e divulgar fotografias do interior da propriedade do assistente, bem como elaborar, autorizar, publicar e divulgar as correspondentes notícias que visavam a esfera familiar e privada do assistente, não consentidas, tendo-as divulgado perante terceiros através de meio de comunicação social, com o propósito concretizado de devassar e expor a intimidade da sua vida familiar, o que conseguiram.
20. Os arguidos N..., J... e N... agiram livre, voluntária e conscientemente com a perfeita noção de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
21. Deste modo e uma vez que tinham conhecimento da punibilidade penal da sua conduta, os arguidos N..., J... e N... tinham capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento, não obstante não se inibiram de praticar os referidos factos.
B) Da acusacão subordinada:
22. As notícias e respectivas fotografias foram expostas em jornal diário da imprensa nacional, com uma tiragem diária correspondente a 174.934 exemplares e uma circulação diária correspondente a 134.441 exemplares.
23. No seguimento da edição de 24.07.2012 do jornal C..., C... publicou, nessa data, na sua página oficial do Facebook, um comunicado com o seguinte conteúdo:
O jornal C... publica, na sua edição de hoje. de 24 de Julho de 2012, um artigo com amplo destaque de capa, no qual se refere, através de imagens e textos, às férias que estou a passar, com a minha família, no Gerës.
Descreve o mesmo jornal o que supostamente faca e não faço em férias e, mais grave que isso, publica fotografias do interior da minha propriedade - onde saio eu próprio, o meu filho e a minha mie - captadas do exterior, de forma oculta e disfarçada.
Há limites para o que é admissível. Há limites para o abuso. Há limites para o desrespeito pela vida intima e privada das pessoas.
0 jornal C...; do grupo C..., passou hoje, de novo, todos esses limites e demonstrou, uma ver mais, de forma vergonhosa, o desrespeito total pela minha vida privada e da minha família, violando a lei e a ética do jornalismo.
Por esse motivo, informo que pedi aos meus advogados para agirem judicialmente contra os responsáveis do C...- esperando que os tribunais os condenem de forma exemplar- bem como contra aqueles que, reproduzindo as mesmas fotos, optem por, da mesma forma, invadir a privacidade da minha vida familiar.
C) Do pedido de indemni acão civil:
24. A..., enquanto Director-Adjunto, não se opôs à publicação daquelas notícias, da chamada de capa e das fotografias em causa, podendo fazê-lo.
25. A... omitiu qualquer acção que evitasse a publicação do referido artigo e da primeira página da referida edição do jornal C..., sendo certo que, atentos o cargo de direcção que ocupava à data dos factos, podia tê-lo feito.
26. O preço do jornal C... era, em 24 e 25 de Julho de 2012, de € 0,90 (noventa cêntimos).
27. A Demandada, enquanto proprietária do jornal C..., é a titular das receitas obtidas com a venda do mesmo.
28. O Demandante/Assistente tomou conhecimento da edição do jornal C... de 24 de julho de 2012 através da Internet.
29. Quando tornou conhecimento da capa do jornal e das notícias publicadas ficou indignado e revoltado.
30. E bem assim, sentiu-se completamente invadido e exposto.
31. Sentiu-se observado dentro da sua própria casa e nos momentos que passou com a sua família e amigos.
32. Uma das razões que levou o Demandante/Assistente a adquirir o imóvel referido na edição de 24 de julho de 2012 do Jornal C... prendeu-se com a privacidade que aquele local aparentemente garantiria.
33. O Demandante/Assistente tem uma vida profissional intensa que o impede de passar muito tempo perto da sua família e dos seus amigos.
34. Por esse motivo, procura, nas suas férias, aproveitar para matar saudades, para se divertir, para estar com aquelas pessoas que são importantes para ele.
35. A casa em causa está vedada e é resguarda, não sendo possível observar o seu interior.
36. O Demandante/Assistente ficou nervoso com esta invasão e sentiu necessidade de publicamente condenar a actuação dos Demandados através do comunicado referido em 23.
37. Com a publicação do comunicado referido em 23., assistente acreditou que o C... não voltaria a publicar notícia semelhante à referida em 7.
38. Ao ter conhecimento do conteúdo da edição do Jornal C... de 25 de Julho de 2012, o Demandante/Assistente sentiu raiva, e bem assim sentiu-se desrespeitado pelos Demandados.
D) Das contestacões:
39. O assistente é uma figura pública do futebol internacional e foi vencedor, por inúmeras vezes, dos principais prémios ligados a esta modalidade.
40. As vidas de jogadores como o assistente são acompanhadas por milhões de adeptos.
41. O assistente publica fotografias suas, tiradas em espaços públicos e privados, nas redes sociais.
42. O assistente participa em inúmeras campanhas publicitárias.
E) Mais. se provou;
43. Dos autos não consta que os arguidos O..., E..., A..., N... e J... tenham antecedentes criminais.
44. O arguido N... já foi condenado na pena de 60 dias de multa à razão diária de €5,00, por decisão transitada em julgado em 17.12.2015, proferida no âmbito do processo n.° 3213/11.6TAVNG da Instância Local - seção criminal de Lisboa - J12, Comarca de Lisboa, por factos de 15.03.2011, pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.°, n.°2aia)e3e 197.° al a) do CP;
45. Sobre as condições pessoais do arguido O... resulta do relatório social que:
O arguido é licenciado em Direito.
A sua primeira experiência formal no ramo do jornalismo teve lugar quando ingressou no extinto jornal Semanário, na secção de desporto.
Foi com as funções de Editor Executivo que, em 2002, O... começou a trabalhar no jornal C.... Depois de ocupar as posições de Chefe de Redação, Subdiretor c Diretor-Adjunto, em 2007 assumiu o cargo de Direção que mantém no presente.
Do ponto de vista económico, O... refere auferir cerca de 6.000 euros mensais, sendo que o contrato contempla despesas de representação e viatura da empresa. Alude ainda que a sua subsistência é assegurada com o vencimento anteriormente mencionado, avaliando como estável a sua condição económica, atenta a sua capacidade de fazer face aos compromissos que tem ao seu encargo, sendo elencadas as despesas de educação dos filhos e a prestação do imóvel adquirido, que refere perfazerem um valor aproximado de 3.400 euros por mês. Ao orçamento familiar acresce o ordenado do cônjuge, jornalista no mesmo local de trabalho, em regime parcial e em nome individual, a qual auferirá menos de 1.500 mensais.
Do ponto de vista familiar salienta-se o facto de o arguido ter três filhos - dois com dezasseis e doze anos idade, fruto da relação matrimonial que mantém há dezassete anos - e um primogénito de anterior casamento, que não integra o seu agregado e que tem atualmente 25 anos de idade.
A dinâmica conjugal e parental é descrita como gratificante em todos os domínios, destacando os caminhos de compreensão e estabilidade que pautam o ambiente relacional.
46. Sobre as condições pessoais do arguido E... resulta do relatório social que:
O seu percurso escolar decorreu de forma normativa tendo concluído o décimo segundo ano de escolaridade com dezoito anos, altura em que começou a trabalhar no Jornal Setubalense.
Com carteira profissional de jornalista desde o ano de 1984, E... no ano de 1986 começou a trabalhar no jornal Expresso onde se manteve durante três anos. No ano de 1989 passou a trabalhar no Jornal Público, tendo desenvolvido várias funções neste jornal.
No ano de 2007 o arguido integrou o Jornal C....
Ao nível afetivo relacional o arguido vive em união de facto desde há vinte e três anos, vivência conjugal do qual nasceram dois filhos.
Em Julho 2012, E... vivia com a sua companheira, produtora de áudio visual e os dois filhos de vinte e um e vinte e dois anos, ambos estudantes do ensino superior, sendo este o seu atual contexto familiar. Ambos os elementos do casal retratam uma dinâmica familiar positiva, sendo que o arguido, apesar de muito investido na vertente profissional, não descura a família, exercendo de forma responsável o seu papel parental.
Profissionalmente, o arguido exerce desde o ano de 2007 a função de diretor adjunto do Jornal C..., sendo este o cargo que ainda detém.
Em termos económicos, o arguido mencionou que aufere mensalmente 4500€, detendo três empréstimos respeitantes a imóveis, um da habitação onde vive e dois de habitações no Algarve, cujos valores perfazem uma despesa mensal de 1400€. Faz referência a um quadro económico estável, ainda que a companheira, atualmente, se encontre desempregada.
E... dispõe de recursos internos que lhe permitem fazer considerações consonantes com motivações pró-sociais. Sendo detentor de capacidades intelectuais e comunicacionais estabelece com facilidade, evidente em contexto de entrevista, relacionamentos interpessoais adequados.
47. Sobre as condições pessoais do arguido A... resulta do relatório social que:
O percurso escolar do arguido decorreu sem insucesso, sendo que, após concluir o ensino secundário, A... deslocou-se para Lisboa, prosseguindo os estudos e obtendo a licenciatura em Comunicação Social, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, aos 22/23 anos de idade.
Iniciou a vida profissional ativa no jornal Semanário Económico e, posteriormente, 1992, data em que iniciou funções no Jornal C..., como Subeclitor, na área de Economia, temática em que viria a frequentar várias ações de formação.
Em 1999 foi nomeado Editor na área de Economia e, em 2001, Editor Executivo do mesmo Jornal. Desde fevereiro de 2007 desempenha o cargo de Diretor-Adjunto do Jornal C....
Ao nível afetivo, A..., contraiu matrimónio em 1993, divorciando-se em 2012. Deste relacionamento resultaram dois descendentes, que vivem atualmente com a mãe. Em 2015, o arguido estabeleceu um outro relacionamento afetivo, o qual ainda mantém. Atualmente, A... vive em Alcochete, em habitação própria, situada em
condomínio fechado.
Em termos económicos o arguido menciona ter um vencimento mensal de 4200 euros, referindo, como despesas fixas, para além da pensão de alimentos acima mencionada, cerca de 980 euros, relativos à prestação do crédito à habitação (detendo desta uma hipoteca equivalente a 214 000 euros), aludindo também aos encargos com Imposto Municipal de Imóveis (IMI), em valor superior a 1000 euros, pago em três prestações.
A... refere que tem ainda em atraso o pagamento do IMI relativo à habitação de Belas, no montante de 1700 euros.
O arguido estima um rendimento liquido disponível no valor, aproximado, de 900 euros após o pagamento das despesas fixas e dos encargos supra referidos, avaliando a sua situação económica atual como estável, classificando-a como razoável para garantir o seu modo de vida.
48. Sobre as condições pessoais do arguido N... resulta do relatório social que:
N... apresenta uma trajetória vivencial aparentemente normativa, não havendo aspetos de relevo a destacar. Integrou a escolaridade em idade regulamentar e ingressou no ensino superior aos 19 anos de idade, concluindo a licenciatura em Comunicação Social, vertente Jornalismo, na Escola Superior de Educação de Viseu. Posteriormente frequentou Mestrado em Média e Jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no âmbito do qual efetuou estágio curricular no jornal C..., tendo sido convidado a trabalhar com esta entidade em regime de prestação de serviços a recibos verdes.
Presentemente e desde 2013, N... mantem vínculo contratual, por tempo indeterminado, com a entidade C..., SA, exercendo atividade de jornalista para o jornal C... e C... TV, trabalhando na zona Norte do país e tendo a redação, à qual está afeto, sede no Porto.
O arguido vive, desde 2012, com o companheiro, de 30 anos, gestor de clientes em entidade financeira, sendo descrito um relacionamento afetivamente gratificante. O casal reside em apartamento arrendado, situado na da cidade do Porto. A gestão da economia do agregado é efetuada em separado, sendo que o arguido aufere mensalmente 712,05 euros (vencimento base), assumindo como principais despesas mensais os encargos com metade da renda da habitação, 200 euros, serviços da NOS, 53,99 euros, água, cerca de 15/20 euros e alimentação.
Ao nível familiar e relacional o arguido é descrito como reservado no que diz respeito à vida pessoal, comunicativo, com fortes princípios éticos laborais e próximo da família.
N... dispõe de uma ajustada integração ao nível relacional, familiar, laboral e social, aspetos positivos no seu contexto vivencial.
49. Sobre as condições pessoais do arguido J... resulta do relatório social que:
J... é oriundo de um agregado familiar de estrato socioeconómico médio, com uma dinâmica caracterizada como coesa, constituído pelos pais e por dois descendentes.
Frequentou o ensino até ao 12° ano de escolaridade, tendo ingressado posteriormente no curso de Artes Visuais - Fotografia na Escola Superior Artística do Porto, que todavia não concluiu, tendo optado por iniciar a vida activa como repórter fotográfico no jornal desportivo diário Record.
Paralelamente foi prestando colaborações pontuais na cobertura de eventos sociais para várias publicações, pertencentes ao mesmo grupo empresarial. Também efectua habitualmente outros trabalhos fotográficos em regime de prestação de serviços.
J... mantém, há 11 anos, um relacionamento afectivo descrito como gratificante. Embora possua habitação própria, o arguido passa grande parte dos seus tempos livres em casa da namorada.
A situação económica do arguido é caracterizada como equilibrada, assentando nos rendimentos decorrentes do exercício da sua actividade profissional, auferindo um rendimento ilíquido mensal de €1745 como jornalista 1° escalão na empresa C... Média, S.A.. O arguido possui um apartamento próprio em Mafamude, Vila Nova de Gaia, cujas despesas fixas assegura, nomeadamente a prestação bancária relativa ao crédito habitação, no valor de cerca de €420, e o fornecimento de serviços domésticos básicos (água, electricidade e telecomunicações), que perfazem cerca de €130.
O quotidiano de J... é dedicado essencialmente à sua actividade profissional, que considera uma fonte de auto-realização.
O processo de desenvolvimento psicossocial de J... decorreu num contexto familiar organizado, com uma dinâmica coesa e capaz de lhe transmitir valores adequados a uma inserção social adaptada.
J... apresenta uma inserção familiar e profissional caracterizada como ajustada e revela uma atitude critica face à natureza do crime pelo qual vem acusado.
50. Sobre as condições pessoais do arguido N... resulta do relatório social que: N... é natural de Braga, onde decorreu o seu processo de socialização integrado no agregado de origem, pais e duas irmãs. Descreve o relacionamento intrafarniliar como afetivo.
Após concluir o 11.° ano de escolaridade, cessou a escolarização e iniciou o seu percurso profissional, a trabalhar como operário têxtil. Cumpriu o Serviço Militar, findo o qual passou a trabalhar em hotelaria.
N... viveu integrado na família natural até à data do seu matrimónio em 2005.
Há cerca de sete anos, passou a trabalhar como freelancer e em regime de prestação de serviços para o C..., e há dois anos, aproximadamente, passou a pertencer aos quadros da empresa detentora do C..., onde se mantem atualmente a trabalhar.
Em julho de 2012, N... partilhava o agregado com a mulher e filha, menor, com quem continua a manter um relacionamento estável e afetivamente gratificante.
O quotidiano do arguido é essencialmente dedicado ao exercício da atividade laboral como repórter fotográfico.
O arguido beneficia de uma situação económica modesta, mas estável, assente atualmente nos montantes que o arguido aufere na sua atividade profissional, com um vencimento base de €700, mas que por vezes ascende a um valor igual ou superior a €1000, e dos salários da mulher, empregada comercial, no valor médio de €650. Apresenta como despesas fixas mensais o pagamento da amortização bancária da casa no valor de €300, acrescido de despesas de serviços como eletricidade, água e gás, no valor médio de €200, assim como, as despesas de ATL e Infantário, referentes às duas filhas menores, de 8 e 2 anos de idade, no valor médio global de €166,80.
O arguido evidencia capacidades e hábitos de trabalho, e um percurso de vida marcado pelo investimento e dedicação profissional.
A nível familiar beneficia e mantém consistentes laços afetivos, privilegiando no seu quotidiano o relacionamento familiar.
O arguido dispõe de competências pessoais, experiência profissional diversificada e beneficia de apoio familiar, fatores que lhe poderão permitir um caminho consonante com as regras sociais vigentes.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A) Da pronúmia por reris.fão para a acusarão pública:
i. Que a noticia referida em 7. dos factos provados, vinha ainda acompanhada de várias fotografias do interior da casa do assistente.
ii. Que a noticia referida em 13. dos factos provados, vinha acompanhada de uma fotografia com a imagem do assistente e de J..., no interior da casa do Gerês.
iii. Que as notícias referidas em 7. e 13. e respectivas fotografias tenham sido publicadas pelos arguidos O... e E..., e bem assim que tenham sido expostas em jornal semanal, com uma tiragem mensal correspondente a 120.000 exemplares.
iv. Que tenham sido tiradas fotografias no interior da casa.
v. Que, ao agirem do modo descrito quiseram os arguidos N..., J... e N... quiseram autorizar fotografias, bem como autorizar as correspondentes notícias.
vi. Que, ao agirem do modo descrito quiseram os arguidos O..., E... e A... captar, autorizar, publicar e divulgar fotografias do interior da propriedade do assistente, bem como elaborar, autorizar, pubricar e divulgar as correspondentes notícias que visavam a esfera familiar e privada do assistente, não consentidas, tendo-as divulgado perante terceiros através de meio de comunicação social, com o propósito concretizado de devassar e expor a intimidade da sua vida familiar, o que conseguiram.
vii. Que os arguidos O..., E... e A... agiram livre, voluntária e conscientemente com a perfeita noção de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
viii. Que, deste modo e uma vez que tinham conhecimento da punibilidade penal da sua conduta, os arguidos O..., E... e A... tinham capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento, não obstante não se inibiram de praticar os referidos factos.
B) Da acusacão subordinada.
ix. Que a edição de 25.07.2012 do Jornal C... foi publicada tendo todos os arguidos conhecimento do Comunicado publicado no Facebook, no dia anterior, pelo assistente.
C) Do pedido de indemnização civil:
x. Que O... enquanto Director do jornal C... e E..., enquanto Director-Adjunto, não se opuseram à publicação daquela notícia, da chamada de capa e das fotografias em causa, podendo fazê-lo.
xi Que estes Demandados omitiram qualquer acção que evitasse a publicação do referido artigo e da primeira página da referida edição do jornal C..., sendo certo que, atentos os cargos de direcção que ocupavam à data dos factos, podiam tê-lo feito.
xii Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 29. o assistente se sentiu frustrado e incapaz de proteger os seus (o seu filho, a sua família e amigos) inclusive em locais privados.
xiii. Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 38. assistente teve um desgosto enorme.
xiv. Que o assistente sentiu-se envergonhado por ter convidados em sua própria casa e não conseguir proporcionar-lhes sequer um pouco de privacidade.
D) Das contestações.
xv. Que a casa do assistente tem uma localização que permite que qualquer pessoa, sem grande esforço, veja o que se passa no jardim.
xvi. Que os meios de comunicação social são os principais responsáveis pela decisão de atribuição das campanhas publicitárias referidas em 42. ao assistente em detrimento de outros.
3. O DIREITO
3.1. O recurso é restrito à matéria de direito.
O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que definem e delimitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões:
- Se o assistente, tendo o estatuto de figura pública, está sujeito a uma autêntica compressão da sua intimidade;
- A publicação em causa não divulga factos relativos à esfera íntima do assistente, mas insere-se na esfera da publicidade;
- Verifica-se a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 192°, n°2, do Código Penal, na medida em que está em causa o interesse público e relevante na publicação;
- Foi violado o princípio da subsidiariedade do direito penal;
- Existe inadequação da sanção penal, tendo o tribunal a quo incorrido na violação da norma contida no artigo 18°, n°2 da Constituição da República Portuguesa.
3.1.1. Vejamos a 1ª questão suscitada.
Alegam os recorrentes que o assistente tendo o estatuto de figura pública está sujeito a uma autêntica compressão da sua intimidade.
A Constituição da República Portuguesa consagra no art. 26°, n°1, entre outros direitos pessoais, o direito à reserva da intimidade da vida privada e
familiar: «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao
desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, e à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminaçãop.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Ao reunir num único artigo nada
menos do que nove direitos distintos, a Constituição sublinha aquilo que, para além da sua diversidade, lhes confere caráter comum, e que consiste em todos eles estarem diretamente ao serviço da proteção nuclear das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura civilista designa por direitos de personalidade. (...) Daí que, como tal esses, alguns destes direitos de personalidade gozem de proteção penal e que eles constituam igualmente limite de outros direitos fundamentais, com que eles possam conflituar (v. g., limite à liberdade de informação e de imprensa).
Assim, em conformidade com este preceito constitucional, o legislador reafirmou a dignidade penal do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, ao conceder no Cap. VII do CP (Dos crimes contra a reserva da vida privada), do Tit. 1, (Dos crimes contra as pessoas), do Livro II (parte especial) toda uma específica área incriminadora à proteção dos bens jurídicos eminentemente pessoais, designadamente a privacidade/intimidade.
«A maior parte dos bens jurídicos pessoais - entre os quais se contam a honra, o segredo, a privacidade/intimidade, a palavra e a imagem - configuram «expressões concretizadas e estabilizadas da liberdade geral de ação ou do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
A privacidade/intimidade é, um bem jurídico pessoal, que se funda na liberdade que assiste a cada pessoa de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso a espaços, eventos ou vivências pertinentes à respetiva área de reserva:
Daí que o artigo 192.° do Código Penal, sob a epígrafe Devassa da vida privada comina como crime a conduta de 1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio eletrônico ou faturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos ã vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.
Por seu turno, o artigo 197.°, alínea b) do mesmo diploma prevê uma agravação ao tipo base ao estatuir que as penas previstas nos artigos 190.° a 195.° saci elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se o facto for
praticado «Através de meio de comunicação social»
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada encontra-se também tutelado no art. 80.° do Código Civil.
A lei penal portuguesa presta homenagem à chamada teoria dos Crés graus ou das três esferas, cuja primeira formulação terá ficado a dever-se ao Tribunal Constitucional Federal alemão (... ). E que, para além de uma extremada área da publicidade distingue entre uma esfera da intimidade e uma esfera da privacidade stricto sensu. A esfera da intimidade corresponde ao último reduto do right to be let alone, ou, na formulação do Tribunal Constitucional a última e inviolável área nuclear da liberdade pessoal». (...)
A esfera da intimidade é reconhecida a todas as pessoas, independentemente do seu estatuto de figura pública ou pessoas da história do seu tempo: pertinência à vida política, cultural, económica, desportiva, artística, etc. Trata-se de uma esfera inviolável e como tal subtraída ao princípio geral da ponderação de interesses e em particular à prossecução de interesses legítimos. Ela configura, também, uma barreira intransponível à exceptio veritatis, ou à prova da verdade dos factos, em geral admissivel quando estão em causa atentados à honra sob a forma de imputação de factos. Na síntese do Tribunal Constitucional Federal alemão: Nem sequer os interesses superiores da comunidade podem justificar uma agressão à área nuclear da conformação privada da vida, que goza de proteção absoluta. Uma ponderação, segundo o critério da proporcionalidade está aqui fora de causa.
A esfera da privacidade, inclui outros factos da vida pessoal, mas cuja exata dimensão depende do seu estatuto social, sendo maior no caso de pessoas comuns e menor no caso de pessoas com notoriedade social, admitindo assim esta esfera urna compressão de acordo com um interesse público relevante. A esfera da publicidade, constitui a face pública do cidadão, que inclui os elementos de identificação civil, como a filiação e paternidade ou maternidade.
Aplicando a doutrina supra citada ao caso dos autos dúvidas não subsistem que o assistente goza do direito à reserva da privacidade/intimidade da vida privada,
Com efeito, o facto de o assistente ser uma figura pública do futebol internacional, tal não significa que tenha alienado ou abdicado, do direito à reserva da privacidade/intimidade da vida privada e familiar. A matéria de facto provada nos pontos 39 a 42 da sentença recorrida, não significa de modo algum que o recorrente tenha dado o seu consentimento para a exposição da sua vida privada nos termos dados como provados. Como resulta da matéria de facto provada as fotografias do assistente, da sua namorada, mãe, irmãs, filho, sobrinho e amigos foram tiradas quando este se encontrava com a sua família, no interior da sua propriedade. E tais fotografias foram tiradas sem o consentimento do assistente nem dos seus familiares e amigo (factos 17 e 18).
Como se viu, nas palavras de Manuel da Costa Andrade, qualquer pessoa, não se excluindo aqui as figuras públicas, têm o direito de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso á respetiva área de reserva.
3.1.2. Vejamos a 2ª questão:
Alegam os recorrentes que a publicação em causa não divulga factos relativos á esfera intima do assistente, mas insere-se na esfera de publicidade;
Não há dúvida que o assistente é uma figura pública do futebol internacional e foi vencedor, por inúmeras vezes, dos principais prémios ligados a esta modalidade. As vidas de jogadores como o assistente são acompanhadas por milhões de adeptos. O assistente publica fotografias suas, tiradas em espaços públicos e privados, nas redes sociais. O assistente participa em inúmeras campanhas publicitárias (factos 39 a 42)
Contudo, estes factos não permitem concluir que a actuação em analise se aproxime da esfera da publicidade e não no núcleo da esfera íntima», como defendem os recorrentes.
De acordo com Gomes Conotilho e Vital Moreira Não é fácil de demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade. (..) O critério constitucional deve arrancar dos conceitos de privacidade- (nº 1 in fine) e dignidade humana-(n°2), de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, como base num conceito de vida privada- que tenha em conta a referencia civilizacional sob três aspetos: (I) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato (3) o respeito da vida em relação».
Conforme se afirma na decisão recorrida ((as fotografias tiradas e divulgadas foram captadas num contexto de má privada do assistente e num espaço intimo deste, porquanto a sua propriedade consubstancia um espaço vedado ao público onde se desenvolvia a sua vida privada e a dos seus familiares e amigos. alínea b) do artigo 192.º , n.º 1 CP
O mesmo se poderá dizer dos textos da autoria de N..., os quais consubstanciam factos relativos à vida privada do assistente.
Com efeito, a descrição do dia-a-dia do assistente e da respetiva família era férias, e bem assim a descrição do que se passa dentro da sua propriedade privada e em contexto familiar integram, sem margem para dúvidas, a esfera da privacidade do mesmo, porquanto se reportam a factos da sua vida privada comum, acessível apenas ao circulo da família e amigos mais estreitos. - alínea d) do artigo 192.º n. ° 1 CP.
Trata-se, em ambos os casos, da vida familiar mencionada no próprio enunciado do artigo 192. ° do Código Penal.
Também se encontra verificado o pressuposto negativo da ausência de consentimento ou acordo do visado, atenta a factualidade assente no ponto 18. dos factos provados, reforçada ainda na factualidade assente sob o ponto 23».
A esfera da publicidade é outra. É precisamente aquela em que o assistente de acordo com a sua vontade, atendendo á circunstância de ser uma figura pública do futebol internacional, ser vencedor, por inúmeras vezes, dos principais prémios ligados a esta modalidade, ter uma notoriedade a nível mundial, participar em inúmeras campanhas publicitárias, ca o se consentimento, e se for caso disso, retirar proveito económico ou outro.
Par outro lado, como também se afirma na sentença recorrida não resultou provado
qualquer aproveitamento económico por parle do assistente das notícias referidas em 7. e 13. dos factos provado. sendo certo que o dano se reporta à lesão do bem jurídico, sendo que in casu houve uma efectiva lesão da privacidade através da devassa da mesma».
313.Vejamos a invocada causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 192°, n°2, do Código Penal, porquanto no entender dos recorrentes está em causa o interesse público e relevante na publicação.
A Lei Fundamental consagrou como direito fundamental a liberdade de expressão e de informação (art. 37°, da CRP).
Também o art. 10°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que tem como epígrafe ,liberdade de expressão, consagra no seu n°1, que «Qualquer pessoa
tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras ( ...),
dispondo o n°2, que o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judiciais.
Conforme refere Eduardo Maia Costa, ( ...) «a liberdade de expressão, tal como a consagra o citado art. 10°, da CEDH, constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso no desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n°2, ela é válida não apenas para as informações e ideias acolhidas com favor ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou inquietem, o que é exigido pelo pluralismo, a tolerãncia e o espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática. Por isso quaisquer condições ou restrições à liberdade de expressão devem ser proporcionadas e adequadas ao fim legitimamente protegido. (...). As restrições à liberdade devem ser interpretadas restritivamente (...) 0 adjetivo «necessário», implica uma necessidade social imperiosas, e há que determinar se a ingerência é «proporcional ao fim legítimo prosseguido» Restritividade, estrita necessidade e proporcionalidade são, pois, os princípios que regem as limitações à liberdade de imprensa».
Como é sabido a imprensa cumpre uma função pública.
Contudo conforme afirma José de Faria e Costa « possibilidade de justificação penal tem de limitar-se, para dizê-lo com as palavras autorizadas de Figueiredo Dias, à imprensa que cumpre uma função pública, isto é, a atividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública, em matéria social, política, económica, cultural (RLJ 115° I36). Só nestes domínios existe um interesse público no conhecimento e divulgação da notícia que concorre, deforma decisiva, para a correta formação da opinião pública em áreas de indiscutível importãncia para a existéncia e evolução da comunidade social.
Ora, não se vê qual o interesse público relevante a publicação de fotografias do assistente a tomar banho no chuveiro da sua piscina, de uma fotografia de I..., namorada do assistente, a subir as escadas dentro do propriedade do assistente, com a seguinte legenda C... aproveitou para se refrescar no chuveiro, I... seguiu-o,- a publicação de várias fotografias do interior da propriedade do assistente, com o título Luxo, estas foram as primeiras férias do clã A... na moradia do Gerês. A publicação de uma fotografia de D..., mãe do assistente, do filho e sobrinho deste, no interior da propriedade, com a legenda D..., a matriarca da família foi a última a dirigir-se para a piscina. C... esteve sempre ao seu colo e por fim de uma fotografia de família do assistente a chegar á referida propriedade, com a seguinte legenda Família percorreu as águas da barragem da caniçada de barco. Chegaram por volta das 13 horas. A publicação de fotografias do assistente acompanhado de J..., com as legendas J... e C... conversam no jardim e A conversa entre o jogador e o empresário foi privado. Ambos gesticularam muito enquanto falavam e de uma fotografia do filho do assistente, com a seguinte legenda Filho C... tem aproveitado a piscina, sempre com braçadeira.', e ainda duas fotografias, uma fotografia da mãe e outra da irmã do assistente, com a seguinte legenda A família A... tem aproveitado o bom tempo e a piscina, e apenas têm usado fatos de banho. De igual modo não se vê qual o interesse público relevante as notícias publicadas nos dias 24 e 25 de julho de 2012, sobre as férias do Assistente e respetiva família.
Como se afirma na sentença recorrida os arguidos confundem o interesse público com o interesse do público, sendo que as notícias em causa nos autos não constituem, de todo, meio adequado para a realização de um interesse público legítimo e relevante, o qual deve ser definido como a divulgação de factos e notícias relativas à formação democrática e pluralista da opinião pública, em matéria social, política económica e cultural (vide Costa Andrade, op. cit, p. 739). 0 único interesse na divulgação do dia-a-dia do assistente e da respetiva família em férias, é a satisfação da curiosidade sobre aspectos da vida privada de alguém com projecão mediática, sendo que os factos e imagens publicados não têm qualquer interesse público, nem sequer a matéria versada nas referidas noticias se relacionam com a actividade principal do assistente ou têm qualquer relevância pública aue possa ser reconhecida à sua actividade desportiva, pelo que igualmente improcede a causa de justificação alegada». (sublinhado nosso)
3.1.4. Relativamente co princípio de subsidiariedade do direito penal.
Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias «o conceito material de crime vem
assim a resultar da função atribuída ao direito penai de tutela subsidiária (ou de ultima ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal (de bens jurídico penais), ou, o que é dizer o mesmo de, de bens jurídico cuja lesão se revele digna de penar.
No caso, como se viu a conduta dos arguidos integra a prática do crime de devassa de vida privada, logo com relevância jurídico-penal.
3.1.5 Quanto à invocada inadequação da sanção penal, tendo o tribunal a quo incorrida na violação da norma contida no artigo 18°, n°2 da Constituição da República Portuguesa.
0 arguido N... foi condenado pela prática como autor material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.° 1, ai. d) e 197.°, al. b) do Código Penal e artigos 30.°, n.° 1 e 31., n.° 1 da lei de Imprensa, e os arguidos J... e N... pela prática, como autores material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.° 1, al. b) e 197.0, al. b) do Código Penal e artigos 30, n ° 1 e 31.°, n ° 1 da Lei de Imprensa, pela prática, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos artigos 192.°, n.o 1, al. b) e 197.°, al. b) do Código Penal e artigos 30.°, n.° 1 e 31.°, n.° 1 de Lei de Imprensa.
Considerando a matéria de facto provada e os critérios norteadores a que alude os arts. 40°, 70 e 71°, do Código Penal, mostram-se justas, equilibradas, adequadas e proporcionadas as penas aplicadas aos arguidos.
Neste sentido, improcede no totalidade o recurso.
4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juizes que compõem a 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94°, n° 2, do CPP).
Lisboa, 05 de abril de 2017
Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)
Carlos Almeida