I. Os crimes sexuais, mormente o abuso sexual de crianças, geram forte repúdio no seio da sociedade, o que encontra explicação, também, nas consequências gravíssimas que estes crimes têm principalmente nas vítimas, em regra, indelevelmente marcadas de forma muito negativa para o resto da sua vida.
II. A libertação do recorrente antes do meio da pena ou mesmo ao meio da pena frustra e defrauda a expectativa da comunidade no funcionamento do sistema penal, banaliza as práticas punidas nos autos. A pena corresponde sempre à medida da culpa e, no caso dos autos diminuir a pena seria desvalorizar a culpa do agente ou a vontade de não agir assim mas de acordo com as normas que bem conhece e violou.
III. Não se encontrando gravemente doente com patologia evolutiva e irreversível e respondendo às terapêuticas disponíveis não sendo portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa e se mostre incompatível com a manutenção em meio prisional, não tendo idade igual ou superior a 70 anos e não se mostrando o seu estado de saúde, física ou psíquica, ou de autonomia incompatível com a normal manutenção em meio prisional nem afectando a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena é de manter o cumprimento da pena nas condições atuais.
Proc. 99/16.8TXEVR-C.L1 3ª Secção
Desembargadores: Adelina Oliveira - Jorge Raposo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acórdão proferido na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos veio A... actualmente detido em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira, não se conformando com a decisão que indeferiu a possibilidade de a modificação da execução da pena, veio recorrer e apresentar as seguintes
conclusões :
I. O recorrente discorda da sentença proferida, por injusta e infundada, pugnando pela procedência do pedido por si formulado.
II. Discorda o recorrente dos factos provados em 7. e 8., respectivamente, da matéria dada como provada, uma vez que este tem consciência da ilicitude do seu erro, mostrando-se arrependido, tendo interiorizado o desvalor da sua conduta.
III. Pelo que, deveriam tais factos ter sido dados como não provados
IV. Discorda o recorrente do facto dado como não provado, uma vez que o seu estado de saúde se tem deteriorado diariamente, pois não se encontra a receber o tratamento adequado para a depressão que sofre.
V. O estado depressivo do recorrente tem-se agravado face ao ambiente que se vive no estabelecimento prisional sendo que, com a decisão de indeferimento do seu pedido para cumprir o remanescente da pena de prisão no seu domicílio, o seu estado emocional afectou-se ainda mais.
VI. O recorrente tem seguido no estabelecimento prisional consultas periódicas, encontrando-se averbado no seu relatório clínico o seu actual problema de saúde - uma depressão,
VII. A depressão é uma perturbação na qual são experienciadas emoções de Angústia, Tristeza, Frustração, Desânimo, Desmotivação, resultantes de experiências traumáticas vividas.
VIII. Estreitamente ligado a estados depressivos encontra-se a possibilidade de suicídio, devendo o recurso ao médico ser incentivado, de modo a que se possa iniciar um tratamento adequado, o que contribui decisivamente para atenuar aquele risco.
IX. O recorrente não está a receber os tratamentos adequados, sendo que, o seu único ânimo prende-se com a possibilidade de cumprir a pena no seu domicílio junto do seu filho de cerca de um ano.
X. Uma decisão que mantenha o recorrente a cumprir pena no estabelecimento prisional irá aumentar o seu estado depressivo, colocando em causa o seu direito à saúde e à vida, direitos constitucionalmente consagrados.
XI. O artigo 118.° do CEPMPL visa aludir a situações extremas em que, devido a uma acentuada degradação do estado de saúde do condenado, o prolongamento da execução da pena privativa de liberdade em meio prisional seja susceptível causar grave dano à saúde, à integridade física ou mesmo à vida do condenado, em termos de colocar em cheque a sua dignidade como pessoa, tendo por finalidade a tutela de bens jurídicos pessoais do condenado, sendo alheia a propósitos de reinserção social.
XII. O recorrente sofre de uma depressão grave e duradoura, necessitando de cuidados especiais que não consegue obter no estabelecimento prisional.
XIII. O recorrente peticionou o cumprimento da pena de prisão no seu domicilio, através de controlo por pulseira electrónica, pelo que tal modificação não iria colidir com nenhum bem jurídico, muito menos, colocar em causa a ordem e paz social.
XIV. O recorrente apresenta um percurso institucional exemplar, cumprindo todas as regras e seus deveres, o que demonstra a sua capacidade e vontade em cumprir as normas.
XV. O recorrente nunca teve problemas com a justiça, estando perfeitamente integrado familiar e socialmente.
XVI. O cumprimento da pena de prisão na sua habitação permitirá ao recorrente ajudar e apoiar a sua esposa, que está neste momento também ela a sofrer uma profunda depressão e ainda acompanhar a educação do seu filho de cerca de um ano.
XVII. Esta modificação da execução da pena de prisão em que se encontra condenado é compatível com a defesa da ordem pública e da paz social, estando assim satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico.
XVIII. Devendo ser concedida ao recorrente a modificação da execução da pena de prisão em que foi condenado para a modalidade de Regime de permanência na habitação, com fiscalização por vigilância electrónica.
XIX. Atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez na sua habitação, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, conseguindo apoiar a sua família.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se em consequência a douta decisão recorrida concedendo a alteração da execução da pena aplicada, permitindo ao recorrente o cumprimento da mesma na sua residência mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância aplicação de pulseira electrónica.
Pronunciou-se o MP nos seguintes termos em primeira Instancia defendendo que a decisão não concessiva da modificação não violou qualquer disposição legal nem padece de qualquer vício, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Cumpre decidir
Da decisão recorrida resulta com interesse para a decisão este Tribunal que o recorrente
1. tem 47 anos de idade.
2. Cumpre uma pena de 7 anos de prisão, pela prática de oito crimes de abuso sexual de crianças e um crime de pornografia de menores, consubstanciados, designadamente, em ter mantido com uma menor, de 12 anos de idade, coito oral e cópula vaginal.
3. O recluso está ininterruptamente privado da liberdade desde 25/01/2016, atinge o meio do cumprimento da pena em 25/07/2019, os dois terços em 25/09/2020, os cinco sextos em 25/11/2021 e o termo da pena em 23/01/2023.
4. Ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
5. Não averba sanções disciplinares.
6. Frequenta o ginásio e participa nas atividades lúdicas que se desenvolvem no recreio.
7. No que concerne a prática criminal, apresenta dificuldades de autoanálise e em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros.
8. Minimiza os danos decorrentes da sua conduta.
9. Tem dificuldades de descentração.
10. Não se mostra recetivo a frequentar o programa dirigido a agressores sexuais.
11. A família da vítima expressa sentimentos de revolta e vontade de retaliação.
12. O recluso tem história de aparente quadro depressivo reativo em 2014, na sequência do divórcio da última mulher, com abuso de álcool e autoagressividade.
13. No estabelecimento prisional apresentou inicialmente sintomas depressivos reativos à sua situação de detenção e ao contexto de afastamento da sua família, com humor deprimido, episódios de choro, insónia inicial, alguma anorexia, ansiedade e desejo de isolamento.
14. Com a medicação instituída apresentou melhoria sintomática parcial, mantendo à data da última consulta sintomas depressivos e reativos à sua situação de detenção e ao contexto de afastamento da sua família.
15. Encontra-se medicado com terapêutica antidepressiva e ansiolítica.
16. Em meio livre pretende residir com a atual companheira e o filho de ambos em casa dos pais da companheira.
Como muito bem faz referencia a decisão recorrida, pode beneficiar de modificação da execução da pena, quando a tal se não oponham fortes exigências de prevenção ou de ordem e paz social, o recluso que se encontre gravemente doente com patologia evolutiva e irreversível e que já não responde às terapêuticas disponíveis (al. a),
que seja portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa e se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional (al. b)
ou que tenha idade igual ou superior a 70 anos e cujo estado de saúde, fisica ou psíquica, ou de autonomia se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional ou afete a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena c) todas do art° 118. ° do CEPMPL
Desde logo, tendo em conta os crimes pelos quais está a cumprir pena que nos revelam a sua personalidade desequilibrada e, tendo em conta o seu comportamento relativo aos mesmos, a sua personalidade incapaz de auto censura; tendo em conta ainda o facto de que está em tratamento e que segundo os elementos constantes dos autos e dados como provados tem reagido bem ao tratamento em questão, não sendo portador de doença irreversível ou grave, verifica-se por um lado que não se verificam os pressupostos enunciados nas alíneas b) e c) do art. 118.° do CEPMPL e por outro que em meio prisional terá mais oportunidade de se tratar e recuperar, quer quanto às suas perturbações depressivas quer ao comportamento que levou a que fosse condenado.
Acima de tudo não podemos olvidar e o próprio arguido tem de começar a ter noção disso que, os crimes sexuais, mormente o abuso sexual de crianças, geram forte repúdio no seio da sociedade, o que encontra explicação, também, nas consequências gravíssimas que estes crimes têm principalmente nas vítimas, em regra, indelevelrnente marcadas de forma muito negativa para o resto da sua vida.
A libertação do recorrente antes do meio da pena ou mesmo ao meio da pena frustra e defrauda a expectativa da comunidade no funcionamento do sistema penal, banaliza as práticas punidas nos autos. A pena corresponde sempre à medida da culpa e, no caso dos autos diminuir a pena seria desvalorizar a culpa do agente ou a vontade de não agir assim mas de acordo com as normas que bem conhece e violou.
As exigências de prevenção geral são tão elevadas que não podemos de forma alguma concordar com as ansiedades do recorrente em ser restituído à liberdade.
Por outro lado também é bem mais favorável ao recorrente manter-se por ora em ambiente prisional pois que, como bem diz o tribunal a quo, não é despiciendo o facto de a família da vítima expressar sentimentos de revolta e vontade de retaliação, pelo que a modificação da execução da pena sempre buliria igualmente com exigências de ordem e paz social.
O cumprimento da pena só teve inicio em 25-01-2016 e o meio será atingido no próximo dia 25-07-2019. Os dois terços em 25-09-2020, os cinco sextos ocorrerão em 25-11-2021 e o termo estima-se para 25-01-2023.
O recorrente pode sofrer de uma tendência para a depressão e cair nela facilmente pelo que precisa de ser seguido com regularidade, o que tem acontecido em meio prisional. Por outro lado tem mostrado que pelo menos está melhor já que a informação clinica conclui no sentido de que o estado de saúde não é incompatível com a continuidade da execução da pena na modalidade actual e que o estado depressivo se relaciona com o afastamento do meio familiar.
Terá deixado de frequentar as consultas de psicologia por não querer falar sobre os crimes pelos quais foi condenado e que teve evolução positiva do seu quadro depressivo inicial. Verifica-se evolução.
Assim sendo, não se encontrando gravemente doente com patologia evolutiva e irreversível e respondendo às terapêuticas disponíveis não sendo portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa e se mostre incompatível com a manutenção em meio prisional, não tendo idade igual ou superior a 70 anos e não se mostrando o seu estado de saúde, física ou psíquica, ou de autonomia incompatível com a normal manutenção em meio prisional nem afectando a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena é de manter o cumprimento da pena nas condições atuais.
Assim sendo,
Nega-se provimento ao recurso apresentado mantendo-se sem mais a decisão recorrida
DN.
Ac elaborado e revisto pela relatora
Lisboa, 3 de Maio de 2017
Adelina Barradas de Oliveira
Jorge Raposo