1. Tendo em conta as disposições legais aplicáveis ao caso concreto - artigo 60°, da Lei Orgânica do Banco de Portugal, artigo 80°, n°s 1 e 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e artigo 2°, n°s 1 e 2, da Decisão 2016/1162, do Banco Central Europeu, entende-se, que deve ter-se por lícita a quebra do sigilo bancário/profissional como meio adequado para alcançar o fim em vista, sendo que os elementos abrangidos por tal sigilo se revelam de todo indispensáveis à investigação criminal em curso.
2. Será, pois, considerada legítima a quebra do sigilo profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135°, do Código de Processo Penal e ter-se por excluída a ilicitude da violação daquele dever de sigilo a que estava obrigado o Banco de Portugal, relativamente a documentação e informação, assim como, a documentação e informação, que também lhe foi pedida e o Banco de Portugal deverá solicitar ao Banco Central Europeu.
Proc. 631/16.7TELSB-A.L1 5ª Secção
Desembargadores: Filipa Macedo - Artur Vargues - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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P. n.° 631/16.7TELSB-A.L1
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ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUIZES DA 5ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I - RELATÓRIO:
1.- Na pendência do processo de inquérito n°631/16.7TELSB, dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Lisboa - Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 1, o Ministério Público solicitou ao Banco de Portugal com vista a averiguação de factos abstractamente qualificados como integradores de crimes de gestão danosa, previstos e punidos pelo artigo 235°, n° 1, do Código Penal, e, ainda, eventuais crimes - a apurar - cometidos no exercício de funções públicas, tendo em conta a qualidade de funcionário, que assiste aos Administradores, Dirigentes e demais funcionários da Caixa Geral de Depósitos.
2. - O Banco de Portugal não forneceu os elementos solicitados alegando sigilo bancário, nos termos do disposto no art.° 80°, n°1 do DL n.° 298/92, de 31/12.
3. - A requerimento do Ministério Público, em 6/01/2014, o Sr. Juiz de instrução criminal considerou que os elementos em causa estão abrangidos pelo dever de sigilo e ser legítima a recusa do Banco de Portugal mas, considerando que deve prevalecer o interesse do Estado na realização da justiça suscitou, ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 135° do Código de Processo Penal, a intervenção deste TRL para decidir sobre a quebra do sigilo bancário.
4. - Sendo este Tribunal o competente, cumpre apreciar se deve ou não ser decretado o levantamento do segredo em causa.
5. - Neste Tribunal, a Digna P.G.A. emitiu parecer no sentido de dever ser considerada legitima a quebra do sigilo profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135°, do Código de Processo Penal.
6. - Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
II - CUMPRE APRECIAR:
É suscitada a intervenção deste TRL, pelo Despacho Judicial de fls. 25:
Na sequência do pedido de afastamento do sigilo bancário formulado pelo M°P°, face a recusa do Banco de Portugal de fornecer determinadas informações, importa suscitar o incidente junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por quanto se julgam pertinentes os motivos plasmados no requerimento que antecede.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art° 135 do CPP, importa suscitar o incidente junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
De acordo com o Acórdão para fixação de Jurisprudência do STJ, de 31/03/2008, cabe ao Tribunal Superior, em caso de legitimidade da recusa, a ponderação dos valores em conflito, tendo em vista a quebra do segredo.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art° 135, n°s 2 e 3 do CPP, constitua apenso com certidão deste despacho do requerimento que antecede e de fls. 87-89, 102-112, 115 e 129-131.
Constituído o apenso, remeta o mesmo ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação do pedido de afastamento do sigilo bancário.
Após cumprimento, remeta o processo ao DCIAP., na sequência de promoção do M.° P.°, fls. 20/24:
Os presentes autos tem por objecto a suspeita de que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem vindo a acumular, desde pelo menos meados da década de 2000, um conjunto de negócios consubstanciados em concessões de crédito, sem que as mesmas se revelassem colateralizadas por garantias bancárias adequadas aos montantes mutuados.
Tais negócios, sendo no mínimo reveladores de uma deficiente analise de risco por parte da instituição e de negligência na observância dos níveis prudenciais adequados, podem, se se tomar em conta a identidade de alguns dos mutuados entretanto já conhecida nos autos, consubstanciar uma intencional prática de favorecimento de determinados agentes económicos em detrimento de outros, face as condições de acesso ao mercado de crédito.
Os elementos já reunidos nos autos sustentam a suspeita de que a CGD foi confrontada com a necessidade de proceder ao registo de imparidades (desvalorização de activos) que tiveram em grande parte origem concessão de crédito, com violação de normas de racionalidade na gestão, nomeadamente no que tange a prestação de garantias, ou outras perdas, sobretudo na área do investimento.
Com efeito, da informação já obtida resulta que os maiores devedores desta entidade bancaria obrigaram ao registo de imparidades num valor na ordem de €1.401.182.009,00 euros, sendo a exposição bastante superior. Uma parte substancial dos créditos que resultaram em imparidade foi concedida a partir do ano de 2007, com sucessivas alterações das condições dos contratos, nomeadamente no que tange as garantias, ate 2016.
Acrescente-se que, da analise perfunctória da documentado já reunida nos autos, resulta que terá sido determinada a omissão de alguns registos de incumprimento, como é o caso dos triggers de imparidade na área da locado imobiliária, na medida em que se detectou que clientes que apresentavam operações vencidas e tido pagas foram classificados no segmento créditos sem incumprimento. Tal situação aponta para uma ado deliberada no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco.
A CGD trata-se de uma sociedade anonima de capitais exclusivamente públicos.
As fundadas suspeitas formuladas no auto de notícia, se confirmadas, permitem a conclusão de se estar perante um conjunto de decisões tomadas pelos órgãos de gestão do banco ou pelos respectivos decisores em cada uma das áreas envolvidas que assumem relevância criminal, sendo passiveis de configurar, pelo menos, a comissão de crimes de administração danosa, p. e p. pelo disposto no art. 235°, n.° 1, do Código Penal, para alem de eventuais crimes cometidos no exercício de funções publicas que se possam vir a apurar (atendendo a qualidade de funcionário que assiste aos administradores, dirigentes e funcionários da CGD, nos termos do art. 386°, n.°s 1 e 2, do mesmo diploma legal) e de eventuais outros crimes de natureza patrimonial que possam resultar indiciados da actividade a empreender no inquérito.
Tendo em vista a instrução dos presentes autos, e para alem do mais, solicitou-se se ao Banco de Portugal (BdP) a remessa de um conjunto de elementos compostos por relatórios relativos a programas de controlo, inspecção e supervisão conduzidos por aquela entidade, por si ou na qualidade de autoridade nacional competente em assistência a intervenção do Banco Central Europeu (BCE), alem de se ter solicitado informação sobre se no BCE corre termos processo inspectivo de qualquer natureza ao grupo CGD, solicitando ainda que, em caso positivo, fosse(m) remetido(s) aos presentes autos relatório(s) que haja(m) sido produzido(s) nesse contexto. Neste contexto, invocou-se a imprescindibilidade para a descoberta da verdade dos elementos então solicitados (cf. despacho de fls. 87 e oficio de fls. 88 e 89).
Em resposta o BdP veio invocar, quanto a informação produzida em momento anterior ao da entrada em vigor do Mecanismo Único de Supervisão, a sua vinculação a observância de segredo, ancorando-se no que dispõem o art. 80°, do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras (RGICSF) e o art. 60°, da Lei Orgânica do Banco de Portugal (LOBdP). No que concerne a informação produzida em momento posterior aquela data, invocou o Banco de Portugal o que dispõem os arts 1° a 3°, da Desisão (EU) 2016/1162, do Banco Central Europeu, de 30-06-2016, relativa a comunicação de informação confidencial no contexto de investigações criminais (Decisão 2016/1162), considerando que a mesma não se encontra na sua disponibilidade, mas antes na daquela instituição europeia (cf. fls. 130 e 131).
Nos termos do que dispõe o art. 60°, da LOBdP, os membros do Conselho de Administração, do Conselho de Auditoria, do Conselho Consultivo e, bem assim, todos os trabalhadores do Banco estão sujeitos, nos termos legais ao dever de segredo.
Por seu turno, dispõe o art. 80°, do RGICSF, que as pessoas que exercem ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas a dever de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não poderão divulgar nem utilizar as informações obtidas (n.° 1), sendo que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal (n.° 2).
O art. 2°, n.° 1, da Decisão 2016/1162, dispõe que a pedido de uma autoridade de investigação criminal nacional, o BCE pode fornecer a uma autoridade nacional competente (ANC) ou a um banco central nacional (BCN), para subsequente transmissão a referida autoridade, informação confidencial que se encontre na sua posse relativa as atribuições cometidas ao BCE pelo Regulamento (UE) n.° 1024/2013, a política monetária ou a outras tarefas relacionadas com o SEBC/Eurosistema, na condição de que a ANC ou o BCN em questão se comprometam a actuar em representação do BCE ao dar resposta a tal pedido [a)], se o direito nacional, ou o direito da União, impuser a obrigação expressa de divulgação de tal informação a uma autoridade de investigação criminal nacional [b) i)]; ou se o respectivo ordenamento jurídico o permitir, e não se sobreponham razões mais importantes para a recusa de divulgação de tal informação, baseadas na necessidade de protecção dos interesses da União e de prevenção de quaisquer interferências no funcionamento e na independência do BCE, em especial se colocarem em risco o cumprimento das suas atribuições [b) ii)]; e na condição de que a ANC ou o BCN em questão se comprometam a pedir a autoridade de investigação criminal nacional que a mesma garanta a protecção contra a divulgação pública da informação confidencial fornecida [c)]. Esta norma não obsta, nos termos do n.° 2, a aplicação de quaisquer disposições especificas de direito da União ou nacional respeitantes a comunicação de tal informação.
Tendo presente este conjunto normativo e o alegado pelo BdP, reputa-se, salvo melhor opinião, de legítima, a invocação da obrigação de segredo nos termos expostos, seja em relação aos elementos de que aquela instituição disponha, seja em relação aqueles que, nos termos do art. 2°, n.° 1, da Decisão 2016/1162, a fornecer pelo BCE com intermediação do BdP [por se tratar de documentação relativa as atribuições cometidas a esta instituição pelo Regulamento (UE) n.° 1024/2013, do Conselho, de 15-10-2013].
Sucede, porem, que, tal como na ocasião em que se efectuou o pedido em questão, se reputa tal documentação de imprescindível para a investigação dos factos em causa nos presentes autos (razão, alias, que levou a realização do referenciado pedido directamente a instituição).
Assim se entende, considerando o objecto dos presentes autos, que se constitui numa matéria factual de complexidade elevada, carecida de vários planos de analise, entre os quais, aquele de cariz técnico financeiro, para o qual contribuirão decididamente os relatórios e a informação cuja remessa se solicitou.
Num exercício de ponderação, tendo presente o principio da prevalência do interesse preponderante [cf. acórdão do Tribunal da Relação de Evora de 20-03-2012 (Ana Barata Brito), proc. n.° 11/12.3YREVR.El, disponivel em www.dgsi.pt], a relevância de tal documentação numa investigação carecida de inexorável e profunda analise técnica financeira, a objectiva gravidade dos crimes em investigação e dos seus resultados, a importância dos bens jurídicos a proteger [cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-06-2014 (António João Latas), proc. n.° 66/08.5IDSTR-B.E1, disponível em www.dgsi.pt], impõem, salvo melhor opinião, que, em concreto, o interesse público da boa administração da justiça penal prevaleça sobre os interesses tutelados pelo sigilo profissional invocado, entendendo -se, portanto, justificar-se a sua quebra em relação a documentação em apreço e a informação solicitada.
Alem disso, não se vislumbra a existência de razoes importantes que determinem a recusa de divulgação da informação e documentação pretendidas, sendo que a facultação das mesmas não coloca em risco os interesses da União Europeia nem envolve qualquer interferência no funcionamento e na independência do BCE, designadamente no cumprimento das suas atribuições [cf. art. 12°, n.° 1, al. b), ponto II), da Decisão 2016/1162].
O art. 135°, n.° 3, do Código de Processo Penal, prevê que, em caso de recusa legítima, só um tribunal superior pode quebrar o sigilo profissional, depois de avaliar, no caso concreto, qual o interesse preponderante (cf., ainda, aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 2/2008, DR, I-S, 31-03-2008).
Nestes termos, o Ministério Público promove que, ao abrigo do disposto no art. 135°, n.° 3, do Código de Processo Penal, se suscite a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa, com vista a quebra do sigilo profissional do Banco de Portugal relativamente:
a) a documentação e informação enumerada no despacho de fls. 8
b) a documentação e informação que, ao abrigo do que dispoe o art. 2°, n.° 1, da Decisão 2016/1162, por força do pedido que lhe foi dirigido, o Banco de Portugal solicitara ao Banco Central Europeu, para posterior remessa aos presentes autos.
Conclua os autos à M.ma juiz de instrução junto do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa, para apreciação e decisão.,
nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135°, do Código de Processo Penal, tendo em vista decidir sobre a quebra do sigilo profissional para obtenção dos elementos, no âmbito da investigação em curso no Inquérito deste processo, que corre termos no DIAP, com vista a averiguação de factos abstractamente qualificados como integradores de crimes de gestão danosa, p.p. e p.p. pelo artigo 235°, n° 1, do Código Penal, e, ainda, eventuais crimes, a apurar, cometidos no exercício de funções publicas, tendo em conta a qualidade de funcionário, que assiste aos Administradores, Dirigentes e demais funcionários da Caixa Geral de Depósitos.
Sendo certo que é de reconhecer a legitimidade da escusa invocada pelo Banco de Portugal, não menos certo é que, como os autos documentam, o fornecimento dos elementos em causa por parte daquela instituição de crédito, com quebra do sigilo bancário profissional mostra-se indispensável e imprescindível ao apuramento dos factos em investigação e à viabilização da boa administração da Justiça.
Como efeito, é licito admitir, que tais elementos sejam, absolutamente, de reputar como essenciais ao esclarecimento deste caso concreto, tudo com vista ao apuramento dos factos em investigação e recolha da respectiva prova, sendo por demais evidente, tendo em conta os elementos conhecidos e o tipo de ilícito em causa, a prevalência do interesse público, que é preponderante do cabal esclarecimento dos mesmos e da administração da Justiça sobre os direitos protegidos pelos sigilo bancário e profissional.
Nestes termos, tendo em conta as disposições legais aplicáveis ao caso concreto - artigo 60°, da Lei Orgânica do Banco de Portugal, artigo 80°, n°s 1 e 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e artigo 2°, n°s 1 e 2, da Decisão 2016/1162, do Banco Central Europeu, entende-se, que deve ter-se por lícita a quebra do sigilo bancário/profissional como meio adequado para alcançar o fim em vista, sendo que os elementos abrangidos por tal sigilo se revelam de todo indispensáveis à investigação criminal em curso.
Será, pois, considerada legítima a quebra do sigilo profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135°, do Código de Processo Penal e ter-se por excluída a ilicitude da violação daquele dever de sigilo a que estava obrigado o Banco de Portugal, relativamente a documentação e informação, assim como, a documentação e informação, que também lhe foi pedida e o Banco de Portugal deverá solicitar ao Banco Central Europeu.
III - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em dispensar o Banco de Portugal do dever de sigilo bancário, devendo este fornecer ao Ministério Público todos os elementos solicitados acima referidos.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Junho de 2017
Filipa de Frias Macedo;
Artur Vargues