1 - As declarações de um co-arguido podem ser valoradas, mesmo em sede de inquérito, como meio de prova, desde logo porque não se trata de uma prova proibida.
2 - A nossa lei processual não impede a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravantes da responsabilidade de outros intervenientes nos factos ilícitos.
3 - Mas não merece dúvidas que tal valorização deve ser rodeada de especiais cuidados, por se tratar de um meio de prova fácil, assente num sujeito processual que não é isento nem desinteressado.
4 - No entanto, baseando-se a prova apenas nas declarações do co-arguido, o Tribunal deverá ser cauteloso pois por quantas razões o arguido não poderá ser tentado a proferir declarações incriminatórias, ou por um sentimento de vingança ou ressentimento ou ver nelas alguns benefícios pessoais.
5 - E o mesmo se diga quanto à prova indirecta, permitindo ao juiz através de presunções naturais ou hominis retirar de um facto conhecido ilação para adquirir um facto desconhecido, sendo este um meio de prova tão valido e por vezes até mais consistente que a prova directa.
Proc. 31/16.9JBLSB-A.L1 3ª Secção
Desembargadores: Conceição Gonçalves - Maria Elisa Marques - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 31/16.9JBLSB-A.L1 3a Secção
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
1. RELATÓRIO.
1. No processo de Inquérito (Actos Jurisdicionais) com o número supra identificado, a correr termos na Comarca de Lisboa Oeste -Ministério Público Sintra - DIAP - 4a Secção, na sequência da detenção, além de outros, do arguido R…, com os sinais dos autos, e após interrogatório judicial, foi proferido despacho judicial, em 23/03/2017, que lhe impôs a medida de coacção de prisão preventiva.
2.0 arguido não se conformou com o despacho proferido, dele veio recorrer,
terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
1. O despacho recorrido, ao imputar ao recorrente R…. a prática da esmagadora dos crimes (com excepção dos alegadamente praticados na Ramada, Odivelas) estriba-se, exclusivamente, em declarações dos co-arguidos e no recurso a prova indirecta.
2. A questão que se coloca consiste em saber se, em face do nosso ordenamento processual penal é possível falar em fortes da prática dos crimes, exclusivamente, declarações de co-arguido e prova indirecta.
AI) QUANTO ÀS DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDOS
3. Em primeiro lugar, importa começar por referir, quanto às declarações dos co-arguidos enquanto meio de prova, que a tanto a doutrina como a jurisprudência, tem entendido que os mesmos, no que aos restantes co-arguidos diz respeito devem ser objecto de diminuída credibilidade.
4. Devendo ser valorados com grande cepticismo e desconfiança devendo o tribunal articulá-los com outros meios de prova, e essa postura deve-se ao facto de muitas vezes estes, como o presente caso é paradigmático, ao incriminar outro arguido o que procuram são atenuantes, ou outras benesses da justiça, mormente a respectiva libertação.
5.In casu o suposto arrependido F…, em sede de 1° interrogatório judicial, a fls. 1471, optou, por não prestar declarações, e, volvidos poucos dias depois, já na prisão, e tendo conhecimento que haviam sido encontrados vestígios de ADN num gorro usado pelo mesmo na prática dos factos, alegadamente terá, por interposta pessoa, manifestado o propósito de falar, o que aconteceu a 8/2/15 a fls. 2619 e seguintes, e após perante o MP.
6. Em tais declarações o arguido procura tão dar uma versão dos factos que o desculpabilize, ou seja limitou-se a conduzir, sendo para nós patente manifesto e notório que o único fito era e é obter uma alteração da medida de coacção e a não ser que sejamos ingénuos tal resulta à saciedade ! ...
7. Note-se, que este arguido, se estava efectivamente arrependido porque razão logo a seguir aos factos não se entregou voluntariamente às autoridades e, em vez disso, optou por fugir para Inglaterra! ...
8. Do exposto resulta que o depoimento deste co-arguido e bem assim dos restantes, em termos indiciários, pouco vale e, jamais, poderá estribar uma forte indiciação contra o recorrente R…
A2) QUANTO À PROVA INDIRECTA
9. Com base na jurisprudência citada pela Mm JIC a quo, no caso do recorrente, concluímos no sentido de que os alegados indícios não só não estão demonstrados por prova directa, como inexiste nexo de causalidade adequada entre os mesmos e os factos que se pretendem demonstrar.
10. No fundo, e pese embora a Mma JIC aluda à prova indirecta, na prática é impossível disfarçar o indisfarçável, passo o pleonasmo, os indícios contra o recorrente, pelo núcleo factual de 28/2/16, assentam, exclusivamente, nas declarações do suposto arrependido F…
11. De salientar que tais factos terão sido perpetrados no dia 28 de Fevereiro de 2016, e até ao momento em que o pseudo arrependido … prestou declarações a 8/2/17, inexistia qualquer menção nos autos ao recorrente;
12. E depois dessa data:
a) Foram realizadas buscas domiciliárias nada tendo sido apreendido que permita conectá-lo com os factos;
b) Inexiste qualquer prova pericial que o ligue a tais factos, nem tão pouco testemunhal!. ..
e) As intercepções telefónicas constantes do Apenso A, tiverem início a 3/1/2017 (fls. 104) ou seja 14 meses após a alegada prática dos factos, sendo portanto inócuas; d) Inexiste qualquer localização celular.
13. Acresce que, no dia em questão (28/2/16) o arguido, nas declarações que prestou disse ter sofrido um acidente de trabalho quando se encontrava a arrumar prateleiras no local onde laborava, motivo pelo qual a respectiva entidade patronal accionou o seguro.
14. Desse facto ou seja do acidente, existe abundante prova documental, vide fls. fls. 2997 a 3004, 3086 e 3194 a 3195, entre outras.
15. Aliás do relatório médico de fls. 3086 consta que o arguido apresentava fracturas comitivas da falange dos 3°, 4° e 5° dedos do pé esquerdo.
16. Ora resulta as regras da experiência comum que, caso tais feridas tivessem sido provocadas por disparos de armas de fogo, o arguido apresentaria os mencionados membros esfacelados e não fracturados ! ...
17. Por outro lado é lamentável que tendo e bem, sido efectuado no IML, no dia da detenção, exame médico legal aos pés afim de se aferir o mesmo foi sujeito a disparos de arma de fogo, sem o resultado de tal exame, a Mma JIC a quo tenho logo concluído, ainda que implicitamente, em sentido afirmativo ! ...
18. A prova indiciária contra o recorrente nestes autos assenta pois, exclusivamente no depoimento de co-arguidos que não foi corroborado por prova directa, pelo contrário;
19. A versão do arguido, segundo o qual no mencionado dia estava no local de trabalho onde sofreu um acidente de trabalho, foi corroborada pela prova documental sendo certo que a seguradora, no âmbito dos acidentes de trabalho, nomeou perito que conclui no sentido da versão do arguido, o que foi confirmado pelos médicos peritos da seguradora.
20. Também o supra exposto nos suscita sérias reservas quanto à veracidade da informação prestada, pelos co-arguido F... cuja credibilidade foi manifestamente posta em crise.
21. Logo, pegando uma vez mais na jurisprudência citada pela Mm JIC a quo a propósito da prova indirecta, dir-se-á que não só os indícios resultantes das declarações do co-arguido não se encontrem demonstrados por prova directa;
22. Como a lógica e as regras da experiência permitem concluir no sentido de que o recorrente no dia em questão, não só não praticou os factos, antes pelo contrário estava no seu local de trabalho, onde sofreu um acidente de trabalho, fractura de três dedos do pé, facto confirmado pelos médicos peritos da seguradora.
23. Admitindo, embora sem conceder, que assim se não entenda, tendo o exame sido realizado no IML ao pé do arguido, mas desconhecendo-se ainda o seu resultado, pois ainda não estava nos autos, a Mma JIC a quo, em violação do in dubio pro reo aplicável também na presente fase, já concluiu pela existência de nexo entre as lesões e os disparos de arma de fogo ! ...
24. Por todo o exposto, deverão Va Exas considerar que, ao contrário do mencionado no despacho recorrido, não existirem fortes indícios da prática dos crimes relativos ao núcleo factual de 2812117, praticados, em parte, na localidade de Lourel.
B) QUANTO AOS FACTOS RELATIVOS AO DIA 01-08-16
25. Relativamente a este núcleo factual, valem, mutatis mutandis as considerações tecidas a propósito dos factos anteriores com algumas nuances:
a) A primeira é que inexistem quaisquer depoimentos de co-arguidos;
b) A segunda prende-se com o facto de, tal como consta de fls. 3484 a testemunha M…, ter reconhecido o recorrente como sendo o indivíduo que observou nos lugares traseiros do referido Golf, nesse dia (fls. 3484);
c) A terceira prende-se com o facto de constar desse mesmo auto, mas ter sido omitido no despacho recorrido, que tal observação ocorreu, cerca de 30 minutos antes do assalto;
d) A quarta prende-se com a anterior e resulta do facto de tal hiato de tempo não permitir concluir, a título de fortes indícios, que foi o recorrente, um dos indivíduos que perpetraram tais factos.
26. A congruência na ligação entre os dois momentos temporais: aqueles em que o recorrente é visto no interior do Golf, 30 minutos antes do assalto e o momento que este foi levado a cabo e a conclusão final de que o recorrente esteve em ambos, supõe, nas circunstâncias do caso, a existência demonstrada do elemento fundamental da derradeira etapa do raciocínio lógico admissível como fundamento de aquisições probatórias com base em presunções: a prova da existência, de elementos sólidos e objectivos que permitissem concluir que foi especificamente o recorrente um dos meliantes que levaram a cabo o roubo.
27. Sem tal elemento, o juízo imposto e suposto pela presunção, queda-se fora das possíveis conexões logicamente apreensíveis, e entra já no domínio das meras possibilidades físicas ou hipotéticas; nestas circunstâncias, um tal juízo terá que ser sempre, mais ou menos arbitrário ou dominado pelas impressões.
28. Mais do que um espaço demasiado entre facto conhecido e facto adquirido, verifica-se mesmo a impossibilidade de assentar a ponte lógica por ausência do último elemento de fixação - a existência, demonstrada, de algum elemento sólido e objectivo que permita estabelecer a ligação entre o recorrente e os dois momentos temporais.
29. Sem esse elemento, não é possível o salto lógico para considerar este núcleo factual como fortemente indiciado.
30. Acresce que é a própria Mma JIC quem afirma no despacho recorrido desvalorizar a prova por reconhecimento, e, sendo esta a única existente contra o recorrente por este núcleo factual é absolutamente contraditório e violador das mais elementares regras da lógica e da coerência, vir depois concluir pela existência de fortes indícios da prática de tais crimes !
31. Não se verificando fortes indícios da prática dos crimes em questão, a prisão preventiva é ilegal por violação, entre outros, do disposto no art. 202° n° 1 ai. a), motivo pelo qual pugnamos pela aplicação cumulativa ao arguido, para além do TIR já prestado, das seguintes medidas de coacção:
a) Obrigação de aplicação de apresentações, diárias no OPC da área de residência (artigo 198° do CPP);
b) Proibição de se ausentar para o estrangeiro;
c) Proibição de contactar com qualquer dos co-arguidos -ai. d) do n. ° 1 do artigo 200° do CPP).
32. Por último, ainda que se considere que só uma medida privativa da liberdade é suficiente e adequada, a OPHVE seria ajustada.
33. A OPHVE permitia conciliar a salvaguarda das exigências cautelares (seria materialmente impossível cometer crimes desta natureza em casa), mantendo o arguido inserido no seio familiar cuja ligação urge preservar:
34. Tal medida deverá ser aplicada, sob condição de a mesma vir a ser executada em morada diferente daquela onde o arguido residia.
35. 0 despacho recorrido violou o disposto nos artigos, 191°, 193° n° 2, 202° n° 1 ais. a) e d), e 201°, todos do CPP, e ainda 28° n° 2 e 18 n° 2, ambos da CRP.
36. Pelo que, deve ser concedido provimento ao presente recurso.
3. O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 16, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
4. 0 Ministério Público respondeu à motivação apresentada pelo arguido, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
1. A 22 de Março de 2017, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, foi aplicada ao arguido R…, ora recorrente, bem como a outros dois co-arguidos a medida de coacção de prisão preventiva;
II. Face aos factos que lhes eram imputados, e, bem assim, a gravidade dos ilícitos em causa, foi determinado que os arguidos aguardassem os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, por só esta poder ao perigo de fuga, de perturbação da tranquilidade e ordem públicas e de continuação de actividade criminosa;
III. O arguido encontra-se fortemente indiciado da prática em concurso efectivo, de um crime de homicídio, de dois crimes de roubo qualificados consumados e de dois crimes de roubo qualificado na forma tentada, além dos crimes de detenção de arma proibida, relativamente aos factos ocorridos em Lourel. Em concurso efectivo respondem ainda em co-autoria pela prática de um crime de roubo qualificado consumado, além do crime de detenção de arma proibida, crimes esses praticados na área da Ramada, Comarca de Lisboa Norte, Município de Loures;
IV. O arguido invoca a inexistência de fortes indícios da prática dos crimes imputados;
V. Os fortes indícios da prática pelos arguidos dos factos descritos resulta dos elementos que gradualmente vieram a ser recolhidos pela investigação, quer pela prova testemunhal, quer pela prova pericial, conjugada de igual forma pelas intercepções telefónicas realizadas nos autos e culminando nas apreensões realizadas no dia 21 de Março de 2017 que corroboram e reforçam a prova já recolhida nos autos;
VI. As declarações dos co-arguidos, em especial as do arguido F…, ocorridas perante autoridade judiciária no dia 8 de Fevereiro de 2017, bem como as ocorridas no dia de ontem, 21 de Março relativamente aos arguidos I…, T… e L… visaram reforçar todos os elementos de prova recolhidos nos autos;
VII. Não se nos levantam dúvidas quanto à proporcionalidade da medida de prisão preventiva, no caso em concreto considerando os crimes que se mostram indiciados. Já quanto à necessidade, é a única capaz de remover eficazmente os perigos que se fazem sentir no caso em concreto, pelo que qualquer outra medida de coacção seria ineficaz;
VIII. Não existem dúvidas que nos presentes autos existe um forte perigo de continuação da actividade criminosa, perturbação da tranquilidade e ordem públicas e bem assim de fuga;
IX. Os factos tiveram uma enorme repercussão social, revelando a existência de forte perigo de perturbação da tranquilidade pública e provocam enorme alarme social;
X. Face ao que supra foi referido, conclui-se que qualquer outra medida de coacção não salvaguarda de forma eficaz os perigos que se fazem sentir no caso em concreto;
XI. Pelo exposto, o arguido, ora recorrente deverá aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos a prisão preventiva, em virtude de se manterem inalterados os pressupostos que a determinaram.
Termos em que deverá ser negado provimento....
5. Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora Geral Adjunta acompanhou a posição expressa do Ministério Público em 1 a instância, concluindo igualmente pela improcedência do recurso.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no n° 2 do art° 417°, do CPP.
7. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à realização da Conferência com observância do legal formalismo.
Cumprindo, agora, decidir.
FUNDAMENTAÇÃO.
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são essencialmente três as questões suscitadas:
i) Saber se existe suporte indiciário da prática pelo arguido, ora recorrente, da prática dos crimes que lhe foram imputados;
ii) Da ocorrência dos requisitos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade; e
iii) Da possibilidade de substituição da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido, ora recorrente, por medida de coacção não detentiva, ou no limite, da possibilidade de aplicação da medida de coacção de OPHVE.
2. Do despacho recorrido.
2.1.0 despacho recorrido diz o seguinte:
„(..)
1- Indiciam os autos que:
No dia 28 de Fevereiro de 2016, B…, M…., R…., N…. e o N…., juntamente com o arguido F….decidiram assaltar uma carrinha de transporte de valores da empresa L… com utilização de armas de fogo, no parque de estacionamento do hipermercado Continente, sito na Estrada da Cavaleira em LOUREL - SINTRA.
Em execução de tal desígnio criminoso, cerca das 10h00, os arguidos B…, M…, R…., N…, N… e o arguido F…. encontraram-se num parque de estacionamento na Pontinha, e seguiram na viatura A…. e na viatura B… para a localidade do C…em Sintra, onde largaram a viatura B… ali estacionada e seguiram os seis na viatura A… em direcção a Lourel, onde se encontrava parqueada a viatura A…. Para o interior da A… entraram os suspeitos M…., R….e o arguido F… para o lugar do condutor, e ficaram a aguardar naquele local indicações por parte dos ocupantes do A….
Os arguidos B…., N…, N…. permaneceram no interior do A….
Cerca das 13h33m, do dia 28/02/2016 a Viatura de Transporte de Valores da L…, matrícula …., chegou ao Continente de LOUREL e estacionou junto à entrada principal, facto que B… deu a conhecer aos ocupantes da viatura A… e ambas as viaturas ficaram direcionadas de frente para a entrada principal do Continente”.
Pelas 14h08m, os funcionários da L… saem do interior do Continente e procedem ao transporte, com recurso a um carrinho (por se tratarem de moedas) de oito sacos para o interior da viatura blindada.
Nesse momento, os arguidos N…., M…., e R… saem das viaturas e correm em direcção à viatura blindada da L…, abordando os porta-valores.
De seguida as duas viaturas A… são colocadas em marcha, sendo que o A… ficou imobilizado ao lado da viatura blindada, e do seu interior saíram B… do lugar do condutor e N…. do lugar do pendura.
Já a carrinha A… é posicionada atravessada em frente da viatura blindada, para bloquear uma eventual tentativa de fuga da CTV. Do interior desta viatura saiu o arguido F…do lugar do condutor.
Em ato continuo, N… que empunhava uma arma de fogo comprida, tipo caçadeira shotgun dirigiu-se para as traseiras da viatura blindada e o B… que empunhava uma arma de fogo curta, tipo pistola ou revólver dirige-se para a janela do condutor da viatura blindada, ordenando-lhe que abrisse a porta.
0 arguido F… dirigiu-se para a mala do A… que abriu.
De seguida o arguido F… dirigiu-se para a traseira e lateral direita da viatura blindada, auxiliando N…, M… e R… a dominarem os porta-valores da L… e a retirarem-lhes os sacos que continham o dinheiro.
Ao mesmo tempo, o B… disparou a arma que empunhava contra o pneu dianteiro esquerdo da viatura blindada uma vez que o condutor da mesma tentou iniciar a marcha.
Enquanto isso, o arguido F… colocou os sacos contendo moedas na mala do A…, enquanto B…. e M… efectuam vários disparos na direcção do pneu dianteiro esquerdo da viatura blindada.
O arguido B… dirigiu-se para a traseira da viatura blindada, enquanto o M…. continuou a disparar na mesma direcção, mas apesar disso o condutor conseguiu arrancar a viatura blindada, virando a direcção à esquerda e saindo do local, dirigindo-se para o parque de estacionamento.
Em acto continuo os arguidos N… e N…. apanham alguns sacos de moedas, entrando de seguida todos para o A….
De seguida, os suspeitos colocaram-se em fuga no interior do A…. em direcção à N9 e ao entrarem no nó de acesso à A16 - Algueirão / Lourel, devido ao excesso de velocidade a viatura em que seguiam despistou-se numa curva apertada à direita.
Por alguns momentos o arguido F…. perdeu a consciência, enquanto os restantes abandonam a viatura A…, e ficaram apeados em plena faixa de rodagem do Nó de acesso à A16.
Sem outro meio de fuga rápida ao alcance, os arguidos decidem efectuar um roubo de outra viatura que surgisse no local para poderem rapidamente colocar-se em fuga e assim escaparem às autoridades que nesse momento já tinham sido alertadas para o que tinha ocorrido no Continente.
Nesse momento, surge na faixa de rodagem a viatura M…. de matrícula …., conduzida por J….
Ao aperceber-se da presença dos suspeitos, a vítima decidiu não parar a viatura que conduzia. Ao passar junto do grupo, um dos arguidos que empunhava uma caçadeira / shotgun efectuou um disparo a curta distância na direcção da porta do condutor da M…., atingindo J…, que logrou ainda conduzir a viatura até perto da praça das portagens da A16 de Algueirão, onde perdeu definitivamente a consciência, e onde viria a falecer, ficando a viatura imobilizada junto dos rails do lado direito.
Os arguidos continuaram apeados até à faixa de rodagem da A16, e tentaram forçar a paragem da viatura R… que circulava naquela via, procedendo novamente a disparos de caçadeira shotgun na direção do chassis. Os projécteis causaram danos/perfurações nos tubos de borracha e de metal de alimentação do combustível. Não obstante, esta viatura seguiu marcha até ficar imobilizada junto das portagens da A16 de Algueirão, devido a avaria provocada pelos impactos dos projécteis.
Posteriormente, o arguido N… regressou ao interior do A… e acordou e puxou para fora daquela viatura o arguido F…, que tinha perdido a consciência para também este lograr a fuga do local.
Não tendo conseguido imobilizar e roubar qualquer uma das 2 viaturas supra descritas neste último local, os arguidos deslocaram-se apeados pela faixa de rodagem direita da A16. Aí, com as armas de fogo apontadas, abordaram a viatura C… de matrícula …., que era conduzida por M…, que imobilizou a viatura e foi forçada a sair da mesma.
Todos os arguidos colocaram-se no interior do C…, dirigiram-se novamente para junto ao A… acidentado, onde apanharam os sacos roubados aos funcionários da L… que colocaram no interior da mala do C…., encetando fuga do local.
Os suspeitos lograram levar sacos contendo moeda no montante total de 8.123,67 € (oito mil, cento e vinte e três ouros, sessenta e sete cêntimos).
No dia 01 de Agosto de 2016, cerca das 08h00, os suspeitos B…, R… e outros dois indivíduos, por ora não cabalmente identificados, deslocaram-se para a localidade da Serra da Amoreira, na freguesia da ….. - Odivelas.
Fizeram-se deslocar em duas viaturas automóveis, um V… de matrícula … preto (utilizado por B…), um S… cinza e com vidros fumados, de matrícula …. (utilizado pelo M…), e num motociclo H… de matrícula …, furtado na Av. Estados Unidos da América em Lisboa, na noite anterior.
Os arguidos tinham como objectivo apropriarem-se dos cacifos contendo notas do BCE que eram transportados pelos funcionários da E…, que nessa ocasião iriam proceder ao abastecimento de numerário da máquina ATM instalada na Papelaria …, situada no n.°… - Odivelas.
A viatura V… com os arguidos no interior é parqueada na Av. A…, de frente para uma escadaria que proporcionava visibilidade para a Av. …, e nas traseiras da Papelaria T…, foi parqueado o motociclo H… de matrícula …., que seria utilizado para a fuga dos elementos do grupo que iriam abordar o porta valores da E…..
Pouco depois M… sai do V… e entra para o lugar de condutor da viatura S… de matrícula ……., passa em frente à Papelaria …., e de seguida estacionou essa viatura em dois locais diferentes, com intervalo de cerca de 30 minutos, mas ambos com visibilidade para a papelaria …., o último no cruzamento com a R….. B…. permaneceu no lugar de condutor do V…..
Cerca das 11h20, a viatura blindada da E… estacionou defronte da papelaria T... Nesse instante a viatura S… de matrícula ….. inicia marcha e passa junto da viatura blindada, ficando parqueada na rotunda entre a Av. A…. e a Rua …., com visibilidade para a papelaria.
M… mantém-se no lugar de condutor dessa viatura, de óculos escuros e com um jornal por cima do volante, com rosto virado em direcção à viatura blindada, e na posse de um aparelho de walkie-talkie para avisar B… do momento exacto para entrar na papelaria e abordar o porta-valores da E….
B… tinha entretanto saído do V…., ficando a conduzir essa viatura R….. O primeiro juntou-se a um quarto individuo, nas traseiras da papelaria T…., junto do motociclo furtado H…., colocaram capacetes integrais de cor preta e viseiras escurecidas na cabeça, e ficaram a aguardar sinal por parte M….
Quando o porta-valores da E… se desloca para o interior da Papelaria T… transportando dois cacifos entraram no interior do estabelecimento o suspeito B… e outro suspeito, com capacetes colocados nas cabeças, sendo que o segundo empunhava uma pistola e a apontou na direcção do porta-valores.
O arguido B…. retirou ao porta-valores os cacifos destinados a abastecer a ATM, enquanto lhe dizia Vai..Vai já..tira essa merda..a outra caixa..a outra caixa caralho..tira a caixa..tira a caixa pá..rápido caralho..tás a gozar comigo ou quê..., exigindo a entrega dos cacifos onde se encontravam as notas, o que o porta valores faz por temer pela sua integridade física, e colocam-se ambos em fuga apeada para as traseiras do prédio. Nesse local colocam-se no motociclo H… furtado e iniciam a fuga para parte incerta, sendo a matrícula deste veículo visualizada por uma das moradoras.
Logo após a fuga apeada de B…, os arguidos M….. e R…. que se mantiveram ao volante das viaturas, colocaram-nas em marcha e abandonam o local.
Os arguidos lograram apoderar-se de 2 cacifos de notas da E… no valor total de 910,20 € (novecentos e dez euros, vinte cêntimos).
Os arguidos actuaram sempre com a intenção de se apropriarem dos valores transportados pela carrinha de valores, bem como das viaturas em que intentaram a fuga, não se inibindo de utilizarem armas de fogo para lograrem os seus intentos.
Os arguidos sabiam que ao dispararem contra a viatura em que seguia J…, e utilizando o tipo de arma de fogo que utilizaram e a proximidade do disparo, lhe podiam causar a morte como efectivamente lhe causaram, conformando-se com tal resultado caso o mesmo viesse a ocorrer uma vez que o único objectivo era encetar fuga do local.
Em todas as suas condutas actuaram livre, voluntária e conscientemente.
Na sequência das buscas domiciliárias foram apreendidos aos arguidos os objectos identificados na promoção para interrogatório cujo teor se dá por reproduzido.
Das condições pessoais dos arguidos. (...)
R…. é solteiro e vive com uma companheira de quem tem um filho aguardando para breve o nascimento de outro. Afirmou ser empregado de balcão na pastelaria da irmã onde passa a maior parte do seu tempo, embora sem horário definido.
R.. foi condenado por decisão de 17-12-2014, transitada em julgado em 16-01-2015, numa pena de 9 meses de prisão, suspensa na execução, pela prática de um crime de furto na forma tentada.
II - A Convicção do tribunal subjacente ao que antecede estriba-se no vasto acervo probatório constante dos autos, analisado de forma crítica à luz das regras de experiência e normalidade.
Mercê da circunstância dos agentes dos factos em investigação actuarem encapuzados e de rostos cobertos dificulta de sobremaneira a sua identificação só alcançável através das declarações dos co-arguidos e o recurso a prova indirecta. Contudo, apesar de indirecta nem por isso a prova assim recolhida tem menos força que a prova testemunhal ou documental. Importante é que os indícios se encontrem demonstrados por prova directa (cfr. entre outros, douto Acórdão do STJ de 11 de Julho de 2007,disponível in www.dgsi.pt). Como se faz notar no douto acórdão vindo de citar «0 juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência».
Quando confrontados com os factos os arguidos negaram a sua prática:
B… disse que no dia e hora dos factos ocorridos no Lourel estava em casa, doente, com a companheira. Confrontado com as declarações do co-arguido F… disse não compreender a sua atitude. Atribui a imputação ao facto de ter tido problemas com F… e o seu grupo no passado pensando, também, que possa ser influência da PJ. Conhece os demais arguidos aqui presentes, tendo estado os três presos, preventivamente, em 2013 em processo no âmbito do qual foram absolvidos. Conhece os denunciados N…. há muito tempo, do local que frequenta, no Casal da Mira. Reconheceu pertencer-lhe o G.. identificado nos autos que comprou para a sua companheira.
R… negou, igualmente, a prática dos factos. Disse que no dia 28 de Fevereiro sofreu um acidente de trabalho quando estava a arrumar umas coisas tendo-lhe caído umas prateleiras de vidro e mármore no pé. Quanto aos factos da Ramada, estava de baixa, na C…, com a sua companheira em casa de um tio desta a ajudar numas reparações.
Esteve preso preventivamente em 2013 tendo saído em liberdade em 2014. Consigo também estavam os co-arguidos aqui presentes, embora o B… numa outra ala.
Não conhece o co-arguido F…. e não encontra explicação para a imputação que este lhe faz. Pensa que era o B…. quem conhecia o F…. por ter estado com ele na prisão.
Reconhece que a carrinha B….e matrícula .. lhe pertencia precisando, no entanto, que era do seu cunhado que faleceu cerca de um mês antes de 28 de Fevereiro.
Disse ter vendido a referida carrinha acerca de um ano, num stand que não soube identificar, «lá para os lados de Sintra»
Possui uma garagem onde faz trabalhos de oficina e ajuda a irmã na pastelaria (aquando da sua identificação disse trabalhar numa pastelaria como empregado de balcão, sem horário).
Sobre os factos ocorridos em Agosto, na Ramada, desvalorizou a prova por reconhecimento.
M…, negou, igualmente, a prática dos factos.
Quando confrontado com as declarações do co-arguido F… disse não compreender os motivos que o levam a faltar à verdade. Disse que se conheceram no EPL mas nunca se incompatibilizou com ele. Sobre os factos ocorridos na Ramada, disse que à data dos factos já tinha vendido o veículo S…, modelo ….
As declarações dos arguidos não resistem ao confronto com as provas recolhidas nos autos e declarações dos co-arguidos F…, realizadas perante autoridade judiciária, no dia 8 de Fevereiro de 2017, e as prestadas em 21 de Marco pelos arguidos I…., T…. e L…..
Vejamos.
O co-arguido F…. prestou declarações sobre os factos, perante autoridade judiciária, em 8 de Fevereiro de 2017; Assumiu a sua participação nos factos e identificou todos os 5 indivíduos que o acompanharam no assalto, a saber, B…, M…, R…, o N… e o N….
0 relato circunstanciado que fez dos acontecimentos ocorridos no dia 28 de Fevereiro veio a coincidir com outros elementos de prova recolhidos pela investigação, conferindo coerência e credibilidade às suas declarações, tais como:
- A descrição das viaturas e armas utilizadas; o local onde o A… foi observado por testemunhas pouco antes do assalto, nas imediações do Continente; As movimentações das duas viaturas e dos suspeitos no parque de estacionamento do Continente, corroboradas pelas imagens de videovigilância; As luvas do condutor do A… que uma das testemunhas, morador nas imediações do Continente disse terem uma risca de cor vermelha; 0 momento em que retira o gorro do rosto, já na A16 após o carjacking do C…, observado por uma testemunha 1 morador na localidade do Telhal que viu 3 indivíduos a abandonar o referido veículo, dois dos quais de raça negra; A utilização de uma viatura B…de apoio ao assalto pertencente a R…, como o próprio reconheceu neste interrogatório, os contactos telefónicos estabelecidos com B…., nas semanas que antecederam os factos;
Na sequência das pesquisas realizadas com base na descrição facultada pelo arguido F… , quanto a viatura de apoio que foi utilizada em 2810212016, foi identificada uma viatura com essas exactas características, de matrícula ….., que o arguido R… reconheceu pertencer-lhe, e a qual também estava associado M…, conforme depoimento do co-arguido L…
F… disse, ainda, que um dos indivíduos caucasianos que participou no assalto queixava-se de ter levado um tiro no pé identificando-o posteriormente corno o arguido R….
Na sequência desta informação foram efetuados vários pedidos de informação clínica a Centros Hospitalares do Distrito de Lisboa, apurando-se que R…, deu entrada no serviço de urgência do hospital de S. José, às 21.52h do dia 28 de Fevereiro de 2016, transferido do Hospital da Cuf Cascais apresentando fracturas expostas da segunda falange do 3.°, 4.° e 5.° dedos do pé. Abandonou o serviço de ortopedia sem nota de alta ( fls. 3086). Evidencia o documento de fls. 3087 que o arguido já havia sido observado e medicado nos hospitais da CUF Descobertas e Cuf Cascais e foi encaminhado para cirurgia plástica e reconstrutiva.
Os co-arguidos I… ( fls. 3467), L… ( fls. 3471) e T…. (fls. 3475) prestaram declarações perante o Ministério Público no mesmo dia 21 de Março de 2017.
Das suas declarações ressalta, no que releva para a decisão a proferir:
O… disse reconhecer e relacionar-se com o M… e bem assim com o R… sendo que executa trabalhos de construção civil para a mãe de R… num prédio que esta possui na Rua ….l prédio onde existe uma oficina que era explorada por P….. e, após a sua morte, ficou a ser explorada por R… sendo que para além destes também a frequentavam o B…, N…. e o N…...
L….( fls. 3471) é dono da oficina D… frequentada por muitas pessoas do C…. Disse conhecer o B…, desde os 10 anos de idade, há cerca de dez anos o R… e também o M… este acerca de quatro anos. Disse que em Novembro de 2016 o G… abriu uma oficina juntamente com o D….
Disse ainda o arguido que há cerca de 5 anos teve registada em seu nome uma viatura B… com a matrícula …. que o G… lhe pediu para colocar em seu nome alegando que estava a ser alvo de várias penhoras, esclarecendo no entanto que não tem a certeza se seria do G… ou de familiares. A viatura ficou em seu nome cerca de 2 anos e meio. A seu pedido o G… acabou por transferir a propriedade da B…desconhecendo para quem, dado que se limitou a assinar a declaração. Até acerca de seis meses sempre que viu a referida viatura estava na posse do G… e há 8 meses levou-a a sua oficina para fazer a revisão.
Tendo-lhe sido perguntado, disse que viu o A… a andar com uma viatura A… de cor preta. Em relação a viatura S… disse que o … costumava andar com esse automóvel tendo chegado a fazer-lhe uma revisão. Deixou de o ver em Outubro de 2016, altura em que cortaram relações.
T… ( fls. 3475), trabalha na oficina do arguido L…. Disse que há cerca de 4 anos travou conhecimento com o B…; M….e R…. todos clientes da oficina sendo só aí que mantinha contacto com os mesmos.
Sobre as viaturas que viu os referidos indivíduos conduzir esclareceu ter visto o A… a conduzir a viatura G… de matrícula …. que viu na oficina desconhecendo a quem pertence. Relativamente à viatura S… de matrícula …., comprou-a ao D… em meados de 2016, tendo pago 3.500,00. A viatura tinha vários problemas voltou a oficina de onde saiu em 18 Julho de 2016 voltando cerca de dois dias depois onde ficou 4/5 dias. Voltou a rolar e dois dias depois regressou à oficina onde ficou 20 dias. No dia 1 de agosto de 2016 estava na oficina D…. Quando questionado disse conhecer outras oficinas frequentadas pelos referidos A…, D…. e G…. sendo seu conhecimento que o G… passou a tomar conta da oficina que pertencia ao P…..
As declarações dos arguidos B…, R…. e M….. não resistem ao confronto com as declarações dos seus co-arguidos e demais elementos de prova.
B….., pese embora negue a participação no assalto do dia 28 de Fevereiro o certo é que o exame pericial N° ….. comparação do perfil de ADN das amostras recolhidas aos arguidos detidos com os vestígios biológicos recolhidos aquando da inspecção judiciária ao local dos factos, conclui que o perfil de ADN do arguido B…. está presente no interior do A…., detectado não só no volante, manetes de mudanças e travão de mão, como num dos airbags.
Relativamente ao assalto da Ramada, foi o arguido reconhecido pela testemunha M… sem quaisquer reservas como sendo o indivíduo que ocupava o lugar do condutor do G… de matrícula …………que esteve na A…., Ramada, cerca de 30 minutos antes do assalto aos porta valores da E… (fls.3483).
0 motociclo H…. utilizado pelos 2 assaltantes no assalto de 1 de agosto, foi posteriormente localizado na T….., nas imediações da R……, onde se situa a garagem n°…. do prédio com o n°…., frequentada por B…..
Em casa de B….. foi apreendido, além do mais, dois walkie talkie da marca M…., modelo M…., de cores verde e preto correspondendo à descrição dos que F…. viu serem usados no assalto de Lourel. Disse ainda o referido co-arguido que o condutor da carrinha B….retirou do A…. e manteve-se na posse de uma arma tipo caçadeira, que descreve como uma shot-gun de cor preta, e tinha também um rádio walkie-talkie para comunicar com o indivíduo que o convidou para o assalto, e que ficou no A… com os 2 indivíduos de raça negra. Esse rádio era pequeno, de cor preto e julga que também verde, inexistindo duvidas de que são os que foram utilizados no cometimento destes ilícitos.
R…., contrariamente ao que quis fazer crer não era na pastelaria da irmã que passava a maior parle do seu tempo, como ressalta das declarações dos co-arguidos e bem assim das vigilâncias realizadas pelo OPC à oficina onde era visto com regularidade. Disse ter vendido o veículo B….. usado na fuga após o assalto, mas a verdade é que a manteve e pagou o respectivo IUC em Junho de 2016.
Disse ter sofrido um acidente de trabalho no dia 28 de Fevereiro de 2016, a arrumar umas prateleiras. Curiosamente, a sua entidade patronal e titular do seguro de acidentes de trabalho é a sua irmã, o que nos suscita sérias reservas quanto à veracidade da informação prestada, no confronto com as declarações do co-arguido F… cuja credibilidade não foi posta em crise.
Relativamente aos factos ocorridos no dia 1 de agosto na Ramada, apesar de desvalorizar a prova por reconhecimento não vê o tribunal que tenha sido praticada qualquer irregularidade ou incoerências na descrição factual da testemunha M… ( fls.35 do apensol). Disse a testemunha, trabalhador da E…., Supervisor de segurança tendo por funções o levantamento de condições de segurança para instalação de máquinas e transporte de valores, que no âmbito dessas funções no dia 1 de agosto de 2016, por se tratar de transporte com vista ao carregamento de uma ATM onde já, por diversas vezes haviam ocorrido assaltos dirigiu-se para as imediações da referida ATM por forma a verificar as condições de segurança.
No local a testemunha veio a aperceber-se da passagem consecutiva, cerca de cinco vezes, de uma viatura W… com 5 portas de cor preta, matrícula ….. ocupada por 3 indivíduos que, manifestamente observavam as imediações da máquina ATM uma vez que paravam por breves instantes, falavam entre eles, parecendo à testemunha que estariam a fazer reconhecimento do local. Regressou para as imediações da ATM onde se apercebeu da passagem de um S…. de cor cinzenta vidros esfumados, com a matrícula …. ocupado apenas pelo condutor que não tem dúvidas ser a pessoa que viu no lugar do pendura no G….
A referida testemunha participou na prova por reconhecimento tendo reconhecido sem quaisquer reservas B… como sendo o indivíduo que ocupava o lugar do condutor do G… de matrícula… que esteve na …, Ramada, cerca de 30 minutos antes do assalto aos porta valores da E… ( fls.3483).
A testemunha reconheceu ainda R… como sendo o individuo que observou nos lugares traseiros do referido G…, nesse dia (fis.3484).
M….,
Para além das declarações dos co-arguidos que não deixam margem para dúvidas quanto à participação do assalto ao Lourel, estava na sua inteira disponibilidade o veículo S… usado no assalto aos porta valores da E…, na Ramada.
Na sua residência foi encontrada uma bolsa da marca B… semelhante a uma bolsa encontrada no interior do A… acidentado, e uns ténis desportivos semelhantes aos utilizados por suspeitos cujas imagens foram captadas pelas imagens de videovigilância do Continente de Lourel.
Da análise das declarações dos co-arguidos em conjugação com a prova recolhida nos autos considera que são efectivamente fortes os indícios da prática pelos arguidos B…., M… e R…. dos crimes que lhes vêm imputados, a saber:
Em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131° do Código Penal;
- Em co-autoria imediata e na forma consumada, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210°, n.°s 1 e 2, ai. b), com referência ao art. 204°, n.°s 1, ai. a), e 2, ai. f), ambos do Código Penal;
- Em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n.° 1, al. c), da Lei n.° 512006, de 23-02; e
- Em co-autoria imediata e na forma tentada, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 73° e 210°, n.°s. 1 e 2, ai. b), com referência ao art. 204°, n.°s. 1, al. a), e 2, ai. f), todos do Código Penal.
E, em co-autoria, um crime de roubo qualificado consumado, além do crime de detenção de arma proibida, 210.° n.°1 e 2 do C. Penal e artigo 86.° , n.° 1, al. c), da Lei n.° 5/2006, de 23-02 crimes esses praticados na área da Ramada.
Os crimes de que os arguidos se encontram indiciados, põem em causa bens jurídicos caros à sociedade, como a vida e a integridade física além do património. Revestem-se de acentuada gravidade como o espelha a respectiva moldura penal, sendo enquadráveis no conceito de criminalidade especialmente violenta e criminalidade violenta a que se referem os art° 1° ais j), 1) e 215°, n° 2,do CPP;
0 crime de homicídio e os crimes de roubo perpetrados com recurso a armas de fogo, em vias públicas ou junto de estabelecimentos comerciais, em pleno dia e em horário de funcionamento são geradores de grande alarme e perturbação da ordem pública, como disso dá eco a comunicação social, diariamente. E, por isso, muito elevado o sentimento de insegurança da Comunidade que reclama dos tribunais a adopção de medidas que reponham a validade das normas violadas.
A personalidade revelada nos factos de que estão indiciados, com total indiferença para com a vida e a integridade física das pessoas cujas vidas colocaram em risco e vieram a tirar ao efectuar disparos com armas de fogo como fizeram, a temeridade com que os arguidos se entregaram à sua prática, a energia criminosa empregue e modo de execução fazem recear pela continuação da actividade criminosa.
Pelo modo de execução e grau de violência empregue espelham um elevado grau de ilicitude que necessariamente se reflectirá na pena em que venham a ser condenados já de si elevada, tanto assim que registam antecedentes criminais tendo sido condenados, à excepção de M…, em penas de prisão. Perante a perspectiva de condenação em elevada pena de prisão é fundado o perigo de fuga, entendido este não só em sentido restrito como abandono precipitado de um local mas também, em sentido amplo, o que acolhe em processo penal associado ao incumprimento das obrigações de disponibilidade e comparência que resultam do TIR.
Em face do exposto, perante as características pessoais e os perigos referidos em lugar próprio, considera o tribunal que a única medida adequada às exigências que o caso reclama é a medida de coacção de prisão preventiva ( artigos 191.°, 192.°, 193.° n.°1 e 3, 202.° n.°1 al a), 204.° ais a), e c) do CPP). Embora não se ignore a preferência legal que resulta do n.°3 do artigo 193.° do C. Penal, considera-se que a gravidade dos crimes que aos arguidos vêm imputados e sua repercussão social desaconselham a imposição de tal medida de coacção.
Notifique e comunique.
Passe mandados de condução ao E.P de Caxias (...).
3. Decidindo.
3.1. O despacho recorrido, proferido em sede de interrogatório judicial de arguido detido, determinou que o arguido, ora recorrente, juntamente com outros dois co-arguidos, aguardassem os ulteriores termos processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.
Da análise das declarações dos co-arguidos em conjugação com a demais prova recolhida nos autos, o tribunal considerou haver fortes indícios da prática pelos arguidos B…, M…. e R… dos crimes que lhes foram imputados, a saber:
-Em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131° do Código Penal;
- Em co-autoria imediata e na forma consumada, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210°, n.°s 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204°, n.°s 1, al. a), e 2, ai. f), ambos do Código Penal;
- Em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n.° 1, ai. c), da Lei n.° 5/2006, de 23-02; e
- Em co-autoria imediata e na forma tentada, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 73° e 210°, n.°s. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204°, n.°s. 1, ai. a), e 2, ai. f), todos do Código Penal.
E, em co-autoria, um crime de roubo qualificado consumado, além do crime de detenção de arma proibida, 210.° n.°1 e 2 do C. Penal e artigo 86.° , n.° 1, ai. c), da Lei n.° 5/2006, de 23-02 crimes esses praticados na área da Ramada.
3.2. Importa atentar, ainda que de forma breve, nos pressupostos de aplicação da prisão preventiva e da sua adequação e proporcionalidade às exigências cautelares em causa.
A aplicação da medida coactiva de prisão preventiva só pode ter lugar desde que se cumule algum dos pressupostos gerais do art° 204° com os pressupostos específicos contemplados na al. a) e b) do n° 1, do art° 202°, ou seja, a existência de fortes indícios da prática de um crime punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos (ai. a), ou três anos, nos casos previstos na alínea ai. b), e será aplicada se as demais medidas se revelarem inadequadas e insuficientes para assegurarem no concreto a realização dos fins do processo penal.
Nenhuma medida, porque restritiva de direitos fundamentais, deve ser aplicada se não se revelar absolutamente necessária, devendo ser adequada a prosseguir os objectivos cautelares para que foi concebida, e proporcional ao fim visado. A aplicação de qualquer medida coactiva tem deste modo subjacentes os princípios gerais: da legalidade e da tipicidade (art° 191°, n° 1, do C.P.P.), o princípio da necessidade (art° 192°, n° 2 do C.P.P.), o da adequação e da proporcionalidade (art° 193°, do C.P.P.), e ainda, o princípio da precariedade (art° 215° e 218°, do C.P.P.).
Do princípio da adequação, integrado pelo princípio da proporcionalidade, leva a que ainda que uma medida de coacção possa ser justificada pelas exigências cautelares do caso, poderá a mesma não ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido, sendo a gravidade ponderada, designadamente, em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados e da culpabilidade do agente.
Assim, a prisão preventiva quando aplicada terá de se revelar adequada e proporcional á gravidade do crime e ás sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto, afastando as demais medidas por não garantirem as necessidades cautelares (cfr. art° 193°, n° 1 e 2, do C.P.P.).
Podemos dizer que a aplicação da prisão preventiva mostra-se resguardada pelo princípio da subsidiariedade, consagrado no n° 2 do art° 193° e 202°, n° 1, do CPP, emanando do disposto no n° 2 do art° 28° da CRP, significando que a prisão preventiva só será aplicada se se revelarem inadequadas ou insuficientes para os fins cautelares tidos em vista, as restantes medidas de coacção.
Daqui decorre que só razões preventivas podem justificar a limitação que a aplicação das medidas de coacção impõe ao princípio da presunção de inocência. Conforme refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal II, 4a edição revista, Verbo, 2008, p. 290) Há-de ser a estrita necessidade das medidas de coacção que legitimará em cada caso a limitação da princípio da presunção de inocência. 0 mesmo princípio impõe que de entre as medidas admissíveis e adequadas no caso concreto seja aplicada sempre a menos gravosa.
Assim, tendo as medidas de coacção como função satisfazer, de forma adequada, as exigências cautelares, a sua aplicação nos estritos limites das necessidades processuais nunca será incompatível com o princípio da presunção de inocência.
Por sua vez, os requisitos gerais de aplicação de qualquer medida de coacção, à excepção do Termo de Identidade e Residência, impõem a ocorrência, em concreto, de qualquer uma das circunstâncias referidas no art° 204°, do CPP: fuga ou perigo de fuga (al. a); perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al. b), ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas (al. c).
Deste quadro legal se colhe que o legislador criou um regime jurídico rígido quanto aos pressupostos de aplicação da medida de prisão preventiva, que é uma emanação da Constituição da República, estabelecendo desde logo o art° 18°, n° 2 que A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos excepcionais previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Temos hoje como adquirido que a liberdade é um momento decisivo e essencial da pessoa humana e na qual assenta toda a sua dignidade.
Por assim ser, mas havendo por outro lado a necessidade de compatibilizar este interesse individual da liberdade com o interesse social da manutenção da segurança e da eficácia na perseguição do crime, com vista à subsistência da própria sociedade, o legislador Constitucional consagrou um regime excepcional, restritivo da liberdade, conforme espelham os artigos 27° e 28° da CRP.
E como juridicamente excepcional, a privação da liberdade carece, antes de mais, de uma justificação excepcional, concretizada na exigência dos requisitos materiais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, assumindo seguramente este último requisito importância decisiva, deixando o legislador claramente expresso o carácter subsidiário da prisão preventiva.
A nossa Lei Fundamental admite, pois, a medida mais gravosa de prisão preventiva desde que verificadas e justificadas as condições legalmente determinadas. Nas palavras da Prof. Anabela Rodrigues, reportando-se ao respeito pela dignidade humana enquanto corolário de um Estado de Direito, a liberdade afirma-se por si só, não necessitando de fundamentação; o que carece de justificação legítima é a sua compressão.)
3.3. O recorrente vem insurgir-se contra o despacho recorrido, invocando a inexistência de fortes indícios que permitam a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, assim como a subsidiariedade desta medida coactiva.
a) Do quadro de indícios.
O recorrente veio colocar em causa o quadro de indícios em que assentou o despacho recorrido, considerando que não se verifica a existência de indícios fortes da prática dos crimes que lhe foram imputados, sendo ilegal a prisão preventiva por violação, entre outros, do disposto no art° 202° n° 1 al. a) do CPP.
Contrapõe a seguinte argumentação:
-Ao nível cautelar não bastam indícios suficientes, sendo necessária a coexistência de fortes indícios.
- A prova indiciária contra o recorrente assenta exclusivamente no depoimento do co-arguido que não foi corroborada por prova directa;
- O despacho recorrido baseou-se apenas em prova indirecta que se revelou inconsistente.
E coloca a questão de saber se é possível falar em fortes indícios da prática dos crimes com base, exclusivamente, em declarações de um co-arguido e em prova indirecta.
Pois bem,
A resposta a esta última questão, em abstracto e genericamente, é positiva à luz do nosso ordenamento processual penal.
As declarações de um co-arguido podem ser valoradas, mesmo em sede de inquérito, como meio de prova, desde logo porque não se trata de uma prova proibida (cfr. artigos 125° e 126° do C.P.P.). A nossa lei processual não impede a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravantes da responsabilidade de outros intervenientes nos factos ilícitos.
Mas não merece dúvidas que tal valorização deve ser rodeada de especiais cuidados, por se tratar de um meio de prova frágil, assente num sujeito processual que não é isento nem desinteressado. Naturalmente que baseando-se a prova apenas nas declarações do co-arguido, o Tribunal deverá ser cauteloso pois por quantas razões o arguido não poderá ser tentado a proferir declarações incriminatórias, ou por um sentimento de vingança ou ressentimento ou ver nelas algum benefício pessoal. Nesta medida é importante para a credibilização do depoimento que o mesmo seja corroborado objectivamente. Conforme se afirma no ac. do STJ de 12.03.2008 (p. n° 694/08, consultável in www.dqsi.pt), para dissipar qualquer destas suposições objectivas é
razoável que o arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória (...) A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz á inexistência de motivos espúrios e á existência de uma auto-inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.
E o mesmo se diga quanto à prova indirecta, pois como é sabido a prova não se resume à prova directa, podendo a prova ser indirecta ou indiciária, permitindo ao juiz através de presunções naturais ou hominis retirar de um facto conhecido ilação para adquirir um facto desconhecido, sendo este um meio de prova tão válido e por vezes até mais consistente que a prova directa.
Dito isto, importa apurar se as declarações prestada pelo co-arguido F… mereceram fundada credibilidade por parte do tribunal?
Conforme resulta dos autos, a recolha dos indícios da prática pelos arguidos dos factos descritos baseou-se na recolha de elementos, quer pela prova testemunhal, quer pela prova pericial, conjugada igualmente pelas intercepções telefónicas realizadas nos autos, assim como nas apreensões que vieram a ser realizadas no dia 21.03.2017, e que vieram corroborar a prova até então recolhida nos autos.
Naturalmente que as declarações dos co-arguidos, em especial do arguido F…, ocorridas perante a autoridade judiciária no dia 8 de Fevereiro de 2017, e posteriormente no dia 21 de Março de 2017 relativamente aos arguidos l…, T…. e L…, vieram reforçar todos os elementos de prova até então recolhidos.
De realçar como meio de prova o visionamento das imagens de videovigilância do Continente de Lourel, que captaram as movimentações dos assaltantes e as viaturas que utilizaram, apurando-se que se tratavam de seis indivíduos encapuzados e de rostos cobertos, que alguns deles empunhavam armas de fogo, e que utilizavam duas viaturas da marca A…. Em conjugação com estes elementos de prova, através da prova testemunhal foi possível obter a descrição física e a indumentária dos assaltantes.
Foram ainda solicitados ao laboratório de Polícia Científica diversos exames periciais na sequência da inspecção judiciária, das apreensões de objectos e recolha de vestígios que vieram a revelar-se importantes como elementos de corroboração da demais prova recolhida.
A 8/02/2017 o arguido F…. prestou declarações sobre os factos imputados, tendo o mesmo assumido a sua participação nos factos e relatado a sua versão dos mesmos e identificado todos os cinco indivíduos que o acompanharam no assalto, constatando-se que correspondiam aos suspeitos já identificados, nomeadamente através de intercepções telefónicas em curso.
Do teor das suas declarações diversos pormenores relatados coincidem com outros elementos, já antes recolhidos ou posteriormente recolhidos, como a descrição das viaturas utilizadas, assim como outros elementos que vieram corroborar as declarações deste. Igualmente declarou que um dos indivíduos caucasianos queixava-se de ter levado um tiro no pé identificando-o posteriormente como o arguido R…., o que permitiu a recolha de informação hospitalar evidenciando-se que o arguido R…. foi sujeito a cirurgia no pé esquerdo, no mesmo dia dos factos a após a hora em que estes ocorreram, constando dos autos toda a documentação clínica referente a tal episódio.
Na busca domiciliária a R… foi apreendida documentação diversa que permite concluir que este arguido era utilizador da viatura B…. de matricula …., e que foi utilizada como viatura de fuga nos factos de Lourel.
Quanto basta para concluir pela total falta de razão do recorrente R… quando coloca em causa a existência de fortes indícios, invocando que os elementos de prova se resumem às declarações do co-arguido F…..
Como vimos, e contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a prova carreada para os autos não se resume exclusivamente ás declarações do arguido F….
A verdade é que as declarações prestadas pelo arguido F… mostram-se corroboradas por abundantes elementos de prova, criteriosamente ponderados pelo tribunal, verificando-se a concorrência de corroboração objectiva que demonstra a verosimilhança do seu depoimento incriminatório.
Inexiste, assim, fundamento para que tais declarações do co-arguido F…, na imputação dos factos ilícitos ao co-arguido, ora recorrente, não sejam atendidas pelo Tribunal.
Somos assim a concluir que os elementos probatórios carreados para os autos consubstanciam efectivamente a indiciadão reforçada dos factos que foram imputados ao arguido, e que permite formar a convicção da forte probabilidade da sua futura condenação.
b) Da subsidiariedade da medida de coacção de prisão preventiva: da sua substituição por medida de coacção não detentiva, ou no limite, da possibilidade de aplicação da medida de coacção de OPHVE).
Começamos por dizer que na aplicação de qualquer medida de coacção relevam sobretudo razões cautelares, constituindo princípios gerais subjacentes à aplicação de qualquer medida coactiva, o princípio da necessidade (art° 192°, n° 2 do C.P.P.), da adequação e da proporcionalidade (art° 193°, do C.P.P.).
Por outro lado, conforme supra referido, nenhuma medida de coacção, á excepção do Termo de Identidade e Residência, pode ser aplicada ou mantida se, em concreto, se não verificar: fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do inquérito; perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa (cfr. artigo 204°, do C.P.P).
O que o recorrente pretende é a substituição da medida de prisão preventiva por outra menos grave ou de efeitos menos gravosos.
Mas em face da gravidade dos factos indiciados e que os autos bem espelham, a medida de coacção de prisão preventiva é a medida que se revela proporcional e necessária à gravidade da sua conduta, à intensidade dos perigos elencados e a pena que previsivelmente será aplicada.
Conforme refere o Mm° Juiz ...o crime de homicídio e os crimes de roubo perpetrados com recurso a armas de fogo, em vias públicas ou junto de estabelecimentos comerciais, em pleno dia e em horário de funcionamento são geradores de grande alarme e perturbação da ordem pública, como disso dá eco a comunicação social, diariamente. E, por isso, muito elevado o sentimento de insegurança da Comunidade que reclama dos tribunais a adopção de medidas que reponham a validade das normas violadas.
A personalidade revelada nos factos de que estão indiciados, com total indiferença para com a vida e a integridade física das pessoas cujas vidas colocaram em risco e vieram a tirar ao efectuar disparos com armas de fogo como fizeram, a temeridade com que os arguidos se entregaram à sua prática, a energia criminosa empregue e modo de execução fazem recear pela continuação da actividade criminosa.
Pelo modo de execução e grau de violência empregue espelham um elevado grau de ilicitude que necessariamente se reflectirá na pena em que venham a ser condenados já de si elevada, tanto assim que registam antecedentes criminais (...). Perante a perspectiva de condenação em elevada pena de prisão é fundado o perigo de fuga, entendido este não só em sentido restrito como abandono precipitado de um local mas também, em sentido amplo, o que acolhe em processo penal associado ao incumprimento das obrigações de disponibilidade e comparência que resultam do TIR.
Neste quadro factual, o despacho recorrido conclui, e bem, pela inadequação da obrigação de permanência na habitação mesmo que com vigilância electrónica, atenta a gravidade do crime e exigências cautelares em causa.
4. Posto isto, temos de concluir que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido revela-se necessária adequada a prosseguir os objectivos cautelares em causa e proporcional à gravidade do crime, estando concretamente preenchidos os pressupostos previstos nos arts. 202.° n° 1 al. a) e 204.° ais. a) e c), do CPP.
A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura, decidindo-se com acerto ao aplicar a medida de prisão preventiva ao recorrente, por revelar ser a única medida de coacção adequada às exigências cautelares previstas.
Termos em que se decide pela improcedência do recurso.
III-Decisão.
Face ao exposto, acordam os Juízes da 3a Secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Notifique.
Elaborado, revisto e assinado pela relatora Conceição Gonçalves e assinado pela Desembargadora Maria Elisa Marques.
Lisboa, 27.09.2017