I – O crime de condução sob o efeito do álcool é um crime de perigo abstracto uma vez que o preenchimento pleno do tipo criminal dispensa a demonstração de que o agente, em concreto, provocou uma situação de perigo.
II- O crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, é um crime de perigo abstracto em que os bens jurídicos protegidos são a ordem, a segurança e a tranquilidade comunitárias e, num segundo plano, também a vida e a integridade física das pessoas face aos riscos que advém de detenção e transporte de arma, por quem se encontra embriagado.
III – O crime de porte de arma em estado de influência do álcool assume particular relevância dada a perigosidade acrescida com a sua prática.
IV - A detenção de arma sob efeito do álcool para além de constituir crime, está directa e intimamente ligada à detenção da espingarda e munições, sendo certo que o arguido caçador há mais de 20 anos e não tendo invocado ir ou regressar da caça, é especialmente censurável esta sua conduta. O facto de ser titular de licença de uso e porte de arma, não foi obstáculo a que transportasse a espingarda e respectivas munições e violasse flagrantemente a lei.
V – A arma e munições apreendidas serviram à prática de um dos crimes cometidos pelo arguido, para além de serem objectos que pela sua natureza, põem em causa a segurança das pessoas e oferecem sérios riscos de virem a ser utilizadas no cometimento de novos crimes, pelo que nos termos do artigo 109º, do Código Penal foram apreendidas e declaradas perdidas a favor do Estado.
Proc. 187/16.0PTSNT.L1 9ª Secção
Desembargadores: Fernando Correia Estrela - Guilherme Castanheira - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Proc.° 187/16.OPTSNT.L1 9.a Secção
Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - No Proc.° n.° 187/16.OPTSNT 205/14.7S9LSB, da Comarca de Lisboa Oeste, Instância Local Criminal de Sintra, Juiz 3, por sentença de 26 de Abril de 2017, foi decidido julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência:
1 - Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (sete euros), no total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
2 - Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (sete euros), no total de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
3 - Nos termos do artigo 77.º, n.° 1 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 900,00 (novecentos euros).
4 - Nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, declarados perdidos a favor do Estado a espingarda e munições apreendidas.
II - Inconformado, o arguido A... interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) É parecer do Recorrente que a Sentença em crise carece de fundamentação factual e legal, pelos motivos que se passam a aduzir.
2) A sentença em crise declarou perdidas a favor do Estado a arma e as munições apreendidas, no entanto não fundamentou porque razão entendia que a posse da arma pelo arguido implicava algum dos pressupostos que leva à perda dos objectos in casu das armas apreendidas.
3) Como já reflectiu a Jurisprudência o juízo de perda ínsito no artigo 109° do Código Penal, não é punitivo (ou seja não é accionado pelo simples facto porque o arguido estava embriagado), mas antes preventivo;
4) A sentença carece de fundamentação adequada, porquanto assenta em juízos que não resultam dos autos, nem da matéria.de facto dada como provada.
5) Deveria o Juiz a quo ter o cuidado de apurar que o Recorrente tem licença de uso e porte de arma, devidamente manifestadas, registadas e seguradas.
6) Deveria ainda ter apurado e dado como provado, que o arguido tem mais armas ao seu cuidado, que já é possuidor de armas há mais de 20 anos e que nunca teve qualquer problema.
7) O arguido é primário, sendo certo que na douta sentença, na matéria de facto dada como provada, nem uma linha se escreveu quanto aos antecedentes penais do arguido.
8) Pelo que é manifesto que a sentença em crise enferma de insuficiência quanto à matéria de facto dada como provada.
9) A sentença deveria ter questionado o arguido e deveria ter -dado como provado:
- A ausência de antecedentes penais do arguido;
- Que o mesmo é titular de licença de uso e porte de arma;
- Que o arguido possui várias armas, para além da que dos autos consta;
- Que o mesmo é caçador há mais de 20 anos, nunca tendo tido qualquer problema.
- Que o mesmo é detentor de tais licenças há mais de 20 anos, nunca tendo tido qualquer problema quanto ao uso e porte das mesmas;
- Que tais armas estão cobertas por seguro, devidamente registadas e manifestadas, devidamente guardadas em cofre, tendo o arguido até à data sido sempre um detentor zeloso e cuidadoso.
10) A decisão e perda da arma foi uma surpresa para o arguido. Se tal era a intenção do Mtm° juiz a quo, este dever-se-ia ter inteirado de todos os factos com relevo para a decisão de perda.
11) E a lei protege os cidadãos de decisões surpresa, nomeadamente estabelece o art. 205° da Constituição da República Portuguesa, no seu n° 1, que:
- as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
12) Ora a decisão de perda da arma e das munições, foi uma decisão tabelar, sem qualquer fundamentação de facto ou de direito, que não o mero enumerar do conteúdo dispositivo do artigo 109° do Código Penal.
13) O dever jurídico-constitucional de fundamentação da decisão judicial visa assegurar a sua total transparência e a nível infraconstitucional e, especificamente, no âmbito processual penal, este dever mostra-se reflectido no artigo 374°, n° 2 do CPP, sendo que a decisão recorrida tem a natureza de despacho (cfr. art. 97°, n° 1, b) do C. Processo Penal).
14) Na decisão em crise não estão verificados os pressupostos legais do perdimento da arma e munições apreendidas nos autos e respectiva falta de fundamentação da sentença quanto à decisão de perda da arma a favor do estado nos termos do artigo 109° do código penal
15) Nos termos do acórdão da Relação do Porto de 22-05-2013, proferido no recurso n° 2032/10.1PBAVR.C1 (in, que
que:
... Como se vê, o instituto da perdia dos instrumenta sceleris e dos producta sceleris funda-se em razões de prevenção de futuros crimes, face à sua perigosidade.
São requisitos legais da declaração de perda:
(...)
À perigosidade deve ser considerada de um ponto de vista objectivo. Há que atender à perigosidade do objecto em si mesmo, face às suas próprias características, e desligado da pessoa que o detém.
Mas também deve ser avariada em função das concretas condições em que o objecto pode vir a ser utilizado. E esta relação entre a perigosidade objectiva do objecto e as concretas circunstancias do caso pode, como acerta Figueiredo Dias, determinar uma referência ao próprio agente implicando, nesta medula, que na avaliação da perigosidade intervenha também um ponto de vista subjectivo (ob. cit., pág. 623). O ponto de partida é sempre a perigos idade objectiva do instrumento, à qual se devem juntar as concretas circunstancias do caso e a personalidade do agente que através da prática do facto se reveres, para, numa análise global se concluir a final pela perigosidade ou não e consequente perda ou não, do objecto.
Mas o que a lei não dispensa é a verificação, em cada caso, dos requisitos que fixa para o perdimento(sublinhado nosso).
16) Quanto à perigosidade, cumpre realçar que os factos provados pelos autos não incluem a utilização pelo arguido, da arma de fogo apreendida, em qualquer outra circunstância, nem existe, por outro lado, o mínimo indício de que fosse propósito do arguido vir a usar a referida arma fora das condições para as quais estava autorizado o seu uso. Em boa verdade, nem existe o declarado receio desta em que tal aconteça.
17) Não se verifica, pois, o primeiro requisito do perdimento, razão pela qual neste ponto deve a declaração de perdimento ser alterada.
18) Quanto à idoneidade do arguido, acresce que a espingarda e as munições apreendidas, estão legalizadas, registadas e manifestadas e devidamente seguradas, em nome do arguido.
19) Aliás, o arguido é caçador razão pela qual é detentor da arma e munições em causa nos autos, bem como de outras que possui devidamente guardadas no seu domicilio, com todas as condições e requisitos de segurança, nomeadamente cofre!!!
20) Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais e está licenciado pela PSP para o uso e porte de arma, não se questionando nos autos a idoneidade do arguido.
21) Em suma, não estando verificados os requisitos do perdimento, previstos no art. 109°, n° 1 do C. Processo Penal deve a sentença ser revogada, neste ponto e deve proceder a pretensão do recorrente e ser declarada a devolução da arma e munições ao arguido.
22) O Recorrente discorda ainda da dosimetria penal aplicada ao arguido pelo Mtm°. Juiz a quo
23) A medida da necessidade de socialização do agente fornece-nos o critério decisivo das exigências de prevenção especial, para efeitos da medida da pena.
24) Atento o disposto no artigo 71°, n° 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena terá em conta, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo (ou da negligencia), a conduta anterior e posterior ao facto, a situação económica e condições pessoais do arguido.
25) Revertendo para os autos apuramos que:
- O arguido agiu com dolo directo;
- A confissão do arguido, admitindo que tinha praticado os factos; - A ausência de antecedentes criminais;
- O facto de o arguido estar social e familiarmente inserido;
- a favor do arguido, militam as exigências de prevenção especial serem mínimas, considerando as condições socioeconómicas do arguido e a sua integração social e o seu arrependimento;
26) Concluindo:
a) Atentas as consequências dos factos e o modo de execução dos mesmos, entende a defesa que o grau de ilicitude das suas condutas não é muito elevado;
b) As necessidades de prevenção especial, são diminutas, considerando a pouca gravidade das mesmas, a pouca extensão dos danos provocados, havendo somente a ressaltar pelo elevar da pena a intensidade do dolo;
c) Atentos os factos apurados na audiência de discussão e julgamento;
d) A dosimetria penal oscilava de acordo com o artigo 47° do Código Penal, é de pena de prisão ou com pena de multa, variando esta de 10 a 120 dias;
e) Numa pena que oscilava entre os 10 dias e os 120 dias de multa, o Mtm°juiz a quo, aplicou a pena de 70 dias de multa.
f) Pena essa já acima de metade do limite máximo, que se quedaria pelos 60 dias.
27) No que concerne ao valor diário da multa a aplicar deve atender-se ao n° 2 do art. 47° do código Penal, fixando-se, como antes já se referiu, dentro dos limites legais, o quantitativo de cada dia de multa em função da situação económica e financeira do arguido.
28) A sentença deu como provado que o arguido está desempregado, e que vive com dois filhos, sendo um deles menor de 12 anos, e ainda com a mãe por esta ser doente, abdicando de trabalhar para cuidar da mãe e do filho menor, vivendo este agregado familiar da pensão mensal da idosa, no valor de 500 euros.
29) Discorda-se do valor diário encontrado - €6, porquanto foi aplicada ao arguido nos presentes autos, porquanto de acordo com o artigo 47°, n° 2 do Código Penal, e atentas as condições de vida do arguido esta deveria ter sido fixada pelo mínimo legal - 5 euros.
30) Deve assim e neste concreto, a sentença ser revogada e estipulado o valor mínimo legal.
31) Pelo que crê o Recorrente que existe fundamento susceptível de alicerçar a diminuição da medida da pena, como requerido.
32) Razão pela qual a sentença em crise violou as disposições conjugadas dos artigos 47° e 181.°, n° 1 do Código Penal e o disposto no artigo 40°, e artigo 71° ambos do Código Processo Penal.
Peco exposto e com o douto suprimento de vossas excelências,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida e ser substituída por outra que determine a entrega ao recorrente da arma apreendida e legalizada, licitamente detida peco mesmo, bem como, as munições, bem como reduzir os dias e o valor diário da pena de multa aplicados por considera-los excessivos atendendo aos critérios legalmente atendíveis.
III - Transcreve-se a decisão recorrida.
RELATÓRIO:
O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de:
- A..., nascido a 29 de Julho de 1972, empresário, atualmente desempregado,...,
- imputando-lhe a prática, em autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal e de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redação conferida pela Lei n.° 50/2013, de 24 de Julho, cujos factos constantes da acusação do Ministério Público para julgamento, aqui se dão por integralmente reproduzidos.
(...)
FACTOS PROVADOS:
1 - No dia 9 de Novembro de 2016, cerca das 21 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …, na R..., União de Freguesias de C..., área desta comarca.
2 - Submetido a teste de pesquisa ao álcool através de colheita de sangue, acusou uma TAS de 1,71 g/1.
3 - Ao atuar da forma descrita, o arguido quis conduzir um veículo motorizado na via pública e, sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas, conformou-se com a possibilidade de apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/1 de sangue.
4 - Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido transportava no porta-malas do veículo uma espingarda, marca Pietro Beretta, modelo S686E, n.° de série n.° 74219B, para a qual possui licença de uso e porte de arma, livrete n° N....
5 - Sabia o arguido que transportava consigo arma de fogo e que, por estar influenciado por bebidas alcoólicas tal conduta lhe estava vedada, por constituir crime.
6 - Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
7 - O arguido não tem antecedentes criminais.
8 - Confessou integralmente e sem reservas os factos e demonstrou arrependimento sincero.
9 - Presentemente, vive com a mãe, em casa desta, por ser doente.
10 - Tem dois filhos, de 23 e 12 anos.
11 - Está desempregado, não tem rendimentos e vive da ajuda da mãe, que aufere uma pensão mensal de cerca de € 500,00.
12 - Tem a 4.ª classe.
(...)
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O tribunal fundou a sua convicção quanto ao circunstancialismo provado, segundo as regras normais da experiência comum e de razoabilidade, do conjunto dos elementos de prova recolhidos e examinados em audiência de julgamento, mormente declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos, em conjugação com a demais prova testemunhal e documental produzida.
Valorou-se, ainda, o relatório de toxicologia do INML, de fls. 23 e CRC do arguido de fls. 75, auto de notícia de fls. 4 e 5, autos de apreensão de fls. 6 e 7.
Quanto à TAS, não se provou que o arguido conduzia com a descrita na acusação, antes tendo apresentado o resultado obtido através da colheita de sangue, pois que o corpo humano não está sujeito a descontos de margens de erro aplicadas apenas a alcoolímetros - vide, a este propósito, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/07/2016, publicado em www.dgsi - Relator Inácio Monteiro, onde perfilhamos o aí subscrito de que «O EMA é aplicável pela autoridade de fiscalização nos termos do regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares, não se aplicando quando a TAS é determinada por prova pericial, através da análise à amostra de sangue»;
Quanto às condições de vida, valoraram-se as declarações do arguido, a este propósito.
No demais, o mesmo, tendo confessado os factos, demonstrou arrependimento sincero.
Não existem elementos probatórios que infirmem os supra referidos.
DIREITO:
Do crime de condução de veículo em estado de embriaguez:
Estatui o artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal que:
«Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.»
Trata-se de um crime de mera actividade e de perigo abstracto, em que o perigo não é elemento do tipo, antes se assumindo como uma motivação do legislador, que presume que a situação em si mesma é perigosa.
O bem jurídico protegido é a segurança na circulação rodoviária, se bem que, indirectamente, se protejam, mais amplamente, outros bens jurídicos como a vida e a integridade física dos intervenientes no tráfego rodoviário.
Tutela-se, por conseguinte, um interesse público, consubstanciado na segurança dos utentes da via pública, acautelando que os principais agentes do tráfego rodoviário - os condutores, dirijam as suas viaturas em condições psíquico-motoras normais que permitam uma condução segura.
O elemento objectivo do tipo consiste na condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, acusando o condutor uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/1.
A condução pressupõe uma efetiva direção do veículo, em pleno movimento na via, a ela não se equiparando situações como a de estar sentado ao volante com o motor a trabalhar sem iniciar a marcha ou simplesmente soltar o travão de mão.
O elemento subjetivo do tipo preenche-se com o dolo, numa das modalidades do artigo 14.° do Código Penal e também com a negligência.
O agente atua com dolo eventual quando conta com a possibilidade de apresentar um teor de álcool no sangue dentro dos valores proibidos por lei para a condução, e aceitando essa mesma possibilidade assume a condução do veículo.
A negligência ocorre sempre que o agente, colocando a possibilidade de ter atingido valores de alcoolemia, parte do princípio de que não terá atingido os limites a partir dos quais a conduta é tipificada como crime; ou quando desconhece totalmente o teor de alcoólico das bebidas ingeridas, ou porque a certa altura perdeu a noção da sua incapacidade (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, em anotação ao artigo 292.°).
É do conhecimento geral que a condução automóvel sob o efeito do álcool tem efeitos potenciadores de sinistralidade rodoviária, uma vez que, acima de determinados limites, ficam consideravelmente reduzidas as faculdades motoras e psicológicas elementares necessárias à condução.
A lei pune quem o fizer.
Sendo a T.A.S. revelada pelo condutor igual ou superior a 1,20 g/l, tal conduta é punível a título de crime.
Da análise dos factos provados resulta que, no dia 9 de Novembro de 2016, cerca das 21 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..., na R..., União de Freguesias de C..., área desta comarca.
Submetido a teste de pesquisa ao álcool através de colheita de sangue, acusou o arguido uma TAS de 1,71 g/l.
Ao atuar da forma descrita, o arguido quis conduzir um veículo motorizado na via pública e, sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas, conformou-se com a possibilidade de apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/1 de sangue.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Atuou com dolo eventual.
Encontra-se, pois, preenchido os elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal.
Inexistindo causas de exclusão da culpa ou da ilicitude, restará apenas aferir das espécies e medidas concretas das penas a aplicar ao arguido.
Do crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool:
Estatui o artigo 88.°, n.° 1 do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redação conferida pela Lei n.° 50/2013, de 24 de Julho, que: «Quem, pelo menos por negligência, detiver, transportar fora das condições de segurança previstas no artigo 41.0, usar ou portar arma com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/1 é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 360 dias.»
O crime é de perigo abstrato, não sendo aquele elemento do tipo.
.Os bens jurídicos protegidos pela norma são a ordem, a segurança e a tranquilidade comunitárias e, num segundo plano, também a vida e a integridade física.
Atendendo ao facto de não possuir antecedentes criminais e o facto de ser social e familiarmente inserido, tendo colaborado com a Justiça e demonstrado arrependimento sincero, o Tribunal conclui que as finalidades da punição serão perfeitamente asseveradas com a condenação do arguido em penas de multa por ambos os crimes.
DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS:
Nos termos do artigo 71.°, n.° 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena parte da moldura legal abstrata de cada tipo de crime (limites mínimo e máximo aplicados), a qual é graduada e concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que, em cada caso se fazem sentir.
A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (artigos 40.°, n.° 2 e 71.°, n.° 1 do Código Penal e artigo 1.° da Constituição da República Portuguesa).
«A culpa configurará, neste âmbito, desde logo, a barreira intransponível da finalidade preventiva» (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p. 312).
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, a saber:, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e atuação criminosa, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, bem como a intensidade do dolo, a conduta anterior e posterior ao crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Como circunstâncias agravantes e atenuantes, militam:
-a censurabilidade social, de intensidade elevada, que merece a conduta do arguido;
-as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime atenta a profusão de sinistralidade rodoviária nas estradas portuguesas e o alarde social e perturbação da ordem pública e das populações, no que concerne ao facto de pessoas embriagadas, conduzirem veículos, estando munidas de armas;
das pessoas, face aos riscos que advêm da detenção e transporte e porte de arma, por quem se encontra embriagado.
Ao nível do elemento subjetivo do tipo, consuma-se tanto a nível doloso como negligente.
Assim, no dia 9 de Novembro de 2016, cerca das 21 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..., na R..., União de Freguesias de C..., área desta comarca.
Submetido a teste de pesquisa ao álcool através de colheita de sangue, acusou o arguido uma TAS de 1,71 g/1.
Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido transportava no porta-malas do veículo uma espingarda, marca Pietro Beretta, modelo S686E, n.° de série n.° 74219B, para a qual possui licença de uso e porte de arma, livrete n° N....
Sabia o arguido que transportava consigo arma de fogo e que, por estar influenciado por bebidas alcoólicas tal conduta lhe estava vedada, por constituir crime.
Agiu com dolo direto.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME:
Estabelece o artigo 40.°, n.° 1 do Código Penal que a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
As finalidades da punição cifram-se na satisfação das exigências de prevenção geral, mais positivas do que negativas, e de prevenção especial, quer positiva - de socialização do agente infrator, quer negativa - de dissuadi-lo do cometimento, no futuro, de novos crimes.
«É com uma dimensão positiva que a prevenção geral hoje logra sobretudo reconhecimento (...) tem um cariz compensador, de integração ou estabilizador, em que o que se pretende é assegurar o restabelecimento e a manutenção da paz jurídica perturbada pelo cometimento do crime através do fortalecimento da consciência jurídica da comunidade no respeito pelos comandos jurídico -criminais.
Pelo que diz respeito à prevenção especial, o aspecto negativo consiste na intimidação do agente ou, ainda mais, na sua inocuização. O aspecto positivo é, pelo contrário, representado pela socialização.» (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p.322 e seguintes).
A proteção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referência à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma legitimação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, como que derivada de exigências metafísicas, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequente utilidade) social.
Por isso, a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Noticias, pág. 17 e 18).
DA ESPÉCIE DAS PENAS:
Nos termos do artigo 70.° do Código Penal, «Se ao crime foram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
As expectativas comunitárias na estabilização contrafáctica da norma jurídica violada são elevadíssimas, atenta a profusão da sinistralidade rodoviária, em grande número resultante da condução sob influência do álcool.
Ao caso aqui vertido, importa dizer que o grau de ilicitude é elevado, quanto a ambos os crimes.
O grau de culpa é elevado.
Atuou o arguido com dolo eventual, de intensidade mediana quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez e dolo direto quanto ao porte de arma em estado de embriaguez.
- o dolo eventual, de intensidade média, quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez e o dolo direto, quanto ao porte de arma em estado alcoolizado;
-o grau de ilicitude, elevado;
-o arrependimento e juízo crítico para a conduta adotada;
- a inserção social e familiar;
- a ausência de antecedentes criminais;
A moldura abstrata da pena de multa correspondente à punição por crime de condução de veículo em estado de embriaguez vai de 10 a 120 dias -artigos 41.°, n.° 1 e 292.°, n.° 1, ambos do Código Penal.
A moldura abstrata da pena de multa correspondente à punição por crime de porte de arma em estado de influência do álcool, vai de 10 a 360 dias -artigos 41.0, n.° 1 do Código Penal e 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02.
Tudo sopesado e ponderado, o tribunal reputa por justa, adequada e proporcional a condenação do arguido:
- na pena de 70 (setenta) dias de multa pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal;
- na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa pela prática de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02.
O artigo 47.°, n.° 2 do Código Penal estatui que «A cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.»
A pena de multa há-de ser fixada em termos de ser interiorizada como uma verdadeira sanção penal, devendo revestir para o condenado um sacrifício, sem que seja posta em causa o essencial para assegurar condignamente a sua subsistência.
Tendo em conta que o Estado de Direito Democrático tem como ideal que ninguém viva abaixo do limiar mínimo desejado para a subsistência básica e, sopesadas e ponderadas as circunstâncias de relevo para a dosimetria penal, mormente as condições económicas e sociais de vida do arguido, reputa-se por justa, adequada e proporcional a aplicação ao mesmo da quantia de € 6,00 (seis euros), a título de razão diária da multa.
Do cúmulo jurídico de penas:
Nos termos do n.° 1 do artigo 77.° do Código Penal, cometendo o agente vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.° 2 do artigo 77.° do Código Penal).
Desta sorte, a moldura do concurso tem por limite mínimo 120 (cento e vinte) dias de multa e por limite máximo 190 (cento e noventa) dias de multa.
Tudo sopesado e ponderado, o tribunal reputa por justa, adequada e proporcional, a condenação do arguido A... na pena única cumulada de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis) euros, no total de € 900,00 (novecentos euros), pela prática, em autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal e de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02.
Da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados:
Estatui o artigo 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal que: «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.° ou 292.°».
A proibição de conduzir veículos motorizados assume a natureza de verdadeira pena acessória pois que, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação. (FIGUEIREDO DIAS, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias).
Na sociedade hodierna, as fortes exigências de prevenção geral reclamadas neste tipo criminal, em virtude dos elevados índices de sinistralidade, não toleram a condescendência na não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não tendo relevo, para o caso concreto, o facto de o arguido carecer de conduzir a sua viatura.
Tal não constitui nenhuma circunstância atenuante da sua culpa, bem pelo contrário. Sabendo que carece da viatura automóvel para trabalhar, impunha-se-lhe uma responsabilização e consciencialização acrescida na sua atuação, que deveria ser pautada pela não condução de veículo automóvel, estando sob a influência do álcool.
Ponderadas as circunstâncias do caso concreto, a TAS registada, mediana, o facto de o arguido ter assumido integralmente e sem reservas os factos, demonstrado arrependimento sincero, não possuir antecedentes criminais e ser inserido social e familiarmente, o tribunal entende ser de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 (quatro) meses.
Dos objetos apreendidos:
Nos termos do artigo 109°, n.° 1, do Código Penal, São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
A espingarda e munições apreendidas serviram à prática de um dos crimes cometidos pelo arguido, para além de serem objetos, que, pela sua natureza, põem em causa a segurança das pessoas e oferecem sérios riscos de virem a ser utilizados no cometimento de novos crimes.
Destarte, nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, declaro perdidos a favor do Estado a espingarda e munições apreendidas.
DISPOSITIVO:
Com os fundamentos expostos, julgo procedente, por provada, a acusação e, consequentemente:
1 - Condeno o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (sete euros), no total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
2 - Condeno o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (sete euros), no total de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
3 - Nos termos do artigo 77.°, n.° 1 do Código Penal, vai o arguido condenado na pena única cumulada de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 900,00 (novecentos euros).
4 - Nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, declaro perdidos a favor do Estado a espingarda e munições apreendidas.
(...)
V - Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto.
VI - Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.° 419.° n.° 3 alínea c) do C.P.Penal, a contrario.
3. Interpôs recurso o arguido invocando as seguintes questões:
- Nulidade da sentença já que não existe devida/legal fundamentação relativamente ao perdimento da arma apreendida, que é muito lacónica, e tabelar.
- que na decisão não consta que o arguido é delinquente primário nem que tem licença de uso e porte de arma.
- a pena principal é excessiva, devendo ser reduzida o numero de dias de multa e a taxa diária respectiva;
4. É de verificação oficiosa os vícios constantes do art.° 410.° n.°s 2 e 3 do C.P.Penal, que não ocorreram como se verá.
Recorde-se que a norma respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.
Da leitura da sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão. Clareza que resulta desde logo da simplicidade factual e jurídica do caso, tratando-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado.
Do erro notório na apreciação da prova - trata-se, como pacificamente tem vindo a ser considerado, de um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum.
Em tese geral diremos que a decisão impugnada mostra-se correctamente fundamentada quer no aspecto de facto quer no direito aplicado, de forma a poder apreender-se plenamente os motivos e o processo lógico-formal que o julgador usou para, de acordo com as regras da experiência comum, formar a sua livre convicção - cfr. art. 127° do Código de Processo Penal.
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - verifica-se este vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.
É por demais evidente que todos os factos à boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos, e suficientes para a conclusão de direito.
- Da contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão - nada na fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. A decisão de facto encontra-se devidamente fundamentada e suportada por prova testemunhal, e documental, que o tribunal devidamente valorou, numa forma clara e perceptível, sendo facilmente perceptível o seu processo lógico-mental de formação da convicção.
Não existem quaisquer dos vícios do art.° 410.° n.° 2 e n.° 3 do C.Penal.
5. Da qualificação jurídico-penal.
O arguido foi condenado:
- pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art° 292°, n° 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de €6,00 (sete euros), no total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses;
- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de €6,00 (sete euros), no total de €720,00 (setecentos e vinte euros).
Face aos factos apurados, dúvidas não existem que o arguido praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos art.°s 292° e 69°, n°1, a) do C.P., face ao facto de conduzir um veículo com uma TAS de 1,71 g/l.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias (cfr. Artigo 292°, n.° 1 do Código Penal).
Preceitua ainda o artigo 69°, n.° 1, alínea a) do Código Penal que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 292° do mesmo diploma legal.
São elementos objectivos do mesmo o acto de condução de veículo automóvel, em via pública ou equiparada (ou seja, onde possam circular outras pessoas ou ,veículos), por quem tenha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l. Já o elemento subjectivo traduz-se na demonstração de que o arguido actuou com dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades (vide arts. 14° e 15° do CP). Como resulta da hermenêutica do tipo legal em apreciação estamos perante um crime de perigo e não de resultado. Desta forma a lei penal procura proteger a segurança rodoviária e, indirectamente, outros bens jurídicos reconduzíveis à protecção de bens pessoais (designadamente, a vida e a integridade física daqueles que circulam nas estradas) e patrimoniais.
O crime em apreço é um crime de perigo abstracto, uma vez que o preenchimento pleno do tipo criminal dispensa a demonstração de que o agente, em concreto, provocou uma situação de perigo. Na verdade, a antecipação da tutela penal assim produzida decorre da presunção legal de que a situação qua tale já é perigosa em si mesma, atentos os riscos reconhecidos como inerentes à assunção de determinados comportamentos, como seja, a condução em estado de embriaguez, conhecida que é ligação estreita entre este comportamento e a sinistralidade rodoviária.
Demonstrou-se nos termos acima explicitados que nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritos o arguido ia a conduzir o veículo automóvel identificado nos autos, tendo uma TAS superior ao limite legal traçado pela lei penal de 1,2g/1. Em concreto a taxa de álcool do arguido é de 1,71 g/1. Provou-se ainda que agiu de modo doloso. Assim sendo, tendo ingerido bebidas alcoólicas e não se inibindo de conduzir, sabendo que tal é vedado pela lei penal, tem de concluir-se que actuou com dolo (directo e necessário). Estão, assim, reunidos os elementos objectivos e subjectivo de que depende a verificação deste ilícito. Não se tendo apurado causas de exclusão ou afastamento da sua responsabilidade penal, cumpre determinar a pena a aplicar-lhe.
Sobre o crime de uso e porte de arma soh efeito de álcool reproduzimos aqui a fundamentação do tribunal a quo:
Estatui o artigo 88.°, n.° 1 do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redação conferida pela Lei n.° 50/2013, de 24 de Julho, que: «Quem, pelo menos por negligência, detiver, transportar fora das condições de segurança previstas no artigo 41.0, usar ou portar arma com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/1 é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 360 dias.»
O crime é de perigo abstrato, não sendo aquele elemento do tipo.
Os bens jurídicos protegidos pela norma são a ordem, a segurança e a tranquilidade comunitárias e, num segundo plano, também a vida e a integridade física das pessoas, face aos riscos que advêm da detenção e transporte e porte de arma, por quem se encontra embriagado.
Ao nível do elemento subjetivo do tipo, consuma-se tanto a nível doloso como negligente.
Assim, no dia 9 de Novembro de 2016, cerca das 21 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..., na R..., União de Freguesias de C..., área desta comarca.
Submetido a teste de pesquisa ao álcool através de colheita de sangue, acusou o arguido uma TAS de 1,71 g/1.
Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido transportava no porta-malas do veículo uma espingarda, marca Pietro Beretta, modelo S686E, n.° de série n.° 74219B, para a qual possui licença de uso e porte de arma, livrete n° N....
Sabia o arguido que transportava consigo arma de fogo e que, por estar influenciado por bebidas alcoólicas tal conduta lhe estava vedada, por constituir crime.
Agiu com dolo direto.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
6. Da medida da pena.
Na tarefa de determinação da medida da pena cabe ter presente, desde logo, o vertido nos artigos 40°, 70° e 71°, todos do Código Penal.
A primeira das disposições citadas diz respeito aos fins inerentes à aplicação das penas no nosso ordenamento jurídico-penal. O abandono das teses monistas a este respeito, conduz a que o ordenamento jurídico-penal português, aproximando-se das principais teses doutrinais quanto a este aspecto, acolha um conjunto de finalidades, habitualmente reconduzíveis à protecção de bens jurídicos (prevenção geral e especial) e reintegração social do agente.
Quanto à culpa, face ao disposto no n°2 do art. 40° do Código Penal, surge como elemento estruturante do direito criminal, condicionando a própria medida da pena, sendo, deste modo, limite inultrapassável desta última. É, pois, tendo em atenção os desideratos legais acima expostos, que cumprirá determinar a pena a aplicar ao arguido, cabendo, em primeiro lugar determinar a moldura penal dos ilícitos em apreço.
Da análise do art. 292° do Código Penal resulta ser o crime de condução em estado de embriaguez punido com pena de 1 (um) ano de prisão ou com pena de multa até 120 (cento e vinte dias) de multa. São estes os limites máximos. Quanto aos limites mínimos, na ausência de disposição específica haverá de recorrer-se às normas gerais do Código Penal, nos termos das quais a pena mínima de prisão é de um mês e a pena de multa tem como limite mínimo dez dias (arts. 41 ° e 47° do citado diploma legal). Estabelece ainda o art. 69°, n° 1, al. c) do Código Penal ser tal crime punido igualmente com proibição de conduzir veículos a motor por período fixado entre três meses e três anos.
A moldura penal abstracta do crime de porte de arma em estado de influência do álcool é de pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 360 dias - artigos 41.° n.° 1 e 47.° ambos do Código Penal e art.° 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02.
O crime de porte de arma em estado de influência do álcool assume particular relevância dada a perigosidade acrescida com a sua prática.
Para avaliar da medida da pena no caso concreto, Anabela Miranda Rodrigues, in A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 658 e segs, entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
Relativamente à medida da pena, atente-se naquilo que a esse respeito se refere no Ac. do S.T.J. de 6/05/1998 in B.M.J. n°477, p.100:
1 - Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.
2 - As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena
3 - A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num quantum situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa .
Face às finalidades das penas, em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (art. 40.° n.° 2 do C.Penal).
Concordamos com a decisão do Tribunal a quo quando optou pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - vd art.° 70.° do C.Penal - , por satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
Feita a opção, importa agora determinar a pena concreta a aplicar ao arguido. Na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.° 1 do artigo 71 ° do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Contra o arguido há a considerar a relativa gravidade objectiva e subjectiva dos factos; a ilicitude é relevante como o é o grau de culpa.
As necessidades de prevenção geral são prementes, como o são as necessidades de prevenção especial.
O arguido está inserido do ponto de vista social, económico e familiar. As necessidades de prevenção especial são, pois, medianas e sempre na vertente positiva. Já as necessidades de prevenção geral são elevadas considerando a frequência do ilícito de condução sob efeito do álcool, cuja prática é transversal na nossa sociedade.
O arguido confessou a prática dos factos, com diminuta relevância já que foi detido em flagrante delito. Mostrou arrependimento.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, a saber: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e atuação criminosa, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, bem como a intensidade do dolo, a conduta anterior e posterior ao crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Como circunstâncias agravantes e atenuantes, militam:
-a censurabilidade social, de intensidade elevada, que merece a conduta do arguido;
-as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime atenta a profusão de sinistralidade rodoviária nas estradas portuguesas e o alarde social e perturbação da ordem pública e das populações, no que concerne ao facto de pessoas embriagadas, conduzirem veículos, estando munidas de armas;
-o dolo eventual, de intensidade média, quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez e o dolo direto, quanto ao porte de arma em estado alcoolizado;
- o grau de ilicitude, elevado;
- o arrependimento e juízo crítico para a conduta adotada;
-a inserção social e familiar;
-a ausência de antecedentes criminais; (da decisão recorrida)
Deste modo, na determinação da pena concreta, foram ponderados os critérios dos art.s 70.°,71.°, 40.° todos do Código Penal, nomeadamente, as circunstâncias da prática dos factos, o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, as condições pessoais e a situação económica e o facto de ser delinquente primário, confirmam-se as penas aplicadas na 1.a instância que se mostram justas e equilibradas:
- pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art° 292°, n° 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de €6,00 (sete euros), no total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses;
- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de €6,00 (sete euros), no total de €720,00 (setecentos e vinte euros).
Os dias de multa bem como a taxa diária aplicada não merecem qualquer censura face aos factos praticados (sendo a taxa diária da multa ser fixada entre 5 e 500 euros).
Por outro lado, as penas aplicadas devem constituir uma sanção e sacrifício sentidos pelo condenado sob pena de não constituírem qualquer prevenção de futuros crimes.
Da pena acessória.
Foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 (quatro) meses.
O arguido conduzia com uma TAS de 1.71 gll.
Nos termos do art.° 69 n°1 al. a) do C.Penal, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos arts. 292° do C.Penal é punível ainda com a proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.
Estabelece o artigo 69.° do Código Penal, sob a epígrafe Proibição de conduzir veículos motorizados, que:
«1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.° ou 292.0; (...).»
No que se refere à pena acessória há que atender à taxa de álcool que apresentava (1,71 gr/l), ao facto de não ter antecedentes criminais, às suas condições pessoais e às necessidades de prevenção geral e especial.
No que concerne ao quantum da pena acessória, v. o Ac. RC de 17/1/2001, in CJ, XXVI, tomo 1, p. 50: «A determinação da medida concreta de tal pena acessória opera-se mediante recurso aos critérios do art° 71 ° do C.P., com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral. ».
Com efeito, conforme se pode ler in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, § 232, Figueiredo Dias, a proibição de conduzir veículos motorizados assume a natureza de verdadeira pena acessória pois que, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação .
Na verdade, a proibição de conduzir do art. 69° do Código Penal encontra a razão de ser da sua aplicação para complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.
Entendemos, por outro lado, que a pena acessória de proibição de conduzir não pode ser suspensa na sua execução nem substituída por outra, nem a mesma admite uma execução intercalada, com hiatos, ou com regime de execução adequado ao modo de vida do condenado e/ou às exigências da sua actividade profissional.
Por conseguinte, é natural que o arguido, em consequência da proibição de conduzir, tenha de sofrer alguns renúncias e algumas privações, mas tal é uma consequência da sua conduta, sendo que sobre os seus interesses impõe-se a salvaguarda de outros interesses da comunidade, que sobre eles devem prevalecer.
Tanto mais, que é consabida a eficácia preventiva da pena acessória em causa.
Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Abril de 2008, processo n° 10888/2008-5, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos.
Quanto à determinação concreta da pena acessória pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Fevereiro de 2012 in http://www.dgsi.pt que:
Como pena acessória que é, a proibição de conduzir obedece, na determinação da sua medida concreta, essencialmente aos mesmos critérios que para o efeito são utilizados no que respeita à pena principal e que constam do art. 71° do C. Penal, tendo-se, porém, em conta que a sua finalidade tem um âmbito mais restrito, pois enquanto que a pena principal visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a proibição de conduzir visa principalmente censurar a perigosidade do agente e contribuir para a sua emenda, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral de intimidação, a funcionar exclusivamente dentro do limite da culpa.
Apesar da identidade de critério para definição da medida concreta da pena principal e da pena acessória haverá que ter em conta a natureza e finalidades próprias de cada uma, por forma a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo art. 40° do CP.
Com a actual lei em vigor, pretendeu reduzir-se os índices de sinistralidade, pelo aumento da segurança rodoviária, adoptando medidas ajustadas à realidade social, à situação das infra-estruturas e à evolução do comportamento dos intervenientes no sistema de trânsito, em especial os condutores.
Assim, entendemos ser de manter a medida da pena acessória fixada na 1.a instância, de proibição de condução de veículos automóveis em por 4 (quatro) meses. 7. Do concurso de crimes e da pena única.
Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77°, n.°s 1 e 2 do Código Penal.
Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas.
Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 77° do Código Penal (cfr., por todos, os Acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Processo n.° 3095/00-5, de 4 de Março de 2004, Processo n.° 3293/04-5, e de 12 de Julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstracta, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é nos factos.
Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se numa avaliação da personalidade - unitária - do agente, o seu percurso de delinquência é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma carreira») criminosa e não a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.° 2 do artigo 77.° do Código Penal).
Desta sorte, a moldura do concurso tem por limite mínimo 120 (cento e vinte) dias de multa e por limite máximo 190 (cento e noventa) dias de multa.
Tudo sopesado e ponderado, o tribunal reputa por justa, adequada e proporcional, a condenação do arguido A... na pena única cumulada de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis) euros, no total de € 900,00 (novecentos euros), pela prática, em autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal e de um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool, p. e p. pelo artigo 88.°, n.° 1 da Lei n.° 5/2006, de 23.02. (da decisão recorrida).
Ora, considerando as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade do arguido evidenciada nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o tribunal como ajustada a aplicação da pena unitária fixada na 1.a Instância, que se confirma.
8. Do perdimento da arma e munições apreendidas.
A decisão do tribunal recorrido foi decidir declarar perdidos a favor do estado a arma e munições, nos termos do artigo 109°, n.° 1, do Código Penal:
Nos termos do artigo 109°, n.° 1, do Código Penal, São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
A espingarda e munições apreendidas serviram à prática de um dos crimes cometidos pelo arguido, para além de serem objetos, que, pela sua natureza, põem em causa a segurança das pessoas e oferecem sérios riscos de virem a ser utilizados no cometimento de novos crimes.
Destarte, nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, declaro perdidos a favor do Estado a espingarda e munições apreendidas.
Pese embora seja lacónica a fundamentação, a mesma é suficiente. Não ocorreu qualquer nulidade por falta de fundamentação, nem omissão de pronúncia (art.° 379.° n.° 1 al. c) do C.P.Penal)
Vejamos os factos:
Assim, no dia 9 de Novembro de 2016, cerca das 21 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..., na R..., União de Freguesias de C..., área desta comarca.
Submetido a teste de pesquisa ao álcool através de colheita de sangue, acusou o arguido uma TAS de 1, 71 g/l.
Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido transportava no porta-malas do veículo uma espingarda, marca Pietro Beretta, modelo S686E, n.° de série n.° 74219B, para a qual possui licença de uso e porte de arma, livrete n°N....
Sabia o arguido que transportava consigo arma de fogo e que, por estar influenciado por bebidas alcoólicas tal conduta lhe estava vedada, por constituir crime.
Agiu com dolo direto.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
7 - O arguido não tem antecedentes criminais.
8- Confessou integralmente e sem reservas os factos e demonstrou arrependimento sincero.
A detenção de arma sob efeito do álcool para alem de constituir crime está, no caso dos autos, directa e intimamente ligada à detenção da espingarda e munições que foram encontradas na situação descrita no auto de notícia, sendo certo que o arguido, caçador há mais de 20 anos como alega, e não tendo sequer invocado ir ou regressar da caça, era especialmente censurável esta sua conduta. O facto de ter licença de uso e porte de arma, livrete n° N... não foi obstáculo a que transportasse a espingarda e respectivas munições, nem Que violasse. flagrantemente a lei.
Ao contrário do que afirma o arguido o tribunal a quo fez constar que tinha licença de uso e porte de arma, livrete n° N... e que confessou a prática dos factos (esta com pouca relevância por ter sido em flagrante delito), mostrando arrependimento, esta com pouca relevância por ter sido em flagrante delito.
Assim, e correctamente, que se confirma, o tribunal recorrido decidiu que a espingarda e munições apreendidas serviram à prática de um dos crimes cometidos pelo arguido, para além de serem objetos, que, pela sua natureza, põem em causa a segurança das pessoas e oferecem sérios riscos de virem a ser utilizados no cometimento de novos crimes. Destarte, nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, declaro perdidos a favor do Estado a espingarda e munições apreendidas.
Não foram violadas quaisquer normas legais ordinárias e/ou constitucionais maxime os art.°s 32.° e 205.° da CRP, nem prejudicado o direito de defesa do arguido.
VII - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso do arguido pelo que se confirma na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, sendo de 4 UC a taxa de justiça.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd art. ° 94. ° n. °2 do C. P. Penal)
Lisboa, 2 de Novembro de 2017
Fernando Estrela
Guilherme Castanheira