I - De acordo com os princípios penais, o limite superior da pena é o da culpa do agente e o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva.
II - Se é verdade que o arguido não praticou com aqueles menores actos sexuais dos mais gravosos, tendo-se limitado a, depois de ganhar a sua confiança e atenção, dormir com eles, e, nessa altura, desnudá-los da cintura para baixo e praticar nos mesmos actos de ejaculação ou masturbação, dessa forma satisfazendo a sua libido, o que faz dele um abusador sexual, o certo é que tais abusos foram praticados pelo arguido de forma compulsiva e reiterada, ao longo de meses, em diversas residências, onde pernoitava com os menores.
III - O tribunal sopesou na medida concreta das penas, designadamente: os antecedentes criminais do arguido, que embora não sendo por crime de abuso sexual evidenciam uma personalidade que, há muito, se afastou da normatividade social e enveredou por uma vida marginal, com um alto défice ao nível do relacionamento pessoal e social; a confissão dos factos, pouco relevante face ao relato dos factos que foi feito pelas vítimas, ainda antes de o arguido prestar quaisquer declarações e desacompanhada, a nosso ver, de actos sinceros de arrependimento.
Proc. 556/16.6PFCSC.L1 5ª Secção
Desembargadores: Maria José Machado - Carlos Espírito Santo - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Recurso n°556/16.6PFCSC.L1
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
1. Por acórdão proferido a 14 de Junho, pelo tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de Cascais, no processo supra identificado, em que é arguido J..., melhor identificado nos autos, foi decidido: (transcrição)
«Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, o Tribunal julga parcialmente procedente, por parcialmente provada, a Acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:
a) Absolve o arguido J... da prática de um crime de actos sexuais com adolescentes agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 173.°, n.° 1, em conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido F...), pelo qual vem acusado em autoria material.
b) Condena o arguido J…, como autor material, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 171.°, n.° 1, em conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido F...), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
c) Condena o arguido J..., como autor material, pela prática de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 171.°, n.° 1, em conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido T...), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
d) Condena o arguido J…, como autor material, pela prática de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 171.°, n.° 1, cm conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido R...), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
e) Condena o arguido J..., como autor material, pela prática de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 171.°, n.° 1, em conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido P...), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
f) Condena o arguido J…, como autor material, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo disposto no art.° 171.°, n.° 1, em conjugação com o constante nos art.° 177°, n.° 1, al. b), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido J...), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
g) Em Cúmulo juriclico condena o arguido J… na pena única de 5 (cinco) anos de prisão:
h) Suspende a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão pelo período de 5
,(cinco) anos (artigo 50.°. n.° 5. do Código Penal);
i) A suspensão da execução da pena de prisão do arguido ficará condicionada ao cumprimento por parte deste das seguintes regras de conduta destinadas a facilitar a reintegração do arguido na sociedade:
- Não acompanhar, alojar ou receber os menores ofendidos (arügo 52.°, n.° 2, alínea d) do Código Penal);
- Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, traduzidos na sujeição a tratamento psiquiátrico e psico-terapêutico para eventuais perturbações do comportamento sexual (abusadores sexuais), nas condições e termos a determinar pela DGRSP, a quem competirá o acompanhamento desta regra de conduta (artigo 52.°, n.° 3 do Código Penal) - ao qual o arguido já deu o seu consentimento.
j) Condena o arguido J... na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego,
funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular
com menores, pelo período de 5 (cinco) anos - art.° 69°-B, n.° 2 do Código Penal
1) Condena o arguido J... na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 (cinco) anos - art.° 69°-C, n.° 2 do Código Penal.
III. 2. - Pedido Cível:
Pelos fundamentos aduzidos, o Tribunal julga parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil e, em consequência:
- Condena o arguido / demandado cível J... a pagar ao demandante cível F... a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de indemnização devida por danos não patrimoniais (art.°s 483.°, n.° 1, do Código Civil), acrescido dos juros legais vencidos e vincendos contados desde a data de notificação do pedido de indemnização civil ao arguido;
(....)»
2. O Ministério Público interpôs recurso da decisão, nos termos constantes da motivação de fls. 708 a 727, da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição)
1) A escolha da pena a aplicar ao arguido é alcançada pelo julgador com recurso a critérios jurídicos fornecidos pelo legislador, não se tratando, pois, de um poder discricionário.
2) Se o tipo criminal em causa admite a condenação com uma pena privativa ou com uma pena não privativa da liberdade, o art. 70° do mesmo código impõe que se opte por esta última, se tal se mostrar adequado e suficiente às finalidades da punição expressas no art. 40°.
3) Para a determinação da pena concreta aplicável ao arguido, pesam as orientações fornecidas pelo art. 71° do C. Penal, nomeadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
4) Atendendo a tais orientações legais e ao quadro fáctico apurado nos presentes autos, consideramos acertada a decisão das Mmas. Juízas a quo no que concerne à condenação do arguido pela prática dos cinco crimes de abuso sexual de crianças agravado, pois mostram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo de ilícito em questão.
5) Porém, o acerto da decisão ora recorrida não foi total, uma vez que a pena de prisão concretamente aplicada pelas Mms. Juízes a quo a cada um dos referidos cinco crimes (penas parcelares) é merecedora de censura e, como tal, deve ser modificada.
6) Efectivamente, partindo dos limites legalmente estipulados para a pena, tendo em conta as categorias dogmáticas da culpa e da prevenção, e procedendo à analise e aplicação ao caso sub judice dos factores exemplificativamente enunciados no n° 2 do art. 72° do C.Penal, a medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas ao arguido não se nos afigura estar bem doseada, revelando-se , por isso , não ser justa e adequada.
7) Na verdade, há que ponderar, desde logo, o grau elevado de ilicitude dos factos, se atendermos ao modo de cometimento dos diversos crimes de abuso sexual de crianças perpetrados pelo arguido, os quais revelam destreza do agente, com prévia escolha das vítimas e dos locais do crime, praticado contra menores de 14 anos, a coberto de uma relação de proximidade e confiança que mantinha com os mesmos e com os seus familiares e, assim, facilitador da execução dos crimes e da diminuição das possibilidades de defesa das vítimas;
8) Sendo mais intenso, quanto a nós, no que se refere aos factos praticados na pessoa do ofendido F... pois tiveram lugar, para além do mais, na residência onde aquele habitava e no contexto de explicações que mesmo estava a ministrar ao menor.
9) Depois, temos a elevada intensidade do dolo e a culpa do arguido: o dolo é directo, atendendo-se ao modo pensado , premeditado e reflectido de toda a actuação do arguido, que se prolongou no tempo, sendo certo que o mesmo tinha perfeita consciência da censurabilidade da sua conduta.
10) No que respeita aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins que o determinaram, é de realçar que o arguido agiu com o fim de satisfazer os seus instintos sexuais, procurando obter excitação sexual.
11)A confissão integral e reservas dos factos, por parte do arguido, não assume, quanto a nós, grande relevância, na medida em que os ofendidos já haviam confirmado todos esses referidos factos , em sede de declarações para memória futura, e o mesmo foi até interceptado em flagrante delito pela mãe da vítima F... quando se encontrava no quarto do menor.
12) No tocante às condições pessoais do arguido não militam a seu favor, em nossa opinião, quaisquer circunstâncias favoráveis, atenuativas da pena, dado que o mesmo não tem assegurado qualquer projecto de vida, nem dispõe de perspectivas de emprego, e a sua problemática de toxicodependência e Transtorno Boderline da Personalidade e Pedofilia de que padece não abonam também a seu favor, deixando, pelo contrário, antever o perigo de cometimento de novos crimes.
13) Impõe-se valorar, em seguida, de forma muito negativa, os extensos antecedentes criminais do arguido, os quais, pese embora se refiram a outro tipo de ilícitos criminais, denotam uma propensão acentuada para o crime, sendo certo que o mesmo já foi condenado por diversos ilícitos em extensas penas de prisão efectiva que cumpriu - cfr. Ponto 167 da matéria de facto dado como assente.
14) A idade do arguido, que conta actualmente com 65 anos , também é de valorar, quanto a nós, de forma muito negativa e não favorável, já que não estamos perante uma pessoa jovem e imatura , sem qualquer experiência de vida.
15) Por fim, cumpre salientar que são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, atento o grande número de casos idênticos que todos os dias ocorrem e dada a notória necessidade de manter a confiança da comunidade nas normas violadas.
16) Assim sendo, e tendo em conta que a pena aplicável tem como limite máximo 10 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo 1 ano e 4 meses , afiguram-se-nos serem _justas e bem doseadas, ao contrário do decidido no acórdão condenatório as seguintes penas parcelares:
17) 3 anos e 6 meses de prisão , quanto ao crime de abuso sexual de crianças cometido na pessoa do ofendido F... ;
18) 3 anos de prisão , quanto ao crime de abuso sexual de crianças cometido na pessoa do ofendido T... ;
19) 3 anos de prisão , quanto ao crime de abuso sexual de crianças cometido na pessoa do ofendido R... ;
20) 3 anos de prisão , quanto ao crime de abuso sexual de crianças cometido na pessoa do ofendido P... ;
21) 3 anos de prisão , quanto ao crime de abuso sexual de crianças cometido na pessoa do ofendido J....
22) Ao decidir de forma diversa da ora preconizada , violaram , em nosso entender, as Mmas. Juízas a quo o disposto nos art. 40° e 71°, n°s 1 e 2 do C.Penal.
23) Verificando-se , em seguida , que o arguido praticou diversos crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles ,impunha-se determinar , com efectivamente foi determinado , a pena única.
24) Ora, o que acima ficou exposto quanto à determinação das diversas penas parcelares terá, caso seja acolhida a posição ora defendida, reflexos necessários na determinação da pena única a que foi condenado o recorrente.
25) Na verdade , ponderados os factores a que alude o art. 77 ° do C.Penal ( grau de ilicitude dos factos , modo de execução destes e gravidade e multiplicidade das suas consequências ; trajecto de vida do arguido e a sua personalidade revelada na comissão dos vários crimes ; as elevadas exigências de prevenção geral) afigura-se-nos ser justa e bem doseada . ao contrário do decidido no acórdão condenatório . a pena única de 7 anos de prisão.
26) Desta forma , julgamos que as Mmas. Juízas , por força da errada determinação das penas parcelares , também não respeitaram o procedimento de determinação da pena única do concurso , e violaram , deste modo , o disposto nos arts. 77° e 78° do C.Penal.
27) Todavia, e sem conceder, afigura-se-nos que , mesmo que se considere que aquelas citadas penas ( parcelares e única ) foram fixadas de acordo com as regras que acabamos de descrever e que são , por isso , justas e adequadas , o certo é que nunca deveria ter sido suspensa na sua execução a pena única de prisão aplicada ao arguido , pois que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
28) É que, pese embora se encontrasse preenchido o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão, facilmente se conclui que não se encontrava preenchido o pressuposto material, não sendo possível formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.
29) Por um lado, os elementos de prova disponíveis dizem-nos que as exigências de prevenção especial são, no caso vertente, muito elevadas, e impõem, como tal, o cumprimento da pena de prisão.
30) De facto, tais elementos não permitem concluir que o arguido está integrado social e profissionalmente , muito pelo contrário , sendo certo que , como já referimos , a sua problemática de toxicodependência e o Transtorno Boderline da Personalidade e Pedofilia de que padece também não abonam a seu favor , deixando antever o tal perigo de cometimento de novas condutas idênticas , conforme aliás ficou assente no ponto 165 dos factos dados como provados.
31) Os extensos antecedentes criminais do arguido denotam igualmente uma propensão acentuada para o crime e uma total Ineficácia das penas de prisão que anteriormente já cumpriu, sendo difícil de conceber como é que a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução possa agora alcançar aqueles citados efeitos.
32) São pois acentuadas as hipóteses de reiteração da prática da actividade criminosa , tanto mais que sabemos a dificuldade que os abusadores têm em se manter afastados da reincidência.
33) Por outro lado, são muito fortes as exigências de prevenção geral de integração e de intimidação presentes nos crimes de abuso sexual de criança,
34) E, no caso em apreço, importa não olvidar que estamos perante um arguido que quis satisfazer as suas paixões libidinosas com cinco menores, dos quais era monitor e explicador, tendo praticado com todos eles actos sexuais de relevo, pelo que cometeu , como já vimos , cinco crimes agravados de abuso sexual de crianças , p. e p. pelos arts. 171°, n° 1 e 177°, n° 1, alínea b) do C.Penal, o que , aos olhos da comunidade , é revelador de grande insensibilidade aos valores que fundamentam o crescimento saudável de cinco personalidades em formação na área delicada da autodeterminação sexual.
35) Ora, tendo a comunidade em geral sentimentos de grande repulsa pelos crimes contra a autodeterminação sexual, podemos dizer que, em situações como a dos autos, a execução da pena não deve ser suspensa uma vez que não se compreenderia que a punição por crimes com tão elevado grau de ilicitude e censurabilidade ético jurídica, fosse compatível com a ressocialização do criminoso em liberdade, ou seja, as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico não são conciliáveis com a aplicação de uma pena de substituição à pena de prisão.
36) Assim sendo, estamos convictos que mal andou o tribunal a quo ao decidir pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, violando, desta forma , o disposto no art. 50° , n° 1 do C.Penal.
37) Por todo o exposto, entendemos que deve ser revogada a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido na pena de 2 anos de prisão, para cada um dos crimes de abuso sexual de crianças agravado e , consequentemente , deve ser substituída por outra que condene o mesmo nas penas parcelares supra enunciadas e , em seguida , na pena única de sete anos de prisão , ou , caso assim não se entenda , deve ainda assim ser revogada na parte em que determinou a suspensão da execução da pena única de prisão e , consequentemente , ser substituída por outra que opte pela aplicação de pena de prisão efectiva.
3. F..., demandante civil, também interpôs recurso da decisão, nos termos constantes de fls. 733 a 743, tendo extraído da mesma as seguintes conclusões:
A - F..., ofendido nos autos à margem cotados, não se conformando com o douto acórdão que condenou o arguido João M..., pela prática, em concurso real, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171° n° 1 e 177° n° 1,alínea b) do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sob condição de se sujeitar a regime de prova, designadamente, tratamento médico ou cura em instituição adequada e ao dever de não acompanhar, alojar ou receber os menores ofendidos, vem ao abrigo do preceituado nos artigos 399°, 401° n°1, alínea b), 406° n° 1, 407° n° 2, alínea a), 408° n° 1 alínea a) e 427°, todos do Código de Processo Penal, vem do mesmo recorrer para o Tribunal da Relação.
B - O presente recurso tem em vista a medida da pena aplicada pelo tribunal a quo ao arguido, designadamente no respeitante à suspensão da execução da pena de cinco anos de prisão efectiva a que o arguido foi condenado.
C - Porém, espera-se e deseja-se que o recurso já apresentado pelo digno magistrado do Ministério Público mereça total provimento, por doutamente e proficuamente fundamentado, cabal exemplo da imparcialidade, objectividade e legalidade que deve nortear a actuação ministerial, motivo pelo qual, se subscreve na íntegra todo o aí alegado.
D - Certo é, com o devido respeito que é muito, ter andado mal o tribunal a quo ao ter decidido suspender a pena de prisão de 5 anos, ao arguido, por igual período, ainda que sob regime de prova
E - Porquanto não estão para isso, reunidos - ao contrário do que refere - os pressupostos do n° 1 do artigo 50° do Código Penal.
F - Nem quanto à personalidade do arguido, dado ter resultado como provado: prevalecendo-se da proximidade que gozava dos ofendidos por força do exercido das suas funções, e bem assim da confiança e laços de afectividade que logrou estabelecer com os ofendidos e respectivos progenitores, o arguido conseguiu manter contactos de natureza sexual com os ofendidos, muito embora estivesse bem ciente das suas idades. - Da acusação e factos dados como provados (fls 3 do acórdão recorrido).
G - Sendo certo, que segundo o Relatório de Clínica Forense a fls 484 dos autos há indicadores de reincidência muito provável, da actuação ilícita do arguido, caso lhe surja uma oportunidade.
H - Acresce que o arguido - não se sabe, se para se desculpabilizar, porquanto nenhum relatório clínico nos autos o atesta - referiu em sede de inquérito e no julgamento - Ponto 161 do acórdão recorrido - sofrer da síndrome de Borderline.
1 - Sério distúrbio psíquico, principalmente na esfera afectiva, no domínio dos impulsos (adições e sexualidade) e na sua interacção com o próximo, manifestando quem o tem, sintomas fronteiriços entre as neuroses e as psicoses (daí o nome Borderline), vivendo num estado permanente de confusão, as mais das vezes caindo no consumo de drogas, libido exacerbada e levarem uma vida totalmente errática, mostrando uma personalidade explosiva.
J - O que não abona a personalidade do arguido...
L - Quanto às suas condições de vida actual, nada se sabe, para além de que tem agora 66 anos de idade - o tribunal a quo refere que é pessoa de idade avançada... e está a aguardar a reforma - Fls 41 do acórdão.
M - Fundamental, seria ter-se apurado qual o seu projecto de vida, se tem trabalho, onde irá viver, mas nada é referido no acórdão em crise.
N - Sabe-se sim, que em Maio de 2015 teve lugar a rescisão do seu contrato com o estabelecimento de ensino onde exercia funções de monitor na sequência de queixa de uma mãe por alegados abusos sexuais para com o filho, seguindo-se uma fase de inactividade laborai que, por falta de meios económicos, o terá fórçado a reintegrar o agregado materno - Ponto 159 do acórdão recorrido a fls 19.
q - Quanto à conduta anterior e posterior aos crime de que vem acusado: Depreende-se das declarações do arguido, que desde os 17 anos - altura em que deixou a casa dos pais, tem levado uma vida errática, aqui ou no estrangeiro, com consumo de estupefacientes, prática reiterada de ilícitos criminais: furtos (também agravados), burlas (também agravadas) e até tráfico de estupefacientes que o levaram por diversas vezes à prisão, uma delas de 16 anos -F Is 18, 19 e 20 do acórdão recorrido.
P - Saliente-se que a enumeração sobre os antecedentes criminais do arguido, de tão extensa a lista, ocupa toda a fl 20 do acórdão recorrido...
Q - O arguido, revelou pois, um olímpico desprezo, no que tange às condenações anteriores de que foi objecto...Pelo que não é merecedor de prognose favorável também neste aspecto.
R - Pelo que dúvidas há e fundamentadas, por todo o atrás referido, que a simples ameaça de prisão e o regime de prova, sejam bastante e suficiente para acautelar a prevenção geral e especial in casu.
S - Certo é que a suspensão da execução de uma pena de prisão nunca poderá ferir o sentimento dos ofendidos e o comunitário, pelo que sabendo-se que o abuso sexual contra crianças representa uma verdadeira catástrofe em suas vidas, com consequências gravíssimas para todo o sempre.
T - Consequências a curto e longo prazo, físicas, comportamentais, emocionais e sociais.
U - Consequências muito graves, que não se compadecem com o facto do arguido ter 66 anos e estar a aguardar a reforma.
ü - Consequências tão nefastas, que faz com que, efectivamente, a maioria da jurisprudência pugne pela exigência da execução efectiva da pena e não alguma, como refere o tribunal a quo - a fls 39 do acórdão recorrido - quando em causa estão, crimes desta natureza...
X - Todavia, não foi o que fez o tribunal a quo, que ao decidir pela suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, por igual período - ainda que em regime de prova - violou o disposto no artigo 50° n°s 1 e 5 do Código Penal - Ponto III, alíneas b) -página 49 do Acórdão recorrido.
Z - Antes devendo ter pugnado pela execução efectiva da pena a que o arguido foi condenado.
4. O arguido respondeu ao recurso do Ministério Público, nos termos constantes de fls. 747 v.° a 752 v.°, tendo finalizado a sua resposta com as seguintes conclusões: (transcrição)
I- O presente recurso tem por objecto a escolha, a medida da pena e a forma de execução da pena aplicada ao Recorrido, não se tendo conformado o recorrente com estes aspectos do acórdão proferido pelo tribunal colectivo.
II- Não faz sentido tecer quaisquer considerações sobre a escolha da pena neste caso concreto, uma vez que para os tipos de crime em causa a Lei apenas prevê pena de prisão, não havendo pena de multa em alternativa, relegando-se as conclusões sobre a possibilidade de suspensão da pena aplicada, para mais adiante.
III- No essencial, entendeu o Recorrente que as penas concretamente aplicadas ao Recorrido, quer no que respeita às penas parcelares, quer no que respeita à pena única, pelo concurso de crimes, não foram justas e adequadas, por serem demasiado benevolentes.
IV.O Recorrente fundamenta a sua discordância no facto de, em seu entender, o Tribunal a quo não ter respeitado os critérios legais de determinação da medida da pena, designadamente, os do art. 71° do CP, tendo em conta a culpa do Recorrido e a factual idade provada.
V- Em concreto, o Recorrente considerou que, circunstâncias como as enunciadas nas alíneas c), d) e e) do N°2 do art. 71° do CP não foram correctamente ponderadas pelo douto Tribunal a quo.
VI- Porém, cumpre salientar, desde logo, no que respeita aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e nos fins dos mesmos que, o Tribunal recorrido ponderou e bem o facto de, no caso sub judice, o Recorrido nunca se ter desnudado e masturbado na presença dos menores, nunca sequer lhes tendo pedido que lhes tocasse, o que, determinou que este caso fosse considerado como revestindo menor gravidade que muitos dos casos que ocorrem com frequência.
VII- A confissão integral e sem reservas foi, por seu turno, completamente desvalorizada pelo Recorrente que, neste ponto discordou também do douto acórdão recorrido, sustentando a sua posição em meios de prova dos quais o próprio prescindiu em sede de audiência de discussão e julgamento e ignorando por completo que a confissão é urna faculdade e não um dever do arguido c que pode ser usada, independentemente dos outros meios de prova.
Aliás,
VIII- quanto a este aspecto da confissão, desvalorizou também o Recorrente o arrependimento por parte do ora Recorrido que, o Tribunal a quo tinha entendido e bem valorizar, para efeitos de determinação da medida da pena.
IX- Relativamente às condições pessoais do arguido, entendeu o Recorrente que as mesmas não abonam em seu favor, com o que não pode o Recorrido concordar, sendo acertada a ponderação que o tribunal colectivo fez da sua idade, próxima da reforma que, entretanto requereu e demonstrou com o documento junto à presente resposta ao recurso.
X- também não assiste razão ao Recorrente no que toca à alegada falta de projecto de vida e de perspectiva de emprego por parte do Recorrido, tendo o mesmo entretanto encontrado um emprego, independentemente de ter requerido a reforma e o complemento solidário para idosos, conforme documentos que juntou à presente resposta.
XI- A alegada problemática de toxico-dependência do arguido encontra-se comprovadamente ultrapassada, conforme relatório social junto aos autos, pelo que não tinha de ser valorada contra o Recorrido, como bem entendeu o Tribunal e os transtornos psiquiátricos de que padece serão alvo de tratamento que o próprio consentiu e foi imposto como condição para o próprio regime de prova a que o Tribunal sujeitou a suspensão da pena de prisão aplicada ao Recorrido.
XII- Os antecedentes criminais do arguido não foram valorados e bem, de forma muito negativa, contrariamente ao que o Recorrente entende que deveriam ter sido, em virtude de o arguido não ter quaisquer antecedentes da mesma natureza.
XIII- Por último, salienta o Recorrente as elevadíssimas exigências de prevenção especial, exigências essas que foram tidas em consideração pelo Tribunal a quo, embora assim não o entenda, mas que foram equilibradas com o que o Tribunal entendeu e bem como reduzidas exigências de prevenção especial, face a todo o anteriormente exposto ao longo da presente resposta ao recurso.
XIV- Pelo que o douto acórdão recorrido não violou quaisquer disposições legais, mais concretamente, os arts. 40° e 71° do CP, ao decidir como decidiu, tendo em conta a sua
fundamentação, com a qual o Recorrido não pode deixar de concordar c, como tal, entende que as penas concretamente aplicadas foram justas e adequadas, não devendo, por consequência ser alteradas.
XVI- O que tem vindo a ser alegado ao longo da presente resposta ao recurso, tal como sucede neste último, não pode deixar de reflectir-se no entendimento sustentado quanto à pena única aplicada pelo Tribunal a quo aos crimes em concurso.
XVII- 0 Recorrente entende que a pena única aplicada, tendo em conta os seus limites mínimo e máximo, além dos critérios para a sua determinação, previstos no art. 77° CP, também c justa e adequada, não lendo havido qualquer violação desta disposição legal.
XVIII- No que respeita à suspensão da pena de prisão, entende O Reconcilie que a mesma, ainda que fosse correcta a aplicação de uma pena de prisão não superior a cinco anos, nunca deveria ter sido determinada, por em seu entender, não estarem asseguradas as finalidades da punição.
XIX- O Recorrente até admite como verificado o requisito formal de aplicação da suspensão da pena de prisão, o que não reconhece é o requisito material, o juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.
XX- Também neste aspecto não assiste qualquer razão ao Recorrente. Na verdade,
XXI- as exigências de prevenção especial não são tão elevadas como pretende dar a entender e foi justamente isso que o Tribunal recorrido teve em consideração.
XXII- Efectivamente, só não foi possível demonstrar antes que o arguido se encontra social e profissionalmente integrado porque o mesmo cumpriu cerca de dez meses de prisão preventiva, sendo restituído à liberdade no dia da leitura do acórdão recorrido.
XXIII- Sucede que, entretanto, o ora Recorrido encontrou um emprego, tendo começado a trabalhar, o que poderá ser sempre demonstrado em sede de acompanhamento do regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão, a acompanhar pela DGRSP.
XXIV- A problemática de toxico-dependência do Recorrido encontra-se ultrapassada, mantendo-se abstinente há cerca de treze anos, podendo vir a suceder o mesmo com o transtorno de personalidade borderline e a pedofilia, quando submetido a tratamento psico-terapêutico adequado que, o mesmo consentiu e foi determinado para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão, tendo aliás já sido dado o primeiro passo pelo próprio Recorrido ao pedir o encaminhamento para a especialidade médica de psiquiatria.
XXV- Relembre-se que, relativamente aos antecedentes criminais do recorrido, não existem antecedentes por crimes da mesma natureza, tendo tal sido devidamente ponderado pelo Tribunal a quo.
XXVI- É de salientar que as exigências de prevenção especial e até mesmo geral foram devidamente acauteladas pelo regime de prova a que o Tribunal recorrido sujeitou a execução da pena de prisão, bem como pela aplicação das penas acessórias em que o arguido foi condenado, contribuindo assim para que a simples censura ou ameaça de prisão sejam suficientes e adequadas a assegurar as finalidades da punição.
XXVII- As exigências de defesa do ordenamento jurídico estão também acauteladas pela inscrição do condenado no registo de condenados por crimes da natureza daqueles que estão em causa nos presentes autos, nos termos da Lei N°1 03/2015 de 24 de Agosto.
XXVIII- Pelo que bem decidiu o Tribunal colectivo em suspender a pena de prisão, não tendo violado também o art. 50° n.°1 do CP.
XXIX- Face a todo o exposto, deve manter-se integralmente a douta decisão recorrida nos seus precisos termos, quer no que respeita à medida das penas parcelares e da pena única aplicada ao arguido, quer no que respeita à suspensão da execução da pena de prisão.
5. Neste Tribunal, o Exm.° Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 759 a 763 defendendo a procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, ao que o arguido respondeu pugnando, mais uma vez, pela manutenção da decisão recorrida.
6. Após exame preliminar, determinou-se a remessa dos autos à conferência, após vistos legais, para os recursos aí serem julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.°, n.°3, al. c) do CPP, o que cumpre agora fazer.
II - Fundamentação
1. Questão Prévia
1.1. Da admissibilidade do recurso interposto pelo demandante civil.
Tal recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 746, decisão que não vincula este tribunal da Relação (art.° 414.°, n.°3 do C.P.P).
Nos termos do artigo 401.°, n.°1, al. c) do C.P.P., as partes civis têm legitimidade para recorrer, da parte das decisões contra cada uma proferidas. Quer isto dizer que a parte civil, não se tendo constituído assistente, não tem legitimidade para recorrer quanto à pena que for aplicada ao arguido.
Das conclusões da motivação do recurso do demandante civil F..., acima transcritas, resulta que o mesmo recorre apenas da pena que foi aplicada ao arguido, pugnando para a que a pena seja de prisão efectiva e não suspensa na sua execução, como foi decidido, e não do montante da indemnização em que o arguido/demandado foi condenado a pagar-lhe.
Não tem, pois, o demandante civil, legitimidade para recorrer do acórdão recorrido, nos termos em que o faz, razão pela qual ao abrigo do disposto nos artigos 420.°, n.°1, al. b), 414.°, n.°2 e 401.°, n.°1, al. c), do C.P.P., se rejeita o recurso por ele interposto.
Nos termos do art.° 420.°, n.°3 do C.P.P. há lugar á condenação do recorrente em taxa de justiça que se fixa em 3UC.
2. Das questões a decidir
É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Das conclusões apresentadas pelo recorrente, Ministério Público, que condensam as razões da sua impugnação, resulta que a questão a apreciar é apenas de direito e tem a ver com a medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas por cada um dos crimes e a pena única, que pretende ver fixada em 7 anos de prisão.
Para o caso dessa pretensão não proceder importa apreciar a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão que foi aplicada ao arguido.
3. Apreciação
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos que, por não terem sido impugnados, nem evidenciarem qualquer vício decisório, de conhecimento oficioso, se têm como definitivamente assentes:
1. O arguido J... foi contratado, mediante outorga de contrato de trabalho a termo certo, para exercer funções de monitor juvenil, a partir de 2 Agosto de 2007, na «ABLA - Associação de Beneficência Luso-Alemã», sedeada na Praceta Infante D. Henrique, n.°80, Quinta do Junqueiro, cm Carcavelos, o qual era renovado automaticamente.
2. A ABLA assegura as valências de creche, pré-eseolar e componente de apoio aos tempos livres, tanto em período de férias como em tempo de aulas, com acompanhamento ao estudo.
3. No âmbito das suas funções, o arguido ministrava explicações e acompanhava escolarmente crianças que ali se dirigiam após o final das aulas, para além de organizar e assegurar a valência de Actividades de Tempos Livres, vulgo ATL, após o final das aulas c no período das férias escolares.
4. Nesse contexto, desde a data em que foi admitido ao serviço da ABLA, o arguido passou a manter contacto, de forma quotidiana, com crianças que frequentavam a ABLA.
5. Tal sucedeu com os ofendidos F..., nascido a 3 Junho de 2002, T..., nascido a 31 dc Outubro de 2002, P..., nascido a 8 de Agosto de 2002, J..., nascido em 29 de Maio de 2001, c R..., nascido em 28 de Março de 2003.
6. Prevalecendo-se da proximidade que gozava dos ofendidos por força do exercício das suas funções, e bem assim da confiança e laços de afectividade que logrou estabelecer com os ofendidos e respetivos progenitores, o arguido conseguiu manter contactos de natureza sexual com os ofendidos, pese embora sempre estivesse estado bem ciente das suas idades.
7. Para esse efeito, o arguido envidava encontrar-se sozinho com estes menores quando lhes dava explicações ou quando os levava a pernoitar em sua casa.
8. O ofendido F..., nascido a 3 Junho de 2002, conheceu o arguido quando tinha cerca de oito anos, na ABLA, altura em que o arguido já aí exercia funções.
9. O ofendido passou então a frequentar actividades organizadas pelo arguido no ATL, designadamente jogos de futebol.
10. Quando o ofendido conheceu o arguido, este já residia na R…, V…, rés-do-chão, cm Carrascal de Manique, onde habitou até Setembro de 2013, quando passou a residir em morada não apurada, sita em São Marcos, Sintra.
11. Por força do contacto que ia mantendo com o menor e a respetiva família, o arguido granjeou laços de confiança com I..., mãe do ofendido, que não se opôs a que o arguido passasse a levar o ofendido a pernoitar em sua casa, quando ainda residia em Carrascal de Manique.
12. Assim, em data não apurada, quando o ofendido contava cerca de dez anos de idade, do que o arguido estava bem ciente, o arguido passou a levá-lo para pernoitar em sua casa, o que sucedia aos fins de semana.
13. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T... e R....
14. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
15. Assim, nessas circunstâncias, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
16. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
17. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
18. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
19. Após passar a residir em São Marcos, o arguido continuou a levar o ofendido para pernoitar em sua casa, aos fins de semana.
20. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T..., J... e R....
21. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
22. Assim, nessas circunstâncias, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
23. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
24. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
25. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
26. Em ocasiões de datas não apuradas, sempre aos fins de semana, quando o ofendido ainda não tinha atingido os 13 anos de idade, o arguido conduziu o ofendido também á residência de um seu familiar, sita na A…, número …, 3° esquerdo, em Lisboa.
27. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T... e R....
28. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
29. Assim, nessas circunstâncias, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
30. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
31. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
32. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
33. Sempre que o arguido partilhou o leito com o ofendido nas referidas três residências, na noite seguinte fazia-o com outro dos ofendidos.
34. Em Novembro de 2015, o ofendido cursava o oitavo ano de escolaridade.
35. Nessa altura, a mãe do ofendido, atendendo que este começou a baixar as notas escolares, e porque tinha confiança no arguido, combinou com o mesmo que iria dar explicações ao ofendido, aos Sábados de manhã, na sua residência, sita na Rua 25 de Abril, número 282, em São Domingos de Rana.
36. A partir de Abril de 2016, altura do início do 30 período escolar, as explicações aconteciam também às quartas-feiras, no mesmo local.
37. As explicações tinham lugar no quarto do ofendido, á porta fechada, sem a presença de qualquer terceiro.
38. As explicações decorreram até ao dia 29 de Junho de 2016.
39. Em todas as ocasiões em que o arguido compareceu na casa do ofendido para lhe dar explicações, o arguido prevaleceu-se do facto de estar a sós com o ofendido para lhe dirigir contactos do foro sexual.
40. Assim, numa das primeiras sessões, logo em Novembro de 2015, o arguido começou a massajar as pernas do ofendido, a pretexto de este ter as pernas doridas, por força da prática do futebol.
41. Então, pese embora bem ciente que o ofendido tinha apernas 13 anos de idade, o arguido colocou a mão sobre o pénis do ofendido, por dentro da roupa, e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
42. Em todas as sessões seguintes, até 3 de Junho de 2016, data em que o ofendido perfez 14 anos de idade, o arguido colocou a mão sobre o pénis do ofendido, por dentro da roupa, e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
43. Após 3 de Junho de 2016, quando o ofendido contava apenas 14 anos de idade, de que o arguido estava bem ciente, em todas as sessões o arguido colocou a mão sobre o pénis do ofendido, por dentro das roupa, e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, cm acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
44. Em 29 de Junho de 2016, pelas 13 horas, o arguido encontrava-se na casa do ofendido.
45. Então, o arguido colocou a mão sobre o pénis do ofendido, por dentro das roupas, e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, enquanto lhe dizia Estás agostar? E bom, não é?' o que foi presenciado pela mãe do ofendido.
46. O ofendido T..., nascido a 31 de outubro de 2002, conheceu o arguido quando unha cerca de nove anos, na ABLA, altura em que o arguido já aí exercia funções.
47. Quando o ofendido conheceu o arguido, este já residia na R…, V…, rés-do-chão, em Carrascal de Manique, onde habitou até Setembro de 2013, quando passou a residir em morada não apurada, sita em São Marcos, Sintra.
48. Por força do contacto que ia mantendo com o menor e a respetiva família, o arguido granjeou laços de confiança com S..., mãe do ofendido, que não se opôs a que o arguido passasse a levar o ofendido a pernoitar em sua casa, quando ainda residia em Carrascal de Manique.
49. Assim, em data não apurada, quando o ofendido contava cerca de dez anos de idade, do que o arguido estava bem ciente, o arguido passou a levá-lo para pernoitar em sua casa, o que sucedia aos fins de semana.
50. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos F... e R....
51. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
52. Assim, nessas circunstâncias, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
53. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
54. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
55. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
56. Quando assim actuava, o arguido declarava ao ofendido que lhe fazia aquilo para lhe estimular o corpo, que não havia mal.
57. Após passar a residir em São Marcos, o arguido continuou a levar o ofendido para pernoitar em sua casa, aos fins- de-semana.
58. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos F..., J... e R....
59. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
60. Assim, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
61. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
62. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
63. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
64. Em ocasiões de datas não apuradas, sempre aos fins-de-semana, quando o ofendido ainda não tinha atingido os 13 anos de idade, o arguido conduziu o ofendido também á residência de um seu familiar, sita na Avenida António Augusto Aguiar, número 11, 3° esquerdo, em Lisboa.
65. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos F..., J... e R....
66. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
67. Assim, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
68. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
69. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
70. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido c sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
71. Sempre que o arguido partilhou o leito com o ofendido nas referidas três residências, na noite seguinte fazia-o com outro dos ofendidos.
72. Em data não apurada do ano de 2015, no decurso do terceiro período escolar, quando o ofendido tinha cerca de 13 anos de idade, do que o arguido estava bem ciente, o ofendido passou a receber explicações da parte do arguido, o que aconteceu com o consentimento da mãe do ofendido, por confiar no arguido.
73. Tais explicações decorriam às quartas-feiras e aos Sábados de manhã, na casa do ofendido, sita na Rua Virgínia Rau, número 99, 30 direito, em São Domingos de Rana.
74. Nessas ocasiões, com as mãos, o arguido tocava e acariciava o pénis do ofendido.
75. No fim de semana compreendido entre 10 e 12 de Julho de 2016, o arguido conduziu o ofendido á residência sita na A…, número …, 30 esquerdo, em Lisboa.
76. Nesse local, o arguido deitou-se com o ofendido na mesma cama, acariciando-o no pénis, com as mãos.
77. O ofendido R..., nascido a 28 de Março de 2003, conheceu o arguido quando tinha cerca de oito anos, na ABLA, altura em que o arguido já aí exercia funções.
78. Por essa altura, o pai do ofendido foi admitido a trabalhar por conta da ABLA como cozinheiro, travando assim o arguido conhecimento com os pais do ofendido.
79. O ofendido passou então a frequentar actividades organizadas pelo arguido no ATL, designadamente jogos de futebol.
80. Quando o ofendido conheceu o arguido, este já residia na R…, V…, rés-do-chão, em Carrascal de Manique, onde habitou até Setembro de 2013, quando passou a residir em morada não apurada, sita em São Marcos, Sintra.
81. Por força do contacto que ia mantendo com o menor e a respetiva família, o arguido granjeou laços de confiança com os pais do ofendido, que não se opuseram a que o arguido passasse a levar o ofendido a pernoitar cm sua casa, quando ainda residia em Carrascal de Manique.
82. Assim, em data não apurada, quando o ofendido contava cerca de dez anos de idade, do que o arguido estava bem ciente, o arguido passou a levá-lo para pernoitar em sua casa, o que sucedia aos fins-de-semana.
83. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T... e F....
84. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
85. Assim, nessas circunstâncias, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
86. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
87. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
88. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, o que levou o ofendido a ejacular em algumas dessas ocasiões.
89. Após passar a residir em São Marcos, o arguido continuou a levar o ofendido para pernoitar em sua casa, aos fins-de-semana.
90. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T..., J... e F....
91. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
92. Assim, em ocasiões de número não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
93. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
94. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
95. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
96. Em ocasiões de datas não apuradas, sempre aos fins de semana, quando o ofendido ainda não contava 14 anos de idade, o arguido conduziu o ofendido também á residência de um seu familiar, sita na Avenida António Augusto Aguiar, número 11,3° esquerdo, em Lisboa.
97. Nessas ocasiões, o arguido fazia-se acompanhar também de outros menores, como fosse os ofendidos T... e R….
98. Nessas ocasiões, o arguido escolhia qual dos menores partilharia a cama consigo durante a noite.
99. Assim, em ocasiões de numero não apurado, o arguido ordenou ao ofendido que partilhasse a cama consigo, durante a noite.
100. Nessas ocasiões, arguido e ofendido deitavam-se na mesma cama, lado a lado.
101. De seguida, o arguido desnudava o ofendido da cintura para baixo, assim expondo o seu pénis.
102. Acto contínuo, com as mãos, o arguido tocava o pénis do ofendido e sobre este efectuava movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação, até o ofendido ejacular.
103. Sempre que o ofendido pernoitou nas residências a que foi conduzido pelo arguido, este fez o ofendido partilhar o leito consigo, e tocou e acariciou-lhe o pénis da forma descrita.
104. Sempre que o arguido partilhou o leito com o ofendido nas referidas três residências, na noite seguinte fazia-o com outro dos ofendidos.
105. O ofendido P..., nascido a 8 de Agosto de 2002, conheceu o arguido quando tinha cerca de dez anos, na ABLA, altura cm que o arguido já aí exercia funções.
106. O ofendido passou a partir dessa altura a receber explicações da parte do arguido, sempre nas instalações da ABLA, na Praceta Infante D. Henrique, n.°80, Quinta do Junqueiro, em Carcavelos, sendo que desde logo o arguido ficou bem ciente da idade do ofendido.
107. As explicações, que decorriam às segundas-feiras, ocorriam sem a presença de qualquer terceiro.
108. Quando o ofendido contava doze anos de idade, o arguido passou a prevalecer-se do facto de estar só com o ofendido durante as explicações que ocorriam às segundas-feiras, e encetou contactos de natureza sexual com o mesmo.
109. Assim, em todas as sessões que ocorriam á segunda-feira, usando as mãos, o arguido massajava a perna do ofendido, e acariciava o pénis do ofendido, por baixo da roupa.
110. Em data não apurada, compreendida no terceiro período escolar do sétimo ano da carreira escolar do ofendido, quando este tinha ainda doze anos de idade, o ofendido deslocou-se á casa de banho existente nas instalações da ABLA, para urinar.
111. Então, quando o ofendido tinha o pénis fora das calças, o arguido abeirou-se de si, e, com a mão, tocou o pénis do ofendido, sobre este efectuando movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação.
112. O ofendido J..., nascido a 29 de Maio de 2001, conheceu o arguido quando tinha cerca de oito anos, na ABLA, altura em que o arguido já aí exercia funções.
113. Por força do contacto que ia mantendo com o menor c a respetiva família, o arguido granjeou laços de confiança com C..., mãe do ofendido, que não se opôs a que o arguido passasse a levar o ofendido a pernoitar em sua casa, quando ainda residia em Carrascal de Manique.
114. Nesse contexto, quando o ofendido contava ainda 13 anos de idade, do que o arguido estava bem ciente, em pelo menos três ocasiões de datas não apuradas o arguido levou o ofendido a pernoitar em sua casa, quando este habitava cm São Marcos.
115. Na primeira dessas ocasiões, usando as mãos, o arguido tocou no pénis do ofendido, primeiro por cima da roupa, de seguida por baixo da roupa.
116. Numa segunda ocasião, usando as mãos, o arguido acariciou o pénis do ofendido.
117. Numa terceira ocasião, usando as mãos, o arguido tocou o pénis do ofendido e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, cm acto de masturbação.
118. Tais ocasiões ocorreram todas antes do dia 28 de Maio de 2015, data em que, por escrito endereçado á administração da ABLA, o arguido se comprometeu a deixar de residir nos concelhos de Cascais, Oeiras e Sintra, bem como de contactar crianças ou jovens que frequentassem ou tivessem frequentado as instalações da ABLA.
119. Ao agir da forma descrita nos artigos 8° a 42°, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido F..., bem sabendo que o mesmo era menor de 14 anos
120. Bem sabia c não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando e masturbando o ofendido F..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
122. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por sua mãe, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
123. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, ministrando explicações ao ofendido e organizando c assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
124. Ao agir da forma descrita nos artigos 43° a 45°, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido F..., bem sabendo que o mesmo tinha 14 anos de idade.
125. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando e masturbando o ofendido F..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
126. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por sua mãe, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
127. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da inexperiência do ofendido no campo da sexualidade.
128. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, ministrando explicações ao ofendido e organizar e assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
129. Ao agir da forma descrita nos artigos 46° a 76°, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido T..., bem sabendo que o mesmo era menor de 14 anos de idade.
130. Bem sabia c não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando c masturbando o ofendido T..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
131. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por sua mãe, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
132. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, ministrando explicações ao ofendido e organizar e assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
133. Ao agir da forma descrita nos artigos 77° a 104, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido R..., bem sabendo que o mesmo era menor de 14 anos de idade.
134. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando e masturbando o ofendido R..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
135. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por seus pais, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
136. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, organizando e assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
137. Ao agir da forma descrita nos artigos 105° a 111°, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido P..., bem sabendo que o mesmo era menor de 14 anos de idade.
138. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando e masturbando o ofendido P..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
139. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por seus pais, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
140. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, ministrando explicações ao ofendido e organizando e assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
141. Ao agir da forma descrita nos artigos 112° a 118°, não ignorava nem podia ignorar o arguido a idade do ofendido J..., bem sabendo que o mesmo era menor de 14 anos de idade.
142. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que ao actuar desta forma, acariciando e masturbando o ofendido J..., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do ofendido na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
143. Para atingir tal objetivo, não se coibiu o arguido de se prevalecer da confiança em si depositada pelo ofendido e por seus pais, por força das funções que exercia, que lhe garantiam proximidade constante ao ofendido.
144. Não ignorava nem podia ignorar o arguido que, por força das funções que exercia, organizando e assegurando a valência de Actividades de Tempos Livres na ABLA, o mesmo emergia aos olhos do ofendido numa posição de dominância hierárquica, circunstâncias de que se prevaleceu para concretizar o seu intento.
145. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem todas as suas descritas condutas proibidas e punidas por lei.
- Provou-se ainda que:
145. O arguido é um de cinco filhos de um casal de mediana condição socioeconómica e integrou o agregado de origem até aos dezassete anos de idade.
146. Segundo relato do arguido, aos seus oito anos de idade, foi vítima de actos de abuso sexual perpetuados pelo avô materno durante cerca de dois anos, nunca tendo denunciado esses abusos aos progenitores, sendo que mais tarde, diz, o avô viria a cometer o suicídio por outras razões.
147. A saída do arguido do lar familiar terá ocorrido na sequência das desavenças com a progenitora, uma vez que esta apesar de afectiva, era igualmente muito autoritária e rígida na imposição de regras no seio familiar.
148. Na sequência dessa conflituosidade com a progenitora, o arguido terá optado por ir viver com a avó paterna, mas manteve o contacto estreito com os pais e irmãos, com visitas regulares, onde optava por pernoitar frequentemente na habitação dos pais.
149. O arguido teve um percurso escolar com bom aproveitamento onde viria a concluir o ensino secundário e depois ingressado no ensino superior, que veio a interromper aos vinte e um anos de idade, por entretanto ter sido convocado para o serviço militar obrigatório, que cumpriu na Guiné durante cerca de dois anos.
150. Com o regresso à vida civil o arguido optou por uma estadia no Brasil, onde contou com o acolhimento de familiares ali residentes, e permaneceu cerca de três anos, (de 1974 a 1977) tendo nesse período e com o apoio desses familiares, trabalhado em diferentes sectores profissionais, nomeadamente no ramo da hotelaria, turismo, e como professor.
151. Aquando da frequência da faculdade em Lisboa o arguido iniciou o consumo de substâncias estupefacientes, sendo que foi no Brasil que veio a desenvolver forte dependência aditiva com consumos de maconha e cocaína.
152. Regressado a Portugal em 1979, tendo previamente realizado uma viagem pela Europa durante cerca de um ano, período onde veio a agravar a dependência aditiva, o arguido manteve consumos de estupefacientes por via endovenosa, envolvendo-se em práticas delituosas que culminaram na sua primeira condenação judicial.
153. O arguido fugiu para a Bélgica, país onde viria a ser condenado, numa pena de seis meses de prisão efectiva por tráfico de estupefacientes, sendo que no termo dessa pena, o arguido foi extraditado para Portugal, onde voltou a cumprir pena de prisão efectiva.
154. Após o cumprimento da pena, o arguido continuou os consumos de heroína e cocaína e residência irregular entre Lisboa e Algarve, envolvendo-se em novos delitos.
156. No último cumprimento de pena decorrido no Estabelecimento Prisional de Lisboa realizou tratamento para a problemática aditiva com recurso a antagonista metadona, tendo também concluído várias formações profissionais. O seu comportamento institucional foi regular tendo beneficiado de várias saídas jurisdicionais.
157. O período que se seguiu em liberdade foi marcado pela reintegração do arguido na habitação materna durante cerca de dois meses, tendo de seguida ficado acolhido na instituição Desafio Jovem com o objectivo de desvincular-se das drogas, o que terá atingido essa meta passados dois anos.
158. A sua colocação laborai como monitor em apoio escolar de crianças terá sido conseguido com o apoio do Desafio Jovem, função que exerceu até ao ano de 2015, com remuneração salarial na ordem dos 600 euros mensais e benefício de vínculo laborai.
159. Nos primeiros oito anos nessas funções, o arguido viveu sozinho em apartamento arrendado na zona de Manique, sendo que posteriormente arrendou outra habitação na zona de São Marcos.
160. Em Maio de 2015 teve lugar a rescisão do seu contrato com o estabelecimento de ensino onde exercia funções como monitor na sequência de queixa de uma mãe por alegados abusos sexuais para com o filho menor, seguindo-se uma fase de inactividade laborai que, por falta de meios económicos, o terá forçado a reintegrar o agregado materno.
161. O arguido verbaliza estar consciente da gravidade dos actos pelos quais vem acusado, não deixando de verbalizar de forma repetitiva o seu próprio desconhecimento quanto às razões que o levaram a ter/manter esses comportamentos para com terceiros menores.
162. A data da prática dos factos o arguido apresentava um quadro clinico compatível com Síndrome de dependência de múltiplas substâncias, actualmente abstinente associado a Transtorno Borderline da Personalidade e Pedofilia.
163. A data dos factos o arguido encontrava-se, há cerca de 12 anos até então, em fase de abstinência da dependência de químicos de que padeceu, o Transtorno de Personalidade de que padece encontrava-se em fase compensada e os comportamentos pedófilos haviam-se iniciado cerca de 2 - 3 anos antes da denúncia dos mesmos.
164. Na altura da prática dos factos o arguido possuía a capacidade para avaliar o carácter proibido dos actos que praticou ou para se determinar de acordo com essa avaliação.
165. O estado das doenças de que o arguido padece não era susceptível de diminuir a capacidade de o arguido avaliar o carácter proibido dos actos que praticou ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
166. Existe probabilidade de recidiva.
167. A data da prática dos factos o arguido era imputável.
168. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado:
a) por acórdão de 27.03.1990, e proferido no processo de querela n.° 14/80, do 4.° Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, de um crime de furto e de um crime de burla, na pena de 22 meses de prisão, substituída por multa de 43.200S00;
b) por acórdão de 23.11.1984, e proferida no processo de querela n.° 369/81, do 3.° Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, de um crime de furto qualificado, de um crime de introdução em casa alheia e um crime de burla, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;
c) por acórdão de 26.09.1990, e proferida no processo de querela n.° 4863/87, do 1.° Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, de um crime de burla agravada e outro, na pena de 15 anos de prisão e 200.000S00 de multa;
d) por acórdão de 29.06.1992, e proferida no processo de querela n.°360/89, do Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão, cuja pena foi perdoada;
e) por acórdão de 29.06.1992, c proferida no processo de querela n.° 180/90, do Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão, cuja pena foi perdoada;
f) por acórdão de 04.01.1994, e proferido no processo de querela n.° 494/92.6 , da 1. Vara Criminal de Lisboa, pela prática, de um crime de furto e de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, na pena de 16 anos de prisão e 200.000S00 de multa;
g) por acórdão de 13.07.1999, e proferido no processo n.° 15/99, do Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, em 21.07.1998, de um crime de roubo, um crime de furto e um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 5 anos de prisão, sendo que 1 ano foi perdoado;
h) por acórdão de 23.05.2000, e proferido no processo n.° 664/2000, do Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, em 23.05.1998, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, sendo que 1 ano foi perdoado;
i) por acórdão de 24.10.2005, e proferido no processo n.° 211 /04.0 JELSB, da 4.° Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 11.06.2004, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com regras de conduta;
168. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que praticou e demonstrou arrependimento sincero da sua prática.
169. Na sequência dos factos descritos de 8. a 45. e 119. a 122. o ofendido diminuiu o seu desempenho escolar, encontrando-se em vias de chumbar no presente ano lectivo em curso.
170. Anda mais isolado e com dificuldades de relacionamento.
171. Encontra-se profundamente afectado psicologicamente, sente-se magoado e constrangido.
172. O ofendido sente-se abalado psicologicamente, pela vergonha, perturbação, desgosto, vexame, tristeza por que passou e tem passado.
3.1. Das penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes
Não estão em causa os factos dados como provados nem a sua qualificação jurídico-penal, que o tribunal integrou na prática de cinco crimes de abuso sexual p. e p. pelos artigos 171.°, n.°1 e 177.°, n.°1, al. b) do Código Penal.
Tal crime é punido com pena de 1 ano e 4 meses de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão.
O tribunal recorrido fixou em 2 anos de prisão a pena por cada um desses crimes tendo considerado para tanto as seguintes circunstâncias:
« a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, que se traduzem: nos concretos actos de abuso praticados pelo arguido de masturbar os ofendidos; na idade dos menores quando foram vítimas dos abusos, sendo tanto maiores a ilicitude e a gravidade das consequências do facto quanto menor for a idade dos ofendidos, atento o menor grau de maturidade psicológica c sexual;
b) A intensidade do dolo, que é directo em relação a todos os crimes, pelo que maior é a respectiva intensidade;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos que o determinaram, sendo de realçar que o arguido agiu com o fim de satisfazer os seus instintos sexuais, procurando obter excitação sexual (sendo que o arguido apenas se masturbava quando já não estava na presença dos menores e sendo ainda certo que o arguido nunca se desnudou na presença dos menores, nem tão pouco pediu aos menores que o masturbassem ou tocassem);
d) A condição pessoal do arguido e a sua situação económica, valorando-se em especial a idade do arguido, já avançada;
e) A conduta anterior aos factos e a posterior a estes, havendo a ponderar que o arguido não tem antecedentes criminais quanto a este tipo de ilícito e que o mesmo confessou integralmente sem reservas os factos de que vinha acusado, denotando tal confissão que interiorizou processualmente o desvalor das suas condutas, demonstrando também arrependimento sincero.»
Considerou ainda, «serem elevadas as exigências de prevenção geral; é sabido que o crime praticado pelo arguido merece a nível social uma grande repulsa (veja-se ainda, a este respeito, a[s] sucessiva[s] agravação[ões] da respectiva moldura penal) e serem «moderadas as exigências de prevenção especial, atenta a ausência de antecedentes criminais do arguido quanto a este tipo de ilícito.»
E ainda que «os concretos actos praticados pelo arguido não são dos mais gravosos em termos de desvalor da acção (note-se que se trataram de actos de masturbação dos ofendidos, sendo que o arguido nunca se desnudou perante os menores, nem se masturbou em frente dos menores, nem sequer solicitou aos menores que o masturbassem ou lhe tocassem). Por seu turno, convém não olvidar que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que praticou, demonstrando arrependimento sincero da sua prática. Por sim, refira-se que é elevada a culpa do arguido, pelo que se impõe que o mesmo adquira plena consciência do erro e da rejeição social que tais condutas provocam, esperando-se que a sanção a aplicar permita ao arguido entender e assimilar os valores subjacentes à(s) norma(s) por si violadas.»
O Ministério Público impugna as penas parcelares concretas por considerar que as mesmas, dentro dos limites legais estabelecidos, não se mostram justas nem adequadas ao grau de ilicitude dos factos, à intensidade do dolo e culpa do arguido, às circunstâncias da vida pessoal do arguido e às exigências de prevenção geral, que qualifica de elevadíssimas, pedindo o agravamento das mesmas para 3 anos e 6 meses no caso do crime de abuso sexual praticado na pessoa de F… e para 3 anos nos restantes quatro crimes de abuso sexual.
Vejamos:
Estabelece o artigo 71.°, n.°1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena é feita, dentro da moldura legal, «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». E o n.°2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.°3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.°, n.°1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Segundo Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.°2, Abril-Junho de 2002), são três as proposições que devem determinar a medida da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».
Nessa mesma linha de raciocínio pode ler-se no Ac. do STJ de 20/02/2008, proferido no Proc.4724/07 (acessível em http://www.dgsi.pt/jstj) «a medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção - e reforço - da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal) o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresente, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa».
De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente e o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.
A pena justifica-se, portanto, dentro do limite imposto pela culpa do agente, considerando as necessidades de reinserção social reveladas por este, mas também, no que respeita às exigências de prevenção geral positiva, auscultando as expectativas comunitárias de reacção a certo crime.
No caso, o tribunal recorrido entendeu punir da mesma forma todos os crimes praticados pelo arguido.
O arguido actuou sempre com dolo directo e intenso, tendo o seu desígnio criminoso persistido ao longo de vários anos relativamente a algumas das vítimas designadamente aos menores F..., T... e Rodrigo Elias, impondo-se, pois, por força do maior desvalor da acção e do resultado, que os factos provados reflectem, fazer uma diferenciação ao nível das penas concretas a aplicar.
Se é verdade que o arguido não praticou com aqueles menores actos sexuais dos mais gravosos, tendo-se limitado a, depois de ganhar a sua confiança e atenção, dormir com eles, e, nessa altura, desnudá-los da cintura para baixo e praticar nos mesmos actos de ejaculação ou masturbação, dessa forma satisfazendo a sua libido, o que faz dele um abusador sexual, o certo é que tais abusos foram praticados pelo arguido de forma compulsiva e reiterada, ao longo de meses, em diversas residências, onde pernoitava com os menores, quando estes tinham apenas 10 anos e só terminaram quando os menores já tinham feito 13 anos, mas ainda não haviam completado os 14 anos.
No caso do menor F... (factos provados sob os pontos 8 a 45), tais abusos começaram no ano de 2012 até à altura em que o arguido foi dispensado do estabelecimento onde trabalhava e onde conheceu os menores (Maio de 2015) vindo a ser retomados a partir de Novembro de 2015 quando o arguido, que entretanto ganhara a confiança da mãe do menor e a pedido desta, começou a dar explicações ao menor na sua residência, até 29 de Junho de 2016, data em que a mãe do menor surpreendeu o arguido a masturbar o seu filho. Também aí, durante as explicações, o arguido não só acariciava o pénis do menor como praticava nele actos de masturbação idênticos aos que praticava quando com ele dormia.
O mesmo aconteceu com o menor T... (factos provados sob os pontos 46 a 76), em que o mesmo tipo de abusos começou quando aquele tinha 10 anos, nos mesmos locais, por diversas vezes, até o menor ter completado os 13 anos, e continuaram, a partir de data não apurada do terceiro período de 2015, na residência do menor onde o arguido lhe ia dar explicações, aqui apenas na modalidade de carícias que o arguido fazia ao pénis do menor, sendo que no fim-de-semana compreendido entre 10 e 12 de Julho de 2016, o arguido conduziu o ofendido à residência sita na Avenida António Augusto Aguiar, em Lisboa e aí deitou-se com o menor na mesma cama, acariciando-o no pénis, com as mãos.
Também com o menor R... (factos provados sob os pontos 77 a 104), o arguido teve um comportamento reiterado de abusos sexuais, levando-o a pernoitar com ele, juntamente com os outros menores, nas mesmas residências, quando o menor tinha 10 anos, ou seja a partir de Março de 2013, até o menor ter completado os 13 anos, tendo com ele praticado o mesmo tipo de actos sexuais, durante quase três anos.
Já com o menor P... (factos provados sob os pontos 105 a 111), a acção do arguido limitou-se apenas a dois actos, quando o menor tinha 12 anos: uma ocasião, durante as explicações que o arguido lhe dava nas instalações da ABLA, em que o arguido lhe acariciou o pénis e massajou-lhe a perna por debaixo da roupa e quando o menor se encontrava na casa de banho a urinar, em que o arguido lhe acariciou o pénis e o fez ejacular.
Relativamente ao menor J... (factos provados sob os pontos 112 a 118), quando este tinha 13 anos, o arguido levou-o a pernoitar na sua residência em S. Marcos e, na primeira vez, tocou no pénis do menor, primeiro por cima da roupa e depois por baixo da roupa, na segunda vez, acariciou-lhe o pénis e, da terceira, tocou o pénis do menor e sobre este efectuou movimentos sucessivos, ritmados, de trás para a frente, em acto de masturbação.
Sendo comum associar as experiências de abuso ou de violência sexual na infância a perturbações psicológicas e comportamentais na vida adulta, sem dúvida que os actos de abuso perpetrados pelo arguido relativamente aos três primeiros menores, e em especial aos dois primeiros, pela sua reiteração no tempo e pela sua natureza, diríamos que compulsiva, são bem mais graves do que os praticados, de forma ocasional, nos menores P... e J....
Entendemos por isso que, face ao maior desvalor da acção e do resultado, com consequências que, só a longo prazo, com o crescimento dos menores, se tornarão mais visíveis, tendo em conta a natureza dos actos praticados pelo arguido, o demais circunstancialismo que o tribunal sopesou na medida concreta das penas, designadamente: os antecedentes criminais do arguido, que embora não sendo por crime de abuso sexual evidenciam uma personalidade que, há muito, se afastou da normatividade social e enveredou por uma vida marginal, com um alto défice ao nível do relacionamento pessoal e social; a confissão dos factos, pouco relevante face ao relato dos factos que foi feito pelas vítimas, ainda antes de o arguido prestar quaisquer declarações e desacompanhada, a nosso ver, de actos sinceros de arrependimento pois apesar de o tribunal considerar que o arguido se mostrou arrependido não deu como provado qualquer facto concreto que evidencie tal arrependimento, ponderadas as especiais exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crimes, entendemos que se mostram adequadas e não ultrapassam a culpa do arguido, as seguintes penas parcelares:
- 3 anos de prisão pelo crime de abuso sexual praticado na pessoa do menor F...;
- 3 anos de prisão pelo crime de abuso sexual praticado na pessoa do menor T...;
- 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de abuso sexual praticado na pessoa do menor Rodrigo Elias;
E manter em 2 anos de prisão a pena aplicada pelos restantes crimes de abuso sexual, em que são ofendidos P... e J.... Termos em que procede parcialmente esse segmento do recurso.
3.2. Da medida da pena conjunta
O arguido foi condenado na pena única de 5 anos de prisão.
De acordo com o disposto no art.° 77 ° n.°s 1 e 2 do C. Penal a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Por força da alteração das penas parcelares os limites para o cúmulo jurídico passaram a ser de 3 anos (pena parcelar mais grave) a 12 anos e 6 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares).
Na fixação da pena correspondente ao concurso é factor determinante a personalidade do agente espelhada na prática dos factos e o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, no que importa avaliar a gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Como refere Cristina Líbano Monteiro (in A Pena Unitária do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.° 1, págs. 151 a 166) «o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de urna «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.»
No mesmo sentido aponta o acórdão do S.T.J., de 23 de Novembro de 2010, Processo n.° 93/10.2TCPRT.S1, acessível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler:
«A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na
personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois fatores.
Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.
Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma sanção de síntese, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto».
A pena conjunta é, assim, uma pena voltada para ajustar a sanção, dentro da moldura formada a partir das concretas penas singulares, devendo ter-se em conta na sua fixação os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso (acórdão do S.T.J., de 31 de Março de 2011, acessível em www.dgsi.pt)
No caso em apreço, estamos perante cinco crimes de abuso sexual agravado, em menores, entre os 10 e os 13 anos, a revelarem, pela natureza dos actos em si mesmos (o arguido acariciava o sexo dos menores e/ou desnudava-os da cintura para baixo para lhes acariciar o sexo e praticar no mesmo actos de ejaculação e de masturbação dos menores dos menores e de masturbação) e pela repetição dos mesmos actos abusivos ao longo de meses, com os mesmos menores, não só uma representação inadequada da sexualidade e eventualmente alguma disfunção sexual do arguido mas, também, um transtorno parafílico, necessariamente correlacionado com os abusos sexuais que o arguido referiu ter sofrido quando era criança por parte do seu avô, a revelar ser o arguido um abusador sexual que, ao contrário do molestador sexual se caracteriza, principalmente, por atitudes mais subtis e discretas no abuso sexual, geralmente utilizando carícias e em que a vítima não se vê violentada (cf. António de Pádua Serafim in Perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças).
Não estamos apenas perante actos perversos, ocasionais determinados por circunstâncias especiais da vida do arguido mas antes perante a continuidade do comportamento de um transtorno psicossexual. O facto de o arguido não ter condenações anteriores pela prática deste tipo de crime não significa que os não tenha praticado. Podem é não ter sido denunciados e por isso não pode essa circunstância ser utilizada para favorecer o arguido.
Os factos mais graves ocorreram ao longo de anos e os bens jurídicos violados pelo arguido foram bens eminentemente pessoais, tendo ficado por apurar a real amplitude dos danos causados pelo arguido aos menores, que só o futuro revelará.
É manifesta, por conseguinte, a estreita conexão, temporal, de motivação e actuação, entre os crimes cometidos pelo recorrente, descortinando-se uma homogeneidade no que concerne aos meios utilizados para o cometimento dos crimes que reiterou - de abuso sexual - e quanto aos bens jurídicos afetados.
O arguido tem um percurso criminal com várias condenações, algumas delas em penas de prisão que cumpriu e um percurso de vida complexo marcado pelo uso excessivo de drogas apresentando, à data da prática dos factos, um quadro clínico compatível com Síndrome de dependência de múltiplas substâncias, actualmente abstinente associado a Transtorno Borderline da Personalidade e Pedofilia.
A pedofilia é urna condição psicológica, provavelmente incurável, para a qual ainda há poucas alternativas de tratamento. É, em resumo, urna espécie de orientação sexual com preferência etária, que quando se exterioriza é merecedora de uma severa censura social e penal.
Não obstante o arguido ter agora 65 anos e à data dos factos se encontrar, desde há cerca de 12 anos, em fase de abstinência da dependência de químicos, o transtorno de personalidade de que padece se encontrar em fase compensada e os comportamentos se terem iniciado cerca de 2 - 3 anos antes da denúncia dos mesmos existe, de acordo com a factualidade provada, a probabilidade de recidiva.
São, pois, prementes as necessidades de prevenção especial, face às características da personalidade do arguido evidenciadas pelo relatório social e pela perícia a que foi submetido, e as necessidades de dissuasão de potenciais delinquentes, ou seja, a prevenção geral, em relação aos crimes de abuso sexual e de pornografia de menores, que têm vindo a aumentar, é também muito sentida, reclamando uma intervenção vigorosa do direito penal.
Face ao exposto, tendo em conta a imagem global do ilícito, a personalidade do arguido acima referida e as suas condições de vida, não estando em causa nesta sede considerações sobre a culpa, entendemos ser adequada a pena de 6 (seis) anos de prisão.
Tal pena não admite a sua substituição por pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art.° 50.°, n.°1 do C. Penal, o que prejudica o conhecimento dessa questão.
O facto de a pena única agora aplicada ser em prisão efectiva não prejudica o tratamento psiquiátrico e psico-terapêutico para eventuais perturbações do comportamento sexual a que o arguido aceitou submeter-se, e que foi urna das condições da suspensão da pena decretada pela primeira instância, em condições e termos a estabelecer pelos Serviços Prisionais (DGRS), no Estabelecimento Prisional, caso seja de facto essa uma vontade séria do arguido.
Termos em que, embora com pena diversa, se pode concluir pela procedência do recurso do Ministério Público.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 5a secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, nos termos supra referidos, e em consequência:
1. Manter a condenação do arguido nas penas parcelares de 2 anos de prisão pelos crimes de abuso sexual agravado, p. e p. pelos artigos 171.°, n.°1 e 177°, n.° 1, al. b), Código Penal, praticados na pessoa dos menores P... e J...;
2. Revogar no mais a decisão recorrida e, em consequência:
a) Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual agravado, p. e p. pelos artigos 171.°, n.°1 e 177°, n.°1, al. b), Código Penal na pessoa de F... na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual agravado, p. e p. pelos artigos 171.°, n.°1 e 177°, n.°1, al. b), Código Penal na pessoa de T..., na pena de 3 (três) anos de prisão;
c) Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual agravado, p. e p. pelos artigos 171.°, n.°1 e 177°, n.°1, al. b), Código Penal na pessoa de R... na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3. Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Sem tributação.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2017
(processado e revisto pela relatora)
(Maria José Costa Machado)
(Carlos Manuel Espírito Santo)